Demonstração da pregação apóstolica
Santo Ireneu, Bispo de Lião (115 - 202).
Tradução de Lourenço Costa
Texto
Tradução de Carlos Martins Nabeto
Ireneu escreve a
seu amigo Marciano e lhe promete um compêndio da fé cristã
1. Conheço, querido
Marciano, teu empenho em seguir o caminho da piedade, a única via que conduz o
homem à vida eterna; alegro-me com isso e peço por ti, para que, conservando
pura a fé, fiques grato a Deus, teu Criador. Oxalá pudéssemos estar sempre
juntos para nos ajudar mutuamente e cuidar das preocupações da vida
terrena mediante a troca contínua de questões proveitosas! Visto que atualmente
estamos fisicamente separados um do outro, decidi, dentro das minhas
possibilidades, conversar contigo por escrito e te expor brevemente a pregação
da verdade para fortalecer a tua fé. O que te envio é uma espécie de recordação
sobre os pontos fundamentais, de tal modo que, em poucas páginas, possas
encontrar abundante material, reunindo concisamente as linhas fundamentais do
corpo de verdade e, com este compêndio, tenhas à mão as provas das realidades divinas.
Penso que te será útil não apenas para a tua salvação, mas também para
rebateres aos que defendem falsas opiniões e, a quem quiser conhecer, possas
expor com segurança o nosso ensino em sua integridade e pureza. Na realidade,
para aqueles que enxergam, não há mais que um único caminho ascendente,
iluminado pela luz celeste; porém, para aqueles que não enxergam, os caminhos
são muitos, sem iluminação e em declive. O primeiro conduz ao reino dos céus e
une o homem a Deus; os outros levam à morte e o afastam de Deus. Portanto, para
ti e para os que desejam ardentemente Sua salvação, é necessário que caminhem
na fé, sem se desviar, com coragem e determinação, para evitar que, por falta
de tenacidade e perseverança, se entreguem aos prazeres materiais ou que,
errando o caminho, se afastem da reta direção.
O conhecimento da
verdade e as boas obras
2. E como o homem é
um ser vivente composto de alma e corpo, é necessário e conveniente, assim, que
exista em virtude de tais dois elementos. E visto que de um e de outro, dos
dois, emanam as quedas, a pureza do corpo está em abster-se e evitar toda coisa
inverídica e toda ação injusta, e a pureza da alma está em conservar intacta a
fé em Deus, sem acrescentar ou retirar nada dela. Porque a piedade se
empalidece e perde seu calor quando se contamina com a impureza do corpo;
rompe-se, mancha-se e desintegra-se quando o erro entra na alma. Manter-se-á em
sua beleza e em sua justa proporção quando a verdade habitar constantemente na
alma e a santidade no corpo. Porém, para que serve conhecer a verdade da
Palavra se se profana o corpo e se realizam ações deploráveis? De que serve a
santidade do corpo se a verdade não habita na alma? Ambas, pois, se alegram de
estarem juntas; estão aliadas e lutam constantemente para levar o homem à
presença de Deus. Por isso, diz o Espírito Santo por meio de Davi: “Ditoso o
homem que não caminha no conselho dos ímpios” (Sal. 1,1), isto é, no conselho dos
povos que não conhecem a Deus. De fato, ímpios são aqueles que não adoram
Aquele que é, por natureza, Deus. Assim, o Verbo diz a Moisés: “Eu sou aquele
que sou” (Ex. 3,14). Portanto, os que não adoram Aquele que verdadeiramente é,
são ímpios. “Que tampouco se assenta na cátedra dos cínicos” (Sal. 1,1).
Cínicos são os que, com doutrinas falsas e perversas, não apenas corrompem-se a
si mesmos, como também aos demais. A cátedra, de fato, é o símbolo da escola.
Assim são os hereges: sentam-se na cátedra dos cínicos e corrompem aos que
bebem do veneno das suas doutrinas.
A regra da fé:
fundamento da verdade e da salvação
3. Assim, pois, por
temer coisa semelhante, devemos manter inalterada a regra da fé e cumprir os
mandamentos de Deus, crendo n’Ele, temendo-O como Senhor e amando-O como Pai.
Portanto, um comportamento deste estilo é uma conquista da fé, pois, como diz
Isaías: “Se não creres, não compreendereis” (Is. 7,9). A fé nos é concedida
pela verdade, pois a fé se fundamenta na verdade. De fato, cremos o que
realmente é e como é; e crendo no que realmente é e como sempre foi, mantemos
firme nossa adesão. Pois bem: posto que a fé sustenta nossa salvação, é
necessário prestar-lhe muita atenção para obter uma inteligência autêntica da
realidade. A fé é que nos faz procurar tudo isso, como nos transmitiu os
Presbíteros, discípulos dos apóstolos. Em primeiro lugar, a fé nos convida
insistentemente a relembrar que recebemos o batismo para o perdão dos pecados
em nome de Deus Pai e em nome de Jesus Cristo, Filho de Deus encarnado, morto e
ressuscitado, e [em nome] do Espírito Santo de Deus; que o batismo é o selo da
vida eterna, o novo nascimento de Deus, de modo tal que não somos mais filhos
de homens mortais, mas do Deus eterno e indefectível; que o Eterno e Indefectível
é Deus, acima de todas as criaturas, e que cada coisa, seja qual for a sua
espécie, está submetida a Ele; e tudo o que foi a Ele submetido foi por Ele
criado. Deus, portanto, não exerce seu poder e soberania sobre o que pertence
aos outros, mas sobre o que lhe é próprio. E tudo é de Deus. Com efeito, Deus é
onipotente e tudo provém d’Ele.
A CATEQUESE
APOSTÓLICA (caps. 4-41)
Deus Criador de
todas as coisas
4. Porque é
necessário que as coisas criadas tenham por princípio algum grande motivo e o
princípio de tudo é Deus, Ele não tem origem em outra coisa, antes, pelo
contrário, tudo foi criado por Ele. É, pois, necessário crer, primeiramente,
que há um Deus, o Pai, o qual criou e organizou para Si o conjunto dos seres,
fez existir o que não existia e conteve no conjunto dos seres o Único incontível.
Pois bem: em tal conjunto encontra-se igualmente este nosso mundo e, no mundo,
o homem. Logo, pois, este mundo foi criado por Deus.
Deus cria por meio
do Verbo e do Espírito
5. Eis aqui a
demonstração [desta doutrina]: que há um só Deus, Pai, não criado, invisível,
criador do universo; nem acima d’Ele, nem abaixo d’Ele há outro Deus; que Deus
é racional e, por isso, todos os seres foram criados por meio do Verbo; e Deus
é Espírito e, com o Espírito, dispôs-Lhe tudo, segundo diz o profeta: “Pela
palavra do Senhor, foram estabelecidos os céus, e por obra de seu Espírito,
todas as suas potências” (Sal. 32,6).
Pois bem, já que o
Verbo estabelece, isto é, cria e outorga a consistência ao que é, ali onde o
Espírito põe em ordem e em forma a múltipla variedade de potências, justa e
convenientemente o Verbo é denominado Filho, e o Espírito, Sabedoria de Deus.
Com este propósito, o apóstolo Paulo diz: “Um só Deus Pai, que está acima de
tudo, com tudo e em todos nós” (Ef. 4,6). Porque sobre todas as coisas está o
Pai, porém, com tudo está o Verbo, visto que, por seu intermédio, o Pai criou o
universo; e em todos nós está o Espírito que clama “Abbá” (Pai) e modelou o
homem à semelhança de Deus. Assim, pois, o Espírito mostra o Verbo; por sua
vez, os profetas anunciaram o Filho de Deus; mas o Verbo leva consigo o
Espírito e, assim, é Ele mesmo que comunica aos profetas a mensagem e eleva o
homem ao Pai.
Os três artigos da
fé: Pai, Filho e Espírito Santo
6. Eis aqui a regra
da nossa fé, o fundamento do edifício e a base de nossa conduta: Deus Pai, não
criado, ilimitado, invisível, único Deus, criador do universo. Este é o
primeiro e principal artigo. O segundo é este: o Verbo de Deus, Filho de Deus,
Jesus Cristo, nosso Senhor, que apareceu aos profetas segundo o desígnio de sua
profecia e segundo a economia disposta pelo Pai; por meio d’Ele foi criado o
universo. Ademais, no fim dos tempos, para recapitular todas as coisas, fez-se
homem entre os homens, visível e tangível, para destruir a morte, para
manifestar a vida e restabelecer a comunhão entre Deus e o homem. E como
terceiro artigo: o Espírito Santo, por cujo poder os profetas profetizaram, os
Padres foram instruídos no que concerne a Deus, os justos foram guiados pelo caminho
da justiça e que, no fim dos tempos, foi difundido de um modo novo sobre a
humanidade, por toda terra, renovando o homem para Deus.
O batismo: novo
nascimento em Deus Pai, Filho e Espírito Santo
7. Por isso, o
batismo, nosso novo nascimento, tem lugar por estes três artigos e nos concede
renascer de Deus Pai, por meio de seu Filho no Espírito Santo. Porque os
portadores do Espírito de Deus são conduzidos ao Verbo, isto é, ao Filho, que é
quem os acolhe e os apresenta ao Pai, e o Pai lhes dá a incorruptibilidade. Sem
o Espírito Santo é, pois, impossível ver o Verbo de Deus; e sem o Filho,
ninguém pode se aproximar do Pai, porque o Filho é o conhecimento do Pai e o
conhecimento do Filho se obtém pelo Espírito Santo. Porém, o Filho, segundo a
bondade do Pai, dispensa como ministro o Espírito Santo para quem Ele quer e
como o Pai quer.
Deus Pai bondoso e
justo
8. E se o Pai é
denominado, pelo Espírito Santo, Altíssimo, Onipotente e Senhor das potências,
é para que possamos conhecer a Deus, ou seja, o criador do céu e da terra e de
todo universo, criador dos anjos e dos homens, e Senhor de todos, por meio do
qual tudo existe e permanece vivo, misericordioso, compassivo, terníssimo, bom,
justo, Deus de todos, dos judeus, dos gentios e dos crentes; porém, dos crentes,
é Deus Pai, pois no fim dos tempos permitiu Ele o testamento da adoção filial.
Mesmo assim, para os judeus, é Senhor e legislador, porque quando aqueles
homens, nos tempos médios, esqueceram-se de Deus, afastando-se e rebelando-se
contra Ele, os reconduziu à obediência mediante a Lei pela qual souberam que
tinham um Senhor, que é autor, criador e que confere o sopro da vida, a quem
devemos cultuar dia e noite. E para os gentios é criador, demiurgo e
onipotente. Para todos, sem exceção, é quem dá o alimento e manjar; rei e juiz,
porque ninguém escapará do seu juízo, nem judeu, nem gentio, nem nenhum crente
pecador, muito menos um anjo. Aqueles que presentemente se negam a crer na sua
bondade, experimentam no juízo o seu poder, como diz o santo apóstolo: “Não
reconhecendo que a bondade de Deus te traz à emenda, antes pelo contrário, com
a dureza e a impenitência do teu coração, armazenas a ira para o Dia da Ira,
quando se revelará o justo juízo de Deus, que pagará a cada um conforme suas
obras” (Rom. 2,4-6). Este é Aquele que na Lei é chamado de “o Deus de Abraão, o
Deus de Isaac e o Deus de Jacó, Deus dos vivos” (Ex. 3,6). A transcendência e
magnitude deste Deus são indescritíveis.
Os sete céus, os
dons do Espírito e o culto angélico
9. Este mundo é rodeado
por sete céus, nos quais habitam inúmeras potências, anjos e arcanjos, que
asseguram um culto a Deus todo-poderoso e criador do universo. Não porque tenha
necessidade deles, mas para que não estejam, ao menos, sem fazer nada, como
inúteis e malditos. Por isso, é múltipla a presença interior do Espírito de
Deus e o profeta Isaías a enumera em sete formas de ministério, que descansaram
no Filho de Deus, a saber, o Verbo, em sua vinda humana. De fato, disse: “Sobre
Ele pousará o Espírito de Deus, Espírito de sabedoria e inteligência, Espírito
de conselho e fortaleza, [Espírito de ciência] e piedade; lhe conquistará o
Espírito do temor de Deus” (Is. 11,2-3). O primeiro céu, pois, a partir do
alto, que contém os restantes, é a sabedoria; o segundo é a inteligência; o
terceiro é o conselho; o quarto, em linha descendente, é a fortaleza; o quinto
é a ciência; o sexto é a piedade; o sétimo, que corresponde ao nosso
firmamento, está repleto de temor deste Espírito que ilumina os céus. Daí
Moisés adotar o modelo do candelabro de sete braços, que arde ininterruptamente
no Santuário. De fato, organizou o culto segundo este esquema celeste, com o
que lhe havia apontado o Verbo: “Te ajustarás ao modelo que te foi mostrado na
montanha” (Ex. 25,40).
A glorificação do
Pai pelo Filho e pelo Espírito Santo
10. Este Deus, isto
é, o Pai, vem, pois, glorificado por seu Verbo, que é seu Filho para sempre, e
pelo Espírito Santo, que é a Sabedoria do Pai de todos. E suas potências, a do
Logos e da Sabedoria, chamadas também Querubins e Serafins, glorificam a Deus
com voz incessante; e qualquer outra criatura que com Eles está nos céus dá
glória a Deus, Pai de todos. Ele, com a Palavra, conferiu a existência ao
universo inteiro; e neste universo há também anjos; e a este universo inteiro
deu leis, ordenando que cada qual esteja e permaneça em seu seio, sem sair dos
limites decretados por Deus, cumprindo cada um o trabalho que lhe foi
assinalado.
Deus modelou o
homem com suas mãos
11. Deus modelou o
homem com suas próprias mãos, tomando o pó mais puro e mais fino da terra e
mesclando-o, em medida justa, com sua virtude. Deu àquele plasma sua própria
fisionomia, de modo que o homem, ainda que visível, se tornasse imagem de Deus.
Porque o homem foi posto na terra modelado conforme a imagem de Deus. E a fim
de que pudesse viver, Deus soprou em seu rosto um hálito de vida, de modo que
tanto no sopro como na carne plasmada fosse o homem semelhante a Deus. Foi
criado por Deus livre e senhor de si, destinado para ser rei de todos os seres
do cosmos. Este mundo criado, preparado por Deus antes de formar o homem, foi
entregue ao homem como território próprio, com todos os bens que continha.
Neste lugar
trabalhavam, cada um segundo suas próprias funções, os servos daquele Deus que
criou todas as coisas; e ali mandava o regente e cabeça constituído, chefe de
seus co-servos; os servos eram anjos e o regente e cabeça era um arcanjo.
O paraíso: lugar de
delícias
12. Tendo, pois,
constituído o homem dono da terra e de toda coisa existente sobre ela,
secretamente o constituiu também dono daqueles que nela tinham ofício de
servos. Mesmo assim, estes, isto é, os anjos, encontravam-se na plenitude de
suas possibilidades, ainda que o dono, isto é, o homem, fosse ainda pequeno,
como criança, e devesse crescer para chegar à maturidade. E a fim de que se
alimentasse e desenvolvesse com gozo e alegria, foi-lhe preparado um lugar
melhor neste mundo, superior a ele pelo ar, beleza, luz, alimento, plantas,
frutos, águas e todas as demais coisas necessárias para a vida. E este lugar
teve por nome “Jardim” . O Jardim era tão belo e agradável que o Verbo de Deus
freqüentemente apresentava-se nele; passeava e se entretinha com o homem, prefigurando
o que haveria de se suceder no futuro, isto é, que o Verbo de Deus se faria
concidadão do homem, conversaria e habitaria com todos os homens,
ensinando-lhes a justiça. Porém, o homem era, todavia, menino e não tinha pleno
uso da razão, de forma que foi fácil ao Sedutor enganá-lo.
A criação de Eva
13. Então Deus fez
comparecer perante a presença de Adão, que passeava pelo Jardim, todos os
animais e lhe ordenou que para apontasse nomes para cada um; e o termo que
denominou Adão como ser vivente passou a ser seu nome. Decidiu, assim mesmo,
criar uma auxiliar para o homem, dizendo: “Não é bom que o homem esteja só;
far-lhe-ei uma auxiliar que lhe corresponda” (Gen. 2,18). Entre todos os
viventes não foi encontrado igual auxiliar, agradável e similar a Adão. Deus
mesmo inspirou, então, um êxtase a Adão e o fez adormecer. Como o sonho não
existia no Jardim, foi inspirado sobre Adão, por vontade de Deus, para fazer
uma obra a partir de outra obra. Tomou, então, uma costela de Adão e encheu de
carne o vazio criado; e com a costela extraída, fez a mulher e a
apresentou para Adão. “Este, ao vê-la, exclamou: ‘Esta sim, é osso de meus
ossos e carne de minha carne! Seu nome será mulher, porque foi tirada de seu
homem’” (Gen. 2,23).
Adão e Eva em
perfeita harmonia
14. E Adão e Eva -
pois assim se chamava a mulher - estavam nus e não sentiam vergonha, porque sua
mentalidade era inocente e infantil, e não brotavam neles imaginações e
pensamentos como os que a concupiscência lança na alma e a paixão que atiça ao
mal. De fato, viviam em estado de integridade, conservando sua própria
natureza, porque assim lhes foi inspirado pelo sopro de vida quando foram
plasmados. Pois bem: ainda que consistente e perseverante aquele sopro, com sua
ordem e vigor, não entendiam e concebiam coisas abjetas; por isso, não sentiam
vergonha ao beijarem-se e abraçarem-se com a inocência mais infantil.
O mandamento de
Deus
15. Porém, para que
o homem não tivesse pensamentos de soberba e se orgulhasse, como se não tivesse
senhor em razão da autoridade que lhe havia sido conferida e da liberdade de
acesso a Deus; para que não faltasse e, por complacência, concebesse
pensamentos de orgulho contra Deus, foi-lhe dada, por Deus, uma lei a fim de
que reconhecesse que tinha para si o Senhor como Senhor de tudo. E Deus lhe
impôs algumas regras, de sorte que, se observasse o mandamento de Deus,
permaneceria sempre como era, isto é, imortal. Porém, se não o observasse, se
faria mortal, destinado a se dissolver na terra de onde fora plasmado. E este
era o mandamento: “De toda árvore que está no interior do Jardim, come e te
alimenta. Mas da árvore de onde procede a ciência do bem e do mal, dessa apenas
não comerás, pois no dia em que comeres dela, morrerás” (Gen. 2,16-17).
Satanás provoca o
pecado, a ruína do homem
16. O homem não
cumpriu a ordem, mas desobedeceu a Deus. O anjo o seduziu, zeloso e invejoso
pelos numerosos dons que Deus havia concedido ao homem. E ao persuadir a
desobediência à ordem divina, [o anjo] provocou sua própria ruína, ao mesmo
tempo que tornava o homem pecador. O anjo, convertido assim em chefe e guia do
pecado, foi castigado por ofensa a Deus e conseguiu, ao mesmo tempo, que o
homem fosse expulso do Jardim. E porque com seu intento se rebelou e apostatou
de Deus, foi chamado “Satanás”, em hebraico, ou seja, apóstata, mas também é
chamado “diabo”. Deus amaldiçoou também a serpente, por servir de disfarce ao
diabo, maldição esta que alcançou o próprio animal e o anjo escondido nele,
Satanás. Quanto ao homem, o expulsou da sua presença; transferindo-o, fez com
que habitasse no caminho que conduz ao Jardim, uma vez que o Jardim não
comportava o pecador.
O drama dos filhos
de Adão: Caim e Abel
17. Expulsos do
Jardim, Adão e sua mulher, Eva, padeceram muitas misérias e viveram neste mundo
cheios de tristeza, fadigas e lamentos. Porque o homem trabalhava a terra sob
os raios do sol e a terra produzia espinhos e abrolhos, castigo do pecado.
Então se cumpriu a palavra da Escritura: “Adão se uniu à sua mulher; ela
concebeu, deu à luz a Caim e, depois, deu à luz a Abel”. Mas o anjo rebelde, o
mesmo que impulsionou o homem à desobediência, que o tornou pecador e causou
sua expulsão do Jardim, não contente com o que fizera anteriormente, planejou
um novo dano, desta vez sobre os dois irmãos, porque enchendo Caim de seu
próprio espírito, o fez fratricida. Assim, morreu Abel, assassinado por seu
irmão, como um sinal do futuro, quando alguns seriam perseguidos, atormentados
e mortos, e seriam os injustos os que viriam a matar e perseguir os justos. Por
isso, Deus encoleralizou-se e amaldiçoou Caim e, desde então, todos os
descendentes em linha de sua sucessão foram semelhantes ao seu progenitor.
Deus, depois, fez com que Adão tivesse outro filho em substituição de Abel,
assassinado.
Os Gigantes. O
aumento da maldade e a diminuição da justiça
18. A maldade,
estendendo-se continuamente, alcançou e inundou a raça humana; somente um pouco
da semente de justiça restava nela. Porque, ademais, sobre a terra ocorriam
uniões ilegítimas: os anjos fornicaram com as filhas dos homens, que deram à
luz filhos que, por sua enorme estatura, foram chamados gigantes. Os anjos,
então, deram às suas esposas, como presente, ensinamentos malignos. Ensinaram
elas a produzir extratos de flores e plantas, tintas e pinturas, jóias e
cosméticos, os zelos e as paixões, a sedução e o atrevimento, os sortilégios da
magia e toda classe de adivinhação e idolatria, odiados por Deus. E uma vez
desencadeadas todas essas coisas, o mal se expandiu até transbordar e a justiça
diminuiu quase a ponto de desaparecer.
O dilúvio como
juízo de Deus
19. Finalmente,
quando veio sobre o mundo o justo juízo de Deus, com o dilúvio na décima
geração contada a partir do primeiro homem, apenas Noé foi encontrado justo e,
graças à sua própria justiça, foi salvo com sua mulher, seus três filhos e
mulheres, juntamente com os animais que Deus ordenou a Noé introduzir em sua
arca. Enquanto a destruição ocorria sobre toda a terra, atingindo homens e
seres vivos, salvaram-se apenas os que estavam na arca. Os três filhos de Noé
eram Sem, Cam e Jafet, e sua estirpe voltou a multiplicar-se novamente. Esta é
a origem de todos os que nasceram após o dilúvio.
As bênçãos e as
maldições na família de Noé
20. Entre os filhos
de Noé, um caiu em maldição, enquanto que os outros dois receberam a benção por
suas obras. Eis que o mais jovem entre eles, chamado Cam, por ter ironizado seu
pai e ser condenado pelo pecado da impiedade por causa do ultraje e ignomínia
para com seu pai, atraiu uma maldição que transmitiu para toda a sua
descendência. Com efeito, toda a raça que o seguiu tornou-se maldita e neste
pecado cresceu e se multiplicou. Por outro lado, Sem e Jafet, seus irmãos, ante
sua piedade para com o pai, obtiveram uma bênção. Eis aqui os termos da
maldição lançada por Noé sobre Cam: “Maldito seja este jovem, Cam. Seja ele o
servo de seus irmãos” (Gen. 9,25). Quando atingiu a idade adulta, teve sobre a
terra uma posterioridade numerosa como uma floresta, desenvolvendo-se por
catorze gerações de descendentes, até que, por ter sido condenada, foi cessada
por Deus. De fato, os cananeus, os jeteus, os fereceus, os jeveus, os amorreus,
os jebuseus, os guergeseus, os sodomitas, os árabes, os habitantes da Fenícia,
todos os egípcios e os líbios descendem de Cam e caíram sob a maldição, a qual
se estendeu amplamente sobre os ímpios.
O triunfo das
bênçãos
21. Do mesmo modo
como a maldição seguiu seu caminho, a bênção continuou na posterioridade dos
que foram abençoados, cada um segundo sua ordem. Em primeiro lugar foi
abençoado Sem, com estas palavras: “Bendito o Senhor Deus de Sem. Seja Cam teu
servo” (Gen. 9,26). Desta bênção resultou que Deus, Senhor do universo, chegou
a ser para Sem objeto privilegiado de sua piedade; a bênção se desenvolveu até
alcançar Abraão, que, da posterioridade de Sem, chega até a décima-quarta
geração segundo a ordem genealógica descendente. E é esta a razão pela qual o
Pai, Deus do universo, se compraz em ser chamado “Deus de Abraão, Deus de Isaac
e Deus de Jacó″ (Ex. 3,6; Mat. 22,32; Mc. 12,26; Luc. 20,37), porque a bênção
de Sem chegou a Abraão. Já a bênção de Jafet foi formulada do seguinte modo:
“Que Deus multiplique Jafet e habite na casa de Sem; e Cam seja teu servo”
(Gen. 9,27). Esta bênção floresceu ao final deste período, quando o Senhor se
manifestou às nações por seu chamamento - pois Deus multiplicou seu chamamento
para elas - e “toda terra alcançou sua pregação, e suas palavras chegaram até
os limites do orbe” (Sal. 18,5). Multiplicar significa, pois, o chamamento das
nações, a saber, a Igreja. E habitar na casa de Sem indica a herança dos
patriarcas, por ter Jesus Cristo recebido o direito de primogenitura. Deste
modo, segundo a ordem da bênção, cada um recebeu por meio da descendência o
fruto da bênção.
A Aliança universal
22. Depois do
dilúvio, Deus estabeleceu um pacto de aliança com o mundo inteiro, em
particular com todos os animais e com os homens, em virtude do qual não
destruiria novamente com outro dilúvio o que refloresce sobre a terra,
oferecendo um sinal: “Quando o céu se cobrir de nuvens, aparecerá nas nuvens um
arco e eu me recordarei da aliança e não voltarei a destruir com água tudo o
que existe sobre a terra” (Gen. 9,14-15). E alterou a alimentação dos homens,
permitindo-lhes comer carne, pois desde a primeira criatura, Adão, até o
dilúvio, os homens alimentavam-se apenas de grãos e frutos de árvores, já que o
alimento da carne não lhes era permitido. E como os três filhos de Noé eram o
princípio da raça humana, Deus os abençoou para que se multiplicassem e
crescessem, dizendo: “Crescei e multiplicai-vos, enchei a terra e dominai-a.
Vos temerão e respeitarão todos os animais e todas as aves do céu. Vos servirão
de alimento, da mesma forma como os vegetais. Porém, não comereis carne com
sangue, que é sua vida, porque pedirei contas de vosso sangue a qualquer animal
e também ao homem. Se alguém derramar o sangue de um homem, outro derramará o
seu, porque Deus fez o homem segundo sua imagem” (Gen. 9,1-6). E a imagem de
Deus é o Filho, sob cuja imagem foi feito o homem. Eis aqui porque, nos últimos
tempos, se manifestou, para dar a entender que a imagem era semelhante a Si.
Depois desta aliança, o gênero humano se multiplicou e se propagou a partir da posterioridade
dos três filhos de Noé. “E havia, então, uma só boca sobre a terra”, isto é,
uma só língua.
A torre de Babel
23. Levantadas as
tendas, partiram do Oriente e, em sua peregrinação, chegaram até a extensa
planície de Senaar, onde decidiram edificar uma torre. Buscavam com ela chegar
até o céu, pretendendo, assim mesmo, deixar sua obra como memorial para as
futuras gerações. Construíram o edifício com ladrilhos cozidos e betume;
crescia sua audácia e temeridade, e, graças à sua união no mesmo objetivo e uso
da mesma língua, o que pretendiam se concretizava. Porém, para que não fosse
adiante sua obra, Deus dividiu suas línguas com o objetivo de que não se
entendessem. Desta forma, se dispersaram e ocuparam a terra em grupos
distintos, segundo suas línguas. Eis aqui as diferenças entre os povos e a
diversidade das línguas. De fato, três raças humanas habitavam sobre a terra.
Uma delas estava sob o peso da maldição, enquanto que as duas outras restantes
eram abençoadas. A bênção desceu primeiro sobre Sem, cujos descendentes
habitaram o Oriente e ocuparam o país dos caldeus.
A aliança com
Abraão
24. Posteriormente,
na décima geração após o dilúvio, se encontra Abraão, que busca a Deus, que o
corresponde, por pertencer à bênção de seu antepassado [Sem]. Quando, seguindo
o ardente desejo de seu coração, peregrinava pelo mundo perguntando-se onde estava
Deus e começou a fraquejar, estando a ponto de desistir da busca, Deus teve
piedade daquele que somente O buscava no silêncio. E se manifestou a Abraão,
dando-se a conhecer por meio do Verbo, como que por um raio de sol. E, a partir
do céu, lhe disse: “Sai da tua terra, do teu povo e da casa de teu pai; emigra
para o país que te indicarei e fixa ali a tua morada” (Gen. 12,1). Ele confiou
na voz celeste e, apesar de ter 70 anos e uma mulher idosa, com ela abandonou a
Mesopotâmia e levou consigo Lot, filho de seu finado irmão. Quando chegou à
terra que hoje se chama Judéia, habitada então por sete povos descendentes de
Cam, Deus lhe apareceu em visão e disse: “A ti e a tua descendência, nas
futuras gerações, te darei esta terra como possessão perpétua” (Gen. 12,7;
13,15; 17,8; At. 7,25). E acrescentou que a sua descendência andaria errante
por um país estrangeiro, no qual seria maltratada, afligida e escravizada ao
longo de 400 anos; porém, aquela, na quarta geração, voltaria à terra prometida
a Abraão e Deus condenaria o povo que havia escravizado sua posterioridade. E
para que Abraão conhecesse a grandeza e esplendor da sua descendência, Deus o
fez sair de noite e lhe dirigiu estas palavras: “Olha para o alto, para o céu,
e, se puderes, conta as estrelas do céu. Assim será a tua descendência” (Gen.
15,15). E Deus, vendo a fé e a firme decisão de seu espírito, atestou, dizendo
na Escritura por meio do Espírito Santo: “Abraão confiou em Deus e foi reputado
justo” (Gen. 15,6) Era incircunciso quando recebeu este atestado; e para que a
grandeza da sua fé fosse reconhecida como sinal, deu a circuncisão como “selo
da justiça da fé da incircuncisão” (Rom. 4,11). Depois disto, segundo a
promessa de Deus, da estéril Sara lhe nasceu um filho, Isaac, que circuncidou conforme
o pacto que Deus estipulara com ele. De Isaac nasceu Jacó. Desta maneira, a
bênção inicial de Sem chegou até Abraão e de Abraão passou para Isaac e Jacó,
graças ao assinalamento da herança feita pelo Espírito. Por isso, Deus é
denominado “Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacó″ (Ex. 3,6; Mat.
23,32). Jacó, por sua vez, gerou doze filhos, dos quais tomaram nome as doze
tribos de Israel.
O mistério da
Páscoa
25. Quando a fome
afligiu toda a terra e somente o Egito contava com gêneros alimentícios, Jacó
emigrou com toda a família para aquele país. O número total de emigrantes
ascendia a 75 pessoas e, em 400 anos, chegaram a ser, segundo as predições, 660
mil. Visto que sofriam muitos vexames e opressões em uma cruel escravidão, e
gemiam e se lamentavam perante Deus, o Deus de seus pais, Abraão, Isaac e Jacó,
[Deus] os tirou do Egito valendo-se de Moisés e Aarão, depois de ter castigado
os egípcios com dez pragas, sendo que, na última, mandou um anjo exterminador
para matar os primogênitos tanto de homens como de animais. Assim, salvou os
filhos de Israel, prefigurando de um modo misterioso a Paixão de Cristo na
imolação de um cordeiro imaculado e, com seu sangue, derramado como garantia de
imunidade, mandou assinalar as casas dos hebreus. Este mistério recebe o nome
de “Páscoa”, manancial de liberdade. Dividido o mar Vermelho, conduziu - com
toda espécie de cuidados - os filhos de Israel para o deserto, enquanto que os
egípcios, que se lançaram em sua perseguição pelo mar, pereceram todos. Este
foi o juízo de Deus contra os que injustamente haviam oprimido a estirpe de
Abraão.
O Decálogo entregue
a Moisés
26. Moisés, no
deserto, recebeu de Deus a lei: o Decálogo, gravado em tábuas de pedra pelo
dedo de Deus - o dedo de Deus é o que sai do Pai no Espírito Santo - , os
preceitos e os direitos que transmitiu aos filhos de Israel para que
observassem. Por ordem de Deus, construiu o tabernáculo do testemunho,
construção visível na terra das realidades espirituais e invisíveis do céu,
figura da Igreja e representação profética das realidades futuras. Ali colocou
os vasos, os altares e a arca na qual depositou as tábuas. Constituiu
sacerdotes a Aarão e seus filhos, que descendiam de Levi, conferindo o
sacerdócio a toda esta estirpe para exercer o ministério cultual no templo de
Deus. E lhes deu a lei levítica que fixa qual a qualidade e conduta que devem
adornar os que permanentemente se dedicarão ao serviço do culto no templo de
Deus.
A exploração da
Terra Prometida e a peregrinação pelo Deserto
27. Quando estavam
próximos da Terra Prometida por Deus a Abraão e à sua posterioridade, Moisés
escolheu um homem de cada tribo e os enviou em exploração daquela terra, de
suas cidades e habitantes. Foi quando Deus lhe revelou o único Nome capaz de
salvar os que n’Ele crêem; Moisés mudou o nome de Oséias, filho de Nave, um dos
exploradores, para “Jesus” [=Josué]. E Moisés os enviou junto com o poder
daquele Nome, persuadido de que os acolheria incólumes quando voltassem, por
terem sido conduzidos por aquele Nome; o que, de fato, ocorreu. Concluída sua
missão de espionagem e exploração, regressaram trazendo um cacho de uvas;
porém, algum dos doze exploradores atemorizou e alarmou o povo ao relatar que
as cidades eram imensas e fortificadas, e que os homens, filhos dos Titãs,
tinham uma estatura gigantesca e estavam preparados para defender suas terras.
Ao receber tais notícias, o povo chorou, fraquejando na fé que tinham n’Aquele
Deus que os fortalecia e lhes submetia todo o mundo. Murmuraram contra o país,
como se não fosse bom, e se por um país de tal natureza mereciam correr algum
risco. Porém, entre os doze, Jesus, filho de Nave, e Caleb, filho de Jefoné,
rasgaram suas vestes pelo mal cometido e suplicaram ao povo para que não se
deixasse abater e desanimar, porque Deus havia posto o país em suas mães e que
o mesmo era excelente. Mas como o povo não se convencia e persistia na
incredulidade, Deus o desviou e mudou seu itinerário para que se dispersasse,
afligindo-o no deserto. E contando um ano para cada dia que os enviados levaram
para explorar e inspecionar o país - isto é, 40 dias - Deus reteve [o povo]
durante 40 anos no deserto. Nenhum adulto com pleno uso da razão foi julgado
digno de entrar no país em razão da incredulidade, exceto Jesus, filho de Nave,
e Caleb, filho de Jefoné, que tinham defendido a herança prometida, e as
crianças incapazes de distinguir a direita da esquerda. Pouco a pouco, o povo
incrédulo chegou ao final e, paulatinamente, pereceu no deserto, castigado
justamente por sua incredulidade. As crianças que cresceram nestes 40 anos
cobriram as vagas deixadas pelos mortos.
O Deuteronômio
28. Transcorridos
os 40 anos, o povo chegou às proximidades do [rio] Jordão e, reagrupando-se, se
alinhou para a batalha de Jericó. Aqui, perante o povo reunido, Moisés invocou
a história passada, recordando os grandes feitos de Deus até aquele momento,
preparando e dispondo aqueles que tinham crescido no deserto temendo a Deus e
observando os mandamentos. Impôs a este [povo] uma nova legislação,
acrescentando-a à que já tinha estabelecido anteriormente. Este novo corpo
legislativo foi chamado Deuteronômio, isto é, a segunda lei, no qual estão
escritas muitas profecias a respeito de nosso Senhor Jesus Cristo, do povo, da
vocação dos gentios e do Reino.
A distribuição da terra
29. Quando Moisés
estava a ponto de terminar seus dias, Deus lhe disse: “Sobe ao monte e morre
nele, porque não serás tu que entrarás com meu povo na Terra Prometida”.
Segundo a palavra do Senhor, morreu Moisés e lhe sucedeu Jesus, filho de Nave.
Este atravessou o Jordão, conduziu o povo à terra prometida e, vencidos e
aniquilados os sete povos que a habitavam, a distribuiu ao povo. Ali se
encontra Jerusalém, onde reinaram Davi e seu filho Salomão, que construiu o
templo em nome de Deus segundo a imagem do tabernáculo feito por Moisés como
modelo das realidades celestes e espirituais.
O envio dos
profetas
30. Para Jerusalém
foram enviados, por Deus, por meio do Espírito Santo, os profetas que
aconselhavam o povo e o convertia ao Deus onipotente de seus pais. Como colunas
da revelação de nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, anunciavam que da
estirpe de Davi haveria de florescer o Seu Corpo, para que fosse, segundo a
carne, filho de Davi - que era filho de Abraão - em razão de uma extensa cadeia
de gerações e, segundo o Espírito, Filho de Deus, preexistente com o Pai,
gerado antes da fundação do mundo, e aparecido, como homem, ao mundo inteiro
nos últimos tempos. Ele é o Verbo de Deus que “recapitula em si todas as
coisas, as do céu e as da terra” (Ef. 1,10).
A desobediência e a
Encarnação
31. Uniu, pois, o
homem com Deus e operou a comunhão entre Deus e o homem, porque não poderíamos,
em absoluto, obter participação alguma na incorruptibilidade se não houvesse
vindo [o Verbo] habitar entre nós. Pois se a incorruptibilidade tivesse
permanecido invisível e oculta, não nos seria de nenhuma utilidade. Fez-se,
pois, visível a fim de que integralmente [isto é, em corpo e alma] recebêssemos
uma participação desta incorruptibilidade. E porque todos nós estamos envoltos
na criação originária de Adão e estamos vinculados à morte por causa da sua
desobediência, era conveniente e justo que, por obra da obediência de quem se
fez homem por nós, fossem quebradas as [cadeias] da morte. E porque a morte
reinava sobre a carne, era preciso que fosse abolida por meio da carne e que o
homem fosse libertado de sua opressão. “E o Verbo se fez carne” (Jo. 1,14) para
destruir, por meio da carne, o pecado - que, por obra da carne, havia adquirido
o poder, o direito de propriedade e domínio - para que não mais existisse entre
nós. Por essa razão, nosso Senhor tomou uma corporeidade idêntica à da primeira
criatura, para lutar em favor dos primogênitos e vencer em Adão, já que Adão
havia nos ferido [de morte].
Adão e Cristo
32. Pois bem: de
onde provém a essência da primeira criatura? Da vontade e da Sabedoria de Deus
e da terra virgem. “Porque Deus ainda não havia enviado chuva sobre a terra” -
diz a Escritura- “antes que o homem fosse plasmado e antes que o homem
estivesse ali para cultivá-la” (Gen. 2,5). Desta terra, pois, todavia virgem,
Deus tomou o barro e moldou o homem, princípio do gênero humano. Para dar,
pois, cumprimento a esse homem, assumiu o Senhor a mesma disposição sua de
corporeidade, que nasceu de uma Virgem por vontade e pela Sabedoria de Deus,
para manifestar também Ele a identidade de sua corporeidade com a de Adão, e
para que se cumprisse o que no princípio havia escrito: “o homem é imagem e
semelhança de Deus”.
Eva e Maria
33. E assim como
pela obra de uma virgem desobediente foi o homem ferido e, precipitado, morreu,
assim também, reanimado o homem por obra de uma Virgem, que obedeceu a Palavra
de Deus, recebeu Ele, no homem novamente reavivado, por meio da vida, a Vida.
Pois o Senhor veio buscar a ovelha perdida, isto é, o homem que havia se
perdido. De onde não fez o Senhor outra carne senão daquela mesma que trouxe
origem a Adão e dela conservou a semelhança. Porque era conveniente e justo que
Adão fosse recapitulado em Cristo, a fim de que fosse precipitado e submergido
o que é mortal na imortalidade, e que Eva fosse recapitulada em Maria, a fim de
que uma Virgem, chamada a ser advogada de uma virgem [Eva], descesse e
destruísse a desobediência virginal através da obediência virginal. O pecado
cometido por causa da árvore foi anulado pela obediência cumprida na árvore,
obediência a Deus pela qual o Filho do homem foi elevado na árvore, abolindo a
ciência do mal e aportando e presenteando com a ciência do bem. O mal é
desobedecer a Deus; o bem, ao contrário, é obedecer [a Ele].
A crucificação
cósmica
34. O Verbo,
preanunciando por meio do profeta Isaías os acontecimentos futuros - são
profetas porque anunciam o que irá acontecer - se expressa assim: “Eu não me
rebelo, nem me contradigo. Ofereci minhas costas aos açoites e minha face às
bofetadas; não furtarei meu rosto à afronta das cuspidas” (Is. 50,5-6). Assim,
pois, pela obediência a que se submeteu até a morte, pendurado no madeiro,
destruiu a desobediência antiga cometida na árvore. E como o próprio Verbo onipotente
de Deus, em sua condição invisível, está entre nós estendido por todo este
universo [visível] e abraça sua largura e sua extensão e sua altura e sua
profundidade - pois por intermédio do Verbo de Deus foram dispostas e
governadas aqui todas as coisas -, a crucificação [visível] do Filho de Deus
teve também lugar nessas [dimensões, antecipadas invisivelmente] na forma da
cruz traçada [por Ele] no universo. Ao surgir visivelmente, manifestou a
participação deste universo [sensível] em sua crucificação [invisível], a fim
de revelar, graças à sua forma visível, sua ação [misteriosa e oculta] sobre o
visível, a saber, como é Ele quem ilumina a altura - isto é, o celeste - e
contém a profundidade - as regiões subterrâneas - e se estende ao largo, do
Oriente até o Ocaso, e governa, como comandante, a região norte e a extensão da
Média, e convoca todas as partes e os dispersos para conhecer ao Pai.
O cumprimento da
promessa de Abraão
35. Realizou-se,
assim, a promessa feita por Deus a Abraão, segundo a qual sua descendência
seria como as estrelas do céu. Cristo cumpriu a promessa nascendo de uma
Virgem, da estirpe de Abraão, e convertendo em estrelas do mundo os crentes
n’Ele e justificando os gentios com Abraão por meio da mesma fé. “Abraão creu
no Senhor e foi reputado por justo” (Gen. 15,6). Do mesmo modo, também nós
somos justificados em virtude da fé em Deus, porque o justo viverá pela fé. A
promessa de Abraão não foi feita pelo cumprimento da lei, mas pela fé. De fato,
Abraão foi justificado pela fé: “a lei não foi estabelecida para o justo”
(1Tim. 1,9). De igual forma, também nós não somos justificados pela lei, mas
sim pela fé, que foi recebida pelo testemunho da lei e dos profetas, e que nos
apresenta o Verbo de Deus.
Cristo, nascido da
Virgem, da descendência de Davi
36. E cumpriu o que
foi prometido a Davi, pois Deus havia se comprometido a suscitar do fruto de
seu seio um Rei eterno, cujo reino não teria fim. Este Rei é Cristo, Filho de
Deus, feito filho do homem, isto é, nascido, como fruto, da Virgem descendente
de Davi; e se a promessa foi do fruto de seu seio - a saber, um rebento da
concepção característica da mulher, e não fruto do homem nem dos rins, como é
característico do varão - era para anunciar o que era de único e próprio na
produção deste fruto de um seio virginal procedente de Davi, que reina na casa
de Davi pelos séculos e cujo reino não conhecerá fim.
A Encarnação:
destruição da morte e dom da vida
37. Em tais
condições, pois, realizava magnificamente nossa salvação, mantinha as promessas
feitas aos patriarcas e abolia a antiga desobediência. O Filho de Deus se fez
filho de Davi e filho de Abraão. Para cumprir as promessas e recapitulá-las em
Si mesmo, com o fim de restituir-nos à vida, o Verbo de Deus se fez carne pelo
ministério da Virgem, a fim de desatar a morte e vivificar o homem, porque nós
estávamos presos pelo pecado e destinados a nascer através do regime do pecado
e a cair sob o império da morte.
Nascimento, morte e
ressurreição de Cristo
38. Deus Pai, por
sua imensa misericórdia, enviou seu Verbo criador, o qual, vindo para nos
salvar, esteve nos mesmos lugares, nas mesmas situações e ambientes onde
perdemos a vida. E rompeu as correntes que nos faziam prisioneiros. Apareceu
sua luz e fez desaparecer as trevas da prisão; santificou nosso nascimento e
aboliu a morte, desatando aqueles mesmos laços que nos prendiam. Manifestou a
ressurreição, tornando-se pessoalmente o primogênito dos mortos; sua pessoa
levantou o homem caído sobre a terra, ao elevar-se às alturas do céu,
estabelecendo-se à direita do Pai, como Deus prometera ao profeta que diz:
“Levantarei a tenda de Davi, caída sobre a terra” (Am. 9,11), isto é, o corpo
que provinha de Davi. Nosso Senhor Jesus Cristo cumpriu realmente isto, atuando
gloriosamente a nossa salvação, a fim de ressuscitarmos verdadeiramente e nos
apresentarmos livres diante do Pai. E se alguém não aceita o seu nascimento a
partir de uma virgem, como admitirá sua ressurreição entre os mortos? Porque
nada tem de milagroso, estranho e inesperado o que ressuscitou dos mortos sem
ter antes nascido; nem sequer podemos falar de ressurreição d’Aquele que veio à
existência sem nascer; quem não nasce, com efeito, é imortal; e quem não se
submete ao nascimento tampouco estará sujeito à morte. Ora, quem não obteve o
princípio humano, como poderá obter seu fim?
Cristo, primogênito
de toda a criação
39. Sim, pois se
não nasceu, tampouco morreu. E se não morreu, tampouco ressuscitou dos mortos.
E se não ressuscitou dos mortos, não venceu a Morte, nem destruiu seu império.
E se não caiu vencida a Morte, como obterão a vida aqueles que, desde as
origens, sucumbiram ao império da Morte? Esses, que negam ao homem a redenção e
não crêem que Deus o ressuscitará dos mortos, desprezam também a natividade de
nosso Senhor, que por nós se submeteu o Verbo de Deus, fazendo-se carne, a fim
de mostrar a ressurreição da carne e ter a primazia sobre todos no céu. Como
primogênito da mente do Pai, o Verbo perfeito dirige todas as coisas
pessoalmente e legisla sobre a terra; como primogênito da Virgem, é justo,
homem santo, piedoso, bom, agradável a Deus, perfeito em tudo e livra do
inferno todos os que O seguem; como primogênito dos mortos, é origem e sinal da
vida de Deus.
A contínua chamada
do Verbo
40. Assim, pois, o
Verbo de Deus ostenta o primado sobre todas as coisas, porque é verdadeiro
homem e “admirável conselheiro e Deus forte” (Is. 9,6), que chama novamente
[com a ressurreição] o homem à comunhão com Deus para que, por intermédio da
comunhão com Ele, participemos da incorruptibilidade. O que foi anunciado por
Moisés e pelos profetas do Deus altíssimo e onipotente, Pai do universo, origem
de tudo, que conversou com Moisés, veio à Judéia, gerado por Deus através do
Espírito Santo e nascido da Virgem Maria, era da estirpe de Davi e de Abraão:
Jesus, o Ungido de Deus, o que se revelou a Si mesmo, como havia sido predito
pelos profetas.
A Igreja comunica o
espírito de salvação por meio do Batismo
41. João Batista, o
precursor, quando preparava e dispunha o povo para receber o Verbo da vida, fez
saber que este era o Cristo, sobre quem o Espírito de Deus havia pousado,
unindo com sua carne. Os discípulos e testemunhas de todas as suas boas obras,
de seu ensino, de sua Paixão, de sua morte, de sua ressurreição, de sua ascensão
ao céu após a ressurreição corporal, isto é, os apóstolos, com o poder do
Espírito Santo, foram enviados por Ele para toda terra, convocaram os gentios,
ensinaram aos homens o caminho da vida para afastá-los dos ídolos, da
fornicação e da avareza, purificaram suas almas e seus corpos com o batismo de
água e do Espírito Santo, distribuíram e administraram aos crentes este
Espírito que receberam do Senhor. Assim, instituíram e fundaram esta Igreja.
Com a fé, a caridade e a esperança, confirmaram a chamada dos gentios que,
preanunciada pelos profetas, lhes foi dirigida segundo a misericórdia de Deus,
manifestada com seu ministério, acolhendo-os na promessa feita aos patriarcas,
isto é, àqueles que creram e amaram a Deus. E aos que vivem em sua santidade, a
justiça e a paciência, o Deus de todos outorgará a vida eterna, por meio da
ressurreição dos mortos. Graças Àquele que morreu e ressuscitou, Jesus Cristo,
a quem [Deus Pai] confiou a realeza sobre todos os seres da terra, a autoridade
sobre os vivos e os mortos e o juízo. Os apóstolos, com a palavra da verdade,
exortaram os gentios a guardarem seus corpos sem mancha, tendo em vista a
ressurreição, e sua alma afastada da corrupção.
A DEMOSTRAÇÃO
PROFÉTICA (caps. 42-85)
A obra do Espírito
nos fiéis e nos profetas
42. Com efeito,
assim devem se comportar os crentes, pelo fato de que neles habita
permanentemente o Espírito Santo, dado pelo Senhor no momento do batismo e
custodiado por aquele que O recebe, se é que vive na verdade e santidade, na
justiça e paciência. De fato, a ressurreição dos crentes é também obra deste
Espírito, quando o corpo acolhe novamente a alma e, unida a ela, ressuscita
pela força do Espírito Santo, introduzindo-se no reino de Deus. O fruto da bênção
de Jafet é manifestado pela Igreja, que chamou os gentios que vivem em contínua
obediência, para poder habitar a casa de Sem, segundo a promessa de Deus. Que
estas coisas ocorreriam, predisse o Espírito Santo por meio dos profetas, a fim
de que todos os que servem a Deus na verdade tenham fé firme sobre elas. Na
verdade, todos esses fatos impossíveis à natureza humana e, portanto, pouco
críveis aos homens, Deus, através dos profetas, os predisse muito tempo antes -
e se realizaram cada um a seu tempo, como se anunciara - para que, pelo fato de
terem sido profetizados, mesmo muito tempo antes, conhecêssemos que era Deus e
que, desde o princípio, havia preanunciado a nossa salvação.
Identidade entre o
Verbo e o Filho de Deus, por meio do qual tudo foi feito
43. Devemos crer em
Deus porque Ele é verdadeiro em tudo. E crer que um Filho existia em Deus e que
existia não só antes da sua aparição sobre o mundo mas também antes que o mundo
fosse criado. Moisés foi o primeiro a profetizá-Lo, quando escreveu em hebraico:
“beresit bara elovim basan benowam sament’ares”. Isto significa: “No princípio
Deus estabeleceu o Filho, logo estabeleceu o céu e a terra”. O profeta Jeremias
O testemunhou quando disse: “Antes da estrela da manhã te gerar e antes do sol,
[é] teu nome”, isto é, antes da criação do mundo e antes das estrelas criadas
com o mundo. Disse, todavia: “Ditoso Aquele que existia antes de ser homem”,
pois, para Deus, o Filho foi o princípio anterior à criação do mundo, porém,
para nós, não existe a partir de agora, isto é, desde que se manifestou. Antes,
pois, não existia para nós, porque não O conhecíamos. Por isso, seu discípulo
João, explicando-nos quem era o Filho de Deus que estava junto ao Pai antes que
o mundo fosse formado e, por sua mediação, tudo foi criado, disse: “No
princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Ele
estava, no princípio, com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele e, sem
Ele, nada do que foi feito se faria” (Jo. 1,1-3). Desta forma, demonstra
claramente que todas as coisas foram criadas por meio deste Verbo, o qual desde
o princípio estava com o Pai, isto é, seu Filho.
O Filho de Deus
conversa com Abraão
44. Diz também
Moisés que o Filho de Deus se aproximou de Abraão para conversar como ele: “E
Deus apareceu junto aos carvalhos de Mambré, ao meio dia… E levantando os
olhos, viu três homens de pé frente a ele; se prostrou por terra, dizendo: ‘Se
realmente encontrei graça aos vossos olhos…’” (Gen. 18,1-3). E, em continuação,
o que dialogaram entre si. Pois bem, dois dos três eram anjos, mas o terceiro
era o Filho de Deus. A Ele também se dirigiu Abraão, ao suplicar-lhe pelos
habitantes de Sodoma, para que não fossem exterminados se ao menos fossem
encontrados dez justos entre eles. Não obstante a isso, os dois anjos que
vieram a Sodoma foram recebidos por Lot. A este respeito diz a Escritura: “O
Senhor fez chover enxofre e fogo provenientes do Senhor, a partir do céu, sobre
Sodoma e Gomorra” (Gen. 19,24). Quer dizer que o Filho, aquele mesmo que
conversava com Abraão, sendo “Senhor”, recebera o poder de castigar os
habitantes de Sodoma, “do Senhor, a partir do céu”, do Pai, que é o Senhor do
universo. Abraão, pois, era profeta e viu o que se sucederia no futuro, a
saber, como o Filho de Deus, sob a forma humana, conversaria com os homens,
comeria com eles e logo exerceria o ofício de juiz, pelo fato de ter recebido
do Pai, Senhor do universo, a autoridade para castigar os habitantes de Sodoma.
Jacó contempla o
Verbo
45. E também Jacó,
quando viajou à Mesopotâmia, sonhou que estava de pé, no alto de uma escada,
isto é, no madeiro que fixava a terra ao céu. Pois, por este madeiro, os que
crêem n’Ele ascendem ao céu, porque sua paixão é nossa ascensão. Todas as
visões deste gênero significam o Filho de Deus que conversa com os homens e
está no meio deles. Certamente, não é o Pai do universo, invisível ao mundo e
criador de tudo, quem diz: “O céu é o meu trono e a terra o estrado de meus
pés; que casa edificareis para o meu descanso?” (Is. 66,1-2; At. 7,49), e:
“Quem sustenta a terra em um punho e o céu na palma da mão?” (Is. 40,12). Não
era certamente Ele que estava de pé em um pequeno espaço e conversava com
Abraão, mas sim o Verbo de Deus que, sempre presente no meio do gênero humano,
nos dava a conhecer antecipadamente o que iria se suceder e instruía os homens
sobre as coisas de Deus.
O Filho de Deus
conversa com Moisés
46. Foi Ele que na
sarça ardente conversou com Moisés e disse: “Tenho visto os sofrimentos do meu
povo no Egito e vim libertá-lo” (Ex. 3,7-8). Ele subia e descia para libertar
os oprimidos, arrancando-os do poder dos egípcios, isto é, de toda classe de
idolatria e impiedade; salvando-os do mar Vermelho, isto é, libertando-os das
turbulências homicidas dos gentios e das águas amargas de suas blasfêmias. Estes
acontecimentos eram contínua repetição do que se refere a nós, no sentido de
que o Verbo de Deus mostrava, antecipadamente, o que ocorreria no futuro,
enquanto que, agora, nos arranca de verdade da servidão cruel dos gentios. E no
deserto, fez brotar, com abundância, a partir da pedra, um rio de água. E a
pedra era Ele. E produziu fontes potáveis, isto é, a doutrina dos doze
apóstolos. E aos recalcitrantes e incrédulos, fez morrer e desaparecer no
deserto; e aos que creram n’Ele, feitos meninos para a malícia, os introduziu
na herança dos pais, que recebeu e distribuiu, não Moisés, mas Jesus. E mais:
nos libertou de Amaleq, estendendo suas mãos, e nos conduziu e elevou ao reino
do Pai.
A Unção do Verbo
47. O Pai, pois, é
Senhor e o Filho é Senhor; é Deus o Pai e é Deus o Filho, porque o que nasceu
de Deus é Deus. Assim, segundo a essência de seu ser e de seu poder, há um só
Deus; porém, ao mesmo tempo, na administração da economia de nossa redenção,
Deus aparece como Pai e como Filho. E visto que o Pai do universo é invisível e
inacessível aos seres criados, é por meio do Filho que os destinados a
aproximarem-se de Deus devem conseguir o acesso ao Pai. Davi, clara e
objetivamente, se expressou deste modo a propósito do Pai e do Filho: “Teu
trono, ó Deus, permanece para sempre; tu amas a justiça e detestas a
iniqüidade. Por isso, Deus te ungiu com óleo de alegria mais que aos teus
companheiros”. Isto significa que o Filho, enquanto Deus, recebe do Pai, isto
é, de Deus, o trono de um reino eterno e o óleo da unção mais que seus
companheiros. O óleo da unção é o Espírito Santo com que é ungido, e seus
companheiros são os profetas, os justos, os apóstolos e todos os que participam
do reino, isto é, seus discípulos.
O primado e realeza
de Cristo, Sacerdote eterno
48. E também disse
Davi: “Disse o Senhor ao meu Senhor: senta-te à minha direita, até que eu faça
dos teus inimigos o estrado de teus pés. A partir de Sião, estenderá o Senhor
um cetro de poder, dominará em meio aos teus inimigos! Contigo, no princípio, no
dia do teu poder, no esplendor dos santos, do seio antes da aurora, te gerei. O
Senhor jurou e não se arrependerá. Tu és sacerdote eterno segundo a ordem de
Melquisedec e o Senhor está à tua direita. No dia de sua cólera, derrubará os
reis, julgará as nações, encherá de ruínas e quebrará as cabeças de muitos
sobre a terra. No caminho, beberá da torrente e, por isso, levantará a cabeça”
(Sal. 109,1-7). Por estas palavras, anunciou que veio primeiro à existência,
dominou os povos, julgou os homens e os reis, e os que o aborrecem agora e
perseguem seu nome, pois esses são seus inimigos. Denominando-lhe “sacerdote
eterno” de Deus, declara-lhe a imortalidade. Quando disse: “No caminho, beberá
da torrente e, por isso, levantará a cabeça”, se referia à sua exaltação
gloriosa, depois de sua condição humana, de sua humilhação e rejeição.
O Filho de Deus rei
universal
49. O profeta
Isaías, por sua vez, afirma: “Assim diz o Senhor Deus ao Ungido, meu Senhor, o
qual coloquei à minha direita para que O obedeçam as nações” (Is. 45,1). Quanto
à afirmação de que o Filho de Deus é chamado Ungido e rei das nações,
significa: de todos os homens. Davi repete que Ele é chamado Filho de Deus e
rei de todos, com estas palavras: “O Senhor me disse: tu és meu Filho. Eu te
gerei hoje. Pede e te darei como herança as nações; as darei como propriedade
até os confins da terra” (Sal. 2,7-8). Estas palavras não foram pronunciadas
com referência a Davi, pois não governou todas as nações, nem toda terra, mas
somente os judeus. É, pois, evidente, que a promessa feita ao Ungido, de reinar
sobre toda a terra, se refere ao Filho de Deus, Aquele que o próprio Davi
reconhece como seu Senhor quando escreve: “Disse o Senhor ao meu Senhor:
senta-te à minha direita” (Sal. 109,1), como nos referimos há pouco. Com
efeito, isto significa que o Pai conversa com o Filho, como demonstramos acima,
à propósito de Isaías que diz: “Assim disse o Senhor ao Ungido, meu Senhor:
obedeçam-te as nações”. Idêntica promessa aparece em ambos os profetas: Ele
será rei - consequentemente, as palavras de Deus se referem a uma só e mesma
pessoa, a saber, Cristo, Filho de Deus. Desde o momento em que Davi disse:
“Disse o Senhor”, é preciso afirmar que nem Davi nem outro profeta falam por
iniciativa própria, pois não é o homem quem profere profecias, mas o Espírito
de Deus, o qual, tomando figura e formas semelhantes às pessoas interessadas,
falava pelos profetas e discorria ora em nome de Cristo, ora em nome do Pai.
Testemunho dos
profetas sobre a preexistência de Cristo
50. Oportunamente,
pois, Cristo afirma, por intermédio de Davi, que o Pai fala com Ele, e, por
meio dos profetas, diz Ele mesmo, por conta própria, as demais coisas, como,
por exemplo, entre outras que Isaías escreveu: “E agora, assim fala o Senhor, o
que me formou para ser seu servidor desde o seio materno, para fazer que Jacó
volte a Ele e que se una a Israel. Serei glorificado aos olhos do Senhor e meu
Deus será a minha força… Ele me disse: ‘Grande coisa será para ti ser chamado
de meu servo, para levantar e restabelecer as tribos de Jacó e fazer voltar os
afastados de Israel. Te coloquei como luz das gentes, para que a minha salvação
alcance até os confins da terra’” (Is. 49,5-6).
O Filho servo do
Pai
51. Porque aqui,
sobretudo, do colóquio do Pai com o Filho e do fato de que ainda antes de seu
nascimento o Pai O fez visível aos homens, deduz-se a preexistência do Filho de
Deus. Depois, [também se manifesta], ainda antes de nascer, o que deveria ser homem
nascido de humanos, o que Deus formaria do seu seio - isto é, que nasceria do
Espírito de Deus -, o que é Senhor de todos os homens e Salvador dos que crêem
n’Ele, dos judeus e de todos os homens. “Israel”, de fato, é o nome do povo
judeu em língua hebraica, nome que provém do patriarca Jacó, que foi o primeiro
a ser chamado “Israel”; e denomina “gentios” a todos os homens. O Filho de Deus
chama a Si mesmo “servo do Pai”, por causa de sua obediência ao Pai, já que
todo filho, ainda aqui entre os homens, é servo do seu pai.
A preexistência à
luz da Escritura
52. Cristo, Filho
de Deus, existente antes do mundo, estava com o Pai e junto ao Pai, e, ao mesmo
tempo, próximo aos homens e em íntima união com eles, rei do universo, pois o
Pai lhe submeteu todas as coisas; é Salvador daqueles que crêem n’Ele; tal é a
mensagem dos textos da Escritura. Porque não é nossa intenção, nem está, por
outro lado, dentro de nossas possibilidades, fazer a relação de todos os textos
bíblicos, mas com o auxílio das passagens já citadas, poderás compreender
também as outras que falam de maneira semelhante, devendo interpretá-las com a
condição de que creias em Cristo e peças a Deus sabedoria e inteligência para
compreender tudo o que foi dito pelos profetas.
O sinal profético
que anuncia o Messias-Cristo e Jesus-Salvador
53. Que este
Cristo, que estava junto ao Pai, deveria encarnar-se, fazer-se homem,
submeter-se à geração e ao nascimento de uma Virgem, e viver entre os homens,
operando, assim mesmo, o Pai do universo sua encarnação, é o que expressa
Isaías: “Pois o Senhor mesmo vos dará um sinal; eis que uma virgem conceberá e
dará à luz a um filho, que chamareis Emanuel; comerá manteiga e mel e, antes de
distinguir o mal, escolherá o bem, porque antes que esse menino conheça o bem e
o mal, rejeitará o mal para escolher o bem” (Is. 7,14-16). Apontou que nasceria
de uma Virgem; demonstrou que seria verdadeiramente homem pelo fato de comer e
chamar-lhe “menino”, e até mesmo a designar seu nome, já que este provém do
porquê nasceu. Em hebraico, tem um duplo nome: Messias-Cristo e Jesus-Salvador.
Estes dois nomes indicam as obras que realizaria. Com efeito, ao receber o nome
de Cristo, porque o Pai, por seu intermédio e considerando sua vinda como
homem, O ungiu e lhe dispôs todas as coisas; porque foi ungido pelo Espírito de
Deus, seu Pai, como afirma, referindo-se a Si mesmo em Isaías: “O Espírito do
Senhor está sobre mim, porque me ungiu para levar a boa nova aos pobres” (Is.
61,1). E o nome de Salvador porque é causa de salvação para todos os que, a
partir de então, foram libertados por Ele de toda enfermidade e da morte; para
os que viessem a crer n’Ele após estes, também dá a salvação eterna.
Emanuel: Deus
conosco
54. Eis aqui por
que é chamado de Salvador: Emanuel se traduz por “Deus conosco”, ou como
expressão de bom desejo formulada pelo profeta, “Deus está conosco”. Deste
modo, Ele é a interpretação e a revelação da boa nova. Por isso diz: “Eis que
uma Virgem conceberá e dará à luz a um filho” (Is. 7,14). E este, que é Deus,
tem o destino de estar conosco. E ao mesmo tempo, maravilhado por tal
acontecimento, anuncia o que se sucederá, isto é, que Deus estará conosco. E
também, com relação ao seu nascimento, o mesmo profeta diz em outra parte:
“Antes que gere a que está em dores e antes que cheguem as dores do parto, dará
à luz um menino” (Is. 66,7). Assim, deu a conhecer o inesperado e inaudito de
seu nascimento a partir de uma Virgem. O mesmo profeta diz também: “Um filho
nos nasceu, um menino nos foi dado; e recebeu o nome ‘Admirável Conselheiro’,
‘Deus Forte’” (Is. 9,6).
Admirável
Conselheiro
55. É chamado
“Admirável Conselheiro”, seja do Pai, seja nosso! Do Pai é indicado pelo fato
de que o Pai fez com ele todas as coisas, segundo diz o primeiro livro de
Moisés, intitulado “Gênese”: “E disse Deus: façamos o homem à nossa imagem e
semelhança” (Gen. 1,26). Aqui, visivelmente, falou o Pai ao Filho, como
Admirável Conselheiro do Pai… Ele também é nosso conselheiro; fala e não
obriga, como Deus, ainda que seja igualmente como o Pai, “Deus forte”. Nos
aconselha a renunciar à ignorância e receber o conhecimento, aparta-nos do erro
para conduzir à verdade, rejeitar a corrupção para possuir a
incorruptibilidade.
A paz e seu domínio
não terão limites
56. E Isaías diz de
novo: “Quererão ser consumidos pelo fogo, porque um menino nos nasceu, um filho
nos foi dado, em cujos ombros esteve o poder e é chamado com o nome do anjo do
grande conselho. E trará a paz entre os príncipes e também a paz e a salvação
para Ele. Grande é o seu domínio e a paz não terá limites sobre o trono de Davi
e seu reino, para sustentá-lo e consolidá-lo com a justiça e o direito, a
partir de agora e para sempre” (Is. 9,5-7 [LXX]). Nestes termos é anunciado o
nascimento do Filho de Deus e a eternidade do seu reino. Porém, as palavras
“quererão ser consumidos pelo fogo” (Is. 9,5 [LXX]) são ditas dirigindo-se
àqueles que não crêem no Emanuel e lutaram contra Ele. Pois dirão no dia do
Juízo: “Oxalá tivéssemos sido queimados antes do nascimento do Filho de Deus
que não ter crido n’Ele após seu nascimento!”, porque aqueles que morreram
antes da manifestação de Cristo têm esperança de obter a salvação no Juízo do
Ressuscitado. A esta categoria pertencem todos os que temeram a Deus e morreram
na justiça, possuídos pelo Espírito de Deus, como os patriarcas, os profetas e
os justos. Mas para aqueles que após a manifestação de Cristo não creram n’Ele,
será inexorável a reivindicação em juízo. Quanto à expressão “em cujos ombros
estiveram o poder” (Is. 9,6), designa-se alegoricamente a cruz, na qual teve
pregados seus braços, porque a cruz, que era e é opróbrio para Ele - e para
nós, em razão d’Ele - essa mesma cruz é, dizemos, seu poder, a saber, o sinal
de sua realeza. É chamado “anjo do grande conselho” d’Aquele Pai que Ele nos
revelou.
O esperado das
nações
57. Por tudo o que
foi dito e exposto, com a ajuda dos profetas, está claro que o Filho de Deus
deveria nascer, a maneira como deveria nascer e como se daria a conhecer como
Cristo. Inclusive, foi predito em qual país e entre quais homens deveria nascer
e dar-se a conhecer. Assim o dá a entender Moisés, na Gênese: “Não faltará um
príncipe a Judá, nem um chefe de sua estirpe, até que venha Aquele a quem está
reservado; e Ele será esperado pelo povo, lavará no vinho sua vestimenta e no
produto da uva o seu manto” (Gen. 49, 10-11). Porém, Judá, filho de Jacó, é o
antepassado dos judeus, de quem estes tomaram seus nomes. Até a vinda de
Cristo, não lhes faltou nem príncipe, nem chefe. Porém, depois da sua vinda,
foram-lhes retiradas as armas e o país dos judeus foi submetido pelos romanos e
não mais voltou a ter um príncipe ou rei próprio, já que havia vindo Aquele a
quem está reservado o reino do céu, Aquele que lavou “sua vestimenta no vinho e
no produto da uva”. Sua vestimenta, igual ao manto, são aqueles que crêem
n’Ele, a quem Ele também purificou, com seu sangue. E Seu sangue se diz “de
uva” porque assim como não é produto do homem o produto da uva (mas de Deus,
que faz com que se alegrem aqueles que dele bebem), de igual forma Seu corpo e
Seu sangue não são obra do homem, mas de Deus. O próprio Senhor deu o sinal da
Virgem, isto é, o Emanuel nascido da Virgem, e alegra os ânimos de quem o bebe,
isto é, daqueles que recebem seu Espírito, alegria eterna. Por isso, também é
esperado pelo povo, para aqueles que esperam n’Ele; também nós esperamos d’Ele
a restauração do reino.
A estrela de Jacó
58. E Moisés,
quando escreve novamente: “Se levantará uma estrela de Jacó e um chefe surgirá
de Israel” (Núm. 24,17), anuncia explicitamente que a economia de Sua
encarnação se realizará entre os hebreus e que Aquele que desceu do céu e
nasceu de Jacó e da estirpe judaica se submeteu a esta economia. Porque uma
estrela apareceu no céu e se se chama chefe a um rei é porque este é o rei de
todos os salvos. Por outro lado, esta estrela apareceu, quando de Seu
nascimento, aos magos que habitavam no Oriente e, por seu intermédio, tomaram
conhecimento do nascimento de Cristo. Guiados pela estrela, vieram à Judéia,
até que a estrela chegou em Belém, onde tinha nascido Cristo, e, entrando na
casa onde o menino estava envolto em panos, se deteve sobre sua cabeça,
indicando aos magos o Filho de Deus, Cristo.
O broto de Jessé
59. E o mesmo
Isaías diz uma vez mais: “Sairá um broto do tronco de Jessé e de sua raiz brotará
uma flor. Sobre Ele pousará o Espírito de Deus, espírito de sabedoria e
inteligência, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de conhecimento e
de piedade. O espírito o encherá de temor de Deus. Não julgará apenas pela
opinião, nem acusará somente pelos rumores, mas julgará a causa do humilde e
terá piedade dos humildes da terra. Castigará a terra com a palavra da sua
boca, executará o ímpio com o sopro dos seus lábios. A justiça será o cinturão
de seu lombo e a lealdade o cinturão de seus rins. Pastará o lobo com o
cordeiro, o leopardo com o cabrito, o novilho e o leão pastarão juntos… A
criança colocará a mão na boca da áspide e na toca das víboras e não lhe
causarão dano. Naquele dia sucederá… A raiz de Jessé é aquele que se verga para
exercer o poder sobre as nações e estas a Ele buscaram; e sua ressurreição será
gloriosa” (Is. 11,1-10). Com estas palavras, quer dizer que nascerá daquela que
descende de Davi e de Abraão. Efetivamente, Jessé descendia de Abraão e era pai
de Davi. Deste modo, a Virgem, que concebeu a Cristo era o broto. Por isso,
Moisés fazia seus prodígios perante o faraó, servindo-se de um bastão. Entre os
homens, o bastão é símbolo de poder. Chama “flor” ao seu corpo, que floresceu
sob a ação do Espírito, como já indicamos.
Justo Juiz
60. Quanto a: “Não
julgará somente pela opinião, nem acusará somente pelos rumores, mas julgará a
causa do humilde e terá piedade do humilde da terra” (Is. 11,3-4), dá a
entender, com maior firmeza, sua divindade. Pois julgar imparcialmente e sem
acepção de pessoas, sem honrar o ilustre e outorgando ao pobre o que merece em
eqüidade e igualdade é conforme à suprema e celeste justiça de Deus. Deus, com
efeito, não se deixa influenciar por ninguém, e só se compadece do justo. E
fazer misericórdia é próprio e peculiar daquele Deus que pode, assim mesmo,
salvar em virtude da sua misericórdia. E “ferirá a terra com uma palavra e
destruirá o ímpio com uma só palavra” (Is. 11,4) é próprio de Deus que faz
todas as coisas com seu Verbo. Quando disse: “A justiça será o cinturão de seu
lobo e a verdade cinturão de seus rins” (Is. 11,5), anuncia sua forma externa
humana e sua verdadeira e suprema justiça.
A concordância e a
paz universal
61. Quanto ao
entendimento, a concórdia e a paz entre os animais de espécies diferentes e
que, por natureza, são contrários e hostis uns aos outros, ensinam os
Presbíteros que assim será verdadeiramente quando da vinda de Cristo, no tempo
que deverá pessoalmente reinar sobre todas as coisas. Pois já [aqui],
simbolicamente, dá a conhecer que os homens de raças diferentes, mas de
costumes semelhantes, se juntarão na concórdia e paz, graças ao nome de Cristo;
porque os justos [unidos], vistos que comparados aos novilhos, cordeiros,
cabritos e crianças pequenas, não sofrerão dano por parte de ninguém que, em
época anterior, eram - homens e mulheres - bestas ferozes, em razão de sua
cobiça, por formas e costumes, a ponto de alguns se assemelharem a lobos ou
leões; ou despojavam dos bens os mais pobres e empreendiam guerra contra seus semelhantes;
ou mulheres que eram como leopardos e víboras, quando, recorrendo a venenos
mortais, entregavam à morte seus próprios amantes, ou os arrastavam em paixões…
Reunidos sob um só nome, passarão a ter costumes justos, pela graça de Deus,
mudando sua natureza selvagem e feroz. Isso já ocorreu, pois os que antes eram
extremamente cruéis, a ponto de não retroceder em nenhum ato ímpio, uma vez
instruídos sobre Cristo e acreditando n’Ele, têm testemunhado a fé e mudado a
ponto de não retrocederem perante nenhum excesso de justiça. Grande é a mudança
que a fé em Cristo, Filho de Deus, opera naqueles que crêem n’Ele. E se diz:
“Se levantou para governar os gentios” (Is. 11,10), é porque, uma vez morto,
ressuscitará e será confessado e aceito por Filho de Deus, rei. Por isso, diz:
“E sua ressurreição será gloriosa” (Is. 11,10), isto é, magnífica, porque no
momento em que ressuscitou foi glorificado como Deus.
A tenda de Davi e o
corpo de Cristo
62. Por isso, o
profeta, quando diz: “Naquele dia levantarei a tenda de Davi, caída sobre a
terra” (Am. 9,11), afirma claramente que o corpo de Cristo, nascido de Davi,
como dissemos, depois da morte, é ressuscitado dos mortos. Chama tenda ao seu
corpo e, com efeito, por estas palavras, diz também que Cristo - o qual, segundo
a carne, descende de Davi - será Filho de Deus e, depois de sua morte,
ressuscitará e será homem no aspecto externo, porém Deus pelo poder, se
tornando juiz do universo e o único justo e redentor. Tudo isso se encontra na
Escritura.
Belém, pátria de
Davi
63. Por sua vez, o
profeta Miquéias indicou também o lugar do nascimento de Cristo, a saber, em
Belém de Judá. Expressa-se assim: “E tu, Belém de Judá, não és insignificante
entre as cidades de Judá, pois de ti sairá um chefe que será pastor do meu povo,
Israel” (Miq. 5,1). Porém, Belém é também o povo de Davi, de sorte que Cristo é
da posterioridade de Davi, não apenas pela Virgem que lhe trouxe à luz, mas
também por ter nascido em Belém, pátria de Davi.
Rei para sempre
64. Por sua vez,
diz Davi que Cristo nasceria da sua posterioridade: “Por causa de Davi, teu
servo, não apartes o rosto de teu Cristo. O Senhor jurou a Davi a verdade e não
a mentira: do fruto do teu seio colocarei sobre o teu trono, se teus filhos
guardarem a minha aliança e os meus testemunhos, objeto de meu pacto com eles;
e assim será até a eternidade” (Sal. 131,10-12). Mas não há nenhum, entre os
filhos de Davi, que tenha reinado até a eternidade, nem seu reino permaneceu
para sempre, pois foi destruído; indica, com efeito, o rei que nasceu de Davi,
a saber, Cristo. Todos estes testemunhos dão a entender claramente sobre o seu
descendente segundo a carne, tanto a linhagem como o lugar onde iria nascer. Os
homens não têm razão para procurar o nascimento do Filho de Deus entre os
gentios ou em qualquer outro lugar, mas apenas em Belém de Judá, entre a
descendência de Abraão e Davi.
A entrada em
Jerusalém
65. Sua entrada em
Jerusalém, a capital da Palestina, onde estava sua residência e o Templo de
Deus, é atestada por Isaías: “Dizei à Filha de Sião: eis que aqui vem o teu
doce rei, sentado em um asno, sobre um burrico, filhote de asna” (Is. 62,11).
Entrou em Jerusalém sentado sobre um filhote de asna e a multidão cobria seu
caminho com mantos para que passasse por cima. “Filha de Sião” é o nome dado à
Jerusalém.
O anúncio dos
profetas
66. Os profetas
anunciavam, então, que o Filho de Deus haveria de nascer, a forma e o lugar
onde deveria nascer e quem era o Cristo, o único rei eterno. Predisseram também
que, uma vez feito homem, haveria de curar aos que efetivamente curou, de
ressuscitar os mortos que efetivamente ressuscitou; que seria odiado,
desprezado, torturado, assassinado e crucificado, como de fato foi odiado,
desprezado e assassinado.
Os milagres de Jesus
67. Trataremos
agora das curas. Diz Isaías: “Suportou nossas doenças e agüentou nossas dores”
(Is. 53,4; Mat. 8,17), isto é, suportará e agüentará. Às vezes, o Espírito de
Deus narra no passado aos profetas, mas são acontecimentos que se sucederão no
futuro. Isto ocorre porque em Deus o que é estabelecido, determinado e
destinado a existir já se considera como existente e o Espírito se expressa
tendo em conta o tempo em que se realiza a profecia. Nestes termos, recorda os
distintos modos de curas: “Naquele dia, ouvirão os surdos as palavras do livro;
e nas trevas e obscuridade verão os olhos dos cegos” (Is. 29,18). E, todavia:
“Fortalecei-vos, mãos débeis, joelhos vacilantes e débeis; animai-vos,
pusilânimes, tomai força, não temais. Olha! Nosso Deus faz justiça, virá nos
salvar. Então se abrirão os olhos dos cegos e ouvirão os ouvidos dos surdos;
então o coxo saltará como um cervo e se soltará a língua do mudo” (Is. 35,3-6).
E acerca da ressurreição dos mortos, diz: “Assim ressuscitarão os mortos e se levantarão
os que se encontram nos sepulcros” (Is. 26,19). Quando isto se cumprir, se
crerá que é o Filho de Deus…
A Paixão de Cristo
68. Isaías diz que
seria desprezado, torturado e, finalmente, assassinado: “Eis aqui sobre o meu
Filho: será exaltado e grandemente glorificado. Como muitos se espantarão de
ti, assim sem glória será o teu rosto aos olhos dos homens; muitos povos se
assombrarão e os reis fecharão a boca porque contemplaram algo inenarrável e
compreenderam algo inaudito. Senhor, quem criou nosso anúncio? A quem se
revelou o braço do Senhor? Temos narrado perante Ele, como a uma criança, como
a uma raiz em terra árida; não tinha figura, nem glória. O vimos sem aspecto e
sem beleza. Seu aspecto era desprezível, mais abatido que os demais homens. Homem
de dores acostumado a sofrimentos; porque voltava seu rosto para outro lado,
era desprezado e diminuído. Ele carregou nossos pecados e sofreu por amor a
todos; o temos como vítima da dor, dos golpes e torturas. Foi traspassado por
nossos delitos, maltratado por nossos pecados. O castigo que nos dá a paz caiu
sobre Ele e suas cicatrizes nos curaram” (Is. 52,13-53,5). Davi anuncia com
estas palavras as suas torturas: “Fui torturado” (Sal. 38,9). No entanto, Davi
nunca foi torturado, mas Cristo, quando ordenaram que fosse crucificado. Uma
vez mais o Verbo diz em Isaías: “Ofereci as costas aos golpes e a face às
bofetadas; não escondi meu rosto dos ultrajes e cusparadas” (Is. 50,6). O
profeta Jeremias repete o mesmo, nestes termos: “Apresentará a face ao que bate
e será cumulado de xingamentos” (Lam. 3,30). Tudo isto sofreu Cristo.
A Paixão e sua
sentença
69. Isaías continua
assim: “Graças às suas chagas, fomos todos curados. Éramos errantes como um
rebanho, cada qual seguia seu próprio caminho e o Senhor o consignou por nossos
pecados” (Is. 53,5-6.7). Está claro que pela vontade do Pai se sucederam estas
coisas em favor da nossa salvação. E logo prossegue: “Apesar de seus
padecimentos, não abriu a boca; como ovelha, foi levado ao matadouro; como
cordeiro perante o tosquiador está sem voz” (Is. 53,7). Desta forma, anuncia
que aceita livremente a morte. Mas ao dizer o profeta: “Na humilhação foi
eliminado seu juízo” (Is. 53,8), refere-se ao seu aspecto exterior humilde.
Segundo seu aspecto, sem honra foi pronunciada a sentença; e proferida a
sentença, conduz alguns à salvação e, a outros, às penas da perdição.
Efetivamente, toma a alguns e rejeita a outros. Assim é a sentença: alguns
sofrem e tomam para si a própria condenação; para outros, é eliminada e se salvam.
Carregam a sentença sobre si aqueles que o crucificaram e, portando-se assim,
não creram n’Ele; de tal sorte, a sentença recebida por eles os condenará à
perdição entre os tormentos. A sentença foi eliminada para os que n’Ele creram,
e já não estão mais sujeitos à ela, isto é, à sentença de condenação. A
sentença de condenação, acompanhada de fogo, será o extermínio dos incrédulos,
no fim deste mundo.
A geração
inenarrável
70. A continuação
diz: “Quem narrará seu nascimento?” (Is. 53,8). Isto se disse para que fiquemos
atentos a fim de que não sejamos considerados como homem insignificante e de
pouca importância, em razão dos Seus adversários e das dores da Sua Paixão.
Aquele que sofreu tudo isto possui origem inefável. Porque, por nascimento, se
entende sua origem, ou seja, seu Pai inefável e indescritível. Reconhece, pois,
que esta é a origem d’Aquele que suportou esta Paixão. E não desprezes a Paixão
que sofreu intencionalmente por ti! Mas, por sua origem, guardai-lhe temor!
A vida à sombra de
seu corpo
71. Diz em outra
parte Jeremias: “O Espírito de nosso rosto é o Senhor Cristo; como foi
apressado em suas redes aquele de quem falamos: à sua sombra viveremos entre as
nações” (Lam. 4,20). A Escritura diz que Cristo, mesmo sendo Espírito de Deus,
deveria fazer-se homem, submetido ao sofrimento, e revela, de certo modo,
surpresa e sobressalto pela Paixão, como sofreria Aquele à cuja sombra dissemos
que iríamos viver. Sombra significa seu corpo, pois assim como a sombra é
produzida por um corpo, assim o corpo de Cristo foi produzido por seu Espírito.
Mas a palavra sombra significa, também, a humilhação de seu corpo e a
facilidade de ser humilhado. Com efeito, como a sombra dos corpos erguidos se
projeta ao solo e é pisada pelos pés, assim o corpo de Cristo, atirado à terra
na Paixão foi, por assim dizer, pisado pelos pés. Chama-se “sombra” ao corpo de
Cristo por ter sido a sombra da glória do Espírito que velava. Com freqüência,
ao passo do Senhor, havia, ao longo de seu caminho, pessoas afetadas por diversas
enfermidades e todas as que eram tocados por sua sombra alcançavam a salvação.
A morte do Justo
72. E o mesmo
profeta, referindo à Paixão de Cristo, diz o seguinte: “Eis aqui como o Justo
pereceu e ninguém deu importância; os justos são retirados do meio e ninguém se
preocupa, pois o justo é levado perante a injustiça. Sua sepultura será a paz:
ele foi preservado” (Is. 57,1-4). Que outro alguém foi perfeitamente justo
senão o Filho de Deus, que torna justos aqueles que n’Ele crêem, os quais, à
semelhança d’Ele, são perseguidos e mortos? Quando diz: “Sua sepultura será a
paz”, dá a conhecer como morreu por nossa salvação, que está na paz da
salvação; e [anuncia] que, por sua morte, aqueles que antes eram inimigos e
adversários uns dos outros, tendo acreditado n’Ele, alcançarão a paz entre si,
oferecendo e recebendo sinais de amizade em razão da fé comum n’Ele. É
exatamente isso o que ocorre. A expressão “foi preservado” refere-se à
ressurreição dos mortos, porque, após sepultado, ninguém O viu morto. Logo, uma
vez morto e ressuscitado, Cristo permaneceria imortal, como diz o profeta,
nestes termos: “Pediu a vida e Tu a concedeste além da longevidade pelos
séculos dos séculos” (Sal. 21,5). Por que disse “pediu a vida”, quando deveria
morrer? Com efeito, anuncia Sua ressurreição de entre os mortos, e uma vez
ressuscitado dos mortos, é imortal. Assim, recebeu a vida para ressuscitar e a
“longevidade pelos séculos dos séculos” para ser incorruptível.
A morte (sonho) e
ressurreição segundo Davi
73. E diz novamente
Davi, a respeito da morte e ressurreição de Cristo: “Encostei-me e dormi;
despertei porque o Senhor me acolheu” (Sal. 3,6). Davi não dizia isto de si
mesmo, pois uma vez morto, não ressuscitou. Mas o Espírito de Cristo, que
também falou d’Ele por outros profetas, fala também agora através de Davi:
“Encostei-me e dormi; despertei porque o Senhor me acolheu” (Sal. 3,6). Chama a
morte de sonho, porque ressuscitou.
Herodes e Pilatos
74. Sobre a Paixão
de Cristo, Davi diz: “Porque se agitam os gentios e os povos planejam
fracassos? Os reis da terra se aliam e os príncipes conspiram contra o Senhor e
seu Ungido” (Sal. 2,1-2; At. 4,24-28). De fato, Herodes, rei dos judeus, e
Pôncio Pilatos, procurador de Cláudio César, reuniram-se e O condenaram à
crucificação. Porque Herodes temia perder o reinado, como se Ele quisesse ser
um rei mundano; e Pilatos foi obrigado, contra a sua vontade, por Herodes e
pelos judeus que o cercavam, a condená-Lo à morte, porque, de outra forma,
interpretariam-no como contrário a César, por deixar livre um homem que
atribuiu a Si mesmo o título de Rei.
O anúncio da Paixão
75. E, a respeito
da Paixão, diz também o mesmo profeta: “Tu nos rejeitaste e desprezaste;
repudiaste ao teu Ungido; rompeste a aliança de meu Servo; demoliste o teu
santuário, derrubaste sua cerca, estremeceste suas fortalezas; quantos que
passam por ali a saqueiam; converteu-se na ironia de seus vizinhos;
fortaleceste a energia de seus opressores, alegraste aos seus inimigos;
torceste-lhe a espada e não a sustentas no combate; excluíste-lhe da
purificação, atirando por terra o seu trono; abreviaste os dias de seu tempo e
a cobriste de ignomínia” (Sal. 88,39-46). O profeta afirma abertamente que Ele
deveria sofrer tudo isto, por ser a vontade do Pai. Pela vontade do Pai, sofreu
a Paixão.
A captura de Jesus
76. Zacarias assim
se expressa: “Apontaste a espada contra o meu Pastor, contra o Homem, meu
companheiro; fere o Pastor e se dispersarão as ovelhas do rebanho” (Zac. 13,7;
Mat. 26,31; Luc. 14,27). Isto se sucedeu quando foi capturado pelos judeus.
Então todos os discípulos O abandonaram, com medo de perecer com Ele, porque
não acreditavam firmemente n’Ele, até que O viram ressuscitado dos mortos.
Jesus, motivo de
reconciliação entre Pilatos e Herodes
77. E também se diz
nos doze profetas: “Prisioneiro, apresentaram-No ao rei como tributo” (Os. 10,6
[LXX]). Pôncio Pilatos era procurador da Judéia e guardava então um profundo
rancor contra Herodes, rei dos judeus. Neste contexto, Pilatos enviou Cristo,
que lhe fora entregue, amarrado, até Herodes, pedindo para que fosse
interrogado e confirmasse o que se faria com Ele. Assim, Cristo se converteu em
um bom pretexto para [Pilatos] reconciliar-se com o rei.
A descida aos
infernos
78. E repara com
que termos Jeremias se expressa para dar a conhecer Sua morte e Sua descida aos
Infernos: “E o Senhor, o Santo de Israel, preocupou-se com seus mortos, os que
já adormeceram no pó da terra, e, descendo até eles, levou-lhes a boa nova de sua
salvação para salvá-los”. Revelam-se, aqui também, as razões da Sua morte,
porque Sua descida aos infernos visava a salvação dos defuntos.
Profecias sobre a
Cruz
79. E novamente à
respeito da cruz, diz Isaías: “Estendi as mãos todos os dias para um povo indócil
e rebelde” (Is. 65,2). Prefigurava, assim, a cruz. E, todavia, diz Davi mais
claramente: “Os cães da casa me rodearam, uma multidão de ímpios me cercou;
perfuraram minhas mães e meus pés” (Sal. 21,17). E novamente: “Meu coração
ficou como cera líquida, em meio às minhas entranhas; meus ossos se
desconjuntaram” (Sal. 21,15). E prossegue, dizendo: “A espada perdoa a minha
alma e perfura minhas carnes, pois uma multidão de ímpios se levantou contra
mim”. Estas passagens mostram e indicam, de um modo claro, a Sua crucificação.
Moisés diz a mesma coisa para o seu povo: “E tua vida passará diante de teus
olhos, e temerás dia e noite, e não crerás na tua vida” (Deut. 28,66).
Profecias sobre as
vestes
80. De novo, diz
Davi: “Eles me olharam fixamente. Dividiram as minhas vestes e lançaram à sorte
a minha túnica” (Sal. 21,19). Com efeito, quando O crucificaram, os soldados
repartiram suas vestes, conforme o costume; “as vestes foram divididas após
tê-las desgarrado; mas, quanto à túnica, como era tecida desde o alto e sem
costura, lançaram à sorte, para ver quem a levava” (Jo. 19,23-24).
Judas, a venda de
Cristo e a compra do campo do oleiro
81. O profeta
Jeremias acrescenta: “Tomaram as trinta moedas de prata, o preço de alguém que
foi taxado segundo a taxa dos filhos de Israel, e pagaram com elas o campo do
oleiro, como me mandara o Senhor” (Mt. 27,9). Com efeito, Judas, um dos
discípulos de Jesus, tendo se comprometido com os judeus e selado com eles um
pacto - de fato, sabia que queriam matá-Lo - e porque fora repreendido por Ele,
aceitou os trinta denários do país e entregou Cristo. A seguir, movido pelos
remorsos do que havia feito, atirou o dinheiro aos pés dos chefes dos judeus e
se enforcou. Estes, porém, não consideraram conveniente devolver o dinheiro ao
Tesouro, pois era o preço de sangue, e com ele compraram o campo pertencente a
um oleiro, para enterrar ali os estrangeiros.
Profecia sobre o
vinagre misturado com fel
82. E uma vez
crucificado, ao pedir para beber, deram-Lhe vinagre misturado com fel. Isto
mesmo havia dito Davi: “Me darão fel como alimento e, para minha sede,
ofereceram-me vinagre para beber” (Sal. 69,22; Mat. 27,34; Jo. 19,28).
A Ascensão
83. Eis aqui o que
diz Davi sobre Sua ascensão ao céu, após a ressurreição de entre os mortos: “Os
carros de Deus, em dezenas de milhares, com milhares de cocheiros, tem o Senhor
entre eles; em Sião, no Santuário, subiu ao alto, cativou o cativeiro; recebeu
e entregou dons aos homens” (Sal. 67,18-19). Por cativar, entende-se a
destruição do poder dos anjos rebeldes. Deu a conhecer o lugar a partir de onde
ascenderia, da terra para o céu, isto é, o Senhor, em Sião, ascendeu ao alto
(Sal. 67,18). Com efeito, no monte das Oliveiras, em frente a Jerusalém, após
ter ressuscitado dos mortos, reuniu seus discípulos e, recordando-lhes sobre o
reino dos céus, foi elevado ante seus olhos e viram como O acolhiam, abertos,
os céus.
O triunfo do Rei da
glória
84. A mesma coisa
diz novamente Davi: “Içai, ó príncipes, vossas portas; levantai, portas
eternas, e entrará o rei da glória” (Sal. 23,7). As portas eternas são,
efetivamente os céus. Mas como o Verbo desceu invisível para as criaturas, não
foi reconhecido por elas. Porém, como se encarnara, fez-se visível quando
ascendeu ao céu. Ao vê-Lo, os principados dos anjos inferiores gritaram aos que
estavam no firmamento: “Içai vossas portas; içai, portas eternas, para que
entre o rei da glória”. Estes, assombrados, se perguntavam: “Quem é este?”; e
os que O tinham visto, atestaram pela segunda vez: “O Senhor, poderoso e forte,
é o rei da glória” (Sal. 23,10).
O Juízo
85. Ressuscitado e
ascendido ao céu, aguarda, à direita do Pai, o momento por Ele fixado para
julgar todos os seus inimigos, que a Ele serão submetidos. Os inimigos são
todos os que se rebelaram: anjos, arcanjos, principados, tronos, os que
menosprezaram a verdade. Davi diz ainda: “Disse o Senhor ao meu Senhor:
senta-te à minha direita, até que Eu ponha teus inimigos sob os teus pés” (Sal.
109,1). Ainda mais, Davi diz que subiu para o lugar de onde tinha vindo: “Ele
sobe dos últimos confins do céu e seu repouso alcança o outro extremo do céu”.
Assinala depois o juízo, ao dizer: “Ninguém escapará ao seu ardor” (Sal. 18,7).
A BOA NOVA (caps.
86-97)
O
testemunho dos Apóstolos
86. Pois bem: se os
profetas vaticinaram que o Filho de Deus deveria manifestar-se sobre a terra e
predisseram o lugar, a maneira e a forma de sua manifestação sobre a terra, e
se no Senhor se cumpriram todas estas predições, nossa fé n’Ele está bem fundamentada,
é autêntica a tradição da pregação, isto é, o testemunho dos apóstolos. Estes,
enviados pelo Senhor, pregaram pelo mundo inteiro que o Filho de Deus viera
para sofrer a Paixão, a suportara para destruir a morte e dar vida ao corpo e,
pondo fim à hostilidade a Deus, isto é, à iniqüidade, obteremos sua paz
cumprindo o que for de Seu agrado. Assim nos foi dado a conhecer, pelos
profetas, quando dizem: “Quão formosos são os pés dos mensageiros que anunciam
a boa nova da paz, que pregam a alegre notícia do bem!” (Is. 52,7; Rom. 10,15).
Isaías diz que estes mensageiros viriam da Judéia e de Jerusalém para nos
anunciar a palavra de Deus, que para nós é também lei: “Pois de Sião sairá a
lei e de Jerusalém a palavra de Deus” (Is. 2,3). Davi afirma que pregariam
sobre toda a terra: “A toda terra alcança sua pregação e até os limites do orbe
a sua palavra” (Sal. 18,5).
O
primado do amor
87. Porém, não é
com a loquacidade da lei que se salva o gênero humano, mas com a brevidade e
precisão da fé e da caridade. Isaías diz: “Uma palavra concisa e breve na
justiça, porque Deus enviará uma palavra concisa, eficiente, sobre toda
terra”(Is. 10,23 [LXX];
Rom. 9,28). Por
isso, Paulo afirma: “O amor é a plenitude da lei” (Rom. 13,10). Pois o que ama
a Deus cumpre a lei. Quando perguntaram ao Senhor: “Qual o mandamento é o
primeiro de todos?”, respondeu: “Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu
coração, com toda a tua força. E o segundo é similar a este: Amarás ao próximo
como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem a lei e os profetas” (Mc.
12,30; Mat. 22,37). Assim, pois, com a fé n’Ele, cresceu nosso amor por Deus e
pelo próximo, fazendo-nos piedosos, justos e bons. É por isso que enviou, com
eficácia, “uma palavra concisa sobre a terra”, no mundo.
Salvos
pelo Homem-Deus
88. E que depois da
ascensão deveria ser elevado sobre todas as criaturas e que ninguém haveria de
ser semelhante ou comparado a Ele, o diz Isaías: “Quem é justo? Que compareça.
Quem é justificado? Que se aproxime do Filho do Senhor. Ai de vós que os
consumís como um vestido, pois o caruncho vos roerá. O homem será humilhado e
abatido. Somente o Senhor será exaltado com aqueles que serão enaltecidos” (Is.
50,8.10.9). Isaías afirma que os que servirem a Deus serão, ao final, salvos
por intermédio de seu nome: “Os que me servem receberão um novo nome, que será
bendito sobre toda a terra, e eles bendizerão ao Deus verdadeiro” (Is.
65,15-16). Esta bênção deveria Ele realizá-la pessoalmente e Ele mesmo deveria
salvar-nos por seu próprio sangue, segundo nos deu a conhecer Isaías, quando
disse: “Não um intercessor ou um anjo, mas o Senhor pessoalmente os salvou,
pois ama e toma cuidado com eles. Ele mesmo os redimiu” (Is. 63,9).
O
Espírito sobre a face da Terra
89. Aos que foram
assim libertados, [Deus] não quer levá-los novamente para a lei de Moisés -
pois a lei se cumpriu em Cristo - mas sim salvá-los mediante a fé e o amor,
pelo Filho de Deus, na renovação da Palavra, como o deu a conhecer Isaías,
quando exclama: “Não recordeis o passado, não penseis no antigo; olha que
renovo quem germina agora, e vós o conhecereis. Abrirei um caminho no deserto,
suscitarei rios na região árida para dar de beber à minha nação e meu povo
eleito, que adquiri para contar minhas proezas” (Is. 43,18-20). Deserta e erma
era, antes, a vocação dos gentios, pois o Verbo não havia passado entre eles,
nem lhes havia dado de beber do Espírito Santo. O [Verbo] dispôs o novo caminho
da piedade e da justiça e fez brotar rios em abundância, disseminando o
Espírito Santo sobre a terra, segundo prometera pelos profetas, que estenderia,
ao fim [nos últimos tempos], o Espírito sobre a face da terra.
A
novidade do Espírito
90. Nossa vocação,
pois, acontece “na novidade do Espírito e não na letra vazia”, como profetizou
Isaías: “Olha que chegam dias - diz o Senhor - em que Eu, com a casa de Israel
e de Judá, farei [uma aliança nova, não como] a aliança que fiz com seus pais, quando
os conduzi pela mão para tirá-los do Egito, pois eles quebraram a aliança e Eu
me desinteressei deles - diz o Senhor. Porque esta será a aliança que farei com
a casa de Israel após aqueles dias - diz o Senhor - colocarei minha lei em suas
mentes e também as escreverei em seus corações. Eu serei seu Deus e eles serão
o meu povo. Não ensinarão uns aos outros, como concidadãos e irmãos que dizem:
‘Conhecei ao Senhor’, porque todos me conhecerão, do menor ao maior, porque
perdoarei suas maldades e não conhecerei mais seus pecados”.
A
abertura da nova Aliança (o Novo Testamento)
91. E estas
promessas seriam uma herança no tempo da vocação dos gentios, para quem foi
também inaugurada a Nova Aliança. Assim o recorda Isaías, nestes termos: “Diz o
Deus de Israel: Naquele dia, o homem colocará sua esperança em seu Criador e
seus olhos contemplarão o Santo de Israel; e já não colocarão sua esperança nos
altares dos ídolos, nem nas obras de suas mãos, que fabricaram com seus dedos”
(Is. 17,6-8). Manifestamente, estas palavras são dirigidas àqueles que
abandonam aos ídolos e crêem em Deus, nosso Criador, graças ao Santo de Israel.
O Santo de Israel é Cristo. Ele se manifestou aos homens e n’Ele fixamos nosso
olhar. E já não colocamos nossa esperança nos altares [dos ídolos] nem nas
obras das nossas mãos.
Manifestado
aos que não o buscavam
92. E que devia
manifestar-se em meio a nós - porque o Filho de Deus se faria filho do homem -
e que nós haveríamos de encontrar o que desconhecíamos, afirma o mesmo Verbo em
Isaías: “Me manifestei aos que não me procuravam; fui encontrado pelos que não
perguntavam de mim. Disse: Aqui estou, perante um povo que não invocara o meu
nome” (Is. 65,1; Rom. 10,20).
Profecias
sobre o povo de Deus
93. Que este povo
fora chamado a ser um povo santo, vaticinou Oséias, um dos doze profetas: “Ao
que não era meu povo, chamarei ‘povo meu’ e a não-amada será amada. Onde se diz
que ali não pertence ao meu povo, ali se chamarão ‘filhos do Deus vivo’”(Os.
2,25; 1,9; Rom. 9,25-26). Também João Batista volta a dizer o mesmo: “Deus pode
suscitar destas pedras filhos de Abraão” (Mat. 3,9). Com efeito, após sermos
arrancados, pela fé, do culto às pedras, nossos corações vêem a Deus e
fazem-nos filhos de Abraão, “o qual foi justificado pela fé” (Rom. 3,28; 4,3;
Gál. 3,6). Por isso, diz Deus, pela boca do profeta Ezequiel: “E lhes darei um
outro coração e colocarei neles um espírito novo; retirarei de seus corpos seus
corações de pedra e lhes darei corações de carne, para que sigam meus
mandamentos e observem e pratiquem os meus preceitos. Eles serão o meu povo e
Eu serei o seu Deus” (Ez. 11,19-20; 36,26-27).
A
Igreja e a Sinagoga
94. Daí que, pela
nova chamada, realiza-se uma mudança de coração entre os gentios, por meio do
Verbo de Deus que “se encarnou e armou sua tenda entre os homens”, como diz
João, seu discípulo: “E seu Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo. 1,14).
Portanto, a Igreja gera um grande número de frutos, isto é, de salvos, porque
já não é um intercessor, Moisés, nem um mensageiro, Elias, quem nos salva, mas
o próprio Senhor, que dá mais filhos à Igreja que à Sinagoga do passado, como
predisse Isaías, nestes termos: “Regozija-te, estéril, que não davas à luz” - e
estéril era a Igreja que, antes, não dava nenhum filho a Deus - “grita e chora,
tu que não tiveste dores, porque os filhos da abandonada são mais numerosos que
os filhos da que tinha marido” (Is. 54,1; Gál. 4,27). A antiga Sinagoga tinha
por marido a lei.
A
incorporação dos Gentios
95. Moisés diz, no
Deuteronômio, que os gentios estarão à frente e o povo incrédulo atrás. E pouco
depois: “Provocaste meu zelo com vossos não-deuses; irritaste-me com vossos
ídolos. Eu provocarei vosso zelo com alguém que não é meu povo e vos irritarei
com um povo insensato” (Deut. 32,21). Pois, abandonando ao Deus verdadeiro,
adoraram falsos deuses, mataram profetas de Deus e profetizaram por meio de
Baal, que era um ídolo dos cananeus; rejeitaram ao verdadeiro Filho de Deus ao
elegerem Barrabás, um bandido detido em flagrante homicídio, ao abjurar do rei
eterno e reconhecer como rei a César, que foi perecível. Por isso, Deus decidiu
entregar sua herança aos insensatos gentios e àqueles que não eram cidadãos da
cidade de Deus e que desconheciam quem era Deus. Pois bem, visto que por esta
chamada nos foi dada a vida, tendo Deus restaurado em nós a fé de Abraão n’Ele,
não devemos voltar atrás, isto é, à antiga legislação. Porque fomos acolhidos
pelo Senhor da lei, o Filho de Deus, e, por meio da fé n’Ele, aprendemos a
“amar a Deus com todo o coração e ao próximo como a nós mesmos”. Pois o amor a
Deus exclui todo pecado e o amor ao próximo não causa mal a ninguém.
A
superação da Lei
96. Portanto, não
necessitados da lei como pedagoga, eis que aqui falamos com o Pai e estamos na
sua presença, convertidos em crianças sem malícia e presos à justiça e
honestidade. A lei, com efeito, não afirma mais “não cometerás adultério”
àquele que sequer deseja a mulher do próximo; ou “não matarás” àquele que
erradicou de si a ira e a inimizade; ou “não cobiçarás o campo de teu vizinho,
seu boi ou seu asno” àquele que não tem ambição por coisas terrenas, mas que
visam os bens celestes; nem sequer “olho por olho, dente por dente” àquele que
não tem inimigos e trata a todos como próximo e, por isso, não levanta a mão
para se vingar. Nem se exige os dízimos de quem consagrou a Deus todos os seus
bens e deixou pai, mãe e toda a família para seguir ao Verbo de Deus. [A lei]
já não mandará guardar um dia de descanso àquele que, todos os dias, observa o
sábado, isto é, ao que rende culto a Deus no templo de Deus, que é o corpo do
homem, e pratica sempre a justiça. “Prefiro misericórdia” - diz - “ao
sacrifício; o conhecimento de Deus aos holocaustos. Porém, o ímpio que imola um
bezerro é como se matasse um cachorro, e quando oferece flor de farinha é como
se oferecesse sangue de porco” (Is. 66,3). “E todo o que invocar o nome do
Senhor se salvará” (At. 2,21; Rom 10,13; Jl. 2,32 [Vulg.]); “E nenhum outro
nome nos é dado sob o céu pelo qual os homens se salvem” (At. 4,12), senão o
nome de Deus, Jesus Cristo, Filho de Deus, a quem se submetem todos os
demônios, os espíritos maus e todas as potências rebeldes.
A
salvação em Jesus Cristo
97. Pela invocação
do nome de Jesus Cristo, crucificado sob Pôncio Pilatos, Satanás foi afastado
definitivamente de entre os homens. Ali, onde alguém crê n’Ele e por sua
vontade O recorde e invoque, Jesus se faz presente e atende às súplicas de quem
O invoca com um coração puro. Deste modo, tendo obtido a salvação, permanecemos
em constante ação de graças a Deus, nosso Salvador, que por sua grande e
insondável Sabedoria, nos salva e proclama a salvação desde o alto dos céus,
salvação que é a vinda visível de nosso Senhor, isto é, sua vida humana;
salvação que por nossas próprias possibilidades não poderíamos alcançar. Porém,
“o que é impossível para os homens, é possível para Deus” (Luc. 18,27). A este
respeito, diz Jeremias: “Quem subiu ao céu e se apoderou dele e o fez descer
das nuvens? Quem atravessou os mares e os descobriu e aceitou em preferência ao
ouro mais puro? Não há quem tenha encontrado seu caminho, nem quem conhece seu
sendero. Porém, o que sabe todas as coisas, o conhece com sua Sabedoria; o que
fundamentou a terra para sempre e a encheu de animais quadrúpedes, o que manda
à luz e esta se expande, o que a chama e esta tremula, os astros se levantam
para suas vigílias e se comprazem. Ele os chamam e [estes] atestam: ‘Ei-nos
aqui’ e reluzem alegremente em honra d’Aquele que os fez. Este é nosso Deus,
nenhum outro vale nada. Ele descobriu todos os caminhos com sabedoria e os
comunicou a Jacó, seu servo, e a Israel, seu amado. E depois disto, fez-se ver
na terra e conversou com os homens. Este é o livro dos mandamentos de Deus e da
Lei perdurável, para sempre. Os que a guardarem, alcançarão a vida; os que a
abandonarem, morrerão”. Chama Jacó e Israel ao Filho de Deus, que recebeu do
Pai domínio sobre a nossa vida e, depois de ter recebido a vida, faz que desça
sobre nós, que estávamos afastados d’Ele, quando se manifestou sobre a terra e
conversou com os homens, mesclando e unindo o Espírito de Deus Pai com o corpo
plasmado por Deus, para que o homem fosse à imagem e semelhança de Deus.
CONCLUSÃO
(caps. 98-100)
A
modo de conclusão
98. Esta é, meu
querido amigo, a pregação da verdade e a imagem da nossa salvação: assim é o
caminho da vida, que os profetas anunciaram, o que Cristo instituiu, que os
apóstolos consignaram e que a Igreja transmite aos seus filhos, através de toda
a terra. Deve ser custodiado com amor e com vontade decidida, para agradar a Deus
com as boas obras e com um modo puro de pensar.
Os
desvios dos hereges
99. Portanto, que
ninguém pense que existe outro Deus Pai, distinto de nosso Criador, como
imaginam os hereges, que desprezam ao Deus verdadeiro e criam um ídolo do deus
inexistente, criando um pai acima de nosso Criador, achando que descobriram
algo maior que a verdade. Na realidade, todos esses são ímpios e blasfemam
contra o seu Criador e Pai, como já havíamos demonstrado na “Exposição e
Refutação da Falsa Gnose” [="Contra as Heresias"]. Outros, todavia,
desprezam a vinda do Filho de Deus e a economia da sua encarnação, transmitida
pelos apóstolos e vaticinada pelos profetas, para a restauração da humanidade,
como brevemente demonstramos. Estas pessoas também devem ser contadas entre as
incrédulas. Outras, todavia, não acolhem os dons do Espírito Santo e rejeitam o
carisma profético, pelo qual o homem produz frutos de vida eterna. Destes, diz
Isaías: “Serão como uma árvore sem folhas e como um jardim sem água” (Is.
1,30). Estes não são de utilidade alguma para Deus, pois não produzem frutos.
Conclusão:
Manter-se distante do erro
100. No tocante aos
três artigos do nosso batismo, o erro motivou muitas digressões afastadas da
verdade. Ou porque desprezam ao Pai, ou porque não acolhem ao Filho, falando
contra a economia da encarnação, ou porque rejeitam ao Espírito, isto é,
reprovam a profecia. Devemos nos defender deste tipo de pessoas, evitar os seus
caminhos, se verdadeiramente queremos agradar a Deus e obter a salvação.
Nota
Final do Copista
[Demonstração da
Pregação Apostólica, de Santo Ireneu. Toda glória à Santa Trindade, Deus único,
Pai e Filho e Espírito Santo, Providência Universal, eternamente. Amém.
Recordai no Senhor do magnífico e beatíssimo senhor Arcebispo João, proprietário
deste livro, irmão do santo Rei. E lembrai também de mim, pobre copista].
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Antes de postar seu comentário sobre a postagem, leia: Todo comentário é moderado e deverá ter o nome do comentador. Comentário que não tenha a identificação do autor (anônimo), ou sua origem via link e ainda que não tenha o nome do emitente no corpo do texto, bem como qualquer tipo de identificação, poderá ser publicado se julgar pertinente o assunto. Como também poderá não ser publicado, mesmo com as identificações acima tratadas, caso o assunto for julga impertinente ou irrelevante ao assunto. Todo e qualquer comentário só será publicado se não ferir nenhuma das diretrizes do blog, o qual reserva o direito de publicar ou não qualquer comentário, bem como de excluí-los futuramente. Comentários ofensivos contra a Santa Madre Igreja não serão aceitos. Comentários de hereges, de pessoas que se dizem ateus, infiéis, de comunistas só serão aceitos se estiverem buscando a conversão e a fuga do erro. De indivíduos que defendem doutrinas contra a Verdade revelada, contra a moral católica, de apoio a grupos ou ideias que contrários aos ensinamentos da Igreja, ao catecismo do Concílio de Trento, ferem, denigrem, agridem, cometem sacrilégios a Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, a Mãe de Deus, seus Anjos, Santos, ao Papa, ao clero, as instituições católicas, a Tradição da Igreja, também não serão aceitos. Apoio a indivíduos contrários a tudo isso, incluindo ao clero modernista, só será publicado se tiver uma coerência e não for qualificado como ofensivo, propagador do modernismo, do sedevacantismo, do protestantismo, das ideologias socialistas, comunistas e modernistas, da maçonaria e do maçonismo, bem como qualquer outro tópico julgado impróprio, inoportuno, imoral, etc. Alguns comentários podem ser respondidos via e-mail, postagem de resposta no blog, resposta do próprio comentário ou simplesmente não respondido. Reservo o direito de publicar, não publicar e excluir os comentários que julgar pertinente. Para mensagens particulares, dúvidas, sugestões, inclusive de publicações, elogios e reclamações, pode ser usado o quadro CONTATO no corpo superior do blog versão web. Obrigado! Adm do blog.