“Tudo o que fizerdes, em palavras ou por obras
(fazei) tudo em nome do Senhor Jesus Cristo, dando por ele graças a Deus Pai.”
Pe. Garrigou-Lagrange, OP
Estado
e dificuldade da questão: não se está tratando da perfeição ínfima, que exclui
apenas os pecados mortais, nem tão-somente da perfeição média, que exclui os
mortais e os veniais plenamente deliberados, mas da perfeição propriamente
dita, que exclui imperfeições deliberadas e atos imperfeitos; logo, não é
meramente o convite à perfeição propriamente dita pois, quanto a isso, não há
dúvida: todos homens estão convidados à perfeição propriamente dita.
A
questão versa sobre a existência de uma obrigação geral de todos católicos
tenderem à perfeição da caridade. Não é, contudo, uma obrigação especial, cuja
violação seria um pecado especial, como no estado religioso, mas de uma
obrigação geral.
A
dificuldade surge quando queremos conciliar certas sentenças de Nosso Senhor
que, num primeiro momento, parecem contradizer-se.
Por
um lado, Cristo aconselha o adolescente rico (Mt 19, 21): “Se queres ser
perfeito, vai, vende o que tens, e dá aos pobres... e vem e segue-me”.
Estas palavras – “Se queres ser perfeito” – parecem exprimir um
conselho, não uma obrigação. Logo, todos os católicos não estão obrigados a
buscar a perfeição; aparentemente, somente aqueles que já prometeram seguir os
conselhos evangélicos estariam obrigados a buscar a perfeição¹.
Por
outro lado, declara Cristo a todos (Mt 5, 48): “Sede pois perfeitos, como
também vosso Pai celestial é perfeito”.
No Comentário
a S. Mateus, São Tomás de Aquino explica essas palavras do Senhor dizendo:
“à perfeição da excelência da vida estão mais obrigados os clérigos do que os
leigos; à perfeição da caridade, porém, todos estão obrigados”, ou seja,
estamos todos obrigados a buscá-la.
Além
disso, na Suma Teológica², São Tomás de Aquino prova que, essencialmente, a
perfeição consiste não nos conselhos evangélicos, mas nos Mandamentos, uma vez
que o primeiro mandamento não tem medida: “Amarás o Senhor teu Deus com todo
o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças, e com todo o teu
entendimento” (Lc 10, 27). E assim, segundo São Tomás, a perfeição da
caridade recai sob o Mandamento como a um fim que se deve perseguir.
Santo
Agostinho, São Tomás de Aquino e São Francisco de Sales sustentam que todos
devem buscar a perfeição da caridade, cada um segundo a sua condição. Assim, a
perfeição da caridade recai sob o Mandamento como a um fim.
Como,
pois, conciliar estas palavras do Senhor: “Se queres ser perfeito” e “Sede,
pois, perfeitos”?
A
resposta verdadeira à questão assim apresentada, conforme o pensamento de São
Tomás, parece foi respondida corretamente por Cajetano e Passerini na IIa IIae,
q. 184, a. 3, por P. Barthier em seu livro, De la perfection chrétienne
et de la perfection religieuse, e por P. A. Weiss, O. P., Apologie
des Christentums, vol. 5, índex Vollkommenheit. Tratei dela longamente
em Perfection chrétienne et contemplation, t. I, p. 215-244; e
em Les trois ages de la vie intérieure, t. I, 267 sq.
Solução: a resposta está contida em quatro proposições:
1. Todos
os católicos estão estritamente obrigados a amar a Deus apreciativamente sobre
todas as coisas.
2. Todos
devem buscar a perfeição da caridade, por força do supremo Mandamento, mas cada
um conforme a sua condição: este no estado de matrimônio, aquele como irmão
professo em uma ordem religiosa, e aquel’outro como sacerdote secular.
3. Ninguém,
contudo, está obrigado a possuir em ato a caridade não-comum ou dos perfeitos.
4. Nem
todos estão obrigados a buscá-la imediata e explicitamente pelo cumprimento dos
conselhos evangélicos.
Primeira
proposição: Todos os católicos estão estritamente
obrigados a amar a Deus acima de tudo; é o Mandamento do Senhor (Mt 22,
37-39):” Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma,
de todo o teu espírito. Este é o máximo e o primeiro mandamento. O
segundo é semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti
mesmo”. Assim também em Deuterônimo 6, 5; Lucas 10, 27 e Marcos 12,
30.
Logo,
cada um está obrigado a amar a Deus pelo menos apreciativa ou
estimativamente, se não intensivamente, acima de tudo, e mais do que a si
mesmo. Nas palavras de São Tomás (IIa IIae, q. 184, a. 3 ad 2): “Não viola o
preceito quem, de algum modo, atinge a perfeição do amor divino. O grau ínfimo
do amor de Deus consiste em que não se ame nada acima, contra ou igualmente a
Deus; quem faltar a este grau de perfeição, não cumpre o preceito de modo
algum”.
Como
nota o Pe. Barthier, I, 218, condenam-se neste preceito as liberdades modernas
denominadas liberdade de consciência, liberdade de religião e liberdade de
opinião, que atribuem os mesmos direitos à verdade e ao erro, ao bem e ao mal,
como se Deus, que é a Verdade suprema e o Sumo Bem não tivesse direito estrito
e imprescritível ao obséquio do nosso intelecto e da nossa vontade, e a ser amado
acima de tudo. Por onde, reconhecer ou defender estas liberdades sem limite e
sem subordinação a Deus é voltar as costas a Deus e agir contra Ele. E ainda,
conservar-se neutro entre o liberalismo e o catolicismo equivale a amar algo
tanto quanto a Deus. O amor de Deus, ainda que em grau ínfimo, deve dominar
sobre todos os nossos afetos, como reza a fórmula de São Tomás de Aquino: “Não
se ame nada acima, contra ou igualmente a Deus; quem faltar a este grau de
perfeição, não cumpre o preceito de modo algum”.
Assim
como se ama estimativamente a Deus acima de tudo, quando se quer evitar todo
pecado mortal, assim a boa mãe católica, mesmo que ame intensivamente mais o
seu filho que vê e toca, ama contudo estimativamente mais a Deus que ao seu
filho.
Segunda
proposição: Todos devem buscar a
perfeição da caridade, cada um conforme a sua condição (Barthier, t.
I, 419 e 315; cf. Passerini, De Statibus hominum, p. 758, n. 13; in
IIa IIae, q. 184, a. 3).
Esta
proposição parece excessiva a muitos católicos que julgam erroneamente que
apenas os sacerdotes ou os religiosos estão obrigados a progredir na caridade.
Este é um erro muito difundido. Já outros estão prontos a admitir a veracidade
desta proposição na teoria, mas não enxergam toda sua fecundidade na prática.
Vejamos:
1º. Qual o fundamento desta proposição na Escritura; 2º. Qual sua prova
teológica.
1º.
Esta proposição aparece em termos equivalentes em diversas passagens das
Sagradas Escrituras, por exemplo: “Sede pois perfeitos, como também vosso
Pai celestial é perfeito” (Mt 5, 48); “aquele que é justo, justifique-se
mais” (Ap 22, 11); assim em outros lugares do Novo Testamento, reunidos nasConcordâncias sob
o verbete “crescer”: “Crescei na graça e no conhecimento do nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo” (2 Pd 3, 18); “Deixando pois toda a malícia...
para, por meio dele, crescerdes para a salvação” (1 Pd 2, 2); “cresçamos
em todas as coisas naquele que é cabeça, o Cristo” (Ef 4, 15); “frutificando
em toda a boa obra e crescendo na ciência de Deus” (Cl 1, 10); “deixando
de discorrer sobre os primeiro rudimentos acerca de Cristo, elevemo-nos a
coisas mais perfeitas” (Hb 6, 1).
A
partir destas diversas passagens, São Tomás elaborou esta fórmula, que expôs em
seu Comentário sobre a Epístola aos Hebreus, cap. VI, 2: “No que
toca o progresso à perfeição, deve o homem sempre esforçar-se por chegar ao
estado perfeito”. E faz uma objeção a si mesmo: A perfeição consiste
nos conselhos, pois, está dito nas Escrituras: “Se queres ser perfeito,
vai, vende o que tens, etc.“ (Mt 19, 21). Ora, nem todos estão
obrigados aos conselhos. Sendo assim, como diz S. Paulo: “elevemo-nos a
coisas mais perfeitas”?
São
Tomás responde no mesmo lugar: “Dupla é a perfeição: uma exterior,
que consiste nos atos exteriores que são sinais das coisas interiores, como a
virgindade ou a pobreza voluntária. Esta não obriga a todos. Outra é a
perfeição interior, que consiste no amor de Deus e do próximo,
segundo aquilo da Escritura: “Sobretudo, porém, tende caridade, que é o
vínculo da perfeição” (1Cl 3, 14) e a esta perfeição (isto é, à perfeição
da caridade) nem todos estão obrigados a tê-la, mas todos estão
obrigados a buscá-la, pois se alguém não quisesse amar mais a
Deus, não faria o que a caridade exige”. São Tomás cita a palavra de
São Bernardo: “Na via que leva a Deus, quem não progride, regride”.
2º.
A proposição pode ser provada teologicamente de dois modos: a)
tomando como ponto de partida o preceito da caridade; b) ou o estado da
caridade no homem peregrino.a) Tomando como ponto de partida o preceito da
caridade³: Como o primeiro Mandamento não tem medida, “Amarás o Senhor
teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito”,
segue-se que a perfeição da caridade é preceituada como fim. Disto se deduz,
diz São Tomás4, que “todos, tanto seculares como religiosos, estão
obrigados a fazer de algum modo tudo que podem fazer de bom; de fato, para
todos vale aquela passagem: “Faze com presteza tudo quanto pode fazer a tua
mão” (Ecle 9, 10). Há um certo modo de cumprir este preceito, pelo qual se
evita o pecado: se o homem fizer o possível, conforme as exigências do seu
estado, com a condição de que não despreze a excelência em suas ações, sem a
qual a alma se levanta contra o progresso espiritual.”
Todo
este artigo (art. 3 q. 184, IIa IIae) deve ser lido com grande atenção — contém
virtualmente tudo o que em seguida diremos.
b)
Também se pode provar tomando como ponto de partida o estado da caridade no
homem peregrino. Ora, assim como a caridade do
peregrino tende, por si mesma, à caridade da pátria, assim a graça é a semente
da glória. Diz Santo Tomás: “A caridade, quando fortificada, aperfeiçoa-se”5.
Esta vida sobrenatural da caridade existe primeiro em estado de infância,
depois, de adolescência e, finalmente, de adulto. Esta tendência, por si mesma,
pertence à natureza da via, caso contrário, já não seria a via para um término,
mas o próprio término. Como diz o Evangelho: “Entrai pela porta estreita,
porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos
são os que entram por ela.” (Mt 7, 13). Ora, caminhar espiritualmente é
progredir6. Do mesmo modo, no Evangelho, a caridade é comparada à
semente ou grão de mostarda, que deve crescer, ou aos talentos. E nesta última
Parábola (Mt 25, 25) diz o senhor daquele que recebera um talento e o escondera
na terra: “Tirai-lhe pois o talento, e dai-o ao que tem dez talentos. Porque ao
que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, tirar-se-lhe-á
até o que julga ter”. Ao que não dá fruto, se lhe subtrai.
Aplica-se
isto de diversos modos aos iniciantes, aos aproveitados e mesmo aos perfeitos,
dos quais diz São Tomás: “quanto mais se dirigem para o fim, mais devem
crescer” (Heb. C. X, lect. 2)
Objeção. Alguém poderá objetar: esta dedução não está
certa, pois São Tomás diz: “Não é transgressor do Mandamento quem não o cumpre
do melhor modo, desde que o cumpra de algum modo”7. Assim, nem todos
católicos estão obrigados a buscar caridade maior do que tem.
A
resposta a esta objeção tira-se da própria consideração
dos Mandamentos8:
1º.
A perfeição da caridade incide no Mandamento da caridade não como matéria, mas
como fim a ser perseguido; por outro lado, este Mandamento não tem medida, por
isso aquilo que é superior [ou seja, a perfeição da caridade], permaneceria
apenas como conselho, o que vai contra a fórmula do Mandamento, como
demonstrado por São Tomás9. Logo, a perfeição da caridade é de
preceito para todos, não como imediatamente adquirida, mas como o fim ao qual
cada um, conforme sua condição, deve tender.
2º.
De modo algum dispor-se ao progresso da caridade significaria faltar a todo ato
de caridade, o que seria contra o preceito, pois todos os católicos estão
obrigados a fugir de todo pecado, seja mortal seja venial; isto não pode
acontecer sem atos meritórios, com os quais a alma dispõe-se ao progresso ou
mesmo cresce em caridade. Ao menos aos domingos, todos os católicos devem
assistir a Missa e praticar atos de religião e de caridade para com Deus.
Terceira
proposição: Ninguém está obrigado a possuir a
caridade não-comum ou dos perfeitos10.
Basta
que os iniciantes tendam à caridade dos aproveitados e os aproveitados, à dos
perfeitos, cada um segundo a sua condição; em qualquer idade da vida espiritual
existem muitas gradações.
Para
a salvação basta certamente que se morra em estado de graça, ainda
que no seu menor grau. Isto é dito de modo muito claro por São Tomas na Suma
Teológica11, em que se diz que a perfeição necessária à salvação
é a que exclui o pecado mortal. E noutro lugar, diz que existe “uma perfeição
de supererrogação, quando alguém adere a Deus além do estado comum,
o que se faz tirando o coração das coisas temporais”12, isto é,
observando efetivamente os três conselhos. Os conselhos não obrigam, os
preceitos obrigam.
Quarta
proposição: Nem todos católicos estão
obrigados a buscá-la explicitamente, isto é, lançando mão dos meios
imediatamente proporcionais à perfeição da caridade. Nem todos são
convidados a ela individual ou imediatamente13. Mas devem evitar
todos os pecados veniais, crescer na caridade e, se assim o fizerem, serão
chamados não apenas remota, mas proximamente, de modo ainda mais eficaz, a uma
alta perfeição.
Ensina
São Tomás que a perfeição da caridade recai sob o preceito, mas como um fim ao
qual é preciso tender de algum modo, crescendo na caridade14.
Contudo, não é necessário a todos e a cada um tender a ela explicitamente,
usando os meios imediatamente proporcionados à
alta santidade, que suscitam a heroicidade das virtudes, ainda que todos
devamos, surgida a ocasião, aceitar o martírio antes do que renegar a fé.
Ainda
segundo São Tomás15, os dons do Espírito Santo são necessários à
salvação, mas não afirma o mesmo sobre os graus mais altos dos dons, nem
da alta contemplação infusa. Todos os cristãos devem aspirar não à prática
efetiva dos três conselhos, mas ao espírito dos conselhos – ao
espírito de abnegação.
De
onde, pois, fica a conclusão principal:
Todos os católicos, cada um segundo a sua condição, estão obrigados a tender a
uma caridade maior, sempre agindo conforme o motivo sobrenatural da caridade,
de acordo com as palavras do Apóstolo (Cl 3, 17): “Tudo o que fizerdes, em
palavras ou por obras (fazei) tudo em nome do Senhor Jesus Cristo, dando por
ele graças a Deus Pai.”
Todavia,
os que pecam contra os preceitos não cometem um pecado especial contra a
perfeição, que é diferente dos demais pecados, pois esta obrigação é geral, e
não especial.
Porventura
cada católico em particular é convidado a observar alguns dos conselhos,
conforme a sua condição? –
Sempre: é muito difícil observar todos os preceitos sem seguir ao menos alguns
dos conselhos, proporcionalmente à condição de cada um. Estes conselhos nos
levam a evitar imperfeições que dispõem de modo imediato aos pecados veniais, e
a abraçar o bem que a cada um convém. Assim, além de ouvir a Missa nos dias de
domingo, que é de preceito, são muito úteis algumas orações que não são de
preceito. No dizer do padre Barthier: “É raro encontrar um católico fiel a
todos os preceitos secundários quando neglige toda prática dos conselhos
evangélicos”16.
Porventura
cada católico em particular é convidado a seguir os três conselhos em
geral. – Não. Pois nem todos são chamados a
vida religiosa. Cada um deve trabalhar, no entanto, para que tenha o espírito
dos conselhos, isto é, o espírito de abnegação. Pois disse o Cristo (Mt 19,
12): “Nem todos compreendem esta palavra, mas (somente) aqueles a quem foi
concedido. Porque há eunucos que nasceram assim do ventre de sua mãe; e há
eunucos a quem os homens fizeram tais; e há eunucos que a si mesmos se fizeram
eunucos por amor do reino dos céus. Quem pode compreender (isto) compreenda.”
Comenta São Tomás: “que não convenha casar-se é verdadeiro para alguns, mas não
para todos, pois nem todos possuem tanta virtude para a vida de castidade; mas
foi dado a alguns, não por si mesmos, mas pelo dom graça. Como aquilo das
Escrituras (Sb 8, 21): ‘Sabia que não podia obter a sabedoria, se Deus ma não
desse’, que o homem viva na carne mas não segundo a carne, não vem do homem,
mas de Deus”17. Assim, como diz São Tomás, comentando o Evangelho de
São Mateus, todo homem está obrigado, cada um na sua condição, a buscar “o
melhor pelo afeto” (não pelos atos); “pois, quem não quisesse ser sempre
melhor, não o desejaria sem menosprezo”. Cf. Rm 6, 3-13.
De
onde, pois, fica a conclusão principal: Todos
os católicos, cada um segundo a sua condição, estão obrigados a tender a uma
caridade maior.
Corolários:
1º
Na via de Deus, não progredir é regredir, pois há o dever de progredir: para o
menino há uma lei natural de crescimento, caso contrário, tornar-se-ia um
homenzinho disforme; uma carroça que permanecesse demasiado nas postas se
atrasaria.
2º O
progresso da caridade deve ser acelerado; como diz São Tomás: “o movimento
natural (v. g. uma pedra que cai), quanto mais se aproxima do seu término, mais
se torna veloz. Ora, a graça inclina ao modo da natureza, logo, quem vive na
graça, quanto mais se aproxima do fim, tanto mais rapidamente deve crescer”18.
(Em outra obra, L´amour de Dieu et la Croix de Jésus, t. I
150-162, explicamos este corolário longamente, aplicando-o à santa comunhão e
ao progresso da caridade na vida da Santíssima Virgem).
3º Se
a caridade perfeita é o fim do preceito (ou recai sob o preceito como fim),
oferecem-se a nós graças atuais sempre maiores, proporcionadas a este fim; pois
Deus não pede o impossível. Cristo disse (Mt 5, 48): “Sede pois perfeitos,
como também vosso Pai celestial é perfeito”. Do mesmo modo, São Paulo (Ts
4, 3): “Porquanto esta é a vontade de Deus, a vossa santificação”; (Ef
1, 4) “nos acolheu antes da criação do mundo, por amor, para sermos santos e
imaculados diante dele” – Por isso, devemos esperar a obtenção desse fim, e
jamais dizer que “a humildade nos proíbe almejar algo tão elevado”. Assim, a
caridade perfeita, a qual se dá na união transformante, como disposição
perfeita à visão beatífica, aparece como o auge do progresso normal da caridade
ou da graça batismal.
Demonstramos
de modo suficiente que a perfeição cristã consiste essencialmente nos preceitos
e que a perfeição da caridade recai sob o supremo preceito, não como matéria
nem como coisa a ser imediatamente conseguida, mas como fim ao qual todos devem
tender, cada um segundo a sua condição; este no matrimônio, aquele na vida
sacerdotal ou como religioso19.
Por
isso, a perfeição cristã está apenas acidental e instrumentalmente nos
conselhos evangélicos propriamente ditos, como meios para se atingir a
santidade de maneira mais fácil e breve. Porém, mesmo sem a prática efetiva dos
conselhos, uma pessoa no estado de matrimônio, por ex., pode ser santo, desde
que tenha o espírito dos conselhos e esteja pronto a observá-los, se
necessário, v. g, para conservar a castidade absoluta após a morte do cônjuge,
e a pobreza, em caso de ruína.
Para
complementar esta doutrina notamos que, quando se compara o conselho com o
preceito, diz-se que o conselho é “um bem superior”; isso não significa que
seja um bem superior à obra do preceito, pois a caridade em grau elevado recai
também sob o preceito como fim, e o martírio pode vir a ser de preceito, dada a
ocasião. A expressão “um bem superior” contrapõe-se aos atos livres,
logo:
- É
melhor a pobreza consagrada a Deus do que o uso legitimo das riquezas;
- É
melhor a castidade absoluta consagrada a Deus do que o uso legítimo do
matrimônio;
- É
melhor a obediência religiosa do que o uso legítimo da nossa liberdade.
Isto
é confirmado pela divisão dos conselhos dada por São Tomás na Suma Teológica20.
Tradução: Permanência
Fonte: De Sanctificatione sacerdotum,
secundum nostri temporis exigentias.
[Romae] Angelicum [1946]. 168 p., capítulo I.
1.
Sobre esta dificuldade, ver Suma Teológica IIa IIae, q. 184, a. 3 ad 1.
2.
Ibidem.
3.
IIa IIae, q. 184, a. 3, argumento “em
contrário” e corpo do artigo.
4.
IIa IIae, q. 186, a. 2 ad 2.
5.
IIa IIae q. 24, a. 9.
6.
S. Tomás, Comentário à Epístola aos Efésios, 4, 6.
7.
IIa IIae, q. 184, a. 3 ad 2.
8.
Barthier, op. cit., I, 317.
9.
IIa IIae, q.
184, a. 3.
10.
Barthier, I, 279 sq.
11.
IIa IIae, q. 184, a. 2.
12.
Comm. supra Ep. I ad Phil. c. III,
lect. 2 S.
13.
Barthier, I, 281; Santo Tomas in Ep. ad
Hebr. c. VII lect. 1
14.
IIII, q. 184, a. 3.
15.
III, q. 68, a. 2
16.
Barthier, II, 219.
17.
Cfr. III, q. 108, a. 4 ad 1.
18.
Ep. ad Hebr X, 25.
19.
II-II, 183, 3
20.
Ia IIae, q.
108, a. 4.
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