"Deus, venerunt gentes in heriditatem tuam, polluerunt templum sanctum tuum, posuerunt Ierusalem in pomorum custodiam. "
Pe. João Batista de A.
Prado Ferraz Costa
Na travessia do mar tempestuoso desta
vida há católicos que infelizmente preferem ouvir o canto da Sereia ao canto da
Stella Maris, o canto da Senhora Soberana do céu e da terra. Certissimamente
vão naufragar porque se recusam a sofrer todas as humilhações que a Providência
Divina envia aos eleitos para purificá-los na demanda do reino do céu.
A vida do católico aqui na terra sempre
foi e será um esforço constante para não desertar do combate a ser travado sob
os estandartes de Cristo Rei contra o reino de Satanás e do Anticristo. É a
doutrina exposta e defendida pelos grandes teólogos e mestres da vida
espiritual com base na Sagrada Escritura. É a doutrina de Santo Agostinho na
monumental Cidade de Deus. Em
um regime de cristandade, em um estado confessional católico, onde as
autoridades políticas se empenham em organizar a sociedade conforme a lei de
Deus, a luta contra os inimigos da salvação pode ser menos renhida, mas, mesmo
assim, a vida do católico será sempre uma luta.
Desgraçadamente, a partir do Vaticano II
semelhante concepção da vida católica como um combate foi sendo deixada de lado
para ser finalmente substituída pelo mito do diálogo. Não o diálogo como sempre
o entendeu toda a tradição desde a antiguidade, como, por exemplo,um Platão.
Não o diálogo como uma investigação de pessoas que, tendo os mesmos princípios
e valores, se unem em um esforço comum para chegar à solução de um problema ou
sanar uma dúvida que aflige a todos. Mas um diálogo de céticos desesperados e
contraditórios que, não vendo sentido em nada, se unem apenas no afã de
descobrir uma regra geral de como compartilhar melhor as alegrias e penas de
uma vida efêmera. Sinceramente, acho que não há exagero nestas palavras.
Foi assim que deixando de lado o hino
Stella Maris, muitos católicos passaram a ouvir e a cantar o canto da Sereia e
abraçaram os ídolos dos tempos modernos: democracia, liberdade, igualdade de
oportunidades, direitos humanos. E agora vêem-se até defrontados com a
necessidade de dialogar sobre questões que a princípio pode causar-lhes alguma
repugnância mas terão de engolir se não quiserem receber a pecha de
fundamentalistas. Refiro-me aos tópicos constantes da agenda da nova ordem
mundial: direitos reprodutivos e sexuais da mulher, aborto, “casamento
homossexual”, ideologia do gênero etc.
Com efeito, desprezando a Virgem
Prudente, a Sede da Sabedoria, e ouvindo a Sereia, não puderam ou não quiseram
esses católicos que agora naufragam e estão consternados com a recusa do nome
do jurista Ives Gandra para o Supremo Tribunal Federal, não puderam ou não
quiseram entender que o mundo pós-moderno, herdeiro de todos os erros
condenados pelo magistério tradicional da Igreja, não dá mais lugar a quem
queira defender nas instâncias públicas valores morais baseados em princípios metafísicos
ou teológicos. Não quiseram reconhecer que mais cedo ou mais seriam alijados
por seus companheiros de viagem a quem adulavam ao mesmo tempo que zombavam dos
católicos tradicionalistas taxados de fundamentalistas e cismáticos.Foram
merecidamente devorados pelo grande monstro, pelo Leviatã moderno, chamado
democracia laica ou secular, ao som do canto da Sereia, enquanto os católicos
fiéis à tradição da Igreja escapam do naufrágio, escapam de ser comidos pelo
monstro ou tragados pelo dilúvio porque preferem ser marginalizados, preferem
ficar de fora, cantando Stella Maris e rezando o santo rosário.
O grande imperador Filipe II dizia
“prefiro não reinar a reinar sobre hereges.” Palavras de grande valor moral,
palavras de espantosa atualidade. Realmente, que pode fazer um rei católico em
um país de hereges? Que pode fazer hoje um governante católico quando as
famílias estão desestruturadas e as instituições completamente aparelhadas por
bandidos revolucionários?
Que bem poderá fazer hoje um juiz
católico na suprema corte? Certamente bem pouco para não dizer nenhum.
As palavras de Filipe II me convencem
ainda mais de como estão errados os príncipes e monarquistas que sonham com a
restauração do trono a qualquer custo. Que vale uma monarquia oca, uma monarquia
cerimonial? Conta-se que o Conde de Chambord, prejudicado pelo ralliement de Leão XIII, teria dito que se
tivesse cingido a coroa da França, não o teriam deixado governar porque não
transigiria nos princípios fundamentais da política católica.
Do mesmo modo, que bem poderá fazer hoje
um jovem sacerdote que aspire ao episcopado? Uma vez no governo de uma diocese,
quanta resistência dos modernistas e dos progressistas da teologia da
libertação não encontrará? Realmente, esses tais que aspiram ao episcopado não
sabem a cruz que pedem. Uma cruz talvez não para a salvação mas para a própria
condenação. Não se trata de recusar o exercício da autoridade por comodismo,
por falta de fortaleza, mas de com prudência examinar as circunstâncias e
reconhecer que hoje, como está a sociedade, não há lugar para homens de bem no
governo. A sociedade está reduzida a uma quadrilha de bandidos e degenerados.
As instituições faliram.
As palavras de Filipe II me fazem ver
também como estão errados os leigos e clérigos que correm atrás de títulos
nobiliárquicos e honoríficos. A dignidade de um título se mede pelo valor de
quem o confere. Ser nomeado cavaleiro por um grande monarca sem dúvida é um
notável galardão. Ser nomeado monsenhor por um santo papa também. Mas hoje tudo
isso é impossível.
As palavras de Filipe II, eu as aplico
também para ilustrar a situação da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Há
católicos “conservadores” ou linha média que desejam um acordo da Fraternidade
com o Vaticano de Francisco I, fazem campanha para que ela tenha reconhecimento
canônico de direito pontifício. Que bem poderá fazer a Fraternidade uma vez
reconhecida? Muito mais nobre será sofrer o labéu de ter sido esbulhada nos
anos setenta da sua estrutura canônica do que agora obter a qualquer custo um
reconhecimento. Muito mais nobre será agora pedir ao Vaticano que declare nula
a supressão canônica ao tempo de Paulo VI do que estudar agora a viabilidade da
ereção de uma prelazia pessoal.
Conta-se que o Patriarca José Bonifácio
recusou o título de marquês de Santos, por discordar das atitudes de Dom Pedro
I. Este, para desfeiteá-lo, agraciou sua favorita Domitila com o título de
marquesa de Santos. O grande Joaquim Nabuco, embora também monarquista, recusou
um título de visconde que lhe oferecia Dom Pedro II. Ambos são exemplos de
autêntica nobreza não titulada.
A sociedade corrompeu-se a tal ponto
hoje, que os verdadeiros católicos, se não quiserem trair sua consciência e sua
fé, não podem mais esperar cargos e honrarias das altas esferas. Todos estamos
assistindo perplexos aos desafios à autoridade do presidente dos EUA, que está
longe de ser um estadista defensor dos valores tradicionais. Serve apenas para
demonstrar o descontentamento de uma grande parcela da opinião pública. Não se
sabe ainda como terminará a história.
Se nos Estados Unidos, onde o povo é
mais culto e a sociedade bem mais organizada que a nossa, a situação é
calamitosa, que dizer do Brasil depredado pelo lulopemedemismopetista e pela
teologia da libertação?
Só nos resta rezar, só nos resta pedir o
socorro da Estrela do Mar, bem longe da Sereia. Só nos resta salvar nossas
famílias e pequenas comunidades.
Deus, venerunt gentes in heriditatem
tuam, polluerunt templum sanctum tuum, posuerunt Ierusalem in pomorum
custodiam. (Ps. 78)
Anápolis, 8 de
fevereiro de 2017.
Festa de São
João da Mata
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