“Não é lícito promover a união dos cristãos de outro modo senão
promovendo o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo, dado
que outrora, infelizmente, eles se afastaram dela”.
Monsenhor José Luiz Villac
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Página do Vaticano no Youtube que apresenta o vídeo com intenções do Papa Francisco, em janeiro deste ano, onde pede orações pelo diálogo inter-religioso… |
Pergunta — Desde o Concílio Vaticano II ouço
muitas pessoas defendendo o diálogo inter-religioso e o ecumenismo. Como
católico, posso ser contrário a essas posições? Creio que devemos respeitar
todas as pessoas, mas não colocar a Igreja de Cristo em pé de igualdade com
falsas religiões. Estou certo ou errado em pensar assim?
Resposta — A pergunta de nosso missivista
apresenta-se muito pertinente e atual no que se refere ao ecumenismo, pois
muitos leitores ficaram perplexos com a participação oficial da Igreja Católica
em numerosos atos preparativos da comemoração do quinto centenário da rebelião
de Lutero, e ouviram com estupor os elogios tecidos ao heresiarca por
destacados membros da Hierarquia e até pelo próprio Papa Francisco.
Quanto ao diálogo
inter-religioso, os fiéis já tinham ficado não pouco confundidos com as
reiteradas condenações àquilo que o Pontífice chama desdenhosamente de
“proselitismo”, enquanto num vídeo pedindo orações para esse diálogo
inter-religioso ele afirmava (em janeiro de 2016) que muitos “procuram
Deus e encontram Deus de diversas maneiras”, e que “nesse leque de
religiões há uma única certeza que temos para todos: somos todos filhos de
Deus”. A conclusão que um internauta não instruído nas subtilezas da
Teologia — ou seja, a imensa maioria das pessoas — tirava dessas palavras (e
das imagens que as acompanhavam) era de que todas as religiões que pregam o
amor são um meio válido para se chegar a Deus…
O que pensar de tudo isso?
No século XIX, a Igreja condenou
energicamente o indiferentismo religioso promovido pelo Estado laico e pelas
doutrinas difundidas por lojas maçônicas. No Syllabus, o Papa Pio
IX inclui entre o catálogo de erros modernos a falsa opinião segundo a
qual “no culto de qualquer religião os homens podem achar o caminho da
salvação eterna e alcançar a mesma eterna salvação” e que “o
protestantismo não é senão outra forma da verdadeira religião cristã, na qual
se pode agradar a Deus do mesmo modo que na Igreja Católica” (Proposições
16 e 18).
E na encíclica Quanto
conficiamur moerore, o referido Pontífice reiterou o ensinamento constante
do magistério: “Aqueles que ignoram invencivelmente a nossa santíssima
religião e observam diligentemente a lei natural e os seus preceitos —
impressos por Deus no coração de todos os homens — e que, dispostos a obedecer
a Deus, levam uma vida honesta e reta, podem com o auxílio da luz e da graça
divina conseguir a vida eterna. [...] Mas é também conhecidíssimo o dogma
católico, a saber, que ninguém pode se salvar fora da Igreja Católica e que não
podem obter a salvação eterna aqueles que são obstinadamente contumazes para
com a autoridade e as definições da mesma Igreja e estão obstinadamente
separados da unidade da Igreja e do Sucessor de Pedro, o Romano Pontífice, a
quem ‘a guarda da vinha foi dada pelo Salvador’” (Denzinger, 2866 e
2867).
“Não há salvação fora da Igreja”
Essa doutrina foi relembrada um
século mais tarde, na época do Papa Pio XII, numa carta ao arcebispo de Boston:
“Dentre as coisas que a Igreja
sempre pregou e nunca deixará de pregar, está a declaração infalível pela qual
somos ensinados que não há salvação fora da Igreja. [...] Existe um mandato
estritíssimo de Jesus Cristo, pois Ele encarregou explicitamente os seus
Apóstolos de ensinar todas as nações a observarem todas as coisas que Ele
próprio tinha ordenado” (Mt 28, 19-20).
“Não é o menor desses mandamentos
aquele que nos ordena a incorporarmo-nos pelo Batismo ao Corpo Místico de
Cristo que é a Igreja, e a permanecer unidos a Ele e ao vigário d’Ele, por meio
do qual Ele próprio governa aqui na Terra a sua Igreja de forma visível. Por
isso, ninguém se salvará se, sabendo que a Igreja é de instituição divina por
Cristo, se recusar apesar disso a sujeitar-se a Ela ou se separar do Pontífice
romano, Vigário de Cristo na Terra. Não somente nosso Salvador ordenou a todos
os povos entrar na Igreja, Ele também decretou que é este um meio de salvação
sem o qual ninguém pode entrar no reino eterno da glória” (Carta do Santo Ofício, de
8 de agosto de 1949, Denz. 3866-3870).
Só uma é a verdadeira Igreja de Cristo
Portanto, quando declaramos no
Credo que a Igreja é “una”, professamos igualmente que Ela é “única”, porque
somente Ela é a verdadeira Igreja de Cristo, à qual foi dada uma constituição
tão definida que, não somente qualquer outra religião, mas nem sequer alguma
comunidade separada da sua fé e da comunhão de seu corpo visível pode de alguma
maneira ser chamada parte ou membro da única Igreja verdadeira do único Deus
verdadeiro.
Esse ensinamento claríssimo e
insofismável foi, entretanto, obscurecido em alguns documentos oficiais do
Concílio Vaticano II, que afirmam que as igrejas cismáticas, as seitas cristãs
heréticas e até as religiões pagãs de alguma maneira fazem parte do plano
divino de salvação e servem de instrumento para a sua realização.
A articulação entre o decreto
conciliar Unitatis redintegratio e o n° 8 da
Constituição Lumen gentium, o qual diz que a Igreja de Cristo subsiste na
Igreja Católica, bem como o decreto Nostra Aetate, sobre as
religiões não cristãs, representam uma radical mudança de orientação, em
ruptura com o ensino tradicional acima relembrado.
As seitas obstaculizam a salvação de seus membros
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É errado dizer que o Espírito Santo se serve de comunidades cismáticas ou heréticas |
Esses textos conciliares afirmam simpliciter que
a Igreja de Cristo conta, entre seus membros, os cristãos batizados fora da
Igreja Católica e unidos a Ela, ainda que de modo imperfeito, pelos elementos
de verdade e de santificação existentes em suas comunidades. Desse pressuposto,
eles concluem que o Espírito Santo serve-se dessas comunidades separadas como
meios de salvação e que algumas delas podem até ser consideradas como
verdadeiras igrejas particulares. Isso, em absoluta contradição ao afirmado
pelo magistério tradicional, para o qual tais comunidades são como os ramos
cortados da videira, incapazes de produzir frutos de salvação (Pio XII,
encíclica Ad sinarum gentem, de 7 de julho de 1954).
De fato, os sacramentos ou a
leitura das Sagradas Escrituras podem ser frutuosos fora da Igreja Católica.
Mas isso acontece de modo apenas acidental, por causa da ignorância invencível
e da boa fé das pessoas que recebem esses sacramentos ou leem a Bíblia, os
quais as unem à Igreja Católica pelo desejo implícito que manifestam de unir-se
a Ela. Porém, as comunidades cismáticas ou heréticas a que pertencem, enquanto
separadas da Igreja, opõem-se a esse desejo implícito, que é o elemento que
torna frutuoso o sacramento ou a leitura. Portanto, deve-se dizer que tais
comunidades obstaculizam a salvação de seus membros e possuem alguns elementos
de santificação apenas de modo material, mas não formal.
É também errado dizer que o
Espírito Santo se serve dessas comunidades, como se esses elementos nelas
presentes lhes pertencessem e como se tal posse não fosse ilegítima. Se uma
moeda de ouro cai na lama, pode-se dizer que o ouro nela presente pertence à
lama? Ou, pior ainda, que isso faz com que a lama vire ouro? De modo nenhum!
Se, pela imensa bondade de Deus e
sob certas condições, os sacramentos ou a leitura da Bíblia produzem frutos
além das fronteiras da Igreja Católica, na realidade é Ela que administra o
sacramento e faz frutificar a boa leitura, através de ministros indignos que
abandonaram seu seio. Para dar uma imagem contemporânea, seria como se um grupo
de marujos revoltados escapasse da nau num bote salva-vidas, levando consigo
alguns instrumentos de navegação que ainda funcionam porque continuam
conectados à rede Wifi do navio. Nem por isso são os marujos
revoltados os que indicam a boa direção, mas a nau, com a qual os instrumentos
que eles usam estão conectados.
“Quem crer e for batizado será salvo”
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“Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” [foto Frederico Viotti] |
Uma última palavra a respeito do
diálogo inter-religioso com as religiões não cristãs. Pelo dito sobre os
cristãos cismáticos e hereges, os leitores já podem compreender facilmente quão
absurdo é, por exemplo, considerar como instrumento divino de salvação até o
Islã, que nos considera idólatras pelo fato de os verdadeiros cristãos
confessarmos a Santíssima Trindade e adorarmos Jesus Cristo.
A respeito das religiões pagãs,
pode-se unilateralmente dizer, como o faz Nostra Aetate, que a
Igreja Católica “olha com sincero respeito esses modos de agir e viver,
esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em muitos pontos daqueles
que ela própria segue e propõe, todavia, refletem não raramente um raio da
verdade que ilumina todos os homens” (§ 2)? Não há dúvida de que os
adeptos dessas falsas religiões, que as seguem por ignorância invencível, devem
ser respeitados. Mas podem-se respeitar doutrinas, preceitos e práticas que são
erradas e más — quando não diretamente ofensivas a Deus —, que afastam
seus seguidores da verdadeira salvação, a qual só podem encontrar na Igreja
Católica?
E, nessa linha de pensamento, o
que dizer da exortação aos católicos a que, “pelo diálogo e colaboração
com os sequazes de outras religiões, dando testemunho da vida e fé cristãs,
reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais e morais e os valores
socioculturais que entre eles se encontram” (§ 2)?
Antes de encerrar, convém ainda
lembrar, a propósito do ecumenismo, aquilo que incisivamente expressou o Papa
Pio XI na encíclica Mortalium animos: “Não é lícito
promover a união dos cristãos de outro modo senão promovendo o retorno dos
dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo, dado que outrora,
infelizmente, eles se afastaram dela”.
No que concerne o diálogo
inter-religioso, é preciso não esquecer que Nosso Senhor Jesus Cristo não
mandou os Apóstolos promoverem o encontro das culturas, mas lhes disse: “Ide
por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado
será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16, 15-16).
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 794,
Fevereiro/2017.
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