Pe. João Batista de A. Prado
Ferraz Costa
O benemérito
periódico italiano SI SI NO NO, em seu número de 15 de janeiro
último, publicou uma importante matéria com o título Idéias claras sobre o
magistério, que vale a pena resenhar para o leitor brasileiro, dada a
atualidade do assunto.
Diz o referido
artigo de Si
SI NO NO que ultimamente apareceram vários artigos que, com o
propósito de defender o magistério tradicional da Igreja, ou exageraram-lhe o
alcance, fazendo-o um absoluto (erro por excesso) ou quase que o aniquilaram,
negando-lhe a função de interpretar a Tradição e a Sagrada Escritura (erro por
defeito). Recorda o artigo que o magistério é um múnus da Igreja e um
instrumento de que ela se
utiliza com autoridade para propor aos fiéis a
Revelação Divina. O magistério não está acima da Igreja como se diante dele não
houvesse o enorme monumento da Tradição a ser recebido, interpretado e
transmitido integralmente e fielmente. Recorda também que o fiel atinge as
verdades da fé não diretamente, mas mediante o magistério.
Quanto à questão
do valor teológico do Vaticano II, o artigo de SI SI NO NO diz
que para bem esclarecê-la é preciso ter presente a doutrina católica sobre o
magistério, a qual o divide em solene e ordinário, sendo que o solene se
subdivide em conciliar e pontifício e o ordinário em universal e pontifício. O
artigo cita o teólogo alemão Alberto Lang, que diz que não reveste nenhuma
importância essencial o fato que os bispos exerçam o seu magistério de
modo ordinário e universal ou exerçam o seu magistério de modo solene reunidos
em concilio ecumênico convocados pelo papa. Em ambos os casos são infalíveis
somente se, em acordo entre si e com o papa, anunciam uma doutrina de modo
definitivo e obrigatório. Ou seja, para a infalibilidade o modo de ensinamento
ordinário ou extraordinário é acidental e secundário; o que é principal é a
vontade de definir e obrigar a crer uma verdade de fé e moral.
Quanto à definição dogmática, o artigo
explica que é a definição pela Igreja de que uma verdade é revelada e como tal
deve obrigatoriamente crer-se. Tal definição pode ser feita seja pelo
magistério ordinário seja pelo magistério extraordinário ou solene quanto ao
modo. Entretanto, o artigo faz observar que, se o magistério ordinário pode
definir infalivelmente um dogma formal, não significa que ele seja sempre
infalível e que todos seus pronunciamentos sejam uma definição dogmática;
sê-lo-á só se o papa quiser definir uma verdade como de fé revelada e obrigar a
crê-la para a salvação eterna. O artigo faz observar ainda que a infalibilidade
pressupõe, com efeito, da parte do magistério, a vontade de definir e
obrigar a crer como revelada uma verdade contida no depósito da fé: a Sagrada
Escritura e a Tradição.
No que concerne
ao magistério conciliar, o artigo de SI SI NO NO explica que
o seu ensinamento é infalível somente se quiser definir e obrigar a crer uma
verdade de fé. De modo que nem tudo que é magistério conciliar extraordinário é
infalível. Recorda o artigo que a constituição Pastor Aeternus do
Vaticano I ensina que o papa é infalível quando fala ex cátedra, isto é,
quando, cumprindo o oficio de pastor e doutor de todos os cristãos, em virtude
da sua suprema autoridade apostólica, define uma doutrina sobre a fé a moral,
que deve ser acolhida por toda a Igreja. Portanto, as condições para que haja
um pronunciamento infalível do magistério pontifício são quatro: 1) que o papa
fale como doutor e pastor universal; 2) que use da plenitude da sua autoridade
apostólica; 3) que manifeste claramente a vontade de definir e de obrigar a
crer; 4) que trate assunto de fé ou de moral. Diz o artigo que o ponto
fundamental é a terceira condição, isto é, a manifestação da intenção de
definir e obrigar a crer; deve estar claro que o papa quer definir ( de modo
ordinário ou extraordinário) uma verdade a ser crida obrigatoriamente como
divinamente revelada.
Explica igualmente o esclarecedor artigo
que o concílio Vaticano I não declarou em que condições um concílio ecumênico é
infalível. Mas diz que, por analogia com o magistério pontifício se pode
afirmar que as condições são as mesmas. Assim como o papa, o concílio tem
também a faculdade de ser infalível, mas pode usá-la ou não, à sua vontade. O
artigo cita São Roberto Belarmino, o qual diz que só com base nas palavras do
concílio se pode saber se os seus decretos são propostos como infalíveis, de
maneira que, quando as expressões a respeito não são claras, não é certo que a
doutrina enunciada seja de fé, e, se não é certo, não há obrigação de crer.
Em seguida SI
SI NO NO aplica ao problema do Concílio Vaticano II os princípios e
critérios explanados acima. Diz que o Vaticano II não usou a prerrogativa da
infalibilidade. Em nenhuma ocasião os padres conciliares tiveram a vontade de
definir e obrigar. Recorda que já na fase preparatória do concílio João XXIII
tinha declarado que o concilio não definiria uma verdade a crer, mas teria
apenas um caráter pastoral. Afirma o artigo que só nos lugares em que repetiu o
que a Igreja já tinha definido ou constantemente ensinado o Vaticano II foi
infalível de
facto. Pois o magistério ordinário, efetivamente, comporta a
infalibilidade também por sua constância no ensinamento de um ponto doutrinal.
Caso contrário, a Igreja induziria a erro. Para ilustrar tal doutrina, o artigo
cita a letra apostólica Tuas libenter do beato Pio IX, bem como o
teólogo padre Aldama que diz: “ Se em uma longa e ininterrupta série de
documentos ordinários concernentes a um mesmo ponto os papas e a Igreja universal
pudessem enganar-se, as portas do inferno teriam prevalecido contra a Esposa de
Cristo.
Depois, o artigo
desenvolve o problema da possibilidade excepcional do erro em atos do
magistério e a suspensão do assentimento. Diz o artigo que o simples fato de os
documentos do magistério se dividirem em infalíveis e em não infalíveis deixa
aberta, em tese, a possibilidade de erro em qualquer dos documentos não
infalíveis, os quais podem excepcionalmente “falhar”justamente porque não
infalíveis. Tal conclusão – afirma o artigo – impõe-se em virtude de um
principio metafísico enunciado por Santo Tomás: quod possibile est non
esse, quandoque non est, ou seja, aquilo que pode não ser
(infalível), às vezes não é (infalível). Daí infere Si Si No No que
se, em via de princípio, num documento pontifício pode haver erro pelo fato de
que não foram observadas as quatro condições da infalibilidade, deve dizer-se o
mesmo a propósito dos documentos conciliares quando não observam as mesmas
condições.
De modo que, se houver uma oposição
precisa entre o texto de uma encíclica ou de um documento conciliar e outros
testemunhos da tradição apostólica, será lícito – diz o artigo – ao fiel douto
que tenha estudado acuradamente a questão suspender ou negar o seu assentimento
ao documento papal. Tal é a doutrina dos teólogos mais respeitados.
Em seguida, o
artigo desenvolve um tema de capital importância: a relação entre Tradição e
magistério. Afirma que a função do magistério é mediar o ensinamento divino,
respondendo às necessidades do tempo, mas sempre se vinculando à Tradição
recebida e portanto já transmitida. Não se trata de fazer viver uma fé nova,
mas de transmitir e reiterar de maneira adequada e aprofundada até o fim do
mundo a única fé pregada por Cristo e pelos apóstolos contida na Escritura e na
Tradição. Diz o artigo: “Desta transmissão do depósito da fé está ausente
qualquer sombra de contradição entre verdades antigas e novas e o
desenvolvimento ou aprofundamento deve ocorrer no mesmo sentido e no mesmo
significado.(…) Não há tradição, não subsiste verdade católica onde se acha
contradição, contrariedade ou concorrência entrenova et vetera.”
O artigo afirma também, como aliás o tem
sublinhado mons. Gherardini, a continuidade entre duas doutrinas para ser real
e não só verbal deve comportar uma continuidade homogênea, que exclui qualquer
alteração substancial, qualquer diversidade ou novidade heterogênea, ainda que
só parcial.
O artigo de SI
SI NO NO menciona como exemplo de ruptura com a doutrina tradicional
da Igreja da constituição conciliar Dei Verbum sobre as
fontes da Revelação. Com razão recorda o artigo que o esquema da comissão
preparatória do Vaticano II a começar do título do documento De
fontibus revelationis reiterava a doutrina tradicional da Igreja
sobre as duas fontes da revelação (Tradição e Sagrada Escritura), mas foi
rejeitado para aguar o peso da tradição em vantagem da só Escritura em vista do
diálogo ecumênico. Explica o artigo que com o Vaticano II não se fala mais de
“dupla fonte” e mede-se a tradição com base na Escritura: tudo que não é
escrito não pode ser tido como revelado. Em poucas palavras, foi rejeitada a
doutrina comum e definida da insuficiência da só Escritura em comparação
com a Tradição. E diz ainda o artigo: “Enquanto, com o concílio de Trento e o
Vaticano I, a tradição era acolhida porque proveniente de Jesus e dos
Apóstolos, com o Vaticano II (DV) é acolhida se os teólogos lhe reconhecem esta
proveniência fundando-se sobre a Sagrada Escritura.”
Explanando ainda o tema da relação entre
Tradição e Escritura, o artigo com muita felicidade faz observar que a tradição
é muito mais rica que a só Escritura na medida em que é mais antiga e aclara
melhor verdades contidas na Escritura ou ainda complementa a Escritura
transmitindo verdades não contidas na Bíblia, como, por exemplo, a prática de
batizar os recém-nascidos.
Para remate
desta resenha desejaria acrescentar que me parece uma grande contradição dos
defensores da impecabilidade doutrinal do Vaticano II querer afirmar a absoluta
justeza desse concílio pastoral quando o próprio concílio, na Dei
Verbum, reduz a inerrância da Sagrada Escritura à verdade salvífica,
contradizendo também aí a tradição da Igreja. Ora, se se admite a possibilidade
de erro na Bíblia, por que não admiti-la também no mais controvertido concílio
da história da Igreja?
Anápolis, 15 de fevereiro de
2012.
Festa
de Santos Faustino e Jovita, mártires
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Antes de postar seu comentário sobre a postagem, leia: Todo comentário é moderado e deverá ter o nome do comentador. Comentário que não tenha a identificação do autor (anônimo), ou sua origem via link e ainda que não tenha o nome do emitente no corpo do texto, bem como qualquer tipo de identificação, poderá ser publicado se julgar pertinente o assunto. Como também poderá não ser publicado, mesmo com as identificações acima tratadas, caso o assunto for julga impertinente ou irrelevante ao assunto. Todo e qualquer comentário só será publicado se não ferir nenhuma das diretrizes do blog, o qual reserva o direito de publicar ou não qualquer comentário, bem como de excluí-los futuramente. Comentários ofensivos contra a Santa Madre Igreja não serão aceitos. Comentários de hereges, de pessoas que se dizem ateus, infiéis, de comunistas só serão aceitos se estiverem buscando a conversão e a fuga do erro. De indivíduos que defendem doutrinas contra a Verdade revelada, contra a moral católica, de apoio a grupos ou ideias que contrários aos ensinamentos da Igreja, ao catecismo do Concílio de Trento, ferem, denigrem, agridem, cometem sacrilégios a Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, a Mãe de Deus, seus Anjos, Santos, ao Papa, ao clero, as instituições católicas, a Tradição da Igreja, também não serão aceitos. Apoio a indivíduos contrários a tudo isso, incluindo ao clero modernista, só será publicado se tiver uma coerência e não for qualificado como ofensivo, propagador do modernismo, do sedevacantismo, do protestantismo, das ideologias socialistas, comunistas e modernistas, da maçonaria e do maçonismo, bem como qualquer outro tópico julgado impróprio, inoportuno, imoral, etc. Alguns comentários podem ser respondidos via e-mail, postagem de resposta no blog, resposta do próprio comentário ou simplesmente não respondido. Reservo o direito de publicar, não publicar e excluir os comentários que julgar pertinente. Para mensagens particulares, dúvidas, sugestões, inclusive de publicações, elogios e reclamações, pode ser usado o quadro CONTATO no corpo superior do blog versão web. Obrigado! Adm do blog.