|
Tiara presenteada ao Papa Leão XIII |
Uma vez que o Espírito Santo habita em nós e nos concede, com a caridade, os sete dons, que estão em nós como em um barco com velas dóceis à impulsão do vento favorável, devemos ter uma grande docilidade com relação ao Espírito Santo.
- Garrigou-Lagrange, Réginald , O.P.
-
Santo Tomás, no final de seu tratado
sobre a Santíssima Trindade, fala-nos das missões divinas e da habitação das
três Pessoas Divinas em toda alma justa. Ele dá-nos uma certa inteligência
deste mistério recordando-nos que Deus está sempre presente em todas as coisas,
especificando de qual maneira especial está realmente nos justos e quais são os
efeitos de Sua ação neles.
Presença geral de Deus em todas as
criaturas.
Deus está, em primeiro lugar, presente
em todas as coisas como causa conservadora por um contato, não quantitativo mas
virtual; semelhante, não ao contato de nossa mão e do papel onde ela escreve,
mas ao contato da nossa vontade e da mão que ela move. É o contato dinâmico da
Onipotência e o efeito imediato produzido por Ela. A conservação da criatura na
existência é, de fato, a seqüência do ato criador. Ora, Deus criou sem
intermediário, sem nenhum instrumento, a matéria, sujeito primeiro de toda
mudança corpórea, e produziu igualmente ex nihilo, do nada, as
almas espirituais e imortais e os espíritos puros finitos. Ele conserva,
portanto, imediatamente, a matéria, as almas, os anjos; portanto, existe um
contato dinâmico da Onipotência (que não é realmente distinta da natureza
divina) com nosso ser natural. É a presença geral de Deus em todas as coisas,
dita presença de imensidade, aquela de que fala São Paulo quando diz: O
Deus que fez o mundo, sendo o Senhor do céu e da terra... não está distante de
cada um de nós, pois é Nele que temos a vida, o movimento e o ser. (At 17,
28) Deus é como o lago donde emana a vida da criação; Ele é a força central que
atrai tudo a ela, como o diz a liturgia: “Rerum Deus tenax vigor, immotus in te
permanens”.
Presença especial de Deus nos justos
segundo a Escritura.
A Santa Escritura não nos fala somente
desta presença geral de Deus em todas as coisas, mas também duma presença
especial de Deus nos justos. É dito no Antigo Testamento, no livro da Sabedoria
I, 4: A sabedoria divina não entrará numa alma maligna, não habitará
num corpo sujeito ao pecado. Seria somente a graça criada ou o dom criado
da sabedoria, que viria habitar na alma do justo?
As palavras de Nosso Senhor nos trazem
uma nova luz e nos mostram que são as próprias pessoas divinas que vêm habitar
em nós: Se alguém me ama, diz, ele observará minha palavra e meu Pai o
amará, e nós viremos a ele e faremos nele Nossa morada (Jo 14, 23). Ao
mesmo tempo Nosso Senhor promete enviar-nos o Espírito Santo (Ibid., 26).
Segundo estas palavras, quem virá? Seriam somente os efeitos criados, a graça
santificante, a caridade espalhada nos nossos corações? Não. Estes que vêm são
Aqueles que amam: Meu Pai e eu viremos a ele, e não duma maneira
transitória, mas faremos nele Nossa morada. Rogarei a meu Pai e ele vos
dará um outro consolador, para que habite em vós para sempre, o Espírito da
verdade... que vos ensinará todas as coisas e vos lembrará tudo o que eu vos
disse. (Ibid., 16-26) Estas palavras não são ditas somente aos apóstolos —
eles verificaram-nas em si, no dia de Pentecostes, que é renovado em nós pela
Confirmação.
Este testemunho do Salvador é claro,
explicitando bastante o que diz o livro da Sabedoria. São realmente as três
Pessoas Divinas que vêm habitar de maneira permanente nas almas justas.
Deste modo o compreenderam os
apóstolos. São João escreve (1 Jo 4, 9-16): Deus é caridade... e aquele
que está na caridade permanece em Deus, e Deus nele. Ele possui Deus
em seu coração, mas, mais ainda, Deus o possui e o guarda nele, conservando,
não somente a existência natural, mas a vida da graça e a caridade.
São Paulo diz o mesmo (Rm 5, 5).
Enquanto a alma permanecer em estado de graça, enquanto conservar a caridade,
ela será o templo do Espírito Santo.
Em várias ocasiões, São Paulo volta a
esta doutrina consoladora: Não sabeis vós que sois o templo de Deus e
que o espírito de Deus em vós habita? (1 Cor 3, 16; 6, 19). Esta
presença especial das três Pessoas Divinas é especialmente apropriada ao
Espírito Santo, porque ela depende da caridade — a qual nos assimila a Ele mais
que ao Pai e ao Filho, pois que Ele é o amor pessoal. Elas estão também em nós,
segundo o testemunho de Jesus, mas nós não lhes seremos perfeitamente
assimilados senão recebendo a luz da glória, que nos fará marcados pela
semelhança do Verbo, que é o esplendor do Pai. De modo equivalente fala Leão XIII
em sua encíclica sobre o Espírito Santo: “Divinum illud munus” de 9 de maio de
1897.
A Escritura ensina portanto mui
explicitamente que as três Pessoas Divinas habitam em toda alma justa, em toda
alma em estado de graça. A tradição, pela voz dos primeiros mártires, pela voz
dos Padres, pelo ensino oficial da Igreja mostra, por outro lado, que é deste
modo que é preciso compreender o que diz a Escritura¹.
Qual união resulta desta habitação?
Os teólogos comumente ensinam que esta
união do justo às Pessoas Divinas difere imensamente da união hipostática da
humanidade de Jesus ao Verbo; a coisa é manifesta, pois a união hipostática é a
união da natureza divina e da natureza humana numa só e mesma pessoa, aquela do
Verbo.
Ao contrário, o justo tem com Deus uma
união não-substâncial, mas acidental e moral. Em outros termos, é uma união
pelo conhecimento e o amor. Contudo, esta união é real, pois as Pessoas Divinas
estão presentes no justo não só por um efeito de sua operação, como o sol está
presente sobre a terra pela luz e pelo calor que lhe envia; as próprias Pessoas
Divinas estão realmente e substancialmente presentes na alma justa (sem lhe
estar substancialmente unida como o Verbo à humanidade de Jesus). Os teólogos
normalmente dizem: “solus Deus illabitus animae”, Deus está realmente presente
na alma justa, mais intima que ela mesma, como o princípio íntimo de sua vida
interior.
Os teólogos também concordam geralmente
em admitir que, como já dissemos, a habitação das três Pessoas Divinas é
própria ao Espírito Santo, pois que depende da caridade, a qual nos assimila
mais ao Espírito Santo, amor pessoal, do que a fé esclarecida pelos dons nos
assimila ao Verbo e por Ele ao Pai. A perfeita assimilação ao Verbo e ao Pai
far-se-á quando nós recebermos a luz da glória².
Enfim, geralmente se ensina que o
Espírito Santo santifica a alma justa, não como causa formal, mas como causa
eficiente e exemplar.
Eis porque não devemos dizer que o
Espírito Santo é, propriamente falando, “a alma de nossa alma, a vida de nossa
vida”, mas que é, por assim dizer, “como a alma de nossa alma, como a vida de
nossa vida”. Ele não é, de fato, o constitutivo formal dela, mas, com o Pai e o
Filho, é causa eficiente de nossa santificação, pois produz, conserva e aumenta
em nós a graça santificante e a caridade. Além disso, é a causa exemplar dela,
pois a caridade criada é uma similitude participada da caridade incriada³.
Também é o seu fim último atraindo a si soberanamente, está em nós, junto com o
Pai e o Filho, como um objeto quase experimentalmente conhecível e às vezes
efetivamente conhecido, e amado acima de tudo.
Quais são as conseqüências práticas da
habitação da Santíssima Trindade em nós?
Uma vez que o Espírito Santo habita em
nós e nos concede, com a caridade, os sete dons, que estão em nós como em um
barco com velas dóceis à impulsão do vento favorável, devemos ter uma grande
docilidade com relação ao Espírito Santo. Isto supõe primeiramente o silencio
em nossa alma, para que as inspirações divinas, ainda latentes, não passem
desapercebidas; é preciso silenciar as paixões mais ou menos desregradas, as de
afeições naturais, da ambição; silencio que supõe a mortificação de tudo o que
há em nós de desordenado.
A docilidade ao Espírito Santo supõe
também o discernimento para distinguir as inspirações divinas daquelas que não
são boas senão aparentemente. As que vêm do Espírito Santo nos lembram quase
sempre um dever; em outras oportunidades, contêm um conselho manifestamente
conforme a nossa vocação, e ai, então, é seguro que convém grandemente
segui-los. E então as inspirações se tornam cada vez mais numerosas e
prementes. Quem pode dizer o valor de uma só inspiração verdadeiramente
conforme à nossa vocação? Não segui-la expõe-nos a vegetar durante anos,
segui-la orienta-nos docilmente à santidade.
Praticamente, não se deve ir nem muito
lentamente, por falta de generosidade, nem muito rápido, por presunção.
Muitos vão muito lentamente e tornam-se
almas atrasadas; não são mais iniciantes, e tampouco progridem. Estas almas
são, na vida espiritual, como crianças anormais que não cresceram, e que se
tornam um tanto disformes, como anões.
Como uma alma torna-se atrasada? Isso
ocorre-lhe sobretudo pela negligencia às pequenas coisas na pratica das
virtudes e da piedade. Cessamos de ver o lado grandioso das pequenas coisas no
serviço de Deus e nos dispomos assim a ver só os pequenos aspectos das grandes
coisas, como a missa, a palavra de Deus, a teologia, o ministério apostólico;
dispomo-nos a enxergar somente o que é exterior. A capacidade de julgamento
decai com a vida. As pequenas coisas do serviço de Deus são pequenas em si
mesmas, mas grandes pelo fim ao qual são ordenadas e pelo espírito de fé e de
amor com o qual seria preciso cumprir-las; seriam então observadas
espontaneamente, sem precisar refletir sobre elas, como o pianista que toca bem
cada nota de seu piano. Estas pequenas coisas são a oração antes e depois do
estudo, antes e depois das refeições, a prática atenta até aos detalhes das
virtudes da humildade, da paciência, da doçura, da polidez. Em si é pouca
coisa, como os cílios ou sobrancelhas de uma fisionomia humana, que,
entretanto, sem eles estaria desfigurada. Como diz Santo Agostinho: “Minimum
quidem minimum est, sed semper servare legem Dei etiam in minimis, hoc quidem
maximum est”. Aquele que é fiel nas pequenas coisas dispõe-se a ser fiel nas
grandes quando estas lhe são pedidas: Qui fidelis est in mínimo, et in
majori fidelis est. (Lc 16, 10). Assim mantém-se uma união não só
habitual, mas atual com Deus, duma maneira quase continua e, por aí, fiel à
graça do momento presente e às inspirações que ela contém.
Uma alma torna-se atrasada também pela
recusa dos sacrifícios exigidos para romper com uma afeição demasiado sensível,
com o gosto de confortos, com uma certa tendência à vaidade, ou à dominação.
Tornamo-nos atrasados recusando seguir a inspiração que nos levaria a ser mais
esforçados, mais generosos no serviço de Deus, mais atentos às necessidades da
alma do próximo. Então, a vida decai cada vez mais, e o julgamento com a vida,
pois cada um julga segundo sua inclinação. É deste modo que até mesmo almas
consagradas podem se transformar em almas atrasadas; e então os efeitos usuais
da habitação da Santíssima Trindade nelas produzem-se cada vez menos.
* * *
É evidente que é preciso reagir,
evitando a todo custo o defeito contrario que é o da precipitação, pois então a
reação seria totalmente superficial e de curta duração. Evitemos a precipitação
da criança que quer correr no começo de uma ascensão, e que, fatigada ao final
de dois quilômetros, renuncia à escalada. É necessário, como dissemos, caminhar
ao passo pequeno e resoluto do montanhês, que não se detém senão no cume.
Não se deve querer voar antes de ter
asas, e não confundir o primeiro momento de entusiasmo com o firme propósito de
avançar custe o que custar. Nem confundir a ordem da intenção, onde o fim
entrevisto e desejado é o primeiro, com a ordem da execução, onde o fim só é obtido
e conquistado em último lugar, depois de se ter empregado todos os meios, desde
os menores até os mais elevados. Precisamos evitar o sentimentalismo que está
na sensibilidade, a afetação de um amor que não se tem, ou não o bastante, na
vontade. É preciso dar-se conta, com um realismo são, que existe desde há muito
tempo, tempo demais, no fundo de nossa vontade, como diz Tauler, uma misteriosa
luta, algumas vezes trágica, entre a caridade que tende a se enraizar e o
egoísmo que tende a renascer sempre como erva-daninha.
Veremos então se realizar pouco a pouco
as conseqüências normais da habitação da Santíssima Trindade em nós, aquelas
notadas por Santo Tomás: (Suma Contra Gentios. 1, IV, c. 21 e 22). Receberemos
graças sempre novas de luz, de atração, de amor, de generosidade, de força e de
paciência; possuiremos cada vez mais a presença de Deus, entreter-nos-emos
constantemente com Ele, como Santo Domingos que não sabia falar senão com Deus
ou sobre Deus; encontraremos nesta conversação íntima a paz, às vezes o júbilo,
com o desejo de uma conformidade cada vez maior com a vontade divina, e nesta
conformidade desejada encontraremos a santa liberdade dos filhos de Deus,
porque a vontade divina reinará cada vez mais na nossa vontade, na medida em
que a caridade se enraizar mais profundamente nela. Compreenderemos, então,
cada vez melhor, que nossa vontade é de uma profundidade sem medida, já que só
Deus, visto face a face, pode saciá-la e atraí-la irresistivelmente.
Roma, Angélico.
(La Vie Spirituelle n° 288, junho de
1944. Tradução: PERMANÊNCIA)
1.Cf. Rouet de
Journel, Enchiridion Patristicum (in fine, index theologicus, n° 185, 357)
noticia os testemunhos de inumeros Padres gregos e latinos. É preciso sobretudo
citar Santo Inácio de Antioquia, Santo Atanásio, São Basílio, São Cirilo de
Alexandria, Santo Ambrósio e Santo Agostinho.
2. Leão XIII diz em
sua encíclica Divinum illud munus: “Haec praesentia est totius Trinitatis,
attamen de spiritu sancto tanquam, pecullaris praedicatur”.
3.Cf. Santo Tomás,
IIIª, q. 3, a. 5, ad 2.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Antes de postar seu comentário sobre a postagem, leia: Todo comentário é moderado e deverá ter o nome do comentador. Comentário que não tenha a identificação do autor (anônimo), ou sua origem via link e ainda que não tenha o nome do emitente no corpo do texto, bem como qualquer tipo de identificação, poderá ser publicado se julgar pertinente o assunto. Como também poderá não ser publicado, mesmo com as identificações acima tratadas, caso o assunto for julga impertinente ou irrelevante ao assunto. Todo e qualquer comentário só será publicado se não ferir nenhuma das diretrizes do blog, o qual reserva o direito de publicar ou não qualquer comentário, bem como de excluí-los futuramente. Comentários ofensivos contra a Santa Madre Igreja não serão aceitos. Comentários de hereges, de pessoas que se dizem ateus, infiéis, de comunistas só serão aceitos se estiverem buscando a conversão e a fuga do erro. De indivíduos que defendem doutrinas contra a Verdade revelada, contra a moral católica, de apoio a grupos ou ideias que contrários aos ensinamentos da Igreja, ao catecismo do Concílio de Trento, ferem, denigrem, agridem, cometem sacrilégios a Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, a Mãe de Deus, seus Anjos, Santos, ao Papa, ao clero, as instituições católicas, a Tradição da Igreja, também não serão aceitos. Apoio a indivíduos contrários a tudo isso, incluindo ao clero modernista, só será publicado se tiver uma coerência e não for qualificado como ofensivo, propagador do modernismo, do sedevacantismo, do protestantismo, das ideologias socialistas, comunistas e modernistas, da maçonaria e do maçonismo, bem como qualquer outro tópico julgado impróprio, inoportuno, imoral, etc. Alguns comentários podem ser respondidos via e-mail, postagem de resposta no blog, resposta do próprio comentário ou simplesmente não respondido. Reservo o direito de publicar, não publicar e excluir os comentários que julgar pertinente. Para mensagens particulares, dúvidas, sugestões, inclusive de publicações, elogios e reclamações, pode ser usado o quadro CONTATO no corpo superior do blog versão web. Obrigado! Adm do blog.