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Homenagem a Soror Caridade no antigo convento das clarissas em Nuremberg |
“Sofreremos aquilo que Deus queira nos enviar. É
melhor sofrer por causa do mal do que consentir em fazer o mal”
Afonso de Souza
Em muitas partes do mundo, o clero
“progressista” tem incentivado o convívio ecumênico entre católicos e
luteranos. Na Alemanha, país que foi o berço da heresia protestante, alguns
bispos chegam hoje ao extremo de pleitear a distribuição da Sagrada Comunhão a
luteranos! Um absurdo impossível de sequer ser cogitado em séculos passados,
quando os partidários de Lutero promoviam guerra acirrada à Igreja e a seus
membros. Um dos inúmeros exemplos disso sucedeu no século XVI com um convento
das irmãs clarissas em Nuremberg, cujas monjas enfrentaram com galhardia o
esforço dos hereges para que elas apostatassem da verdadeira fé. Perseveraram
todas, por amor a Deus, até a morte da última.
Em 1517, Martinho Lutero publicou suas 95 teses contra a Igreja
Católica. Excomungado em 1521, foi condenado como fora da lei por Carlos V,
Imperador do Sacro Império Romano Germânico. Mas não deixou de semear sua
pestilenta doutrina na Alemanha, levando quase dois terços do país à apostasia.
Nuremberg, ao norte da Baviera, aceitou em 1525 a pseudo-Reforma protestante e
passou a perseguir os católicos que não se curvavam ante a heresia.
Lutero, causa de muitas
ruínas
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Lutero na Dieta de Worms diante de Carlos V – Anton von Werner, 1877. Staatsgalerie Stuttgart, Alemanha. |
Em Nuremberg — cidade que se destaca por sua arquitetura medieval, em
particular pelas fortificações e torres de pedra — havia um convento de freiras
clarissas com 60 religiosas. A começar pela priora, Bárbara Pirckheimer, todas
provinham de famílias da aristocracia local. Primogênita entre 12 irmãos, a
Irmã Bárbara decidira entrar para o convento aos 16 anos, tomando o nome de
Irmã Caridade. Recebeu a educação humanística em voga naquela época,
sobressaindo-se no latim. Seu irmão Willibald, seduzido infelizmente pelas
ideias de Lutero, estudou na Itália e se tornou um dos mais importantes
humanistas alemães.
Já em 1517 a doutrina de Lutero começara a conquistar terreno em
Nuremberg. Aos poucos, com a enorme apostasia que se seguiu, os dirigentes da
cidade começaram a fazer pressão sobre as freiras clarissas, para que cedessem
e aderissem ao luteranismo. Resistindo quase sozinhas à heresia, lideradas pela
Irmã Caridade, elas se opuseram firmemente a abandonar a verdadeira fé. Foram
cruelmente perseguidas de 1524 a 1528 pelo Conselho herético da cidade, e
registraram tudo na crônica “Fatos Memoráveis”, documento de inestimável valor
histórico e espiritual.
Essa valorosa superiora sabia bem o que as novas ideias
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Na pintura ao lado: Retrato de mulher, do pintor Albert Dürer, não assinado: os especialistas julgam que representa a Irmã Caridade Pirckheimer. |
representavam, e
afirmou: “A doutrina de Lutero tem sido a causa de muitas ruínas.
Cruéis discórdias têm desgarrado a Cristandade, as cerimônias das igrejas foram
mutiladas, e em muitos lugares se abandonou repentinamente o próprio estado [religioso],
pois se pregava a suposta liberdade cristã, repetia-se que as leis da Igreja e
os votos já não obrigavam a ninguém. A consequência de tal argumentação foi que
bom número de monges e monjas usaram esta liberdade para abandonar o claustro e
deixar seus hábitos. Muitos inclusive se casaram, agindo apenas de acordo com
sua fantasia”.
Pressões para forçar
apostasias
Baldados os primeiros intentos, o Conselho municipal recorreu aos
familiares das religiosas, para que pressionassem suas filhas, irmãs e
sobrinhas a ceder. Durante toda a Quaresma de 1525 houve na cidade contínuos
debates entre os que aderiram à nova doutrina e alguns religiosos e sacerdotes
ainda fiéis. O Conselho anunciou então a intenção de retirar das irmãs o
atendimento espiritual proporcionado por esses sacerdotes, substituindo-os por
pastores da nova religião. Diz a Irmã Caridade: “Desde esse dia fomos
privadas da confissão, da comunhão e de todos os sacramentos, inclusive em
perigo de morte”.
A priora e suas freiras foram obrigadas a aceitar os pregadores do
Conselho local, mas rechaçaram seus confessores, preferindo privar-se dos
Sacramentos a ceder aos erros. Nesse sentido, ela declarou ao Conselho: “O
Conselho recordará certamente que temos sempre obedecido nas coisas temporais.
Mas, no que diz respeito às nossas almas, obedecemos apenas à nossa
consciência”.
As religiosas foram então submetidas a um verdadeiro massacre moral. Os
pregadores usavam com frequência um tom extremamente agressivo. As freiras
ouviram 111 pregações dessas, mas mantiveram-se inabaláveis. Por fim, o
Conselho desistiu de enviar novos delegados.
As ameaças chegaram enfim às privações econômicas. Na Semana Santa de
1525, relata a Irmã Caridade: “Quando o curador viu que nunca chegaria
a vencer minha resistência, mudou de tema e falou-me de um levantamento de
camponeses que tinham se rebelado, em número muito considerável, para saquear
os conventos e expulsar ou condenar à morte todos os religiosos e as
religiosas; que no convento daquela cidade não deveria permanecer uma só
clarissa; que faríamos bem em refletir e não dar motivo a um grande massacre”.
Enquanto isso, a situação em Nuremberg só piorava. Um dia depois da
Páscoa, todo culto católico foi proibido. Começaram as apostasias, primeiro dos
agostinianos, “que eram a fonte de todas as desgraças”, depois
dos carmelitas, dos cartuxos. Todos abandonavam seus hábitos, não cantavam mais
o Ofício Divino e rezavam os ofícios de acordo com sua fantasia subjetiva.
Muitos se casavam.
Em clima de tão geral apostasia, as pressões sobre as clarissas chegaram
ao auge. Diariamente eram ameaçadas de serem tiradas à força do mosteiro, cujo
claustro deveria ser demolido até os fundamentos. Relata a Irmã Caridade: “Nós
nos convertemos para todos, grandes e pequenos, em objeto de desprezo. […]
Somos objeto de maior desprezo que as mulheres públicas, as quais nos dizem que
valemos verdadeiramente menos do que elas. […] Não querem que ninguém chame
mais nossos conventos de ‘claustros’, mas de hospícios, nem que as irmãs se
chamem ‘cônegas’; que a abadessa e a priora devem ser chamadas de ‘diretoras’,
e não deve existir distinção alguma entre os clérigos e os leigos”.
Resistência e o prêmio
pela fidelidade
A situação chegou a tal ponto, que em 1525 a Irmã Caridade reuniu as
religiosas no capítulo e pediu o parecer delas sobre a conduta a seguir: “Encontrei-as
todas com o mesmo sentimento, e me responderam que nunca iriam deixar-se
converter à nova doutrina por meio do sofrimento; que nunca se separariam da
Santa Igreja; e que não conseguiriam arrastá-las para fora da vida monástica.
Recusaram a direção dos sacerdotes apóstatas, preferindo ficar longo tempo sem
confissão e privadas da Sagrada Comunhão. […] Escrevi a súplica, […] que a
comunidade aprovou por unanimidade depois de ouvir a leitura. Cada uma pediu
para assinar; nós todas queríamos participar da responsabilidade na desgraça
que pudesse advir para nós”.
Essas lídimas seguidoras de Cristo permaneciam assim firmes na Fé. E de
tal maneira, que o próprio Felipe Melanchton, número dois de Lutero, chegou a
visitá-las pessoalmente, para tentar convencê-las. Mas nada conseguiu, e saiu
admirado pela firmeza da abadessa.
A vida continuou para elas, sempre na mesma resistência, até que em 1532
a Irmã Caridade recebeu no Céu o prêmio de sua fidelidade a Cristo. Foi
sucedida por sua irmã Clara, e depois pela sobrinha Catarina. Desde o início o
Conselho havia proibido as clarissas de receber noviças, e as religiosas iam
morrendo sem deixar sucessoras. A última delas, Irmã Felicidade, faleceu aos 91
anos em 1591. O Conselho da cidade tomou então posse do convento dessas
heroicas resistentes da Santa Igreja.
Assim desapareceram aquelas 60 filhas de Santa Clara, que haviam
afirmado: “Sofreremos aquilo que Deus queira nos enviar. É melhor
sofrer por causa do mal do que consentir em fazer o mal”.
Fonte: https://www.religionenlibertad.com
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