é com angústia no coração que decidi escrever-lhe esta carta aberta e sincera. Falarei de coisas que, habitualmente, em condições normais, jamais tornaria públicas. Faço-o, ou ao menos me proponho fazê-lo, pelo bem da Igreja, para a maior Glória de Deus e para a salvação dos homens. O sr. me saberá julgar.
Não consegui dormir esta noite. Estou preocupada com a situação da Santa Madre Igreja. Ao longo de 2014, particularmente por causa da sua apreciação pública da proposta do Cardeal Walter Kasper, na qual os divorciados recasados poderiam receber a Santa Comunhão, o sr., Santo Padre, abriu a porta para muitas confusões acerca do ensino moral da Igreja Católica e para muitas imprudências por parte da hierarquia da Igreja.
Algumas declarações provenientes do Sínodo dos Bispos sobre a Familia, em outubro de 2014, aumentaram ainda mais esta confusão. Depois, em dezembro de 2014, o sr. mesmo, numa entrevista ao La Nación, sugeriu uma atitude laxista, por parte da Igreja, para com aqueles que se casaram fora dela depois de um divórcio, dizendo: “somente a Comunhão não é a solução. A solução é a integração”. Parece que agora o sr. tem a intenção de que eles não apenas recebam a Santa Comunhão, mas também participem da vida eclesial, como leitores na Santa Missa ou como padrinhos das crianças.
Este tipo de abordagem significaria ignorar ou contornar o pecado, ou mesmo justificá-lo. Confundiria a distinção entre quem vive em estado de graça santificante, agradável a Deus porque obedece os seus Mandamentos e conselhos, e quem vive objetivamente em estado de pecado e, então, desagradando a Deus por sua falta de respeito para com a lei e a sabedoria divina. Uma tal estrada conduziria à anarquia e à destruição do fundamento moral da Igreja Católica. Viríamos logo à regra do “tudo vai muito bem”.
Se os casais “recasados” podem receber a Santa Comunhão, por que não a pode receber qualquer outro pecador, que igualmente se nega a arrepender-se e corrigir-se? Um bêbado crônico, um marido que regularmente bate em sua mulher, um criminoso habitual, ou uma mulher que matou seu próprio filho no ventre e não se arrepende de nada? Por que qualquer católico deveria ainda escutar e seguir a lei da Igreja, ainda mais quando não haverá nenhuma sanção moral contra si, de nenhum modo?
E no que diz respeito às palavras do próprio Jesus? Elas não têm mais importância? Se a lei católica sobre o adultério fosse mudada, trairíamos o próprio Jesus. Seguindo o convite de Mario Palmaro, também eu resisto publicamente à direção na qual o sr. parece querer conduzir a Igreja.
Faço-me explicar o porquê.
Eu me converti há dez anos, nasci em 1972 e cresci na Alemanha, e agora vivo nos Estados Unidos. Vim de um mundo que hoje quer sempre mais subverter e invadir, se não penetrar, a vida da Igreja Católica, um mundo para o qual o sr. parece que se inclina e viva secundando. Eu cresci sem fé, numa família destruída, em um mundo de concubinato, aborto, divórcio e egoísmo. Eu sequer conhecia todos os Dez Mandamentos. É óbvio que não os vivia, nem tinha uma família sadia que me desse uma forte identidade, um refúgio seguro ou uma direção moral. Este estilo de vida me conduziu a um beco sem saída, e também à depressão. Foi quando eu encontrei meu futuro marido que a luz de Cristo pareceu entrar pela primeira vez em meu coração, lenta, mas de modo contínuo.
Houve dois aspectos muito importantes da vida da Igreja que foram os canais da graça para mim, e através dos quais fui fortemente atraída, e isso aconteceu antes que eu tivesse uma fé realmente sobrenatural. Em primeiro lugar, a belíssima liturgia tradicional, a Missa e o Ofício Divino cantado, com seus cantos gregorianos; em segundo lugar, o próprio ensino moral da Igreja, com a sua compreensão mais abrangente e a verdade sobre a natureza humana.
Tendo vivido uma vida desenfreada, sem nenhum cuidado com o pecado ou por qualquer fidelidade profunda, me dei conta de que esta estrada conduz só ao desencorajamento e a um pessimismo radical ante qualquer amor duradouro ou modo estável e profundo de viver. Por exemplo, quando estudei o ensino moral da Igreja sobre a castidade e a sua importância prévia ao matrimônio, e também sobre a indissolubilidade do vínculo sacramental, me dei conta, mesmo que apenas ainda na perspectiva natural, da verdade acerca disso tudo.
O ensino moral da Igreja Católica é um bálsamo de cura para todas as almas perdidas no orgulho, na sensualidade, na infidelidade e no desprezo pelo bem-estar dos próprios filhos. Este egoísmo, que leva ao abandono do companheiro amado e ao compromisso com outra pessoa quando “alguma coisa não vai bem”, deixando de lado a carência e o desejo dos filhos nascidos no primeiro casamento de ter o seu próprio lar caloroso e estável, também é danoso para as almas que cometem e permanecem nestes atos egoístas. Quando pecam deste jeito, são menos livres. O pecado não é um bem para o homem. Foi isto que eu entendi aos poucos. Compreendi que, somente quando nos mantemos castos antes do matrimônio e permanecemos, assim, distantes de um apego físico prematuro a uma pessoa querida, e somente quando se tem a consciência clara se deve assumir um compromisso para toda a vida, quando se casa, só então, com o auxílio da graça, haverá um ligame que foi preparado para ser duradouro. A consciência deve estar preparada para saber que, não obstante todos aqueles problemas que surgem em qualquer matrimônio, sempre haverá um modo de permanecer juntos, “na alegria e na tristeza”.
Também entendi que, tendo sido uma estudante zelosa do Iluminismo neo-pelagiano do século XVIII, nós, seres humanos, não temos apenas necessidade de ideais abstratos, mas também de indicações muito claras sobre como levar uma vida boa e também melhor. Não é suficiente falar da beleza do ser humano, da fraternidade, do amor, e assim por diante, deve-se saber como chegar concretamente e de perto a esses objetivos. A Igreja está aqui para nos instruir e para nos elevar além da nossa natureza humana decaída, com as nossas inclinações pecaminosas e a sua forte tendência para o egoísmo e a desesperação.
A minha vida pessoal é um testemunho disso. A Igreja, com os seus preceitos e conselhos, me tirou da lama do pecado e do egoísmo. E agora, Santo padre, parece que o sr. esteja arrastando a Igreja para a lama. O sr. diz ao pecador que aquilo que ele é e que ele faz está bem, tal como é, depois de tudo. O sr. não nos eleva ao modelo mais alto de Cristo, como a Igreja que, tal como mestra das nações, sempre fez lealmente; o sr. nos deixa estar onde estamos, nos conforta e até nos tranquiliza no nosso pecado. Aqui está a crueldade do sentimentalismo, que não é a verdadeira piedade.
Um laxismo para com os Mandamentos e conselhos de Deus levará apenas a mais pecado. Isto é o que nós experimentamos sobre nós mesmos, nós, os filhos da revolução cultural de 68, na Alemanha. Permitiram-nos jogar-nos com tudo na lama e a agir seguindo o nosso próprio prazer, a nossa acídia. A consequência foi a desumanidade. Muitos pais e professores deste momento não quiseram mais castigar suas crianças, nem corrigí-las quando se comportavam mal, e favoreceram, assim, o surgimento de comportamentos imorais e desumanos. Eu mesmo fui testemunha das consequências de tais permissivismos na escola, quando uma moça da minha classe foi perseguida pelos companheiros, também de pouca idade, pela simples razão de querer ser uma estudante competente e brilhante. A professora, no seu laxismo, não se opôs àquele mal, de modo que a própria menina teve de abandonar a escola.
Mas aqui devemos enfrentar a questão das almas e da sua salvação. Como cabeça da Igreja, o sr. ajudará as almas a chegar ao céu se lhes confirma no seu pecado? São estas as coisas que Santo Inácio de Loyola ensinou aos seus jesuítas? E é útil que o sr. torne as coisas vagas e ambíguas, pouco claras e confusas, e de modo equívoco? Quantos casais estão lutando há muito tempo pelo seu casamento, e continuaram lealmente juntos graças ao ensino integral e a verdade de Cristo, depois destas suas palavras recentes, como também depois de algumas declarações do Sínodo dos Bispos, agora começarão a escorregar para o laxismo, e abandonarão o seu matrimônio, pensando que agora para eles haveria uma “segunda oportunidade”, depois de tudo? O que acontecerá se o sr. tirar alguém de um desespero temporário, mas depois o joga numa presunção, que é, juntamente com o desespero, um dos dois principais pecados contra a virtude da Esperança? O sr. deverá um dia responder por cada uma destas almas diante de Deus, e lhe peço que medite sobre isto que estou tentando dizer. Posso dizer-lhe que o seu modo de fazer não conduz a um bom resultado. Apenas o convite à conversão e a clara indicação de como realizá-la e de como nela perseverar, segundo o exemplo do grande São João Batista, levará as almas ao Céu. Não se deve apenas ficar acompanhando o pecador; antes, deve-se levantá-lo e conduzí-lo para fora do pecado! Foi isso que um bom sacerdote católico fez comigo, e eu lhe serei sempre grata por tê-lo feito.
Peço-lhe, Santo Padre, que exorte este mundo que jaz no pecado, que está mergulhado na desumanidade, porque este mundo não tem mais ensinamento nem alimento, não possui uma mãe que lhe recorde as Leis de Deus e que, à vezes, o corrija. As leis de Deus são boas para nós! Elas mostram ao mundo pecador como se tornar melhor. Mostram a todas as pessoas amancebadas ou divorciadas o caminho para se tornarem fieis. Não nos permitem continuar rompendo aquilo que foi quebrado, mas, antes, nos ajudam a consertá-lo e curá-lo.
É preciso animar os pais a moverem-se do seu egoísmo e a pensarem mais nos filhos e no seu maior bem. O divórcio é a morte para a alma de uma pequena criança vulnerável, para as suas esperanças, as suas seguranças e os seus sentimentos. Falo por experiência. E agora falo também como mãe. Como o sr. pode pretender que eu e o meu marido ensinemos aos nossos filhos os Dez Mandamentos e que nós possamos realmente nos arrepender dos nossos pecados quando nos confessamos, quando, ao mesmo tempo, a Igreja poderia permitir que se desobedecesse abertamente as Leis de Deus e se receber a Santa Comunhão?
Console-nos, a todos nós pecadores. Chame-nos à santidade, a uma santidade que está fundada sobre um profundo amor a Cristo e à sua Mãe, e nos indique aquilo que é melhor. Concluindo, cito ainda uma vez a Mario Palmaro, cujo convite a uma aberta resistência acolho com esta carta, cujo protesto antes da sua morte bateu no meu coração e no coração de muitos outros.
«O fato de que um papa “agrade” as pessoas é totalmente irrelevante na lógica bimilenar da Igreja: o papa é o vigário de Cristo na terra, e deve agradar a Nosso Senhor. Isso significa que o exercício do seu poder não é absoluto, mas subordinado ao ensinamento de Cristo, que se encontra na Igreja Católica, na sua Tradição, e que é alimentado pela vida da Graça, através dos sacramentos».
Devo continuar a rezar pelo sr., Santo Padre, a cada dia. E ao mesmo tempo, devo, neste vale de lágrimas, continuar a dar crédito às fieis palavras de Mario Palmaro:
«Em alguma Igrejinha perdida haverá sempre um sacerdote que celebra santamente a missa; em um pequeno quarto, uma velhinha solitária sempre desfiará com fé inabalável o seu rosário; num canto perdido do Cotolengo, uma irmã sempre acudirá um menino considerado por todos uma vida sem valor. Também, quando tudo parecer perdido, a Igreja, Cidade de Deus, continuará a irradiar sobre a cidade dos homens a sua luz».
Peço-lhe, Santo Padre, que irradie a luz da fé e do amor a Deus no mundo, que diga a verdade ao mundo, pois parte da criação anda revoltada contra Deus, que mostre ao mundo qual é o seu erro, e que o faça também com o risco de perder a sua popularidade atual e aparente boa fama no mundo. O mundo precisa do pleno testemunho da Igreja Católica, hoje mais que nunca. Sem meios-termos e com a plena verdade. Então, o sr. receberá muita confiança, uma maior autoridade educativa e um respeito verdadeiro.
Dra. Maike Hickson
10 de dezembro de 2014.
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