Plinio
Corrêa de Oliveira
Catolicismo
Nº 22 - Outubro de 1952
"Não
queremos que Ele reine sobre nós!" "Não temos outro rei senão
César!" Eis os termos pelos quais os judeus repudiaram a Realeza de Nosso
Divino Salvador. E eis os termos segundo os quais ainda hoje se desenrola a
luta: "O inimigo é o paganismo da vida moderna, as armas são a propaganda
e o esclarecimento dos documentos pontifícios. O tempo da batalha é o momento
atual. O campo de batalha é a oposição entre a razão e a sensualidade, entre os
caprichos idolátricos da fantasia e a verdadeira revelação de Deus, entre Nero
e Pedro, entre Cristo e Pilatos. A luta não é nova; é novo, somente, o tempo em
que ela se desenrola" (Cardeal Pacelli em discurso ao Congresso dos Jornalistas
Católicos).
* * *
Mas não
são inimigos da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo somente os que se
confessam frontalmente contrários ao Seu plano de Redenção. Fazem coro
veladamente com essas vozes ímpias e renegadas, aqueles próprios católicos que
deformam as palavras do Divino Mestre perante Pilatos, quando declarou que Seu
Reino não é deste mundo ( Jo. 18, 36 ), emprestando-lhes sentido restritivo,
como se essa realeza fosse uma realeza exclusivamente espiritual, realeza sobre
as almas, e não uma realeza social sobre os povos, sobre as nações, sobre os
governos.
Quando
Nosso Senhor diz que Seu Reino não é deste mundo, esclarece o Cardeal Pie, é
para significar que não provém deste mundo, porque vem do céu, porque não pode
ser arrebatado por nenhum poder humano. Não é um reino como os da terra,
limitado, sujeito às vicissitudes das coisas deste mundo. Por outras palavras,
a expressão "deste mundo" se prende à origem da Realeza Divina e não
significa de maneira alguma que Jesus Cristo recuse à Sua Soberania um caráter
de reino social. De outro modo, se não passasse da órbita estritamente
espiritual ou da vida interna das almas, haveria flagrante contradição entre
essa declaração de Nosso Senhor e, entre outras, aquela em que Ele diz
claramente que "todo poder me foi dado no céu e na terra" ( Mat. 28,
18 ).
E, como
diz Soloviev, "se a palavra a propósito da moeda havia tirado a César sua
divindade, esta nova palavra lhe tira sua autocracia. Se ele deseja reinar
sobre a terra, não o pode fazer de seu próprio arbítrio: deve fazê-lo como
delegado d'Aquele a quem todo poder foi dado na terra".
* * *
Ora, uma
das principais características do espírito revolucionário, é justamente a
pretensão de realizar a divisão entre a vida religiosa e a vida civil dos
povos. Não é a vontade expressa de Deus que prevalece nas leis, como um ditame
da reta razão promulgado pelo poder legítimo no sentido do bem comum, mas a
expressão da maioria ou da vontade geral todo-soberana. Não se acha fora e
acima do homem a causa eficiente do bem comum, mas sim na livre vontade dos
indivíduos. Passa o poder público a ter sua primeira origem na multidão e, diz
Leão XIII, "como em cada um a própria razão é único guia e norma das ações
privadas, deve sê-lo também a de todos para todos no tocante às coisas
públicas. Daí que o poder seja proporcional ao número, e a maioria do povo seja
a autora de todo direito e obrigação" (Encíclica "Libertas").
Eis como
se repudia, na sociedade moderna, a intervenção de qualquer vínculo "entre
o homem ou a sociedade civil e Deus, Criador, e, portanto, Legislador Supremo e
Universal" (Doc. cit.).
Antes do
século XVIII, antes que a Revolução Francesa houvesse tiranicamente implantado
no mundo o artificialismo do "direito novo" revolucionário, todos os
países tinham instituições políticas e sociais baseadas na força dos costumes
cristãos, instituições que não haviam sido elaboradas por assembléias eleitas
pela burla da soberania do povo. Como diz Joseph de Maistre, "a
constituição civil dos povos não é jamais o resultado de uma deliberação".
Não deve ser um simples ato de vontade que nos dita a lei básica que nos há de
reger, mas sobretudo um preceito da reta razão que não pode desconhecer, e
muito menos ir contra o mandamento divino. Da lei eterna é que hão de dimanar
as leis humanas. Se se deixa ao arbítrio das eventuais maiorias ou da multidão
mais numerosa a lei que estabelece o que se há de fazer e omitir, eis, segundo
Leão XIII, preparada a rampa que conduz os povos à tirania.
Transferindo,
portanto, o direito de sua fonte natural que é a vontade de Deus expressa pela
lei natural e pela Revelação, das quais a Igreja é guardiã e intérprete
infalível, para os sectários que por golpes políticos se assenhorearam dos
corpos legislativos através da alquimia do sufrágio universal, o liberalismo
preparou o mundo moderno para as cadeias que o prendem ao Leviatan totalitário.
* * *
Não é
para admirar, portanto, que Napoleão se declarasse mais orgulhoso do Código que
traz o seu nome, que de suas vitórias como soldado. Consolidador da Revolução,
não o seria tanto nos campos de batalha, quanto ao codificar toda a enxurrada
de leis emanadas das assembléias revolucionárias. Cambacèrès e seus comparsas
põem um simulacro de ordem naquele caos de legislação racionalista, que apenas se
preocupa com as aparências da ordem natural, ignorando completamente a ordem
sobrenatural. Esse naturalismo já seria bastante para estabelecer a cisão da
legislação revolucionária com a lei eterna. Mas não são poucos os artigos do
Código Napoleônico que se acham em oposição frontal a Jesus Cristo e à Sua
Igreja.
O
cesarismo se manifesta pelo estabelecimento do "casamento civil",
pela permissão do divórcio, pelos atentados contra o patrimônio familiar nas
disposições sobre as sucessões e o direito de testar; pelo não reconhecimento
da existência das Ordens religiosas; pela recusa do direito que tem a Igreja de
adquirir e de possuir livremente. Mantém a supressão revolucionária das
corporações ou da liberdade de associação, afirma o falso princípio da igualdade
civil e política de todos os cidadãos, e é baseado nesse falso princípio que dá
mais um golpe de morte na instituição da família, ao prescrever a partilha
igual das heranças. E assim, através desse Código revolucionário, modelo da
legislação que seria adotada por todos os Estados modernos, Cristo Rei é banido
dos governos e das leis que regem os povos.
E é assim
que se pode dizer, com Blanc de Saint-Bonnet, que "o império foi o
coroamento do liberalismo, ou, por outras palavras, a instalação do cesarismo:
a mais perfeita substituição do homem a Deus, do Estado à Igreja, que jamais se
realizou fora do império romano, ou, se se preferir, do império otomano".
* * *
Eis a
porta aberta ao socialismo ao comunismo. Porque o liberalismo conduz fatalmente
ao comunismo, não por via de reação, como declamam certos sociólogos
improvisados, mas por sua própria essência, por suas próprias características.
Gerou ele o ateísmo, por seu desprezo pela fé, e pela liberdade desenfreada
concedida ao erro religioso e social. Em seguida, solapou a propriedade em sua
própria base pelo modo de tratar os direitos da nobreza, de desapropriar os
bens da Igreja, de dispor arbitrariamente do patrimônio familiar, de consentir
nos abusos da vida econômica e na exploração do homem pelo homem. Enfim, o
liberalismo instalou nos Estados a força brutal das massas, entregando o poder
de mãos e pés amarrados ao sufrágio universal. "Ora, o comunismo toma por
base o ateísmo, por fim a usurpação do capital, e por meio a força empregada
pelas massas" (Blanc de Saint-Bonnet, em "La Legitimité").
O ponto
geral de convergência de toda a obra revolucionaria, é, portanto a radical
negação do Reino social do Divino Salvador. "Não queremos que Ele reine
sabre nós!" "Não temos outro rei senão César!" Destarte, "o
erro dominante, o crime capital deste século é a pretensão de subtrair a
sociedade ao governo e à lei de Deus,... o princípio posto à base de todo o
moderno edifício social, é o ateísmo da lei e das instituições. Que ele se
disfarce sob os nomes de abstenção de neutralidade, de incompetência ou mesmo
de igual proteção, que se vá até contradizê-lo por algumas disposições
legislativas de detalhe ou por atos acidentais e secundários: o princípio de
emancipação da sociedade humana em relação à ordem religiosa permanece no fundo
das coisas; é a essência daquilo a que se dá o nome de tempos novos"
(Cardeal Pie, Oeuvres, t. 7).
Para não
desertar de sua fé, como membro da Igreja Militante, deve o católico, portanto,
lutar pela restauração do Reino de Cristo, como única via para a restauração da
verdadeira civilização, que é a civilização cristã, a cidade católica. E se
Jesus Cristo é Rei de toda a Criação, temos em Sua Mãe Santíssima a Rainha dos
céus e da terra. Diz São Luiz Maria Grignion de Montfort que foi pela
Santíssima Virgem que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por Ela que no
mundo deve reinar. Essa devoção à humilde Virgem Maria, tão desprezada pelos
orgulhosos inchados pela vã ciência do mundo, essa devoção se acha ligada de
modo tal a toda a doutrina católica, que se pode dizer que ela é o último elo
de uma cadeia de verdades cujo primeiro elo é o dogma de um Deus Criador, e é
esse último elo que retém a sociedade humana ameaçada de cair no abismo do
naturalismo e do comunismo. As mais graves questões, as mais vastas
conseqüências de ordem humana e social dependem desses artigos de fé, desses
pontos do dogma relegados para o interior dos santuários.
Neste mês do Rosário e da Festa
de Cristo Rei, façamos subir até o trono da Mãe de Deus as nossas ardentes
súplicas para que seja apressada para a humanidade sofredora a plena
restauração do reinado de Seu Divino Filho.
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