EXPLICAÇÃO DA SANTA MISSA
Autor: pe. Martinho de Cochem (1630-1712)
Fonte: Lista "Tradição Católica"
Digitalização: Carlos Melo
IV. NA SANTA MISSA,
JESUS CRISTO RENOVA SUA ENCARNAÇÃO
No capítulo precedente, tratamos sucintamente dos mistérios da
santa Missa. Meditemo-los agora, uns após outros, começando pela encarnação.
Foi um inestimável benefício da divina Misericórdia, que, para
nossa salvação, o Verbo descesse do céu e, pela operação do Espírito Santo, se
fizesse carne no seio imaculado de Maria Santíssima. Este mistério
incompreensível, o sacerdote adora-o de joelhos nas palavras do Credo: "Et
incarnatus est".
Ora, Jesus Cristo não se contentou com fazer-se homem somente uma
vez, antes inventou, em sua infinita sabedoria, o meio de renovar,
incessantemente, a satisfação oferecida ao Pai e ao Espírito Santo pela sua
primeira encarnação: instituiu a santa Missa.
A encarnação na Missa é mística, porém real. A santa Igreja dá
este testemunho nas orações da Missa da 9ª dominga depois de Pentecostes
dizendo por que todas as vezes que se oferece este sacrifício comemorativo,
renova-se a obra de nossa redenção.
Considerando estas maravilhas, Santo Agostinho exclama: "Oh!
sublime dignidade do sacerdote, em cujas mãos Jesus Cristo se encarna de novo.
Oh! celeste mistério operado, tão maravilhosamente, pelo Padre, pelo Filho e
pelo Espírito Santo, por intermédio do sacerdote!" (Homil. 2. in Os. 37).
Oh! dignidade dos fiéis, acrescentamos, pela salvação dos quais
Jesus Cristo se faz carne, de maneira mística, diariamente! Que consolação,
para nós, homens miseráveis, de sermos amados tão ternamente pelo nosso Deus!
"A Imitação de Cisto" diz: "Quando celebrares ou
assistires à santa Missa, este mistério deve parecer-te tão grande, tão novo
como se, nesse dia, Jesus, descendo pela primeira vez ao seio da Virgem, se
fizesse homem" (Livro 4, cap. 2).
Vejamos agora como e por quantos milagres, Jesus Cristo renova sua
encarnação sobre o altar.
É de fé que o sacerdote, antes da consagração, tem somente entre
as mãos o pão, ao passo que, no momento de pronunciar a última palavra da
consagração, esse pão, pela onipotência divina, torna-se o verdadeiro Corpo de
Jesus Cristo. A esse Corpo está unido, por concomitância, o precioso Sangue,
pois um corpo vivo não pode estar privado de sangue.
Não é o maior dos milagres esta transubstanciação do pão e do
vinho? Não é a maravilha das maravilhas que não haja mais nem pão nem vinho,
apesar de ficarem as aparências, visto que a santa Hóstia e o precioso sangue
conservam a forma, a cor, o gosto, que tinham antes da transubstanciação? Não é
o prodígio dos prodígios que as espécies subsistem sem aderir a cousa alguma e
são conservadas sobrenaturalmente?
Santa Gertrudes aprofundava-se nestes prodígios. Um dia, enquanto
se pronunciavam as palavras da consagração, disse a Deus: "Senhor, o
mistério que operais agora é tão grande e tão espantoso, que, neste grau de
baixeza em que estou, não ousarei levantar os olhos; abater-me-ei e
colocar-me-ei na mais profunda humildade, esperando que me cedais uma parte do
Sacrifício que dá a vida a todos os eleitos".
Jesus Cristo replicou-lhe: "Se dispuseres tua vontade a
sofrer, voluntariamente, toda a sorte de trabalhos e penas, para que este
Sacrifício, que é salutar a todos os cristãos, vivos e mortos, se cumpra
plenamente e em toda excelência, terás contribuído segundo tuas forças, para o
fim de minha obra" (Der heiligen Jungfrau Gertrudis Leben und
Offenbarungen, t. 1, p. 174).
A exemplo de Santa Gertrudes, considera, durante a elevação, o
grande milagre que Deus opera sobre o altar. Excita em ti o ardente desejo de
que este Sacrifício contribua para a maior glória de Deus e a salvação de teus irmãos.
Nesta intenção, repete com Santa Gertrudes: "Dulcíssimo Jesus, a obra que
ides efetuar agora, é tão excelente que, em minha humilhação, não ouso
contemplá-la; por isso, abismando-me em meu nada, espero também, para mim,
alguma parte, visto que esta imolação será proveitosa a todos os eleitos. Oh!
meu Jesus, se eu pudesse cooperar para ela, empregaria todas as minhas forças,
não me espantariam as maiores penas, a fim de que este Sacrifício pudesse
totalmente aproveitar aos vivos e aos mortos. Suplico-vos, bom Jesus, que
concedais ao celebrante e aos assistentes todas as graças necessárias para este
fim".
Consideremos a imensidade do poder consagrador que Jesus Cristo
concedeu aos seus sacerdotes. O bem-aventurado Alano fala dele deste modo:
"A onipotência de Deus Padre é tão grande que criou do nada o céu e a
terra; mas o poder do sacerdote é tal que produz o Filho de Deus na Eucaristia
e no santo Sacrifício" (Alanus de Rupe, part. 4, c. 37). Deus provou que
"amou tanto ao mundo, que lhe deu o Filho unigênito, para que todo o que
nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna", primeiramente, quando
enviou seu Filho à terra, e torna a prová-lo, cada dia, fazendo de novo descer
o Verbo para renovar sua encarnação na santa Missa. Pela encarnação no seio de Nossa
Senhora, Jesus Cristo adquiriu imensos tesouros de graças; pela santa Missa,
distribui esses tesouros a todos os que celebram, ou assistem ao santo
Sacrifício.
V. NA SANTA MISSA,
JESUS CRISTO RENOVA SEU NASCIMENTO
"Neste dia a suavidade correrá das montanhas e as colinas
destilarão leite e mel".
É assim que a Igreja canta, por toda a terra, o doce mistério do
nascimento de Cristo. Efetivamente no dia de Natal, aquele que é mais doce do
que o mel, aquele que é a própria fonte de toda doçura, tudo suavizou, trouxe a
verdadeira alegria, anunciou a paz aos homens de boa vontade, e consolou o
mundo com a aurora de um futuro cheio de graças.
Que privilégio para os homens, poderem ver com os olhos corporais
o mais belo dos filhos dos homens, apertá-lo nos braços, cobri-lo de santos
beijos!
Certamente, felicidade deles era grande, mas a nossa é ainda
maior, contemplando, com os olhos da fé, cada dia, o divino Menino, e
participando, sem cessar, da alegria do seu nascimento. Sobre este assunto o
santo Papa Leão I escreveu: "As palavras do Evangelho e as profecias nos
inflamam de tal modo, que o nascimento do Cristo não nos parece um fato
passado, porém um acontecimento presente. Também ouvimos a boa nova trazida aos
pastores pelos Anjos: "Eis que vos anuncio uma grande alegria: hoje nasceu
o Salvador" (Sermo 9, de Nativitate).
Temos a inefável felicidade de assistir a este bem-aventurado
nascimento, se assistimos à santa Missa, onde tal é renovado e continuado.
E, se queres saber, caro leitor, como o Cristo nasce, lê essa
passagem de São Jerônimo: "Os sacerdotes formam o Cristo pelos seus lábios
consagrados", quer dizer: o Cristo nasce dos lábios do sacerdote, quando
este pronuncia as palavras da consagração. Por sua vez, o Papa Gregório XIII o
afirma, exortando os sacerdotes a dizerem antes de subirem no altar:
"Quero celebrar a santa Missa e formar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor
Jesus Cristo".
A Igreja não cessa de recordar-nos este nascimento espiritual de
Jesus Cristo, quando nos ordena entoar o cântico dos Anjos durante a santa
Missa: "Glória a Deus no mais alto dos céus e paz sobre a terra aos homens
de boa vontade". Que felicidade para nossa alma possuir uma fé viva, e
nosso proceder para o Menino Jesus se assemelhar ao porte cheio de amor e de
respeito de Maria, de S. José, dos Anjos e dos pastores!
Bem que Jesus Cristo nos oculte a beleza de sua Humanidade,
contudo permanece visível aos olhos de Deus e do exército celeste. Em cada
Missa, mostra-se num esplendor do qual a Santíssima Trindade recebe uma glória
infinita e faz estremecer de júbilo a Santíssima Virgem, os Anjos e os Santos,
como nos assegurou o bem-aventurado Alano de la Roche.
Quando os Anjos vêem o Menino Jesus nascer sobre o altar,
ajoelham-se humildemente e o adoram, porque, quando Deus introduziu seu
Unigênito na terra, disse: "Que todos os Anjos o adorem". É o que a
Igreja canta no prefácio: "Os Anjos louvam a vossa Majestade, as
Dominações a adoram, as Potestades a veneram tremendo; os céus, as Virtudes dos
céus, e os bem-aventurados Serafins celebram a vossa glória com transporte de
alegria".
Em união com estes espíritos celestes, agradeçamos a Nosso Senhor
que, ao renovar o mistério de seu nascimento, deseja distribuir-nos também os
frutos.
O espírito humano é impotente para conceber e explicar o grau de
alegria que o céu experimenta na renovação do nascimento de Cristo. A própria
ciência dos Anjos não basta, embora essas bem-aventuradas inteligências
participem das delícias que proporciona ao céu o santo Sacrifício da Missa.
Quanto ao gozo da Santíssima Trindade, a fé nos ensina que tira de
Si própria toda a beatitude. A Sagrada Escritura diz da sabedoria incriada,
isto é, do Filho de Deus: "É o esplendor da luz eterna, o espelho sem
mancha da Majestade divina, a imagem da sua bondade" (Sab. 7, 26).
Este espelho está desde toda a eternidade, diante dos olhos do Pai
celeste que se contempla nele com infinita satisfação. Nele, vê-se eternamente
o Senhor poderosíssimo, gloriosíssimo, sapientíssimo, riquíssimo, infinito de
bondade e beleza.
Este conhecimento e esta contemplação incessante de sua própria
pessoa são, para Ele, um gozo essencial, perfeito, bastando para manter o Pai
celeste em uma beatitude infinita.
Este espelho puríssimo, pois, foi colocado, em nova forma, diante
de seus olhos no nascimento do Salvador, onde o Cristo é revestido da mais
nobre natureza humana, enriquecida das mais preciosas virtudes e ornada de
todas as perfeições. O Pai eterno experimentou novas delícias, das quais fez
participar toda a corte celeste. Palpitantes de júbilo estes espíritos
bem-aventurados cantaram então um cântico melodioso, ao qual nada do que na
terra se tinha ouvido era comparável, e derramou sobre os piedosos pastores as
ondas de uma alegria inigualável e desconhecida. Ao canto do "Glória in
excelsis", os Anjos voaram para Belém, prostraram-se ante o recém-nascido
e adoraram-lhe a Divindade.
Todas estas cenas da noite de Natal se renovam cada dia na santa
Missa, onde o Filho de Deus nasce da palavra do sacerdote. Não que um novo
Cristo seja criado, nem sua pessoa multiplicada. O que se multiplica é sua
presença, de modo que, onde sua Humanidade não estava dantes, acha-se agora de
modo real, e fica debaixo das santas espécies, por tanto tempo quanto estas
aparências subsistirem intactas. Se as espécies se corrompem, cessa a presença
real.
O Filho unigênito de Deus nasce de novo dos lábios do sacerdote,
e, por suas mãos, esse espelho imaculado ornado de tantas perfeições, é elevado
para ser oferecido a Deus; que alegria, que delícias, que infinitas felicidades
para o Pai celeste! Não podem ser menores que as da noite de Natal, porque, em
Belém e sobre o altar, tem, diante dos olhos, aquele do qual disse: "Este
é o meu Filho muito amado, em quem tenho posto toda a minha complacência"
(Mt. 3, 17). A única diferença é que no presépio, o Verbo estava oculto sobre a
carne mortal, enquanto, na Missa, seu Corpo glorioso, ornado de suas chagas
sagradas, como cinco pedras preciosas, está oculto sob as espécies sacramentais.
Em Belém, nasceu corporalmente, no altar, nasce de forma mística, ainda que
muito real.
Porém, Deus Padre não fica somente cheio de alegria, contemplando
este espelho divino; aquele a quem contempla, seu Filho unigênito, lhe
corresponde a ternura por um amor infinito, aumentando-lhe, assim a felicidade.
As delícias que a Divindade recebe da santíssima Humanidade de
Cristo, excedem todas as que lhe vêm dos louvores dos Anjos, adorações dos
Santos, e fidelidade dos homens, porquanto a Humanidade sagrada de Nosso
Senhor, unida hipostaticamente à Divindade é a única capaz de honrar, de
regozijar, de amar a Divindade conforme sua infinita grandeza. Ora, tudo isto o
Salvador Jesus faz com tanta suavidade que nem os Querubins nem os Serafins o
compreendem inteiramente. O céu olha cheio de assombro, de coração arrebatado,
sem poder medir a extensão do divino júbilo. Como isto se reproduz em milhares
de Missas, quem poderia descrever o grau de felicidade que reverte à Santíssima
Trindade?
Ó Deus de glória, regozijo-me por vossa infinita felicidade,
quereria mesmo aumentá-la por minha piedade, durante o santo Sacrifício.
Suplico-Vos, meu Senhor Jesus Cristo, que Vos digneis, em cada Missa, de
regozijar a bem-aventurada Trindade, em meu nome, e suprir,
superabundantemente, o amor que tenho negligenciado de lhe manifestar, e a
alegria que deveria causar-lhe.
"Um pequenino nos nasceu, e um filho nos foi dado" (Is.
9, 6). Esta profecia de Isaias que anunciava o nascimento de Jesus Cristo,
deve-se aplicar também à santa Missa. Nela uma criancinha nos é nascida, e um
filho nos é dado. Ó rico e piedoso dom! Este menino é o Filho de Deus. Chega de
um país longínquo, do paraíso celeste; traz-nos incomparáveis riquezas, a
graça, a divina misericórdia, o perdão de nossos pecados, a remissão das penas,
a emenda de vida, o benefício de uma morte, o acréscimo da glória futura,
bênçãos temporais, um preservativo eficaz contra o pecado.
O texto de Isaías encerra um outro assunto de consolação. O
profeta diz, expressamente, que "nasceu-nos um menino, e nos foi dado um
filho". Isto significa que, nascendo de novo na consagração Jesus se torna
nossa propriedade com tudo o que é, tudo o que tem, tudo o que opera sobre o
altar. Portanto, a honra, as ações de graças, as satisfações que oferece à
Santíssima Trindade são para nós. Que maior consolação para os que ouvem a
santa Missa do que este pensamento: Jesus está para mim!?
Se tivesses estado durante a noite de Natal na gruta de Belém,
tomado o doce Menino Jesus em teus braços, e o tivesses oferecido a seu Pai
celeste, elevando-o para Ele e suplicando-Lhe que tivesse piedade de ti por
amor desse pequenino, pensas que Deus pudesse repelir-te e ficar surdo a tua
voz? Não, certamente. Faze, pois, o mesmo durante a Missa, sobretudo no tempo
do Advento e do Natal, encaminha-te em espírito para o altar, toma o Menino
Jesus, oferece-o a Deus Padre.
Outro ponto importantíssimo é este: O Cristo não somente nasce
sobre o altar de maneira mística, mas também toma uma forma tão humilde, que
causa admiração ao céu e à terra. Em seu primeiro nascimento, humilhara-se
infinitamente, tomando a forma de servo, entretanto, ainda era uma forma
humana. Em seu nascimento místico, escolheu humilhação ainda maior,
aniquilou-se debaixo das aparências do pão!
Que humilhação inaudita! Que há de mais insignificante que uma
espécie sacramental, acidente sem substância? Olhai bem a suprema modéstia de
Jesus! Onde lhe está a glória? Onde lhe está a Majestade soberana que faz
tremer o céu? Renunciou a tudo isto! Aquele que ocupa um trono à direita do Pai
eterno, repousa sobre o altar, ligado como o Cordeiro de sacrifício. Ó abismo
insondável de humildade! Ó amor incomparável do mais fiel, do mais amante dos
homens.
Para que este excesso de humildade? Uma das razões principais é
desarmar a cólera de seu Pai celeste, e desviar dos pecadores um justo castigo.
Não há melhor meio de aplacar o inimigo do que se humilhar em sua
presença e pedir-lhe perdão. O proceder de Acab fornece-nos uma prova. Quando o
profeta Elias anunciou a este rei ímpio que o Senhor o puniria de morte súbita
assim como a sua mulher e a seus filhos, e que seus corpos, privados de
sepultura, seriam devorados pelos cães e corvos, "humilhou-se Acab ante o
Senhor, rasgou as vestes, cobriu a carne com um cilício, jejuou, dormiu num
saco e caminhou cabisbaixo". Então o Senhor dirigiu a palavra a Elias e
disse: "Não viste Acab humilhado diante de mim? Já que se humilhou por
minha causa, não farei cair sobre ele os males de que o ameacei" (III
Reis, 21, 27-29).
Se Acab, "ao qual nunca houve igual em impiedade",
segundo a Sagrada Escritura, por sua humilhação, levou Deus Todo-Poderoso a
suspender a sentença pronunciada contra ele, o que não obterá junto a Deus a
humilhação de Jesus Cristo sobre o altar? Não é mais tocante neste estado de
aniquilamento em que o colocou seu amor pelos homens? Vede-o, despojado de suas
vestes de gala, oculto sob a aparência da Santa Hóstia não somente curva a
cabeça, está atado como holocausto e, do fundo do coração, pede para nós perdão
e misericórdia! A este espetáculo, Deus diz a seus Anjos, como outrora dissera
a Elias: "Vistes como meu Filho se humilhou diante de mim?". Os Anjos
respondem: "Sim, Senhor, vimo-lo, e ficamos admirados". E o Pai
celeste continua: "Pois que meu Filho aniquilou-se deste modo, não me vingarei
dos pecadores, nem os punirei conforme suas iniqüidades".
Meditemos estas palavras e estejamos persuadidos de que, se Deus
não abrevia a vida do culpado, se não o castiga segundo a medida de suas
iniqüidades, o pecador deve-o à santa Missa, onde participou da reparação de
Jesus Cristo. O Salvador clementíssimo advogou-lhe a causa, humilhou-se em seu
lugar e deteve o braço vingador da divina justiça.
VI. NA SANTA MISSA,
JESUS CRISTO RENOVA SUA VIDA
Entre as coisas que encantam os sentidos, o teatro deve ser
colocado em primeiro lugar.
Os homens acham-lhe tal prazer que gastam, para assistir às
representações teatrais, muito tempo e muito dinheiro.
Se quiséssemos considerar, atentamente, os grandes mistérios da
Missa e persuadir-nos que Jesus Cristo se aproxima do altar como ornado de suas
vestes de festa, para aí reproduzir, à nossa vista, as cenas de sua vida
maravilhosa, correríamos para a igreja ao primeiro toque do sino.
Mas, oh! loucura do mundo, quantos preferem jogar os bens aos
comediantes a assistir à santa Missa, onde riquíssima recompensa é concedida a
todo e qualquer espectador piedoso!
Responder-me-ás, talvez, caro leitor: "Não é de admirar que
as pessoas frívolas prefiram assistir à comédia; querem distrair-se, e, na
santa Missa, nada lhes encanta os olhos e os ouvidos".
Oh triste cegueira! Se essas pessoas superficiais tivessem os
olhos da fé, gozariam da santa Missa profundamente, porque é o resumo da vida
do Salvador e a reprodução de todos os seus mistérios. Não é somente uma
representação poética de fatos passados, como seria um drama; é uma repetição
verídica do que Jesus Cristo fez e sofreu sobre a terra.
Com efeito, na santa Missa, temos diante de nós o divino Menino,
envolto em panos, como o acharam os pastores, qual os Magos vieram adorar, e
qual Maria Santíssima colocou nos braços do velho Simeão. O mesmo divino
Infante repousa sobre o altar e espera nossas homenagens e nosso amor. Ao
Evangelho, esse mesmo Jesus repete-nos sua doutrina pela boca do sacerdote, com
o mesmo proveito para a alma crente, que se lhe viesse dos próprios lábios.
Vemo-lo fazer um milagre maior que o de Caná, porque é mais
admirável mudar o vinho em sangue, do que a água em vinho. É a renovação da
última Ceia e de sua morte na Cruz. As mãos dos algozes não o atingem, porém as
do sacerdote oferecem-no, como vítima expiatória, ao eterno Pai.
Aquele que sabe tirar proveito da santa Missa, pode receber dela o
perdão dos seus pecados e a abundância das graças celestes.
"Toda a vida de Cristo, diz S. Dionísio, o Cartucho, não foi
mais do que uma Missa solene, em que foi Ele o templo, o altar, o sacerdote e a
vítima" (Vida sacerdotum, Antwerpiae, Vostermann, 1751).
Na verdade, Jesus Cristo revestiu-se das vestes sacerdotais no
santuário do seio materno, onde nos tomou a carne e com ela a vestimenta da
nossa mortalidade. Saiu desse santuário na noite sagrada do Natal e começou o
"Introito", entrando no mundo. Entoou o "Kyrie eleison",
lançando os primeiros vagidos no presépio; o "Glória in excelsis" foi
entoado pelos Anjos, quando apareceram aos pastores, e, convidando-os a
misturar seus louvores com os deles, conduziram-nos ao berço do recém-nascido.
Jesus disse a "Coleta" em suas vigílias noturnas, onde
implorava a misericórdia divina para nós. Leu a "Epístola", quando
explicava Moisés e os profetas, demonstrando que os tempos eram findos.
Anunciou o "Evangelho", quando percorria a Judéia a pregar a boa
nova. Fez o "Ofertório", quando, no mistério da apresentação,
ofereceu-se a seu Pai pela salvação do mundo. Cantou o "Prefácio",
louvando, por nós, a Deus sem cessar e agradecendo-lhe os benefícios.
O "Sanctus" foi entoado pelos hebreus, no dia de Ramos,
quando, na entrada de Jesus em Jerusalém, clamavam: "Bendito seja aquele
que vem em nome do Senhor! Hosana ao Filho de David!"
A "Consagração", o Salvador efetuou-a na última Ceia,
pela transformação do pão e do vinho em seu Corpo e em seu Sangue. A
"Elevação" realizou-se, quando foi pregado na Cruz, elevado nos ares
e exposto em espetáculo aos olhos do mundo. O "Pater Noster", Jesus o
disse na Cruz, pronunciando as sete palavras. A "fração da Hóstia"
cumpriu-se, quando sua alma santíssima separou-se de seu corpo adorável. O
"Agnus Dei", o centurião o disse no momento em que exclamou:
"Verdadeiramente, este homem é o Filho de Deus!". A santa
"Comunhão" foi o embalsamamento e a sepultura. A "bênção"
no fim, Jesus a deu no monte das oliveiras, estendendo as mãos sobre os
discípulos na ocasião da ascensão.
Eis a Missa solene celebrada por Jesus Cristo sobre a terra!
Ordenou que seus apóstolos e, depois deles, todos os sacerdotes,
dissessem esta Missa, cada dia, ainda que mais resumida.
Somos, pois, tão favorecidos, e talvez mais do que os que viveram
no tempo de Jesus. Eles ouviram uma única Missa, cujas partes foram celebradas
em longos intervalos, enquanto nós podemos, cada dia, assistir a muitas e
recolher, em pouco tempo, os frutos de toda a vida do Salvador.
Caro leitor, repassa, muitas vezes em teu espírito, a utilidade do
santo Sacrifício da Missa, onde Jesus Cristo te faz participar dos méritos
infinitos de sua santíssima vida e de sua paixão. Se fosse tão fácil adquirir
bens temporais, não perderíamos um instante e não pouparíamos trabalho. Como,
pois, somos tão pouco diligentes, quando se trata das riquezas eternas e dos
tesouros que nem a ferrugem nem os ladrões podem nos arrebatar?
VII. NA SANTA MISSA,
JESUS CRISTO RENOVA A SUA ORAÇÃO
"Temos, por advogado, junto ao Pai, Jesus Cristo, que é justo
e santo; porque é a vítima de propalação por nossos pecados" (I Jo., 2,
1).
De certo é consoladora garantia de nossa Salvação, termos por
advogado o próprio Filho de Deus, o Juiz dos vivos e dos mortos! Mas onde e
quando Jesus Cristo desempenhou este ofício?
A Igreja ensina ser Ele nosso advogado não somente no céu, mas
também na terra.
Eis a doutrina de Suarez: "Cada vez que o santo Sacrifício da
Missa é oferecido, Jesus Cristo intercede por quem o oferece e também pelas
pessoas em cuja intenção é oferecido" (Tom. 3, disp. 79, sect. 21).
S. Lourenço Justiniano descreve assim a maneira de orar de Nosso
Senhor: "Enquanto o Cristo é imolado sobre o altar, clama a seu Pai e
mostra-lhe suas chagas para preservar os homens da condenação eterna".
Este zelo do Sagrado Coração pela nossa salvação foi indicado por
Lucas: "Jesus subiu ao monte para fazer oração, onde passou a noite,
orando a Deus".
E noutro lugar: "De dia, ensinava no templo, e de noite,
retirava-se à montanha, chamada das Oliveiras". Ou então: "Foi
segundo seu costume, ao monte das Oliveiras, para nele orar".
Isto diz, claramente, que Jesus tinha o costume de passar a noite
em oração. Durante sua peregrinação, cada um de seus atos era acompanhado da
oração; no término desta santa vida, o adeus aos discípulos foi a oração
suprema do Sumo Sacerdote por excelência; suspenso na Cruz, orava por seus
inimigos e, quando chegou o momento de voltar ao Pai celeste, levantou a mão
sobre os discípulos, em uma última bênção, e subiu ao céu, onde seu Coração
continua a interceder pelo gênero humano.
Ora, na santa Missa, Jesus dirige a seu Pai todas estas orações
reunidas; mostra-Lhe as lágrimas, os gemidos que as acompanharam; enumera as
noites passadas em jejum e oração; oferece todos esses méritos pela salvação do
mundo, particularmente por cada um dos que assistem à Missa. Ó Deus, que eficaz
oração! Como o perfume do incenso, eleva-se para o Pai celeste, para o trono da
Santíssima Trindade! Jesus Cristo não ora somente, imola-se também pela
salvação do mundo.
Santa Gertrudes explica este mistério do seguinte modo: "Vi,
na elevação, Nosso Senhor erguer, com as próprias mãos e sob a forma de um
cálice, o dulcíssimo Coração que apresentou a seu Pai. Imolou-se então em favor
de sua Igreja, de maneira incompreensível à criatura". Jesus isto
confirmou, quando disse a Santa Matilde: "Eu somente sei e compreendo,
perfeitamente, como me ofereço cada dia a meu Pai pela salvação dos fiéis; nem
os Querubins nem os Serafins nem as Potestades podem concebe-lo
inteiramente".
Notai que Nosso Senhor não se oferece na santa Missa com a
majestade que tem no céu, porém em uma incomparável humilhação. Do abismo de
sua humildade, a voz eleva-se-lhe tão poderosa para o céu que traspassa as
nuvens e atinge o trono da misericórdia.
Quando o rei de Nínive teve conhecimento dos castigos que
ameaçavam a cidade no prazo de quarenta dias, levantou-se do trono, despiu as
vestes reais, cobriu-se de roupas de luto, deitou cinza sobre a cabeça e pediu
a todo o povo que implorasse a misericórdia divina.
Por esta humildade e esta penitência, o rei pagão obteve perdão
para si e para a cidade culpada.
Que não obterá Jesus Cristo, que se humilha muito mais na santa
Missa, em que, deixando o trono de sua glória, reveste as pobres aparências do
pão e do vinho e clama ao Deus de misericórdia: "Graça e perdão para meu
povo! Meu Pai, considera minha abjeção; eis-me aqui diante de Vós, não como um
homem, mas semelhante a um verme da terra. Os pecadores levantam-se contra Vós
cheios de orgulho. Eu me humilho em Vossa presença. Eles Vos irritam, eu, por
meu aniquilamento, quero aplacar-Vos. Eles clamam sobre si Vossa justa
vingança, eu quero desvia-La por minhas instantes súplicas. Tende piedade deles
por amor de mim, meu Pai, e não os castigueis à medida de suas iniqüidades. Não
os entregueis a Satanás, porque são meus, resgatei-os com o preço de meu
Sangue. E, Pai Santíssimo, imploro, sobretudo, a Vossa misericórdia em favor
dos pecadores aqui presentes, pelos quais renovo, durante esta Missa, minha
vida e minha morte. Dignai-Vos, em virtude de meu Sangue e de minha morte,
preservá-los da morte eterna".
Oh Jesus, até onde vos arrasta o amor para conosco e por que meio
poderíamos melhor corresponde-lo senão assistindo, cheios de piedade, à santa
Missa?
Quando o divino Salvador se achou suspenso na Cruz, recomendou a
seu Pai os fiéis que estavam no pé da árvore da Salvação e lhes aplicou, mui
especialmente, os preciosos frutos. Do mesmo modo, ora pelos assistentes,
principalmente pelos que recorrem à sua mediação. Ora por eles tão
ardentemente, como o fez no momento de sua morte, pelos seus inimigos.
Oh poderosa oração! Quanto não fortifica a esperança da vida
eterna, vermos o mesmo Filho de Deus tomar nas mãos os interesses de nossa
salvação!
Se a Santíssima Virgem te aparecesse e dissesse: "Não temas,
meu filho, prometo-te encarregar-me de teus interesses; pedirei, instantemente,
a meu Filho, Jesus Cristo, e não cessarei de pedir até que Ele me assegure tua
felicidade eterna", a tua alma não ficaria transportada de júbilo e não
exclamaria: "Agora estou consolado, não tenho que duvidar, minha salvação
está segura"?
Se temos, pois, uma tão grande confiança na intercessão de Maria
Santíssima, por quê esta confiança não será absoluta, quando se trata da
intercessão de seu divino Filho, que não promete somente o socorro, mas ora por
nós em cada Missa que ouvimos, e faz, por assim dizer, violência à Justiça de
Deus, para nos poupar o castigo merecido?
E não era somente. Com ele intercedem, como outras tantas vozes,
suas lágrimas, suas chagas, seu sangue, todos os seus suspiros de amor. Quem
poderá medir o efeito dessas súplicas sobre o coração do Pai celeste?
Muitas vezes te lastimas da falta de fervor em tuas orações. Na
santa Missa, Jesus Cristo orará contigo e suprirá a imperfeição de tua oração.
Escuta como convida a todos afetuosamente:
"Vinde a mim vós que sofreis e vos achais em
tribulações" (Mt. 11, 28); isto é: vós todos que não podeis orar com
ardor, vinde a mim e orarei por vós. Por quê, alma aflita e atribulada, não te
rendes a este tão terno convite? Por que não corres à santa Missa?
Em tuas tribulações recorres a amigos para pedir-lhes uma oração.
Que é, todavia, a oração dos homens comparada com a oração e intercessão de
Jesus Cristo? Tua miséria é extrema, o perigo de tua condenação, iminente.
Dize, pois, a Jesus: "Senhor, quem poderá salvar-se?" e Ele
responder-te-á: "O que é impossível aos homens é fácil a Deus".
Recorre, pois, a este Deus Salvador que quer te assegurar uma
morada na casa de seu Pai.
"Como?, talvez digas, um pobre indigente como eu, pode
reclamar as orações do Filho de Deus? Sou indigno disso, e não o ousarei".
- oh, não fales deste modo! Convence-te que um só de teus suspiros te dá todo o
poder sobre seu Coração. São Paulo o afirma: "O pontífice que temos, não é
tal que não possa compadecer-se de nossas fraquezas, porque todo o pontífice é
tomado dentre os homens e é estabelecido para os homens no que diz respeito ao
culto de Deus, para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados".
Jesus Cristo é pontífice, exerce o sacerdócio na santa Missa, sua
missão é, portanto, orar pelo povo e oferecer o sacrifício por ele; e não se
desobriga desta missão por todos em geral, mas por cada um em particular; assim
como sofreu por todos e por cada um, assim se interessa por cada alma de tal
sorte, como se fosse a única a salvar.
Eis o zelo, o poder da oração de Jesus no santo altar.
Juntemos-lhe nossas pobres súplicas e elas se tornarão excelentes. "As
orações feitas em união com o Santo Sacrifício da Missa, disse o bispo Fornero
de Hebron, são mais poderosas que todas as outras, mesmo do que as que duram
longas horas, e até as orações extáticas, por causa da paixão e morte do Senhor
que lhe manifestam a eficácia na santa Missa, por uma admirável efusão de
graças. Porque, como a cabeça ultrapassa, em dignidade, todas as outras partes
do corpo, assim a oração de Jesus Cristo, que é nossa cabeça, ultrapassa as
orações de todos os cristãos, que são os membros de seu corpo místico.
Uma moeda de cobre torna-se preciosa, se é lançada no ouro em
fusão; a pobre oração do homem, unida à de seu Salvador, adquire um caráter de
alta nobreza e pode ser ofertada como um dom agradável à divina Majestade.
Deste modo, uma oração menos fervorosa, oferecida na Missa, vale mais que uma
oração fervorosa feita em casa.
Muitos se prejudicam os que, podendo assistir à santa Missa e,
durante esta, ocupar-se com os exercícios de piedade que costumam fazer em
casa, se afastam do santo Sacrifício. Porque, se fizessem as orações durante a
santa Missa com a intenção de assisti-la e somente durante os momentos da
consagração interrompessem as orações, a fim de adorar o Corpo e o Sangue de
Nosso Senhor, ganhariam graças e méritos muito maiores do que se rezam em seu
oratório particular.
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