“Sim, porque se todas as mães fossem santas, piedosas e educassem,
cristãmente, os seus filhos, o mundo não iria tão mal.”
O
SONHO DO INFERNO
Depois dos sonhos que eu tivera na semana passada e que foram, mais ou menos,
contados nestas páginas, não tinha dúvidas de que o anjo me apareceria,
novamente, para levar-me ao Inferno. Os dois primeiros passeios que ele me proporcionou,
até me alegraram bastante, sobretudo o do Céu. Mas, diante de sua promessa de
levar-me ao Inferno, não tive mais tranqüilidade.
Entretanto, eu deveria visitar o lugar dos réprobos na condenação eterna, para
examinar de perto, os horrores sofridos pelas almas condenadas, por causa de
seus pecados cometidos na Terra. Fazia muitas noites que eu dormia
sobressaltado. E pensava:
Meu
Deus, será hoje que o sonho acontecerá?
E
rezava, rezava muito, pedindo a Deus que me dispensasse de ver o sofrimento das
almas no Inferno.
E
alguns dias se passaram.
Mas,
quando foi esta noite, sonhei, afinal…
Sonhei
que o mesmo anjo, de fisionomia alegre e tão divina, que me havia levado ao
Céu, e, antes, ao Purgatório, apresentava-se diante de mim, de semblante
carregado e austero. Perguntei:
Por
que estás tão sério?
O
Inferno é tão horrível que mesmo os anjos de Deus se transformam quando têm de
ir até lá, no cumprimento de alguma missão. Eu mesmo não desejava mostrá-lo a
ninguém, mas esta é a terceira vez que estou encarregado de fazer.
Ora,
pensei comigo mesmo:
Se
este anjo que mora no Céu e pode tudo, não deseja ir ao Inferno, quanto mais
eu!
E me
lembro que, no sonho, me ajoelhava no chão e dizia ao anjo que eu também não
queria ir, mas, se fosse da vontade de Deus, estava pronto. Apenas lhe pedia
para ajudar-me a não ficar impressionado com o que tivesse de ver por lá.
Respondeu-me
que Deus queria que eu observasse os horrores da condenação eterna, por causa
da minha missão de Sacerdote, a fim de que pudesse pregar melhor contra o
pecado.
E,
dizendo-me estas palavras, segurou-me pela cintura e, de repente,
encontramo-nos no espaço, voando por entre nuvens pesadas e ameaçadoras.
Tenho
medo! exclamei.
E
abracei-me com o meu protetor, cuja fisionomia cada vez mais se abatia. Notei,
então, que, ao contrário das outras vezes, nós íamos descendo. E, aquela
sensação desagradável de que ia levar uma grande queda, assustava-me a cada
momento. Pensava, de instante em instante, que algum obstáculo se apresentasse
diante de nós e meu coração estava tão pequeno como se fosse deixar de bater.
Isso mais se acentuava quando entrávamos numa nuvem espessa, escura,
aterradora. Tinha uma impressão horrível de que algo de extraordinário estava
para acontecer e comecei a chorar.
O
anjo abraçou-me com carinho e disse-me:
Nada
temas. Estás com a minha assistência e tenho poderes de Deus para proteger-te.
E
querendo distrair-me um pouco, acrescentou:
Olha
para cima!
Foi
então que, pela primeira vez observei a Terra distanciando-se de nós, perdida
no espaço, a girar, vertiginosamente. E, à proporção que descíamos, ela se
tornava cada vez menor.
Um
vento quente, como se viesse de um forno, começou a soprar. Tinha os lábios
ressequidos, os olhos inchados e as orelhas pegando fogo. Meu Deus, que será de
mim? O anjo não falava. Estava sério e preocupado, continuando a segurar-me
pela cintura. Aquele seu abraço era o único alívio que eu experimentava
naquelas circunstâncias. E a certeza de que haveria de proteger-me, dava-me
alento para continuar aquela misteriosa viagem.
Mais
uns instantes e escutei uma voz que me pareceu tão soturna, tão cavernosa, como
se fosse de assombração:
Estamos
chegando!
Era
o anjo a anunciar que estávamos próximos do grande portão do Inferno.
Por
que a tua voz está diferente? perguntei.
É
pura impressão respondeu ele. No Inferno é assim, as coisas são sempre muito
pavorosas…
E
aquela voz, antes tão macia e delicada, agora parecia um soluço do infinito.
Ali
está o grande e amplo portão do Inferno!
E o
anjo apontou-me para baixo, onde podia ver uma enorme lufada de fumaça negra,
deixando transparecer, pelas frestas das imensas portas, um fogo aterrador, que
parecia consumir tudo lá dentro.
Será
que o fogo está destruindo o Inferno? perguntei.
Não!
respondeu o anjo. O fogo do Inferno é eterno e não se acaba nunca. Nem tão
pouco consome as almas que moram lá. Elas são queimadas, mas não destruídas!
Aproximávamo-nos
cada vez mais do grande portão.
Agora
diminuía a velocidade de nossa descida e podíamos ver, claramente, pelos
buracos e trincaduras do portão, o fogo quente e voraz da infelicidade eterna.
Chegamos.
Aqui,
tudo é fácil disse o anjo. Entra-se sem nenhuma complicação, é só fazer o
sinal. Aliás, nem precisa, ali já estão eles a nos esperar. Pensam que somos
condenados.
Olhei
para um lado e deparei-me com mais de cem demônios ¾ espetáculo horrível, que
eu nem queria descrever. Eram como grandes homens, de rabos e chifres, trazendo
nas mãos, uns garfos enormes, tão quentes como se fossem de ferro
incandescente. Quando abriam a boca, deixavam sair chamas de fogo por entre os
dentes, e os olhos eram esbugalhados, quase saindo das órbitas. Seus braços
eram alongados e as mãos pareciam tenazes segurando a terrível arma.
Agarrei-me,
fortemente, ao meu companheiro, sentindo a quentura de uma daquelas feias bocas
abertas junto do meu rosto, enquanto uma risada infernal, histérica, como de
louco, fez-se ouvir pelas quebradas do Inferno. Parecia um trovão a ribombar
pela eternidade.
Que
é isso? perguntei, assustadíssimo.
É o
sinal que eles dão, quando chegam almas para o seu reino. Esta risada horrível
é a satisfação que eles sentem no seu passageiro triunfo contra Deus.
Enquanto
assim me explicava, o anjo puxou a sua espada de ouro e apontou para os
demônios acocorados diante de nós, exclamando:
Vim
da parte de Deus. Ide-vos embora.
Ao
escutarem o nome de Deus, os diabos sumiram-se, em dois tempos, com grande
alarido e rinchos de revolta, deixando, cada um, após si, um rastro de fogo,
dando urros que estremeciam até os portões da infernal entrada.
Agora,
estamos sós. Ninguém nos incomodará. Lê aquela inscrição.
Obedecendo
à indicação do meu protetor, levantei os olhos para o alto da porta do Inferno
e li estas palavras:
“Ó
vós que aqui entrais, deixai de fora todas as vossas esperanças, porque nunca
mais saireis daqui!”
Esta
legenda era escrita em letras de fogo e só em pensar no destino dos condenados
ao fogo eterno,
Vamos
entrar? convidou-me o anjo.
Quando
olhamos para o portão, vimos que estava completamente escancarado. Lá dentro,
um quadro horrível apresentou-se aos meus olhos. Eram almas envolvidas em
grandes fogueiras, cujas chamas lambiam, ameaçadoramente, as paredes do tétrico
cárcere do Inferno. Fui me aproximando, devagar, completamente assombrado,
daqueles infelizes que esbravejavam e rugiam como feras enraivecidas. Diante do
meu espanto, disse-me o anjo:
Isso
aqui não é nada. Estamos no primeiro grau da condenação eterna.
E
marchando, mais rapidamente, exclamou:
Vem
comigo.
Atravessamos
um mar de fogo, onde os demônios histéricos davam risadas de loucos, abrindo
aquelas enormes bocas junto de minha cara, deixando-me tremer de pavor. Um
hálito quente saía de suas entranhas, vindo em borbotões de fumaça fétida,
congestionar, ainda mais, os infelizes.
O
anjo mostrou-me o departamento dos que ainda estavam esperando o grau de
condenação que Lúcifer, o chefe do Inferno, lhes daria, dentro de poucos dias.
Vi, nestas almas, a fisionomia apavorante do sofrimento. Ímpetos de revolta,
num constante esbravejar de impropérios, saíam de suas bocas ardentes. Ali,
ouvia-se choro e mais adiante, o desespero em uivos de rancor. Milhares de
demônios luzidios, armados de aguçados garfos, empurravam estas almas para o
interior de um escuro buraco, onde só havia pranto e ranger de dentes.
Fechei
os olhos para não presenciar mais aquele doloroso espetáculo e fui amparado
pelo meu amigo que aproximando-se de mim, confortou-me:
Deus
quis que visses estas cenas, porém nada sofrerás.
Mas
eu não suporto isso! exclamei.
E
saímos, os dois, para um lugar mais calmo.
Quero
mostrar-te os diversos castigos impostos às almas, de acordo com a qualidade
dos pecados de cada criatura.
Neste
momento, por nós, passaram dois diabos terríveis, dando risadas que mais
pareciam ribombar de fortes trovões.
De
onde vêm eles? perguntei.
Vêm
da Terra. Foram buscar um moribundo que acaba de morrer. Não quis confessar-se
e morreu em pecado.
E,
apontando-me para a infeliz criatura, disse:
Vê
quem era ele!
Quando
me virei, deparei com um dos meus amigos que, realmente, estava doente na
Terra. Quando me viu arregalou os olhos, rangeu os dentes e contorceu-se,
convulsivamente, espojando-se no chão quente do Inferno, deixando-me a tremer
de agonia e de medo.
Fiquei
impressionado com a morte e a condenação do meu amigo. Se eu estivesse lá na
Terra, teria conseguido confessá-lo.
Impossível!
disse o anjo. Rejeitou a graça de Deus e foi desprezado aos seus próprios
destinos.
Chegamos,
finalmente, a um lugar descampado, onde o anjo mostrou-me várias espécies de
sofrimentos.
À
nossa passagem, rostos contorcidos pela amargura da dor pareciam querer nos
devorar com os olhos. Braços descarnados pelo fogo se estendiam em nossa direção,
como a pedir socorro que não podíamos dar. Comecei, de novo, a me sentir mal
naquele ambiente de sofrimento e abracei-me com o anjo, chorando,
convulsivamente.
Tens
medo?
Tenho,
sim. Sobretudo pena destas almas. E fico a pensar por que foi que se condenaram.
De quem seria a culpa? Delas próprias?
Em
tua pergunta leio teu pensamento… Sei o que queres dizer!…
Sim,
querido anjo. Penso na grande responsabilidade dos Sacerdotes. Muitas se perdem
por nossa negligência, não é verdade?
Verdade,
pois não.
No
Céu, não me quiseste mostrar o lugar de glória dos padres. Será que vais
mostrar-me aqui o lugar de sua condenação?
Foi
a ordem que recebi de Deus. Mostrar-te-ei o lugar onde ficam as almas dos
padres que não se salvaram.
À
proporção que marchávamos, o espetáculo de horror ia crescendo.
Disse-me
o anjo:
Lembra-te
que este sofrimento aqui é eterno. No Purgatório ainda há esperança da
salvação. Mas aqui, tudo termina com a entrada do condenado nesta cidade
maldita.
E
voltando-se, rapidamente, para mim, acrescentou:
Mas,
sabes qual é o maior sofrimento do Inferno? É a ausência de Deus. É saber-se
que existe uma felicidade suprema, um lugar de tranqüilidade onde todos os
nossos desejos são satisfeitos, um lugar de glória, onde não há dores nem
lamentos, para o qual foram todos criados, sem se poder, nunca mais, sair
daqui. E o pior ainda é que as almas condenadas sabem perfeitamente que estão
aqui de livre e espontânea vontade. Deixar o Céu por este sofrimento eterno!
Então,
a ausência de Deus ainda é pior do que isso?
É,
sim. Este sofrimento é imposto pelo próprio pecado. Lembra-te, entretanto, que
o homem foi feito para Deus, pois Deus é o seu fim último. E eles não possuirão
a Deus! Ficarão sempre neste eterno desejo, nesta eterna insatisfação.
Íamos
caminhando.
O
anjo me mostrou uma grande quantidade de espinhos.
São
almas explicou-me. É uma espécie de sofrimento. Queres ver?
E,
aproximando-se dos galhos retorcidos no chão, apanhou um deles e partiu pelo
meio.
Meu
Deus, que vi?
O
sangue escorrendo daquele galho partido, pingando no chão, um sangue quente,
escuro, grosso, enquanto um gemido magoado e profundo parecia ser daqueles
galhos recobertos de espinhos, movendo-se, misteriosamente, no chão.
Este
é o sofrimento reservado às pessoas que, em vida, pecavam, humilhando e
desprezando o próximo, disse o anjo.
E
continuou sua apresentação, ao mesmo tempo que explicava os respectivos
sofrimentos.
Vês
este mar de lama?
Vejo,
sim.
São
almas transformadas em lama… Aqui no Inferno é assim que o pecado das baixezas,
das hipocrisias e das traições é punido.
Vi,
em seguida, um enorme tanque, contendo grande quantidade de chumbo derretido.
São
as almas dos ambiciosos!
Mais
adiante, aquele reservatório gigante de ouro incandescente:
As
almas dos ricos e avarentos são castigadas aqui, sendo transformadas em ouro
derretido.
Agora,
vamos atravessando um rio de sangue.
São
as almas dos assassinos!
Até
que chegamos a um lugar esquisito, onde o anjo parou, dizendo-me que eu ia ver
o que jamais pensara em ver!
É o
lugar do mistério disse o anjo.
Que
mistério?
Um
lugar misterioso, diferente dos outros, onde estão as almas prediletas de
Satanás…
As
almas prediletas de Satanás? Quais são elas?
Prediletas
de Satanás e de Deus também…
Eu
estava ofegante, com a respiração em desespero, sem saber de que se tratava.
Enquanto o anjo prosseguia na sua explicação.
Estas
almas são as escolhidas por Deus para um lugar de destaque no Céu. Mas Satanás,
com inveja, deseja-as mais que as outras e manda legiões de demônios para a
Terra procurá-las. Eles têm ordem de Lúcifer de empregar todos os meios de
perdê-las.
Mas,
por que não me dizes de quem são estas almas?
Porque
irás vê-las, dentro em pouco.
E,
apontando-me para umas nuvens de fogo, mostrou-me alguns demônios que vinham em
estertores medonhos, acompanhados pelas vociferações esbravejantes de uma alma
que eu não podia saber quem era.
Que
alma é esta? perguntei.
Pobre
alma! exclamou o anjo. Alma querida de Deus, feita por Deus para salvar o
mundo, para dar santos ao mundo e, agora, aqui ficará eternamente sem poder
gozar da grande recompensa que Deus lhe havia reservado.
Querido
anjo, dize-me, de quem se trata?
O
seu lugar ficará sempre vazio no Céu. Jamais será ocupado por outra alma.
E os
demônios passaram por nós, deixando-nos envolvidos na nuvem de fogo que os
cercava, com sua preciosa presa.
Agora,
irás saber de quem é esta alma. Eles vão abrir o cárcere destas infelizes
criaturas. Ela ficará junto às outras companheiras de infortúnio eterno! Vê,
estão abrindo a porta.
Meus
olhos estavam pregados na grande porta, diante de nós. Meu coração pulsava tão
forte, que não me sustentava em pé. Minhas pernas tremiam, eu estava tomado de
grande pânico até que senti desfalecerem-me as forças. Segurei-me ao anjo, dizendo:
Vou
desmaiar…
Não,
disse o anjo. O poder de Deus dar-te-á força porque ainda verás outra coisa
pior!
E,
caído no chão quente do Inferno, aos pés do meu protetor, fui seguindo os
movimentos dos demônios, abrindo aquele cárcere de mistério. Um estrondo
medonho abalou toda aquela sala imensa, quando, afinal, as suas portas foram
escancaradas.
Neste
momento, levantando-me pelo braço, disse-me o anjo:
Vês
as almas que estão lá dentro!
Olhei-as!
Meu Deus, que aflição, que dor tão profunda feria todo o meu ser. Não posso
acreditar no que vejo!
E,
fitando aqueles animais horríveis, aquelas bestas horrorosas, em contorções e
espasmos horripilantes, exclamou o anjo:
Aí
estão elas! São elas, as almas de todas as mães que se condenaram. As almas
prediletas de Deus, as almas queridas de Deus, aquelas por quem Deus tem mais
predileção. Elas, as almas das infelizes mães que não souberam ser mães, que
desprezaram o grande apanágio da maternidade, que se descuidaram dos filhos,
deixando que muitos se perdessem por causa de sua negligência.
Eu
olhava, atônito, aquele espetáculo tenebroso, em que asquerosos demônios,
ameaçadores como cães enraivecidos, atiram-se sobre aquelas almas transformadas
em bichos, como a querer devorá-las, espetando-as nas pontas de seus garfos
incandescentes.
Pobres
mães! pensei eu. É assim que elas, as descuidadas, são condenadas pelo descaso
em que viveram. As mães, as que foram elevadas à mesma dignidade de Nossa
Senhora, mas não quiseram escutar a voz de Deus que as chamou para desempenhar
tão alta missão.
Enquanto
estava eu assim, absorto em meus pensamentos, vi outra leva de diabos que
arrastavam mais uma mãe que entrava na condenação eterna. Foi então que,
levantando os olhos, pude ler, no teto daquele pavoroso cárcere, as seguintes
palavras, como uma saudação macabra às mães que ali se encontravam.
“Eis
as nossas colaboradoras, na grande obra da perdição do mundo!”
Vendo-me
ler esta inscrição, atalhou o anjo.
Sim,
porque se todas as mães fossem santas, piedosas e educassem, cristãmente, os
seus filhos, o mundo não iria tão mal. Não haveria juventude transviada, nem
veríamos na mocidade de hoje uma ameaça constante à subversão da ordem.
Quer
dizer que a santidade do mundo é devida, exclusivamente, às mães? perguntei.
Exclusivamente,
não respondeu o anjo.
E
frisando bem as palavras, acrescentou:
Quase
exclusivamente. Digo assim porque existe outra classe de pessoas a quem Deus
confiou a salvação das almas e a santidade da vida.
Aos
Sacerdotes? perguntei.
Sim.
Deus confiou a salvação do mundo às mães e aos Sacerdotes. Por isso,
reservou-lhe os melhores lugares no Céu, assim também como Lúcifer lhe reservou
os maiores sofrimentos no Inferno.
E,
numa pergunta que era um verdadeiro desafio a mim:
Queres
ver onde estão as almas dos padres que não se salvam? Tens coragem?
Naquele
momento, eu estava mudo de terror. Uma angústia esquisita apoderava-se de mim e
eu sentia uma sensação de quem ia precipitar-se num abismo.
Se
esta é a vontade de Deus exclamei desejo ver os meus irmãos no sacerdócio!
Pois
nem é preciso sairmos daqui volveu o anjo. As mães e os padres estão num mesmo
pé de igual sofrimento na eterna condenação. Vês aquela porta que está se
abrindo!
Foi
então que escutei o ranger dos gonzos que giravam sobre si mesmos, enquanto
duas bandas de portas se abriam para dar passagem a mais um padre que ia
chegando ao Inferno.
Quadro
impressionante aquele que eu via neste sonho, que eu daria tudo para terminar o
mais depressa possível. Via inúmeros corpos sem cabeças e sem pernas, só os
troncos, movimentando-se de braços estendidos para um invisível, para algo que
não estava ali.
É o
desejo de possuírem Deus! explicou o anjo. Não têm pernas porque elas lhes
foram dadas para que caminhassem pelo mundo, na faina gloriosa da pregação do
Evangelho a todos os povos. Como empregaram suas caminhadas para o serviço do
mal, aqui têm de mover-se sem pernas. E não têm cabeça, porque Deus lhes deu os
olhos, os ouvidos, a boca, o nariz, o cérebro e o pensamento para serem
aplicados na conquista das almas, no serviço de regeneração do mundo e na
restauração do reino de Cristo. Por meio da palavra e do pensamento, os
Sacerdotes deveriam santificar todos os homens. Como não realizaram esta
vontade de Deus, apesar de terem sido chamados por Ele para tão nobre missão,
no Inferno são punidos, separadamente: os corpos de um lado, como acabas de ver
e as cabeças de outro, unidas às pernas, cousa monstruosa. Queres ver?
E
conduziu-me o anjo a um lugar sombrio, onde a fumaça nos trazia um cheiro
aborrecido de carne humana queimada. Fomos andando. De repente, avistei
horríveis monstrengos. Eram cabeças em que se viam olhos esbugalhados e bocas
desmedidamente abertas, querendo pronunciar palavras que não saiam.
Imediatamente, ligadas a estas cabeças, duas pernas que se movimentavam, sem
saírem do lugar. E mais os demônios que se divertiam com a posição aleijada
daqueles monstros, envolvidos em labaredas a devorá-los, queimá-los enquanto
uns grunhidos de animais amordaçados se faziam ouvir naquela sala fétida e
congestionada. Foi o lugar mais quente que encontramos no Inferno.
E
pensar disse o anjo que estas almas são irmãs de Cristo, são outros Cristos. E
pensar que, no Céu, as almas dos Sacerdotes são mais reverenciadas do que Nossa
Senhora, a Mãe do próprio Deus. E pensar que no Céu, os Sacerdotes vivem juntos
de Deus, gozando de sua mesma glória, porque a eles foi confiada a continuação
da grande obra da redenção do gênero humano. Aqui estão eles, os Sacerdotes que
se condenaram!…
De
repente, um descomunal demônio, perto de mim, tocou uma trombeta.
Vejamos
o que vai Lúcifer dizer observou o anjo. Deve ser alguma ordem que vai dar.
Ao
escutarem o som daquela estridente trombeta, que retumbou em todo o Inferno,
milhares de demônios ali se apresentaram, dentro de poucos instantes e,
conforme predissera o meu protetor, ouvimos o demônio chefe daquele bando, dar
as seguintes instruções:
Soube
a potestade máxima que comanda a todos os demônios do Inferno que há, na Terra,
um menino de doze anos, que será santo, se continuar no caminho em que vai. Não
poderemos mais conceder nenhum triunfo desta natureza a este… (e aquele demônio
não pronunciou o nome de Deus, mas todos entenderam, com um urro apavorante que
rolou pelo espaço sem fim do Inferno). Temos de conquistar aquela alma
continuou Satanás para nós, para Lúcifer, para nosso fogo! (Nesta hora,
ouviu-se uma risada frenética, traduzindo a satisfação infernal daqueles
diabos). Nosso trabalho prosseguiu o demônio será o de fazer aquele menino
comprar muitas revistas maliciosas, ir a todas as sessões de cinemas, assistir
a todas as novelas de televisão, ver todos os programas, arranjar amizades com
elementos que já são nossos. Ele deverá desobedecer, muitas vezes, à sua mãe,
fugir de casa e andar pelas ruas aprendendo o que ainda não sabe. Temos que
fazer, também, um servicinho junto à sua mãe que é muito piedosa. Ela deverá
arranjar festas para freqüentar, a fim de deixar o garoto mais à vontade. Temos
que empregar todos os meios para que este menino se perca, pois está escrito
que deverá morrer brevemente, por causa de uma operação a que se vai submeter,
dentro de poucos dias. (Nova risada histérica estrondou por todo o Inferno!).
Aquele menino deve perder-se disse o demônio esta será a nossa mais importante
conquista. Ordeno, em nome de Lúcifer, que saiam todos vocês (e eram milhares
os que ali estavam) para a Terra, imediatamente. Onde houver, naquela rua, um
menino do nosso bando, procurem fazê-lo amigo do que queremos para nós,
empregando para isso, todos os meios. Vejam que a melhor maneira de arrancá-lo de
sua casa, será fazer com que alguém lhe dê uma bola, a fim de que ele se junte
aos meninos de sua rua, que já são nossos, para jogar futebol, onde eles
aprendem toda sorte de palavrões e imoralidades. Lá é que deverão ficar vocês,
no meio destes meninos de rua, soltos, sem mães, isto é, cujas mães também são
nossas, para que se perca esta presa do nosso inimigo comum… (Novo estrondo,
com faíscas e trovões!).
Neste
ponto, acordei, graças a Deus.
Sentei-me,
rapidamente na cama. Já era de manhãzinha, e o sol ia nascendo. Estava tonto de
agonia, apavorado com o sonho, verdadeiro pesadelo. Ajoelhei-me e rezei. Rezei
muito a Deus, uma oração que somente eu sei rezar, pedindo-lhe, por tudo, para
livrar-me destes pesadelos.
Depois,
à proporção que ia acalmando, lembrei-me que deveria rezar uma Missa e deveria
ser a deste dia mesmo pela intenção daquele menino, que eu não sabia quem era,
mas Deus bem o sabia. Celebraria Missa por aquela criança e pela sua mãe,
pedindo a Deus que lhes dessem forças para não sucumbirem às tentações dos
milhares de demônios que tinham partido do Inferno, para tentá-los aqui na
Terra.
E
fui celebrar a minha Missa.
Quando
cheguei à sacristia, uma senhora, muito minha amiga, aproximou-se de mim e
disse:
Padre,
hoje é o aniversário de meu filho, Roberto, seu aluno. Vim perguntar-lhe se não
seria possível o Sr. celebrar essa Missa por ele. Está precisando muito de
orações. Ultimamente, tem me desobedecido várias vezes. Arranjou umas amizades
em minha rua, com as quais não estou satisfeita. Inventou um futebol, na
esquina, juntando-se a uma meia dúzia de garotos muitos sabidos e tenho notado
grande transformação nele, nestes últimos tempos. Na semana passada, começou a
sentir umas dores na perna direita. Levei-o ao médico que constatou uma hérnia,
já adiantada. Tem que se operar. Vou aguardar férias, já falei com o operador.
Hoje é o aniversário dele. O Sr. pode celebrar Missa em sua intenção?
E
eu, olhar meditativo, vago, impressionado, abri os lábios e balbuciei:
Pois
não… minha senhora… Vou celebrar por ele…
E
vendo a minha confusão, minhas palavras entrecortadas, perguntou a senhora:
Padre,
o Sr. está doente?
Ao
que respondi:
Estou,
minha senhora. Estou adoentado… Mas, fique tranqüila que rezarei Missa pelo seu
filho, por meu aluno Roberto, e ele voltará a ser o que sempre foi: um filho
piedoso, obediente e santo!
Comentário:
O Inferno
A
Sagrada Escritura fala da realidade do Inferno. Nosso Senhor Jesus Cristo falou
mais sobre o Inferno do que do Céu.
É
dogma de fé de nossa Santa Igreja que as almas dos que morrem em estado de
pecado mortal vão para o Inferno.
O
Inferno é um lugar em estado de eterna desgraça em que se acham as almas dos
réprobos, isto é, condenados.
A
Sagrada Escritura é rica em passagem sobre o Inferno. Segundo Daniel 12, 2 os
ímpios ressuscitarão para eterna vergonha e opróbrio. Leia-se ainda Judite 16,
17 e compare com Isaías 66, 24. Também trata dessa terrível verdade, o Inferno,
o livro de Sabedoria 4, 19 conforme 3, 10; 6,5ss.
Nosso
Senhor ameaça aos fariseus com o castigo do Inferno (Mateus 5, 22.29-30; 10,
28; 18, 9; 23, 15.33: Marcos 9, 43.45-47). Nosso Senhor afirma clara e
categoricamente que o Inferno é suplício eterno, fogo eterno, fogo
inextinguível. (Mateus 25, 41; 3,12; Marcos 9, 43; Mateus 13, 42.50; Mateus 25,
46). Lugar de trevas (Mateus 8, 12; 22, 13; 25, 30). Lugar de choro e ranger de
dentes (Mateus 13, 42.50; 24, 51; Lucas 13, 28). São Paulo dá o seguinte
testemunho: “Esses (os que não conhecem a Deus e nem obedecem ao Evangelho)
serão castigados à eterna ruína, longe da face do Senhor e da glória do Seu
poder (II Tessalonicenses 1, 8-9, conforme Romanos 2, 6-9; Hebreus 10, 26-31).
Segundo Apocalipse 21, 8 os ímpios terão sua parte no tanque que arde com fogo
e enxofre e ali serão atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos
(Apocalipse 20, 10 conforme II Pedro 2, 4-6 e Judas 7).
Dão
testemunho unânime da realidade do Inferno, os Pais da Igreja (discípulos dos
apóstolos e sucessores) e mencionamos apenas o santo mártir Inácio de
Antioquia, segundo sucessor de São Pedro em Antioquia que assim escreveu: “Todo
aquele que por sua péssima doutrina corromper a fé de Deus pela qual foi
crucificado Jesus Cristo, irá para o fogo inextinguível e a todos os que lhe
escutam”. Que palavras terríveis, que destino terrível, para os heréticos e
apostatas que negam a doutrina católica, que deixam a verdadeira e única
religião: a Católica. Que destino terrível para aqueles que, negando a única e
verdadeira Igreja: a Católica, cometem a loucura de fundar uma nova “igreja”
para substituir a instituída por Nosso Senhor. Santo Inácio diz: para os
heréticos, apóstatas e os que a eles seguem. Procuremos ouvir os sábios
conselhos de São Judas (Judas 17-24).
Não
nos esqueçamos que é dogma de fé que o Inferno dura por toda a eternidade. A
palavras grega aionios, que traduz “aquilo que não tem fim” referindo-se a
eternidade do Inferno é a mesma empregada para falar da vida eterna (João 3,
16), para falar da eternidade de Deus (Romanos 16, 26). Intencionalmente Deus
usou essa mesma palavra para falar do Inferno (Apocalipse 14, 11).
Aionios
não tem duplo significado. Se ela nos revela que Deus é eterno e que a vida que
recebemos, se perseverarmos na fé católica, é eterna, então deve significar que
o Inferno também é eterno.
Por
que existem pessoas que não crêem na existência do Inferno? A negação dessa
verdade não é um problema intelectual e sim moral. Na verdade são pessoas que
não querem mudar de vida. Querem viver escravizadas pelos pecados da carne e
depois irem para o Céu. Já dizia Charles Baudelaire: “A mais bela astúcia do
diabo está no fato de persuadir-nos de que ele, o diabo, não existe” e
conseqüentemente também o Inferno não existe.
Fala-se
tão pouco sobre o diabo, sobre o Inferno, sobre a morte. São os falsos profetas
que têm medo de falar nessas coisas e vivem, não segundo a Palavra de Deus, mas
sim com as idéias colocadas pela mentalidade dominante.
Nosso
Senhor, repetimos, falou mais sobre o Inferno do que sobre o Céu, a Eucaristia,
a Virgem Maria, porque Ele, que é Todo Amor, quer que os homens tomem
conhecimento do terrível destino em que podem cair com a sua recusa do amor de
Deus e a graça salvadora que lhes é oferecida.
É
bom esclarecer que as descrições que a Bíblia faz do Inferno são apenas indício
e pálida sombra da realidade.
A
nossa imaginação é incapaz de retratar de qualquer maneira o horror do Inferno.
Toda descrição sobre o Inferno está muito longe da realidade. O Inferno é
infinitamente mais terrível do que nos revela a Sagrada Escritura e nos narra o
sonho de Monsenhor Eymard.
Uma
boa confissão, a participação piedosa às Missas dominicais, o amor aos irmãos
com as boas obras são sinais da verdadeira fé em Jesus Cristo. E é essa
verdadeira fé católica que nos salva do Inferno e nos leva para o Céu. Há dois
caminhos apenas que levam para a Eternidade: O Céu e o Inferno, qual deles o
leitor escolhe?
Se
queres o Céu, arrependa-se dos seus pecados e procure hoje mesmo um piedoso
Sacerdote católico e faça uma boa confissão e nunca mais perca a Santa Missa
aos domingos – Dia do Senhor.
Se o
leitor se recusa a crer na realidade do Inferno, só me resta lembrar-lhe as
palavras de Jesus:
“Louco,
esta noite te pedirão a tua alma…” (Lucas 12, 20). Diácono Francisco Almeida
Araújo
ORAÇÃO
Ó
meu bom Deus! Que sois todo amor, eu vos dou graças pelo dom da fé, vos dou
graças por Sua Santa Igreja, vos dou graças por ser católico, vos dou graças
pela esperança do Céu, vos dou graças pela Escola de Amor que é o Purgatório
para nos preparar melhor para as delícias do Céu e vos peço, tende misericórdia
dos pecadores e concedei à Tua Igreja um profundo amor às almas para que
testemunhem o Seu Evangelho com a palavra e a vida! Amém!
Os
Três Sonhos (Céu, Purgatório e Inferno) – Mons. Eymard L’e. Monteiro
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