Anna Catharina Emmerich
Antes de passarmos a
descrever a propagação do reino de Deus entre os gentios, pelos Apóstolos,
juntamos aqui a narração da piedosa Emmerich sobre a maravilhosa e
gloriosa morte da Mãe de Jesus. Assim seguimos também a cronologia,
pois a Santíssima Virgem morreu antes dos Apóstolos e estes estiveram presentes
por ocasião da sua morte.
Maria em Éfeso
Depois da ascensão do
Filho querido, viveu Maria, segundo a narração de Catharina Emmerich, três anos
em Jerusalém e depois outros três anos em Betânia, em casa de Lázaro. São João,
que sempre a acompanhava, levou-a para Éfeso, afim de a salvar da perseguição e
ali viveu ainda nove anos.
“Maria não morava
propriamente em Éfeso, mas numa região onde já se tinham refugiado algumas das
santas mulheres, suas amigas. A habitação de Maria achava-se
numa colina, a esquerda do caminho de Jerusalém a Éfeso, cerca de três horas e
meia de viagem, antes de chegar a Éfeso; a colina tinha uma subida suave, para
o lado da cidade. Era uma região deserta, com muitas colinas férteis e belas,
com grutas limpas, entre pequenas planícies arenosas; era deserta, mas não
inabitável; havia muitas árvores isoladas, de troncos lisos e copas sombrias,
em forma de pirâmide.
Quando João trouxe a
Santíssima Virgem para uma casa que lá mandara construir, já ali moravam várias
famílias cristãs e algumas das santas mulheres, seja em grutas dos montes ou em
subterrâneos, tornados habitáveis com alguma construção de madeira, seja em
frágeis tendas; só a casa de Maria era de pedra.
A Santíssima Virgem
morava ali com uma jovem empregada. Viviam recolhidas em paz e sossego.
João não morava na
mesma casa; passava a maior parte do tempo em Éfeso ou arredores; fez também
várias viagens a Palestina. Dava-lhe sempre a Santa Comunhão, rezava com ela a
Via Sacra, dava-lhe a bênção e recebia-lhe também a bênção materna.
No último tempo de
estadia ali, vi Maria tornar-se cada vez mais recolhida no amor de Deus; quase
não tomava mais alimento. Era como se só exteriormente estivesse na terra e com
o espírito no outro mundo. Parecia não notar o que lhe acontecia em redor. Vi-a, nas
últimas semanas antes da morte, já muito idosa e fraca e a criada a guiá-la às
vezes pela casa.
Uma vez vi João
entrar lá. Tirou o cinto e vestiu outro, que tirou sob o manto e que era ornado
de letras. No braço pôs uma espécie de manípulo e no peito uma estola. A
Santíssima Virgem veio saindo do quarto de dormir, revestida toda de uma veste
branca, apoiando-se sobre o braço da criada. Tinha o rosto branco como a neve e
como que transparente. A saudade parecia trazê-la como que suspensa
entre o céu e a terra. Desde a ascensão de Jesus, todo o seu ser tinha a
expressão de uma saudade infinita e sempre crescente, que parecia consumi-la. Dirigiu-se,
com João, ao lugar de oração. Puxou uma fita ou correia; então se virou o tabernáculo
na parede e a cruz que lá estava, apareceu.
Depois de terem ambos
rezado, ajoelhados, por algum tempo, levantou-se João e tirou do peito um vaso
de metal; abriu-o de um lado, tirou de lá um invólucro de lã fina e deste, um
lenço dobrado, de estofo branco, do qual retirou o Santíssimo Sacramento, em
forma de um pedacinho de pão branco. Depois disse algumas palavras solenes e
sérias e deu a Santíssima Virgem a Sagrada Comunhão.
Por trás da casa, até
certa distância, na encosta da montanha, Maria Santíssima fizera para si uma
Via Sacra. Enquanto morava em Jerusalém nunca deixara, desde a morte do Senhor,
de percorrer-lhe o caminho da Paixão, chorando de saudade e compaixão. De todos os
lugares do caminho onde Jesus sofrera, ela tinha medido a distância a passos: o
amor imenso de Mãe extremosa não lhe podia viver sem a contínua contemplação
desse caminho doloroso.
Pouco tempo depois de
chegar àquela região, eu a via diariamente caminhar até certa
distância, subindo a colina atrás da casa, nessa meditação da Paixão e morte do
Filho amado. A principio ia sozinha, medindo pelo número de passos
que tantas vezes contara as distâncias dos lugares onde Jesus sofrera certos
tormentos. Em todos esses lugares erigia uma pedra ou, se havia ali uma árvore,
marcava-a. O caminho conduzia a um bosque onde, numa elevação, marcou o Monte
calvário e numa gruta de outra colina, o sepulcro de Jesus Cristo.
Depois de ter medido
desse modo as doze estações da Via Sacra, percorria-a, em silenciosa meditação,
acompanhada da criada; em cada estação da Paixão se sentavam, recordando no
coração o mistério do respectivo sofrimento e louvando ao Senhor por seu Infinito
amor, com lagrimas de compaixão. Depois arranjaram as estações ainda
melhor e vi que a Santíssima Virgem escrevia com um buril, na pedra assinalada,
a significação do lugar, o número dos passos, etc. Vi também, depois da morte
da Santíssima Virgem, os cristãos percorrerem esse caminho, prostrando-se por
terra e beijando o chão”.
Viagens de Maria a
Jerusalém
“Depois do terceiro
ano de estadia em Éfeso, Maria sentiu profundo e veemente desejo de ir a
Jerusalém. João e Pedro levaram-na, pois, se bem me lembro, estavam ali
reunidos vários apóstolos; vi Tomé; creio que era um Concílio e Maria
assistiu-lhes com os conselhos maternais.
No dia da chegada, ao
cair da noite, antes de entrar na cidade, eu a vi visitar o Monte das
Oliveiras, o Calvário, o santo Sepulcro e outros lugares sagrados, em redor de
Jerusalém. A Mãe de Deus estava tão triste e tão comovida pela paixão, que só
com extremo esforço podia ficar em pé e Pedro e João levaram-na dali,
segurando-a pelos braços.
Ela viajou mais uma
vez de Éfeso a Jerusalém, ano e meio antes da morte. Vi-a então visitar também
de noite os santos lugares, acompanhada pelos Apóstolos. Estava indizivelmente
triste e gemia apenas, exclamando “Ó, meu Filho! Quando chegou a porta
posterior, daquele palácio, onde se encontrara com Jesus caindo sob a cruz,
tombou por terra, desmaiada, comovida pela lembrança; os companheiros julgavam
que morresse.
Levaram-na ao
Cenáculo, em Sião, onde morava. Ali esteve a Santíssima Virgem, durante alguns
dias, tão fraca e doente e teve tantos desmaios, que várias vezes lhe esperaram
a morte e já pensavam em prepara-lhe o sepulcro. Ela mesma escolheu para este
fim uma gruta no Monte das Oliveiras e os Apóstolos mandaram um escultor
cristão fazer ali um belo sepulcro.
Entretanto, o povo
espalhava várias vezes falsas notícias da morte de Maria SSma. E esse boato de
ter morrido e sido sepultada em Jerusalém propagou-se também em outros lugares.
Mas quando o sepulcro ficou pronto, ela já se restabelecera e tinha força
bastante para voltar para casa em Éfeso, onde, após ano e meio, faleceu
realmente. O sepulcro preparado no Monte das Oliveiras foi sempre venerado e
guardado, construindo-se depois sobre ele uma Igreja e João Damasceno escreveu
também, baseado nesse boato, que Maria morreu em Jerusalém e ali foi sepultada.
Deus permitiu que as
notícias da morte, sepultura e assunção ao céu da Virgem SS. se conservassem
apenas numa incerta tradição, para não alimentar no cristianismo o sentimento
pagão daqueles tempos; pois muitos talvez a tivessem adorado como deusa.”
Reunião dos Apóstolos,
por ocasião da morte de Maria, em Éfeso
Algum tempo antes da
morte, rezou a SS. Virgem, para que nela se cumprisse o que Jesus lhe prometera
no dia antes da ascensão, em casa de Lázaro, em Betânia. Foi-me mostrado em
espírito, que quando ela lhe suplicou que depois da ascensão não a deixasse
muito tempo neste vale de lágrimas, Jesus lhes disse vagamente quais as obras
espirituais que ela devia ainda fazer na terra até a morte e, atendendo-lhe a
súplica, prometeu-lhe que os Apóstolos e vários discípulos lhe assistiriam a
morte; recomendou-lhe o que lhes devia então dizer e como os devia abençoar.
Quando a SS. Virgem
implorou que os Apóstolos se reunissem em torno dela, vi, em regiões muito
diferentes e opostas, chegar o chamado aos Apóstolos; neste momento só me
lembro do seguinte:
Os Apóstolos já
tinham construído pequenas Igrejas, em vários lugares, onde tinham pregado;
embora algumas dessas Igrejas não fossem construídas de pedra, mas apenas de
vime trançado e rebocadas de barro, todavia tinham sempre, todas que tenho
visto, na parte posterior, a forma circular ou triangular, como a casa de Maria
em Éfeso. Nessas Igrejas tinham altares e celebravam o santo
sacrifício da Missa.
Vi que todos foram
chamados, inclusive os que estavam nas terras mais longínquas, recebendo por
aparições a ordem de ir ver a SS. Virgem. Em geral não foi sem milagroso
auxílio que os Apóstolos fizeram as longuíssimas viagens. Creio que freqüentemente
faziam as viagens de uma maneira sobrenatural, sem eles mesmos saberem; pois
muitas vezes os tenho visto passar no meio de grandes multidões de homens, sem
serem vistos.
Quando o chamado do
Senhor se fez ouvir aos Apóstolos para irem a Éfeso, Pedro e se bem me lembro,
também Matias, se achavam na região de Antioquia. André, que vinha de
Jerusalém, onde fora perseguido, não se achava longe. Judas, Tadeu Simão
estavam na Pérsia. Tomé encontrava-se na Índia, quando recebeu a ordem de
partir, mas já resolvera ir a Tartária, mais para o norte e não pode decidir-se
a abandonar esse projeto. Assim continuou o caminho para o norte, atravessando
parte da China, até chegar a região onde agora é a Rússia; ali foi chamado pela
segunda vez e partiu então as pressas a leste do Mar Vermelho, na Ásia. Paulo
foi chamado. Foram chamados apenas os que eram presentes ou amigos da Sagrada
Família.
Os últimos dias de
vida de Maria
“Eu tinha muita
convivência com a Mãe de Deus em Éfeso, conta Catharina Emmerich, a 7 de agosto
de 1821. Fui com ela e cerca de cinco outras santas mulheres, percorrer a Via
Sacra. Estava lá também a sobrinha da profetiza Ana e a viúva Mara, sobrinha da
Santa Isabel. A SS. Virgem ia a frente de todas, senão o da intensa saudade,
que a levava a união com o Filho, a glorificação.
Maria era
indizivelmente séria; nunca a vi rir, mas apenas sorrir de modo tocante. Estava
emagrecida, mas não lhe vi rugas, nem sinal algum de velhice. Estava como que
espiritualizada. Parecia ser a última vez que fazia a Via Sacra. Enquanto assim
caminhava, parecia-me que João, Pedro e Tadeu já tinham chegado.
Vi (a 9 de agosto)
Maria deitada num leito estreito e baixo coberto por um dossel, em forma de
tenda, do qual pendiam cortinas, a direita do quarto, atrás do fogão. A cabeça
repousava-lhe sobre uma almofada redonda. Estava muito fraca e pálida e como
abrasada de saúde. A cabeça e todo o corpo lhe estava envolto num longo pano.
Um cobertor de lã parda cobria-a.
Vi umas cinco
mulheres, uma depois da outra, entrarem e saírem do quarto; pareciam
despedir-se da moribunda. As que saiam, faziam com as mãos gestos de comovedora
tristeza ou de oração. Vi novamente entre elas a sobrinha de Isabel, que tinha
visto durante a Via Sacra.
Depois vi seis
Apóstolos já reunidos na sua casa, Pedro, André, João, Tadeu, Bartolomeu e
Matias, como também um dos sete diáconos, Nicanor, que era sempre tão serviçal
e amável. Os Apóstolos estavam reunidos em oração na parte anterior da casa, a
direita, onde tinham preparado um oratório.
Hoje (a 10 de agosto)
vi entrar ainda dois Apóstolos, como as vestes arregaçadas, como viajantes,
Tiago o Menor e Mateus.
Os Apóstolos
celebraram ontem, a noite e hoje de manhã o oficio divino, na parte anterior da
casa. Diante do altar havia uma estante coberta, da qual pendia um rolo da
Escritura. Sobre o altar havia candeeiros acesos e na mesa um vaso em forma de
cruz, feito de uma substância que brilhava como madrepérola. Tinha apenas um
palmo de altura e outro tanto de largura e continha cinco vasos fechados, com
tampa de prata. No do meio se achava o SS. Sacramento. Nos outros, porém,
crisma, óleo, sal e fibras (talvez algodão) e outras coisas santas. Os vasos
foram feitos e estavam fechados de tal maneira, que não se podia derramar nada.
Os Apóstolos costumavam transportar essa cruz nas viagens, pendente sobre o
peito, debaixo do manto. Assim eram mais do que o Sumo Sacerdote, quando trazia
sobre o peito o Santo do Antigo Testamento.
Pedro, revestido do
ornato sacerdotal, estava diante do altar, os outros atrás, em coro. As
mulheres assistiam em pé, no fundo da casa.
Vi chegar um novo
Apóstolo (a 11 de agosto) foi Simão. Ainda faltavam Felipe e Tomé.
Houve novamente
oficio divino. Depois deu Pedro a SS. Virgem a Sagrada Comunhão. Levou-lha
naquele vaso em forma de cruz. Os Apóstolos formaram duas fileiras, do altar
até ao leito, inclinando-se profundamente, quando Pedro passou por entre eles
com o SS. Sacramento. As cortinas do leito da SS. Virgem foram abertas de todos
os lados.
Diante do leito de
Maria havia um banquinho baixo, triangular e sobre este, um pratinho, com uma
colherzinha parda e transparente.
Vi novamente (a 12 de
agosto) o divino ofício; foi celebrada a Missa. O quartinho de Maria estava
todo aberto. Uma mulher estava ajoelhada ao lado do leito, levantando e
amparando de vez em quando a Santíssima Virgem. Vi fazê-lo também durante o dia
e oferecer-lhe uma colher de suco de fruta do pratinho. Maria tinha um
crucifixo sobre o leito, em forma de Y, tendo quase meio braço de comprimento;
ela recebeu o SS. Sacramento.
Vi hoje (a 13 de
agosto) o ofício divino, como de costume e a Santíssima Virgem, durante o dia,
sentada no leito, tomando várias vezes algum alimento, com a colherzinha.
Vi os Apóstolos
chegarem na maior parte muito fatigados. Ao entrar, abraçavam os que já estavam
presentes, muito comovidos; alguns choraram de alegria e também de tristeza,
pelo motivo tão doloroso daquele encontro. Aproximavam-se do leito de Maria,
saudando-a respeitosamente; ela, porém, só poucas palavras lhes podia dizer.
Vi também cinco
discípulos e lembro-me mais vivamente de Simão, o Justo e de Barnabé.
A morte gloriosa da Santíssima Virgem
O ano 48 depois do
nascimento do Cristo é o ano da morte de Maria; morreu 13 anos e dois meses depois
da ascensão de Jesus. A morte da SS. Virgem foi um acontecimento cheio de
tristeza, mas também de consolação. Já na véspera, pelo meio-dia, reinava
grande tristeza e angústia em casa de Maria; a criada estava completamente
desolada.
A Santíssima Virgem
descansava, silenciosa e como próximo da morte, sobre o leito. Estava toda
envolta, até os próprios braços, num lençol branco. O véu do rosto estava
dobrado sobre a testa; falando aos homens, puxava-o sobre o rosto. As próprias
mãos só estavam descobertas quando ficava sozinha. Nos últimos dias não a vi
tomar outro alimento, senão, de vez em quando, uma colherzinha de suco de uns
frutinhos amarelos, semelhantes a uva, que a criada lhe espremia no pratinho,
ao pé do leito.
Quando a Santíssima
Virgem, ao cair da tarde, sentiu aproximar-se-lhe o fim, quis despedir-se dos
Apóstolos, discípulos, e mulheres presentes e dar-lhes a bênção, conforme a
vontade de Jesus. As cortinas do leito foram abertas para todos os lados. Maria
estava sentada no leito, como que transparente, de uma alvura resplandecente.
Rezou e abençoou um por um, com as mãos postas em forma de cruz, tocando a
testa de cada um. Depois falou ainda com todos e fez tudo quanto Jesus lhe
recomendara em Betânia.
A João disse como
devia sepultar-lhe o corpo e distribuir-lhe a roupa entre a criada e outra moça
pobre da vizinhança, que às vezes viera lhe prestar serviços.
Depois dos Apóstolos,
se acercarem do leito da Santíssima Virgem os discípulos presentes e receberam-lhe
também a bênção do mesmo modo. Os homens retiraram-se então para o quarto
anterior da casa e prepararam-se para o ofício divino, enquanto as mulheres
presentes se aproximavam do leito da Santíssima Virgem, se ajoelhavam e
recebiam a bênção. Vi que uma delas, inclinando-se sobre Maria, recebeu dela um
abraço.
Nesse ínterim foi
preparado o altar e os Apóstolos vestiram-se para o ofício divino, com as
longas vestes brancas, cingindo-se com as cinzas ornadas de letras. Cindo
deles, que funcionavam no ato solene do sacrifício, como o vi celebrar por
Pedro, após a ascensão de Jesus, primeiro na Igreja nova, perto do tanque de
Betesda, revestiram-se das grandes e belas vestes sacerdotais.
O ofício divino já
estava adiantado, quando chegaram Felipe e um companheiro do Egito. Dirigiu-se
imediatamente a Mãe do Senhor recebeu-lhe a bênção, chorando copiosamente.
No entanto, Pedro
acabara o santo sacrifício; tinha consagrado e recebido o Corpo do Senhor,
dando-o também aos Apóstolos e discípulos presentes. A Santíssima Virgem não
podia avistar o altar; mas estava sentada no leito, durante a santa cerimônia,
sempre em profundo recolhimento. Depois de Pedro ter comungado deu a Santa
Comunhão também aos outros Apóstolos e levou-a então a SS. Virgem.
Todos os Apóstolos o
acompanharam, em procissão solene. Tadeu ia a frente, com um incensório, Pedro
levava o Santíssimo Sacramento no vaso cruciforme, sobre o peito. Seguia-se-lhe
João, que trazia um pequeno prato, sobre o qual estavam o cálice, com o
preciosíssimo Sangue e alguns vasos. A Santíssima Virgem estava deitada de
costas, tranqüila e pálida, com olhar fixo para cima; não falava com ninguém e
estava como em contínuo êxtase; resplandecia de saudade.
Pedro aproximou-se e
administrou-lhe o santo Sacramento da Extrema Unção, quase do mesmo modo com se
faz hoje. Depois lhe deu o Santíssimo Sacramento. Sem se recostar, a Virgem
sentou-se para o receber e caiu depois de novo sobre o leito. Os Apóstolos
rezaram durante algum tempo e depois ela recebeu o cálice da mão de João,
levantando-se um pouco menos. Vi como um fulgor penetrar em Maria,
quando recebeu a Sagrada Comunhão e depois caiu em êxtase sobre o leito e não
mais falou.
Mais tarde se
reuniram os Apóstolos novamente em roda do leito, rezando. O rosto de Maria
estava risonho e fresco como na juventude. Dirigia os olhos com santa alegria
ao céu. Vi então uma visão maravilhosa e comovedora. O teto por cima do quarto
de Maria desaparecera; o candeeiro estava suspenso no ar; vi, pelo céu aberto,
a Jerusalém celeste. Desciam dois planos brilhantes, como nuvens luminosas, nas
quais apareciam muitos rostos de Anjos. Entre essas nuvens se derramava uma
torrente de luz sobre Maria, acima da qual vi uma encosta resplandecente, que
subia até a Jerusalém celeste. A Virgem estendia os braços, com infinita
saudade e vi-lhe o corpo sagrado, com tudo o que o envolvia, erguer-se-lhe
acima do leito, enquanto a alma, como uma puríssima forma luminosa, lhe saia do
corpo, com os braços estendidos, erguendo-se na torrente de luz que, qual
montanha resplandecente, se elevava céus acima.
Os dois coros de
Anjos, nas nuvens, se lhe uniram atrás da alma, separando-a do santo corpo, que
no momento da separação recaiu sobre o leito, cruzando os braços sobre o peito.
Seguindo a alma com o olhar, vi-a entrar, pela estrada de luz, na Jerusalém
celeste e chegar ao trono da Santíssima Trindade. Vi muitas almas, entre as
quais reconheci muitos patriarcas: Joaquim, Ana, José, Isabel, Zacarias e João
Batista, lhe vieram ao encontro, com respeito e alegria. Ela passou, porém, no
meio de todos, dirigindo-se ao trono de Deus e de seu Filho que, excedendo
ainda com o esplendor das chagas a luz de toda a aparição, a recebeu com amor divino
e lhe entregou algo como um cetro, mostrando-lhe o globo terrestre, como para
lhe confiar um poder.
Assim a vi entrar na
glória do céu, esquecendo-me totalmente dos que lhe rodeavam o corpo na terra.
Alguns dos Apóstolos, por exemplo, Pedro e João, devem tê-lo visto também, pois
tinham o olhar dirigido para o céu. Os demais estavam de joelhos e inclinados
profundamente. Tudo estava cheio de luz e esplendor, como na ascensão do
Senhor.
Vi com grande
alegria, numerosas almas remidas do purgatório seguirem a alma de Maria, quando
entrou no céu e também hoje, na festa da Assunção, vi entrar muitas almas no
céu, entre as quais algumas que conheci. Foi-me dada a consoladora informação
de que anualmente, no aniversario da morte da Santíssima Virgem, muitas almas
que lhe tiveram devoção, participariam dessa graça.
Quando tornei a olhar
para a terra, vi o corpo de Maria resplandecente, com o rosto fresco, os olhos
fechados, os braços cruzados sobre o peito, deitado sobre o leito. Os
Apóstolos, os discípulos e as mulheres estavam de joelhos em roda do leito e
rezavam. Enquanto eu via tudo isso, era como se soasse uma música deliciosa na
natureza, que parecia comovida, como o tinha percebido na noite de Natal.
Expirara, como observei, depois da nona, a hora em que morrera também o Senhor.
As mulheres
estenderam uma coberta sobre o corpo sagrado; depois cobriram a cabeça e
velaram o rosto, sentando-se juntas no chão, no quarto do vestíbulo, onde
fizeram a lamentação fúnebre, ajoelhando-se e sentando-se alternadamente. Os
Apóstolos, porém, e os discípulos retiraram-se para a parte anterior da casa,
cobriram a cabeça e celebraram um ofício fúnebre. Revezavam-se dois a dois, de
joelhos, aos pés e a cabeceira do santo corpo. Mateus e André percorreram a Via
Sacra da Santíssima Virgem, até a última estação, a gruta que representava o
sepulcro de Jesus. Levaram consigo ferramentas, para escavar um pouco mais o
leito sepulcral; pois ali devia ser depositado o corpo de Maria. Havia cerca de
meia hora de caminho, da casa até a gruta.
Embalsamamento e
eterno de Maria
Quatro vezes vi os
Apóstolos se revezarem, fazendo guarda de honra ao corpo sagrado e rezando.
Hoje vi chegar algumas mulheres, entre as quais me lembro ainda da filha de
Verônica e da mãe de João Marcos, que vieram preparar o corpo para a sepultura.
Trouxeram lençóis e especiarias, para o embalsamar à moda judaica. Cortaram os
caracóis mais belos da Santíssima Virgem, como lembrança e enrolaram o corpo,
dos tornozelos até o peito, em lençóis e faixas de pano, bem apertados.
Os Apóstolos
assistiam, nesse ínterim, ao sacrifício solene celebrado por Pedro, recebendo
com ele a sagrada Comunhão; depois vi Pedro e João, ainda revestidos dos
grandes mantos episcopais, entrar pelo vestíbulo e aproximar-se do santo corpo.
João levava um vaso com ungüentos e Pedro, imergindo o dedo da mão direita no
vaso, ungiu a testa, o meio do peito, as mãos e os pés da Santíssima Virgem,
orando. Não era a Extrema Unção, que já recebera ainda viva.
Pedro passou o
ungüento sobre os pés e as mãos; a fronte e o peito, porém, assinalou-os com o
sinal da cruz. Creio que foi para prestar homenagem ao corpo sagrado, como o
fizeram também ao sepultar o corpo do Senhor.
Depois dos Apóstolos
terem saído, continuaram as mulheres o embalsamamento. Puseram tufos de mirra
sob os braços, nas axilas e no epigástrico; encheram também com a mesma os
espaços entre os ombros, ao redor do pescoço e do queixo e as faces. Os pés
estavam também cobertos de tais tufos de ervas aromáticas. Depois lhe cruzaram
os braços sobre o peito, envolveram o corpo na grande mortalha e enrolaram-no
com a faixa sob o braço, como uma grande boneca. Sobre o rosto lhe estenderam
um sudário transparente, através do qual se lhe podiam ver as faces alvas e
resplandecentes, por entre os tufos de ervas. Depois deitaram o corpo sagrado
num caixão, semelhante a uma cesta comprida e sobre o peito de Maria uma
grinalda de flores de cor branca, encarnada e azul celeste, como sinal de
virgindade.
Então entraram todos
os Apóstolos, discípulos e outros presentes, para ver mais uma vez o santo e
querido semblante, antes de ser coberto. Ajoelharam-se, por entre muitas
lágrimas e em silêncio, em roda da SS. Virgem, tocaram-lhe as mãos já enfaixadas
sobre o peito, despedindo-se e depois saíram. As santas mulheres despediram-se
então também, cobriram-lhe depois a santa face e colocaram a tampa sobre o
caixão, que fecharam, atando-o nas duas extremidades e no meio com faixas
cinzentas. Depois vi que puseram o caixão sobre uma padiola e Pedro e João
transportaram-no sobre os ombros para fora da casa. Devem ter-se revezado, pois
mais tarde vi que seis Apóstolos o transportavam.
Parte dos Apóstolos e
discípulos precediam, outros e as mulheres seguiam o caixão. Já estava
anoitecendo: levavam quatro lanternas sobre paus.
Assim seguiu o
cortejo pelo caminho da Via Sacra de Maria, até a última estação e, passando em
frente à pedra que a assinalava, sobre a colina, chegaram ao lado direito da
gruta sepulcral. Ali depuseram o santo corpo; quatro levaram-no para dentro da
gruta e puseram-no no leito escavado na pedra. Todos os presentes entraram
ainda um por um, espalhando flores e ervas aromáticas e ajoelharam-se,
oferecendo com lágrimas as suas orações; a tristeza e o amor fê-los demorar
ainda. Já era noite, quando os Apóstolos fecharam a porta do sepulcro. Cavaram
um fosso diante da entrada estreita da gruta e plantaram uma sebe de vários
arbustos verdes, dos quais parte estava florescente e parte já tinha brotos e
que haviam sido transplantados de outro lugar, junto com as raízes, de maneira
que não se podia ver sinal da entrada, tanto mais quanto fizeram passar um
pequeno córrego em frente dessa sebe. Não se podia mais entrar na gruta senão
passando pelo lado, por trás dos arbustos”.
A Assunção de Maria
Os Apóstolos,
discípulos e mulheres voltaram separados, demorando-se ainda aqui e acolá,
rezando nas estações da Via Sacra; alguns ficaram também velando em oração
perto do sepulcro. Ao voltar, viram de longe, por cima do sepulcro de Maria,
uma luz maravilhosa e ficaram muito comovidos, sem saber o que era.
Vi ainda vários
Apóstolos e algumas santas mulheres rezar e cantar no pequeno jardim, diante do
sepulcro. Descia, porém, uma larga faixa de luz do céu até o rochedo do
sepulcro e nela vi um esplendor de três círculos, de Anjos e almas,
que rodeavam a aparição de Nosso Senhor e da alma gloriosa de Maria. A aparição
de Jesus Cristo, com os sinais resplandecentes das chagas, pairava diante dela. Em
redor da alma de Maria vi no círculo interior a luz, figuras de crianças, no
segundo círculo pareciam meninos de seis anos e no círculo exterior jovens
adultos. Vi-lhes distintamente os rostos; o resto vi apenas como
formas luminosas. Quando esta aparição chegou até o rochedo, tornando-se cada
vez mais clara, vi dali até Jerusalém celeste uma estrada de luz.
Depois vi a alma da
SS. Virgem, que seguia a aparição de Jesus, passar para a frente e entrar
através da rocha no sepulcro, do qual pouco depois saiu unida ao corpo
glorificado de Maria, muito mais clara e resplandecente e voltou com o Senhor e
todo o glorioso séqüito, para a Jerusalém celeste. Depois desapareceu todo o
esplendor e se via de novo a luz pálida do céu estrelado, que se estendia sobre
a região.
Se os Apóstolos e as
santas mulheres, que rezavam diante do sepulcro, também o viram, não o sei; mas
vi que todos olhavam para cima, orando cheios de admiração; outros, porém,
atônitos se prostraram, tocando com o rosto a terra. Vi também alguns que
voltavam para casa, levando consigo a padiola, entoando cânticos e orações no
caminho da Via Sacra e demorando-se diante das estações, olharem com grande
emoção e fervor para a luz que surgira acima do sepulcro.
Assim não vi a SS.
Virgem morrer e subir ao céu de modo comum; mas primeiramente se lhe tirou da
terra a alma e depois também o corpo.
Mais tarde,
regressando à casa, os Apóstolos e discípulos tomaram algum alimento e depois
se deitaram para dormir.
Abertura do sepulcro
de Maria
Hoje, à noite (15 de
agosto), permaneciam ainda os Apóstolos em oração e pranto, na sala. As
mulheres já se tinham deitado. Então vi chegarem o Apóstolo Tomé e dois
companheiros. Um desses tinha o nome de Jonatan e era parente da Sagrada
Família. Oh! Como ficaram aflitos, ao ver que tinham chegado tarde! Tomé chorou
como uma criança, quando ouviu narrar a morte de Maria. Os discípulos
lavaram-lhes os pés e deram-lhes de comer. Nesse ínterim acordaram as mulheres
e se levantaram e depois de terem saído do quarto, conduziram Tomé e Jonatam ao
aposento onde a SS. Virgem morrera. Ali se ajoelharam os recém-chegados,
regando o lugar com as lágrimas. Tomé ficou ainda muito tempo de joelhos,
rezando diante do pequeno altar de Maria. Comoveu-me indizivelmente a sua
tristeza.
Os Apóstolos, que não
tinham interrompido a oração, depois de acabarem, saíram todos, para dar as
boas vindas aos recém-chegados. Tomando nos braços Tomé e Jonatam, levantaram-nos,
dois ainda estavam de joelhos e abraçando-os, levaram-nos à sala anterior da
casa, onde lhes ofereceram pãezinhos e mel; beberam também de pequenos jarros e
cálices. Rezaram mais uma vez juntos e abraçaram-se.
Depois manifestaram
Tomé e Jonatam desejos de ver o sepulcro da SS. Virgem. Os Apóstolos acendram
lanternas, firmadas sobre paus e todos foram pelo caminho da Via Sacra de
Maria, em direção ao sepulcro. Falavam pouco; demoravam-se algum tempo diante
das estações, recordando-se do caminho da cruz do Senhor e do amor compassivo
da Mãe SSma., que ali pusera as pedras comemorativas e tantas vezes as regara
com lágrimas.
Chegados ao rochedo
do sepulcro, ajoelharam-se-lhes todos em volta. Tomé e Jonatam, porém, correram
à entrada; João seguiu-os. Dois dos discípulos afastaram um pouco os arbustos
diante da entrada e eles entraram e ajoelharam-se respeitosamente diante do
túmulo da Santíssima Virgem. João, porém, aproximou-se do leve caixão em forma
de cesta, que sobressaia um pouco do leito sepulcral, desatou as três faixas,
que lhes fechavam a tampa e colocou esta ao lado. Então fizeram
convergir a luz para dentro e viram, com grande espanto e comoção, os lençóis
mortuários vazios, ainda na mesma posição em que lhe tinham envolvido o corpo.
Sobre o rosto e o peito estavam abertos. Os envoltórios dos braços estavam um
pouco soltos, mas ainda com as dobras; o corpo glorificado de Maria, porém, não
estava mais na terra.
Admirados, de mãos
erguidas, olhavam para o alto, como se o santo corpo nesse momento houvesse
aparecido e João bradou para fora da gruta: “Vinde e admirai, ela não está mais
aqui!”. Então entraram todos, dois a dois, na estreita gruta, viram os lençóis
vazios no caixão e, saindo, ajoelharam-se todos e, olhando, com os braços
estendido, para o céu, choravam e rezavam, louvando o Senhor e sua querida Mãe
glorificada, que lhes era também ma boa e fiel Mãe. Louvavam-no como filhos
piedosos, exaltando-o com doces palavras de amor, como o Espírito lhes inspirava. Então
se lembraram bem daquela nuvem luminosa, que viram de longe, ao voltar do
enterro e que descera sobre o rochedo do sepulcro e depois subira ao céu.
João, porém, tirou
respeitosamente do caixão as mortalhas da Santíssima Virgem, dobrou e
enrolou-as, para as levar consigo; depois colocou novamente a tampa sobre o
caixão, atando-a com as faixas, como dantes.
Saíram da gruta,
fechando de novo a entrada com os arbustos. Rezando e cantando salmos, voltaram
pelo caminho da Via Sacra, para a casa de Maria.
Fecharam
completamente a entrada do sepulcro da Virgem Santíssima, chegando mais os
arbustos e firmando-os com terra; alargaram também o fosso. Limparam o pequeno
jardim diante do sepulcro e ornaram-no; cavaram também uma passagem para a
parede posterior do sepulcro e ali abriram com cinzel uma janelazinha no
rochedo, pela qual se podia ver o túmulo,onde tinha jazido o corpo da Mãe
Santíssima, à qual o Salvador, morrendo na cruz, os entregara todos e sua
Igreja, na pessoa de João. Oh! eram filhos fiéis, obedientes ao quarto
mandamento e muito tempo viveriam na terra, guardando o seu amor.
A maior parte dos
discípulos presentes já se haviam despedido. Também os Apóstolos se separaram.
Bartolomeu, Simão, Judas Tadeu, Felipe e Mateus foram os primeiros que, após
uma despedida comovedora, voltaram ao campo de ação. Os restantes, fora João,
que ainda ficou mais tempo, dirigiram-se juntos à Palestina, onde depois também
se separaram. Estavam lá muitos discípulos; também várias mulheres viajaram com
eles de Éfeso para Jerusalém.
Parece-me que o
sepulcro de Maria ainda existe debaixo da terra; há de descobrir-se um dia.
Fonte: Extraído do Livro "Vida, Paixão e
Glorificação do Cordeiro de Deus - Anna Catharina Emmerich - Ed. MIR.
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