O
receio da prole é a falência da idéia cristã e o triunfo do
paganismo. Para estabelecer a diferença entre a idéia cristã e a
pagã a respeito da criança, é interessante investigar a arte
clássica grega ou romana. Quão raras são as estátuas de crianças!
O paganismo não dispensava cuidados à mãe e nem ao filho. Por
outro lado, é no berço de uma criancinha que nasce o cristianismo,
reproduzindo, eternamente, as suas mais cândidas passagens.
Contemplai o quadro da Santíssima Virgem trazendo ao colo o Menino
Jesus! A antigüidade não amou a criança, e uma era que se
desinteressa por este mimo de Deus é uma era de paganismo.
Por
Dom Tihamér Tóth
Respeito
à vida da criança
Meus
amados irmãos,
Dentro
de alguns dias festejaremos o Natal, a vigília santa que recorda o
nascimento do divino Infante. Em parte alguma essa festa traz tanta
alegria como nos lares iluminados pela tagarelice inocente das
crianças.
Nos
dias que antecedem a noite de Natal, os pequenos rabiscam ou
murmuram, antes de adormecer, o objeto dos seus sonhos, formulando-o
numa ardente e humilde prece ao Menino Jesus. Eis porque, penetrando
nessa alegria e anseios das crianças, a Igreja aformoseia esta
cerimônia, acrescentando ao culto divino tradições ingênuas que
tornam mais encantador o tempo do Natal.
Todavia,
ficamos surpreendidos quando, decorridos apenas quatro dias, a Igreja
apareça envolvida em luto, na ocasião de outra festa, cujo aspecto
não pudera ser menos suave do que a primeira: a festa dos Santos
Inocentes. Com efeito, o simples enunciado destas palavras sugere a
evocação de um cortejo de criancinhas de cachos loiros, faces
rosadas e olhos puros e cândidos. Quanta poesia e graça nesta
magnífica visão! E a Igreja cobre-se de luto. Despe as vestes de
lírio da Noite de Natal, e em vez de cobrir-se da púrpura onde
crepita o triunfo dos mártires, envolve-se nos tons violáceos do
luto onde a dor soluça no mistério do silêncio.
E
por quê? As pequeninas almas, na envolvência da sua pureza
imaculada, também prestam homenagem ao Divino Mestre! Mas estas
almas não são as criancinhas da terra que vêm enfeitar o berço de
Jesus; são pequeninas vítimas inocentes, cujo sacrifício revive o
crime, o massacre espantoso de Herodes... e a Igreja cobre-se de
luto.
O
pecado de Herodes! Erro miserável, sacrifício hediondo de vidas em
flor, sob pretexto de que elas vêm perturbar a tranquilidade e o
repouso.
Há
quanto tempo é morto Herodes! Há vinte séculos, nos estertores de
uma agonia inenarrável, deixava Herodes a terra; mas o seu pecado,
qual flagelo maldito, continua sua obra devastadora. Hoje, depois de
vinte séculos de cristianismo, em todas as cidades, nas aldeias, em
todos os recantos, encontramos Herodes em quantidade; Herodes com as
mãos tingidas de sangue dos inocentes; Herodes criminosos que o
mundo não percebe e por quem não experimenta a mínima repulsa.
Chegam alguns até a ufanar-se de tais ignomínias.
E
é certo, meus irmãos, que o seu crime será julgado com a mesma
severidade que a morte dos santos inocentes de Belém. E note-se que
o massacre de Herodes limitou-se apenas a uma província, ou melhor,
uma aldeia, ao passo que o crime atual ultrapassa milhares de vezes o
crime de Belém.
Ultrapassa
o massacre de Herodes não só pelo número das vítimas como pela
perversidade, pelo cinismo com que é praticado. Herodes não era pai
das crianças que mandou exterminar. Herodes deu a sua ordem sob a
pressão do temor; os Herodes modernos matam com um plano
intencional, premeditado.
Convém,
meus amados irmãos, que nos demoremos um pouco mais neste assunto,
tão importante quanto grave. Ao estudar o quinto mandamento, é
indispensável fazer uma indagação pormenorizada do que se pratica
na sociedade. Este mandamento cogita não somente das vidas que
caminham normalmente, como daquelas que abotoam almas que descem à
terra pela vontade de Deus. Mais ainda: tem a missão de proteger
estas últimas, vítimas do pecado de Herodes, vítimas desta “morte
branca” que se alastra pelo mundo exercendo a sua ação
demolidora, e que à Cátedra da Igreja pertence condenar e combater.
É
impossível, meus irmãos, permanecer em silêncio; é preciso trazer
a público toda a odiosidade de semelhante crime, tudo quanto tem de
revoltante e perigoso; até onde se estende a gravidade da culpa e as
suas funestas consequências; as escusas, as razões especiais
invocadas como justificativa e as respostas da Igreja para uma
questão, aliás, muito delicada.
Importância
da situação
Meus
amados irmãos, treze anos já são passados depois da guerra
mundial. Profundamente sacudido em seus alicerces, verificou o mundo,
pelas estatísticas, que as armas mortais desta luta sanguinolenta
destruíram aproximadamente dez milhões de homens.
Dez
milhões! Que massacre! Causa arrepio a leitura desta cifra e, no
entanto, parece ninharia diante das dezenas de milhões de crianças
imoladas, e que Deus chamara à existência; criancinhas que, vítimas
da perversidade humana, jamais hão de possuir essa existência, por
causa da violação da santidade do matrimônio (pecado contra o
sexto mandamento) ou, quiçá, nem mesmo poderão entrar na vida
(pecado ainda mais grave contra o quinto mandamento).
Em
complemento às numerosas escolas, aos dispensários, à legislação
protetora da infância, às bibliotecas pedagógicas criadas,
intitulou-se orgulhosamente o nosso século [século XX] de “Século
da criança”.
Século
da criança, uma época em que, na surdina, se lhe move uma guerra
implacável e mortal? Século da criança, uma época em que
ultrapassa o do berço, o número dos ataúdes! Século da criança,
uma época em que a mulher prefere o buzinar do auto ou o latir do
seu cão, aos gemidos da criancinha que lhe irrita os nervos. Quanta
monstruosidade no assunto que hoje devemos abordar. Foge-me a coragem
para ler-vos as estatísticas; digo mal, sinto doer-me a alma.
Limitar-me-ei
apenas a levar ao vosso conhecimento as pesquisas realizadas por um
dos professores da Universidade [Universidade de Budapeste –
Hungria, na qual Dom Tóth lecionava], e que me foram ultimamente
confiadas. Em nossa mutilada e triste Hungria, três mil mães
desaparecem anualmente em plena juventude, por não deixarem vir ao
mundo as criancinhas que trazem no seu seio, lançando mão de meios
condenáveis para suprimi-las.
Refleti,
meus irmãos: três mil mães! Isso não vos parece espantoso?
Vem
à lembrança a imagem de uma floresta ainda nova, onde todos os anos
são abatidas três mil plantas vigorosas. E note-se que essas três
mil mortes não representam o número total das perdas, porquanto, em
consequência dos nascimentos impedidos desta forma, atinge a
milhares o número de vidas humanas, para o futuro, destruídas.
Desejo
convencer-vos, meus irmãos, da gravidade de tão nefando crime.
Naturalmente sois pais, tendes um filhinho – um interessante
garotinho de 6 anos ou uma encantadora loirinha de 5 anos. Tomai-os
ao colo e, contemplando-os com atenção, procurai mergulhar naquelas
pupilas inocentes o vosso olhar. Quanta inocência e beleza aí
descobris, não é verdade? Quanto vos comove a ternura desses
pequeninos que alcançam com seus bracinhos o pescoço do seu pai!
E
agora, tomai de uma lâmina e mergulhai-a na sua garganta... Sim, vós
o papai afetuoso, vós a mamãe tão solícita e carinhosa, decepai a
cabeça do vosso filhinho. A esse pequeno ser que tanto amais,
arrebatai-lhe a vida, matai-o, assassinai-o!
Causam-vos
surpresa as minhas palavras?
– “É
inconcebível, monstruoso o que proferis! E se existiram pais cuja
perversidade chegasse a tanto, seriam denunciados logo à abominação
pública, e réus da pena de morte!”.
Ah!
É inconcebível, monstruoso! No entanto, pelas avenidas das cidades
e até nas ruas da aldeia e nos caminhos da fazenda, esses
assassinos, essas criaturas humanas, que reproduzem ou perpetuam o
crime de Herodes, perambulam às centenas, arrastando uma existência
torturada de remorsos. Nas sociedades mundanas, semelhante pecado é
admitido, e veem-se mães que o ensinam às filhas, como medida de
precaução no matrimônio; e deste modo chegamos à falência da
concepção cristã do mundo.
*
*
*
O
receio da prole é a falência da ideia cristã e o triunfo do
paganismo. Para estabelecer a diferença entre a ideia cristã e a
pagã a respeito da criança, é interessante investigar a arte
clássica grega ou romana. Quão raras são as estátuas de crianças!
O paganismo não dispensava cuidados à mãe e nem ao filho. Por
outro lado, é no berço de uma criancinha que nasce o cristianismo,
reproduzindo, eternamente, as suas mais cândidas passagens.
Contemplai o quadro da Santíssima Virgem trazendo ao colo o Menino
Jesus! A antiguidade não amou a criança, e uma era que se
desinteressa por este mimo de Deus é uma era de paganismo.
Pois,
convém acrescentar, que aquele que não tem filhos alimenta
instintivamente o sentido da maternidade ou paternidade, e, não
logrando expandir-se com seus próprios descendentes porque não os
tem, reporta o seu amor aos animais, cães, gatos, etc. Que é isso
senão um desprezo quase pagão pela moral cristã?
Não
vos cause equívoco o sentido das minhas palavras; não quero dizer
com isso que não possamos ter cão e gato em nossa casa. De certo
modo, estende-se também aos animais a ação do quinto mandamento;
devemos cuidá-los não os maltratando inutilmente – eles são
necessários ao lar. O que, entretanto, parece difícil de
compreender, é observar seres humanos civilizados, dotados de
inteligência, poderem contemplar, sem o menor sentimento de piedade,
a indigência dos seus semelhantes, e terem coragem de se entregar ao
desespero quando o seu gato dá um espirro ou o cão machuca uma das
patas!
É
inacreditável saber que de um lado gemem criaturas nas garras da
fome e da miséria e ver, por outro, privilegiados da fortuna, que
imbuídos na mais revoltante indiferença, levam a passeio num auto
confortável o seu cão de luxo; que comemoram festivamente o
aniversário do gato ou se vistam de luto fazendo alarde da sua
tristeza porque lhes morreu o cãozito de estimação, o seu
inesquecível cãozito! É o regresso completo à barbárie.
Berlim
possui atualmente 200.000 bebês e 240.000 cães de estimação:
40.000 cães a mais do que bebês. Os cães substituem as crianças
nos braços das mulheres, recebem as suas carícias, são embalados
nos açafates que tomaram o lugar dos berços, e acompanham-nas nos
passeios, nas viagens e nas saídas. Há em Paris um instituto de
beleza para cães, onde trabalha um exército de veterinários,
penteadores e massagistas. Há também, na Ile des Ravageurs, um
luxuoso cemitério para cães: por entre as suas extensas alamedas,
alinham-se os túmulos ornados de dedicatórias e fotografias dos
defuntos lulus. E, não raras vezes, para junto à porta do
cemitério, vê-se uma custosa limousine de onde salta uma elegante
dama, que vem fazer uma visita e depositar sobre o túmulo do seu
inesquecível “Caniche” as guloseimas de que ele tanto gostava.
Parece
incrível semelhante absurdo, mas é necessário render-se à
evidência diante do que presenciamos. Não há muito tempo ainda, os
tribunais de Sena tiveram de se ocupar com um fato desses. Uma rica
senhora da sociedade mundana tomara por hábito ir frequentemente
visitar o túmulo do seu querido Fox, trazendo-lhe um finíssimo
pastel; tinha impressão, dizia ela, de que o animalzinho se
levantava da sepultura e vinha comer o seu bocado preferido.
Aconteceu que um dia, depois de ter feito a sua visita habitual, a
senhora, logo após se ter retirado, voltou de novo. Junto ao túmulo,
no maior sossego, um dos zeladores do cemitério banqueteava-se com o
achado. A senhora denunciou-o e o caso foi parar nos tribunais!
Que
pensar, meus irmãos, desta impiedade? E que dizer quando vemos nos
jornais, anúncios desta natureza: “Procura-se casal sem filhos”?
Tais anúncios deveriam ser proibidos. Gestos de crueldade inaudita
são também os de certos proprietários de apartamentos que impõem
aos seus locatários: “Não se admite cão nem gato e nem
crianças”.
Não
se admite a criança! Então, família e criança, mãe e filhos são
coisas que se pode separar? Haverá sobre a terra palavras mais
sublimes e mais intimamente ligadas: “Um lar sem crianças é um
jardim sem flores”?
Um
lar sem crianças é um sino que não bimbalha. Um lar sem crianças
é um pássaro emudecido. Um lar sem crianças é uma árvore
estéril! O lar sem a criança é, em suma, o triunfo do paganismo.
Basta,
meus irmãos. Seria inútil continuar e entrar em detalhes. Negras
demais são as sombras que envolvem o quadro; antes, vejamos o
desenrolar funesto das consequências irremediáveis de tão nefanda
transgressão.
Consequências
do atentado à vida da criança
Tornou-se
tão espantoso o receio dos filhos, que chegamos à greve das mães.
De como é temível esse flagelo sob o ponto de vista nacional. No
que diz respeito à população, constitui um desastre igual, senão
maior, à derrota de Mohács, cidade da Iugoslávia, no século XVI,
ou ao tratado de Trianon após a grande guerra. Na Hungria, num total
de 2.582.000 famílias, 342.000 não têm filhos; 314.000 têm um só,
e 252.000 têm dois apenas. Aproximadamente a metade das famílias na
Hungria foge do dever. E será possível verificar a realidade de
semelhante fato? Vejamos.
Sobre
as famílias que não têm filhos, nada a dizer. Todavia, onde só
encontramos um filho, pelo falecimento dos pais, em lugar de dois
seres permanece apenas um. A família que se resume a dois filhos
também não representa lucro para o estado, visto conservar apenas a
proporção já existente. O desaparecimento de dois seres velhos é
preenchido por outros dois novos; daí nenhum acréscimo para o país.
Quereis
que vos diga mais? Nem inimigos, nem trincheiras, nem derrotas seriam
necessárias para aniquilar tais regiões; basta-lhes o seu mal;
está, pois, a Hungria condenada a desaparecer. Porventura, ignorais
o crescimento dos povos vizinhos? Ignorais também a grande
advertência da História? A substituição dos berços pelos ataúdes
marca para um povo o primeiro passo da sua decadência, do seu
desaparecimento.
Conservar-nos-emos,
então, insensíveis diante dessa inferioridade numérica? Haverá
quem ignore a porcentagem de mentalidades de escol, inventores,
sábios ou santos que as nações perdem ao sonegar a existência às
crianças? Será isto ilusão? Não, é fato consumado, infelizmente
constatado no campo da experiência.
Cumpre
notar que os espíritos eminentes nas ciências e no progresso
espiritual pertencem notadamente a famílias abençoadas de prole
numerosa. E é sobremodo contristador pensar que grande número de
sábios, benfeitores da humanidade e santos virão a faltar-nos em
consequência do receio dos filhos. Se nos séculos passados os pais
tivessem fugido ao dever nobilíssimo da família, não teríamos
encontrado – para citar apenas alguns exemplos – nem Santa
Catarina de Sena, que foi a 25ª filha do casal, nem São Clemente
Maria Hofbauer, o apóstolo de Viena, o 12º herdeiro, nem a mimosa
Santa Teresinha de Lisieux, que foi a 5ª filha. Santo Inácio de
Loyola tinha 10 irmãos e irmãs, Santo Tomás de Aquino 5, São
Bernardo 6.
E
se nos lembrarmos daqueles homens de renome universal, encontraremos
Fraunhofer, o grande físico, 10º filho; Lessing, poeta, 13º.
Dentre os compositores conhecidos, Haendel foi o 10º; Haydn o 12º;
Benjamin Franklin, inventor do para-raios, tinha 10 irmãos e irmãs,
e assim Dürer, o gravador.
Vede,
portanto, meus irmãos, em que abismo está condenada a mergulhar uma
nação que suprime a criancinha; com o aniquilamento dos gênios e
da sua população, está lançada a sua ruína. Sabemos qual a sorte
do carvalho quando atacado pelo verme oculto e destruidor.
E
se considerarmos mais seriamente o fato, o pecado não atinge somente
a nação, mas também o indivíduo. O filho único sofre as
consequências do seu isolamento e muito mais intensa deverá ser a
dor dos seus pais.
Sim,
o filho único é atingido pelo pecado em favor de quem foi cometido,
pois, a fim de educá-lo com mais perfeição e conforto, já não se
pode dividir a fortuna, a herança. E, por via de regra, apesar da
opinião generalizada dos pais no que se refere ao aperfeiçoamento
da educação do filho único, em geral, numa nação, os indivíduos
portadores de mentalidade avançada, indivíduos capazes e de
projeção meritória na vida, quer homens, quer mulheres, geralmente
são oriundos de famílias numerosas, ao invés daquelas que têm um
só filho.
Observa-se
também que nas famílias numerosas, onde os progenitores são
obrigados a se dividir entre os filhos, estes são mais ajuizados,
cuidadosamente demonstrando maior faculdade de iniciativa. E qual o
motivo? É que os senhores pais de um só filho não o educam; ao
contrário, estragam-no com mimos, embalam-no, enfraquecem-no com o
excesso de cuidados. Pobre criança! Talvez desejasse ardentemente
ser mesmo criança; mas como? Está ainda longe o dia em que se possa
atirar numa aventura; não tem um companheiro, confidente das suas
pequenas alegrias ou tristezas, alguém com quem possa brincar,
brigar, para integrar-se na vida; nem irmão, nem irmã que o auxilie
na sua formação. Porquanto, quer brincando, quer brigando, os
irmãos e irmãs, confundindo suas lágrimas e sorrisos, formam
reciprocamente a sua personalidade.
Ora
um auxílio, ora uma dessas concessões mútuas, essa vida em
miniatura permite-lhes expandir o seu coração. Desgastam-se as
arestas do gênio, os temperamentos se abrandam e educam, como os
peixinhos das praias, cuja aspereza desaparece no atrito do
mergulhar. Eis o que transforma tornando melhores os filhos das
famílias numerosas. A vida em comum ensina-os a ser obsequiosos e
tratáveis, levando-os à compreensão de que o mundo não gravita
somente ao redor de sua minúscula pessoa, e que um sentimento de
solidariedade deve presidir às atividades dos homens.
Por
outro lado, quão triste se apresenta a vida do filho ou filha única!
Privado de irmãos e irmãs, o pobrezinho vê-se na contingência de
assumir precocemente a atividade de um adulto. Amadurecido antes do
tempo, já é um velhinho que sabe tudo melhor do que os outros.
Recolhido e alheio, até em classe é pouco simpático, e de volta ao
lar não encontra a ninguém.
Pesa-lhe
a solidão do ambiente, o que vem confirmar de modo incontestável a
interessante estatística de um médico de Viena. Dentre cem crianças
na idade de 10 anos e que não têm irmãos, disse ele, apenas treze
gozam saúde, e os oitenta e sete restantes sofrem dos nervos, ao
passo que, nas famílias de prole numerosa, 69% são sadios. E assim,
acabamos de verificar o triste resultado da moda do “filho único”
e o quanto interessa à sociedade combater essa prática nefasta.
Ademais,
tal situação ainda atinge diretamente os pais se considerarmos suas
relações com o próprio filho, entre o casal e para com Deus.
Com
o próprio filho
É
de notar-se que mais dificilmente se obtém a obediência por parte
de um só filho do que de muitos. Os pais, receando o crescimento da
prole, insensivelmente perdem a autoridade sobre o filho único. E
isso se explica: o filho só consagra um amor incondicional aos pais
quando estes dão, em relação à sua personalidade, prova de uma
lisura perfeita, sem quebra da autoridade paterna.
Ora,
a alma cândida da criança sente tudo isso instintivamente.
Acontece-lhe perceber o menor constrangimento, a menor dissimulação,
acabou-se o afeto terno e confiante.
Entre
o casal
Em
outro ponto, cumpre aos pais ainda refletir: a educação da criança
dá, sem dúvida, muita preocupação e cuidado; entretanto, meus
irmãos, traz consigo radiantes compensações.
Sem
lembrar neste instante que, um dia ou outro, os pais terão
necessidade da assistência de seus filhos: dias de provações
sobrecarregados de amargura, desentendimentos e contratempos; dias
sombrios e dolorosos em que, para a alma dos pais, não existe outro
raio de esperança além do olhar do petiz que tagarela e se expande
na sua inocência; dias de pena e angústia, em que a criança se
transforma no anjo tutelar em guarda aos esposos que sofrem o
aparecimento de divergências, incompatibilidades, cuja força para
suportar se concentra no ser pequenino, único móvel que impede o
explodir dessas tempestades domésticas numa ruptura completa e
definitiva.
Quão
frequentes e numerosas são essas divergências entre os casais:
ameaças de separação, explicações tempestuosas, faltas
recíprocas de atenção – tudo isso era o pão quotidiano quando
não existia o filho. Todavia, nessa casa, nesse lar, voltado à
destruição, surgiu ou surgiram os filhos, e eis que se reatam os
laços na iminência de se romperem.
Voltemos
às estatísticas. Na metade dos casos de divórcio, dizem elas, não
há filhos, e em vinte por cento há apenas um. Estas cifras
representam por si só uma prova evidente de que, onde os filhos são
esperados com alegria, não obstante os encargos decorrentes, o afeto
dos pais se torna mais intenso, cresce a confiança mútua, e por
isso mesmo constituem eles, na verdade, o vínculo mais sólido do
matrimônio.
Para
com Deus
E
para os pais cristãos, existe uma consideração de ordem superior:
a vontade de Deus. O filho é um dom de Deus, “uma bênção de
Deus”, dizia-se nas épocas da fé. O advento da criança e os
cuidados que reclama são uma forte abundância de merecimentos para
a vida eterna. A recusa desse dom de Deus, a recusa do filho encerra
uma injúria gravíssima ao Criador e ao Senhor da vida.
Não
há muito tempo ainda, uma pobre mãe, entregue ao desespero,
atirava-se nas águas do Danúbio arrastando consigo o filho. E este
fato, publicado nos jornais, tende a repetir-se. Sem dúvida, há
nisto uma falta muito grave, um duplo homicídio; entretanto, esse
pequenino ser era batizado e, ao deixar a terra, foi reunir-se ao
coro dos anjos.
Mas,
e a imolação das crianças de hoje, desses inocentes que vão para
a eternidade sem haver recebido o batismo? Segundo os princípios da
nossa fé, não podem ser condenados; entretanto, para eles, fechada
está a porta suprema que dá acesso à bem-aventurança eterna. Por
culpa de seus pais, perderam a vida terrena. Por culpa deles ainda,
perdem agora a felicidade do céu.
Por
culpa de seus pais! – torno a repetir. Então, os desgraçados que
cometem esse crime serão dignos do nome de pais? Será digno
dispensar-lhes tal dignidade? Terão eles noção, porventura, do
crime espantoso atribuído a esse pecado?
E
é precisamente para demonstrar toda a sua infâmia que a Igreja
qualificou-o um pecado à parte, passível de ser absolvido somente
pelo bispo ou sacerdote por ele autorizado. Cedo ou tarde,
entretanto, o pecador adquire a consciência dessa culpa, e aí
começa o seu grande castigo sobre a terra: um remorso crescente, as
exprobrações da consciência, porque a supressão da criança que
devia nascer constitui verdadeiramente um homicídio no sentido
bíblico da palavra. Então, soa aos ouvidos a voz do Senhor quando
intima o primeiro homicida:
– “Caim,
que fizeste? O sangue de teu irmão clama vingança. Maldito serás
sobre a terra que ensopaste com o sangue de teu irmão. Ainda que a
cultives, não dará frutos: serás errante e fugitivo sobre ela”
(Gênesis IV, 10-12).
“A
voz do sangue derramado!”. Que isto quer dizer, meus irmãos? A
propósito, escreve Shakespeare em Macbeth: “Os perfumes mais
embriagados da Arábia não conseguem arrancar das mãos do assassino
o odor de sangue que delas se exala; água nenhuma lograria apagar o
rubor das suas nódoas. Aqui e acolá surgem os fantasmas pálidos e
ensanguentados das vítimas imoladas, enquanto que o assassino,
banhado de suor gélido, clama vencido de horror: ‘Ah, venham as
feras, prefiro-as a essas visões de horror!’”.
Porém,
ai! Ei-las que voltam! Trevas profundas envolvem essas almas. Já não
há para elas repouso, paz, vida conjugal tranquila e venturosa.
Debate-se a alma nas garras do remorso. Uma coisa ainda resta para
recuperar o equilíbrio: a confissão sincera. Mas ai! Como é duro
curvar-se! E a alma luta e sofre! O infeliz pecador hesita! Agarra-se
às pequenas coisas; dá fartas esmolas, reza durante muitas horas,
faz peregrinações, geme, soluça: tudo em vão, tudo inútil, nada
lhe restitui a paz do coração.
Então
desgarra... Abandonando a Igreja, a crença, Deus, torna-se
empedernido. Blasfemando, insulta o seu Deus, acusa, hostiliza,
critica a tudo e a todos, e mesmo assim não logra encontrar a paz.
Melhor fora ver em seu derredor berços repletos de crianças, que
sentir sobre a consciência o peso de uma delas; tremendo é o
destino de quem, numa temeridade insólita, desafia ao Deus Todo
Poderoso.
*
*
*
Com
este pensamento, meus irmãos, encerramos a nossa conferência de
hoje, cuja extensão não me permitiu ainda esgotar tão grave
assunto. Voltaremos domingo próximo [leia
aqui];
pressinto ainda muitas dúvidas, pretextos e confusões, necessitando
esclarecimentos. Os homens, bem o sabemos, no seu modo superficial de
julgar as coisas, atribuem-lhe pouca importância, mas a História
não pensa assim.
Diz-nos
Nosso Senhor no quinto mandamento: “Não matarás”. A História
do mundo nos ensina, por outro lado, que a civilização, a cultura,
o comércio, as minas, as máquinas e a indústria, tudo isto nenhum
valor representa para uma nação onde o número dos ataúdes
ultrapassa o dos berços.
Meu
Deus e meu Senhor, auxiliai-nos para que os povos sejam libertados
desse flagelo. Não permitais que as mulheres formem a legião de
Herodes. Auxiliai-nos a fim de que, fiéis ao dever, as mães gravem
no seu coração as palavras do poeta:
Sabes
porventura o que é uma mãe?
– É
a fiandeira (que tece a trama) da vida.
Queres
saber também o que é a criança?
– O
porvir da existência!
Dize-me,
então, de quem é o futuro?
– Dos
que tiverem vencido.
Sabes,
porventura, quais são os vencedores?
– A
mãe e o filho! – Amém.
Dom Tihamér Tóth, Os Dez Mandamentos, Volume 2, Editora SCJ, 1945.
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