A sensação dos tormentos do inferno é essencialmente terrível.
Ele se parece, ó alma minha, como uma noite escura sobre o cume de uma
montanha alta. Lá embaixo há um vale profundo, e a terra se abre de maneira
que, com o teu olhar, podes ver o inferno e sua profundidade. Ele se parece
como uma prisão situada no centro da terra, muitos quilômetros abaixo, todo
cheio de fogo, preso num recinto de forma tão impenetrável que, por toda a
eternidade, nem se quer a fumaça pode escapar. Nesta prisão os condenados estão
próximos um do outro como tijolos num forno... Imagine o calor do fogo em que
são queimados.
Primeiramente, o fogo se alastra por todas as partes e tortura
inteiramente o corpo e a alma. Uma pessoa condenada permanece no inferno para
sempre no mesmo lugar que foi destinado pela justiça divina, sem ser capaz de
mover-se, como um prisioneiro num tronco.
O fogo que o envolve totalmente, como um peixe na água, o queima em
volta, à sua esquerda, à sua direita, encima e embaixo. Sua cabeça, seu peito,
seus ombros, seus braços, suas mãos e seus pés estão totalmente invadidos pelo
fogo, de maneira que ele, por inteiro, se assemelha a um peça de ferro
incandescente e cintilante, que acaba de ser retirado do forno. O teto do
recinto em que moram as pessoas condenadas é de fogo; a comida que se come é
fogo; a bebida que se toma é fogo, o ar que se respira é fogo, tudo quanto se
vê e se toca é fogo...
Mas este fogo não está simplesmente fora dele; além do mais ele
transpassa pela pessoa condenada. Invade o seu cérebro, seus dentes, sua
língua, sua garganta, seu fígado, seus pulmões, seus intestinos, seu ventre,
seu coração, sua veias, seus nervos, seus ossos, inclusive a medula, bem como o
sangue.
“No inferno – segundo São Gregório Magno – haverá um fogo que não pode
se apagar, um verme que não morre, um cheiro insuportável, uma escuridão que
pode se sentir, castigo por açoite de mãos selvagens, com todos os presentes
desesperados por qualquer coisa boa.”
Um dos fatos mais terríveis é que, pelo poder divino, este fogo vai tão
longe como para atuar sobre as faculdades (aptidões) da alma, queimando-as e
atormentando-as. Suponhamos que eu me achasse colocado no forno de um ferreiro,
de modo que todo o meu corpo estivesse em pleno ar, exceto um braço que está
posto no fogo, e que Deus fosse preservar a minha vida por mil anos nesta
posição. Não seria isto uma tortura insuportável? Como seria então estar
completamente invadido e rodeado de fogo, o qual não atinge apenas um braço,
mas inclusive todas as faculdades (aptidões) da alma?
Para quem já teve a graça de ver, e de sentir, em sonhos o que seja este
tormento infinito, este fogo que queima o espírito sem consumir, esta
consciência que acusa sem cessar, que atormenta mais que mil fogos, que faz
compreender a eternidade do suplício, que entende a impossibilidade de fugir
dali, contra a qual não adianta lutar, esbravejar, sequer odiar, é possível
afirmar que o fogo exterior, que queima o corpo é apenas uma pálida centelha
daquele que inflama o espírito. De fato, a alma daria tudo para poder esquecer,
fugir dos pensamentos, escapar deste tormento mental, esmagar seu cérebro, pois
para ela isso significaria um alívio assombroso em seu tormento. É mais
espantoso do que o homem pode imaginar.
Em segundo lugar, este fogo é muito mais espantoso do que o homem pode
imaginar. O fogo natural que vemos durante esta vida tem um grande poder para
queimar e atormentar. Não obstante, este não é nem sequer uma sombra do fogo do
inferno. Há duas razões pelas quais o fogo do inferno é muito mais atroz, que
vai além de toda comparação, do que o fogo deste mundo.
A primeira razão é a justiça de Deus, da qual o fogo do inferno e um
instrumento dirigido para castigar o mal infinito causado contra a sua suprema
majestade, que fora menosprezada por uma criatura. Para tanto a justiça supre
este elemento com um poder tão grande que quase alcança o infinito.
A segunda razão é a malícia (perversidade) do pecado. Como Deus sabe que
o fogo deste mundo não é suficiente para castigar o pecado como este merece,
Ele tem dado ao fogo do inferno um poder tão grande que nunca poderá ser
compreendido pela inteligência humana. Entendem agora, o quão eficazmente
queima este fogo?
O fogo queima tão eficazmente, - ó minha alma! – que, de acordo com os grandes
mestres da escola ascética, se uma simples faísca caísse numa pedra de moinho,
esta se reduziria num instante em pó. Se caísse numa bola de bronze, esta se
derreteria instantaneamente como se fosse de cera. Se caísse sobre um lago
congelado, este haveria de ferver no mesmo instante.
Façamos uma breve pausa, ó alma minha, para que tu respondas a algumas
perguntas que te farei. Primeiro, te pergunto: Se um forno especial fosse
acesso, como usualmente se faz para atormentar os mártires, e, então, alguns
homens colocassem diante de ti todo tipo de bens que o coração humano possa
desejar, e garantissem a oferta de um reino próspero – se tudo isso te fosse
prometido em troca de que entrasses, só por meia hora, no forno ardente, o que
escolherias fazer?
Nem por cem reinos!
“Ah! – dirias – “se me oferecesses cem reinos, eu nunca seria tão idiota
em aceitar tais extremos tão brutais, não importa quantas coisas importantes me
oferecessem, mesmo que estivesse segura de que Deus iria preservar a minha vida
durante esses momentos de sofrimento.”
Em segundo lugar, eu te pergunto: Se tu já estivesses na posse de um
grande reino, e estivesses nadando num mar de riqueza, de maneira que não
precisarias de nada, e fosses atacada por um inimigo, feita prisioneira e
acorrentada, se fosses obrigada a escolher entre perder o teu reino ou passar
meia hora dentro de um forno incandescente, o que escolherias? “Ah! – dirias –
prefiro passar toda a minha vida na pobreza extrema e submeter-me a qualquer
injúria e infelicidade do que sofrer tão grande tormento!”
Uma prisão de fogo eterno
Neste instante, dirige os teus pensamentos daquilo que é temporal para o
que é eterno. Para fugir do tormento de um forno ardente, que duraria somente
meia hora, tu sacrificarias qualquer propriedade, principalmente as coisas que
mais te satisfazem, e estarias disposto a sofrer qualquer outro dano temporal,
não importando quão trabalhoso pudesse ser. Então, por que não pensas da mesma
maneira quando discutes sobre os tormentos eternos?
Deus não te ameaça com meia hora de suplício dentro do forno ardente,
mas, pelo contrário, com uma prisão de fogo eterno. Para escapar dela, não
deverias renunciar a tudo o que está proibido por Ele, não importando quão
prazeroso possa ser, e abraçar alegremente tudo quanto Ele ordena, mesmo que
fosse extremamente desagradável?
O mais espantoso do inferno é a sua duração. A pessoa condenada perde a
Deus e o perde por toda a eternidade. Aliás, o que é a eternidade? Ó alma
minha, até agora nenhum anjo pode compreender o que é a eternidade! Como então
poderás tu compreende-la? Ainda assim, para formarmos alguma idéia sobre ela,
consideremos as seguintes verdades:
A eternidade nunca termina. Esta é a verdade que tem feito tremer até os
maiores santos. O juízo final virá o mundo será destruído, a terra engolirá
todos os condenados, e estes serão lançados no inferno. Então, com sua mão
todo-poderosa, Deus os encerrará para sempre em tão amaldiçoada prisão.
Desde então, tantos milênios se passaram como há folhas nas árvores e
nas plantas de toda a terra, tantos milhares de anos, como existem gotas de
água em todos os mares e rios da terra, tantos anos com existem átomos no ar,
como existem grãos de areia em todas as praias de todos os mares. Logo, depois
de passarem todos estes incontáveis anos, o que será a eternidade?
No entanto ela não será sequer uma centésima parte dela, ou uma milésima
– nada. Então começará novamente e durará tanto como antes, novamente, assim
por diante, até que haja se repetido mil vezes, e um bilhão de vezes,
novamente. E logo depois de um período de tempo tão longo, nem sequer terá
passado a metade, nem sequer uma centésima parte ou uma milésima parte, nem
sequer uma parte da eternidade. Em todo este tempo não haverá interrupção na
queima dos condenados, começando tudo novamente.
Oh! que mistério profundo! Um terror sobre todos os terrores! Oh!
eternidade! Quem pode comprender-te?
Suponhamos que, no caso de maldito Caim, chorando no inferno somente
derramasse a cada mil anos uma única lágrima. Agora, alma minha, guarde os teus
pensamentos e leve em consideração este fato: por seis mil anos, no mínimo,
Caim tem estado no inferno e tem derramado apenas seis lágrimas, que Deus
milagrosamente lhe preservara.
Quantos anos levariam para que as suas lágrimas cobrissem todos os vales
da terra e inundassem todas as cidades, povos e vilas e todas as montanhas até
que inundasse toda a terra? Sabemos que a distância entre a terra e o sol é de
trinta e quatro milhões de léguas. Quantos anos faltariam para que as lágrimas
de Caim enchessem este imenso espaço? Da terra ao céu estimamos que haja uma
distância de cento e sessenta milhões de léguas.
As lágrimas de Caim
Oh! Deus! Que quantidade de anos teríamos que imaginar que seria
necessário para encher de lágrimas este imenso espaço? E ainda assim – Oh!
Verdade incompreensível! – estejam seguros disto, porque Deus não pode mentir –
chegaria o tempo em que as lágrimas de Caim seriam suficientes para inundar o
mundo, para alcançar inclusive o sol, para tocar o céu, e encher todo o espaço
entre a terra e o mais alto do céu. Isso, porém, não é tudo.
Se Deus secasse todas estas lágrimas desde a última gota, e Caim
começasse chorar outra vez, ele voltaria outra vez a encher o espaço inteiro e
o inundaria mil vezes e um milhão de vezes em sucessão, ao longo de todos esses
incontáveis anos, nem sequer haveria passado a metade de eternidade, nem sequer
uma fração. Depois de todo esse tempo, ardendo no inferno, os sofrimentos de
Caim estariam tão somente começando.
A eternidade, neste caso, não tem alívio. Seria de fato uma pequena
consolação, de muito pouco benefício, para as pessoas condenadas, se fossem
capazes de receber um breve alento a cada mil anos.
Felizmente aqui, no caso de Caím, o Santo está errado, porque Caím está
salvo. Dirão vocês que fiquei maluco, mas não, aos que duvidam a eternidade depois
comprovará. Em verdade, Deus foi bom com Caím, porque ao marcá-lo para que
ninguém o matasse, permitiu que ele passasse todo seu Purgatório de sofrimento
aqui, e certamente foi um dos mais longos e dolorosos, porque naquele tempo as
pessoas viviam séculos. Quem sabe, se alguém o tivesse morto antes de expiar
sua falta, ele tivesse se perdido. Sim, porque o crime dele foi gravíssimo,
devido ao fato de que desde menino ele via Deus e se sentava no colo Dele. Sua
maior revolta contra Deus era a existência da noite, pois queria que sempre
fosse dia. Por outro lado, se todos os assassinos se perdessem, o inferno
estaria povoado deles. Eis porque Jesus diz: não julgueis para não serdes
condenados. (Aarão)
Não existe alívio
Imaginemos um lugar do inferno onde haja três malvados. O primeiro está
submergido num lago de fogo sulfúrico; o segundo está preso numa grande pedra e
está sendo atormentado por dois demônios, um dos quais constantemente lhe lança
chumbo derretido na sua garganta, enquanto o outro lhe derrama sobre todo o seu
corpo, cobrindo-lhe desde a cabeça até os pés. O terceiro réprobo está sendo
torturado por duas cobras, uma das quais o envolve com seu corpo e o morde
cruelmente, enquanto que outra entra no seu corpo e ataca o seu coração.
Suponhamos que Deus se apiede dele e lhe conceda um curto respiro.
O primeiro homem, depois de haver passado mil anos, é removido do lago e
ele recebe o conforto de tomar água fria, e, depois de passar uma hora, ele é
novamente jogado no lago. O segundo, depois de mil anos de tormento, é removido
de seu lugar e lhe é permitido descansar, mas logo depois de uma hora é jogando
novamente no mesmo tormento. O terceiro, depois de mil anos se vê livre das
cobras; porém, após uma hora de alívio, novamente é estuprado e atormentado por
elas. Ah! quão limitada seria esta consolação – sofrer por mil anos para
descansar somente por uma hora!
Aliás, o inferno nem sequer tem esta consolação. Todos se queimam sempre
nessas chamas assustadoras e nunca recebem nenhum alívio em toda a eternidade.
O condenado é corroído e ferido pelo remorso, e nunca terá um descanso em toda
a eternidade. Sempre sofrerá uma sede muito abrasadora e nunca receberá o
frescor de um pouco de água em toda a eternidade. Sempre se contemplará
detestado por Deus e nunca poderá receber a alegria de uma simples olhada de
ternura de Deus por toda a eternidade. O condenado se sentirá sempre maldito
pelo céu e pelo inferno, e nunca receberá um simples gesto de amizade.
É uma das desgraças essenciais do inferno que todo o tormento será sem
consolo, sem remédio, sem interrupção, sem final, eterno.
Vejam, se Deus depois daquele castigo de mil anos, concedesse a cada um
dos condenados, almas ou demônios, esta hora de descanso, onde eles pudessem
meditar e se arrepender, acreditem, nenhum dos condenados voltaria plenamente
arrependido. É isso que prova a imensa perfeição da Justiça Divina (Aarão).
A bondade de sua misericórdia
Agora eu compreendo em parte, ó meu Deus, o que é o inferno. É um lugar
de tormentos excessivos, de desesperança extrema. É o lugar onde mereço estar
por causa dos meus pecados, onde eu estaria desterrado por alguns anos, se a
tua imensa misericórdia não me tivesse libertado. Repetirei mil vezes: O
Coração de Jesus me tem amado, ou, do contrário, agora eu estaria no inferno! O
Sangue de Jesus me tem reconciliando com o Pai Celestial, ou minha morada seria
o inferno. Este é o cântico que eu quisera cantar a Ti, meu Deus, por toda a
eternidade. Sim, de agora em diante, minha intenção é repetir estas palavras
tantas vezes como os momentos se sucedem desde aquela maldita hora em que te
ofendi pela primeira vez.
Qual tem sido a minha gratidão para com Deus pela bondosa misericórdia
que Ele me tem mostrado? Ele me livrou do inferno. Oh! Imenso amor! Oh!
Infinita bondade! Depois de um benefício tão grande, não deveria eu lhe dar
todo o meu coração e amá-lo com o amor do mais inflamante serafim? Não deveria
eu dirigir todas as minhas ações até Ele e, em cada coisa, buscar somente
contentar a vontade divina, aceitando todas as contradições com alegria, de
maneira que possa lhe devolver o meu amor?
Poderia fazer alguma coisa menor do que isso depois de uma bondade tão
grande! Oh! Ingratidão, merecedora de outro inferno! Deixar-te-ei de lado, Deus
meu! Resistirei à tua misericórdia, cometendo novos pecados e ofensas. Sei que
tenho feito o mal, ó meu Deus, e me arrependo de todo o meu coração. Ah! se
pudesse derramar um mar de lágrimas por tão ofensiva ingratidão! Ó Jesus, tem
misericórdia de mim, visto que agora decidi melhor: sofrer mil mortes do que
ofender-te novamente.
Fim
Temos assim mais uma visão de santo da nossa Igreja, que certamente teve
da parte de Deus a graça da visão do inferno, para poder relatá-la com tanta
clareza. Os maus dirão que o inferno não existe e se existe é crueldade de
Deus. Alguns se irão assustar com o tamanho da pena, mas ela é conforme a
justiça. Se o infinito prazer do Céu está reservado aos justos e aos
convertidos, devemos saber que para equilíbrio é preciso que exista a Justiça
infinita destinada aos rebeldes.
Devemos dizer, com toda certeza, que ganhar o inferno como castigo
eterno, é fruto de um ato consciente de rebeldia contra Deus, uma rebeldia
teimosa e obstinada no mal, algo que repugna até pensar, que uma simples
criatura humana possa se auto-impregnar de tanta teimosia. Não é verdade que
alguém possa cair no inferno por culpa de satanás: a perda se dá por exclusiva
culpa da alma! Ela se perde por causa da liberdade que tem, e fazendo mau uso
dela vive a fornicar com a serpente.
Enfim, não se assuste: o inferno é para os maus! Dificilmente algum
deles irá ler este texto, porque acha a existência do inferno uma bobagem da
Igreja e uma invenção dos padres. Mas que isso sirva para você, que leu todo
este texto, rezar por aqueles que jogam junto com a serpente, para que não
sigam até o dia do julgamento teimando nesta obstinação. Se você tem um destes
em sua família, reze por ele. E Deus nunca o abandonará!
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