Francisco I continua muito festejado pela grande mídia mundial.
No Brasil, a propósito do bispo de Roma, chamam atenção as recentes resenhas
muito elogiosas de um livro a ser pblicado em breve sobre suas atividades como
provincial dos jesuitas em Buenos Aires em defesa dos perseguidos do regime
militar que salvou a Argentina da desgraça de ser cubanizada. Diz-se que o
padre Jorge Maria Bergoglio atuava mancomunado com o cardeal Arns
para ajudar os subversivos a fugir da repressão da ordem política.
Não vem ao caso discutir aqui se houve
exageros e violações das liberdades e garantias individuais durante a ditadura
militar argentina. O que não se pode negar é que era um governo que
cumpria um grave e doloroso dever de preservar a nação argentina de cair na
escravidão de um regime totalitário comunista, completamente
anticristão. Tampouco vale aqui a objeção de que aqueles
que combatiam a ditadura militar não defendiam o comunismo, mas
simplesmente queriam o restabelecimento do sistema democrático, porque
naquele contexto histórico a ameaça à segurança e à ordem era real e não havia
clima para eleições livres. Ademais, basta ver o desastre que ocorreu no Brasil
e na Argentina após o fim da ditadura. Vivemos o absolutismo petista que se
perpetuará no poder, por meio dessas cloacas democráticas que são as urnas.
O que me parece revoltante é uma
injustiça cometida por alguns jornalistas que se dizem católicos: nunca
disseram uma palavra em defesa da verdade histórica e da honra de Pio XII, que
atuou com coragem e prudência ajudando milhares de judeus inocentes a fugir dos
tentáculos de um regime satânico (este sim) como o nacional-socialismo de
Hitler. Não se diz nada em sua defesa porque era um papa de boa doutrina e
anticomunista. Mas para festejar Francisco I são insuficientes todas
as enpolgantes loas ao seu propósito de reforma da Igreja, de abertura à
cultura secular e diálogo com todas as religiões etc.
Li um livrinho precioso La
Iglesia en las encrucijadas de la historia, de Godefroid Kurth, (Santiago
de Chile, 1942), que me tem feito refletir sobre a crise da Igreja. O referido
filósofo da história mostra como a Igreja sempre venceu seus inimigos e
obstáculos não se deixando jamais enredar pelas forças políticas e culturais
dos sucessivos períodos históricos, a começar do próprio judaísmo. Diz ele que
houve então o perigo de a Igreja circunscrever-se ao mundo hebreu:
“Entre Israel reprobado, encerrado en su sinagoga, y el pueblo de Dios agrupado
alrededor de la Iglesia, nada hay en común(…).Hé aqui por qué Israel era un
obstáculo a la propagacion del Evangelio, por su pretensión a la hegemonia en
el Reino de Dios.” Depois, veio a tentação do Império Romano, depois, o
feudalismo com a querela das investiduras, depois o cesarismo com Felipe o Belo
e Bonifácio VIII e assim sucessivamente. E a Igreja
sempre sofrendo mas triunfando ao descortinar o seu futuro, no
cumprimento da missão que lhe confiou seu Divino Fundador.
Mas eis que chegamos ao drama dos nossos
dias: a Igreja se deixa atrelar e enfeudar ao cesarismo democrático, laico,
ateu, mundialista e maçônico da nova ordem mundial. Os famosos discursos
de Paulo VI na ONU (última esperança de paz para a humanidade!) e no
encerramento do concílio Vaticano II ( o culto do homem), a
atual tergiversação (ou aceitação silenciosa?) diante da prepotência dos
Estados em instituir uma legitimação das novas modalidades de
família, tudo isto evidencia um esgotamento das energias da cristandade
ante os desafios modernos e nos faz realmente pensar no que restará da Igreja
nos últimos tempos. Com efeito, a Igreja sucumbe ao cesarismo democrático: o
novo direito, o direito reduzido à vontade do homem (seja o rei absoluto ou o
povo “soberano”) que os papas sempre fulminaram agora passa a ser bem visto,
porque cada um tem a sua própria concepção de bem e de mal que deve ser
respeitada e conciliada na sociedade democrática para que haja a paz!
Quão diferente o magistério do glorioso
Papa Eugênio Pacelli, o imortal Pio XII! Em sua Carta Encíclica Summi Pontificatus (programa de seu abençoado reinado)
proclama seu ideal de combater sob a bandeira de Cristo Rei; louva os pactos
lateranenses que garantiram a incolumidade da Santa Sé (que então era,
realmente, uma respeitada e gloriosa corte pontifícia); reafirma a autoridade
da catedra de Pedro como depositária e mestra da doutrina sagrada; condena o
direito moderno ( renegada a autoridade de Deus e o império da sua lei – diz
Pio XII -, o poder civil tende a atribuir a si aquela absoluta autonomia que
compete ao Autor Supremo); por fim, recorda a nobre prerrogativa e missão do
Estado: “fiscalizar, auxiliar e ordenar as atividades particulares e
individuais da vida nacional em vista do bem comum.”
Bossuet escreveu a história das
variações do protestantismo. Romano Amério escreveu Iota Unum, historia das variações
da Igreja no século XX. A
conclusão não pode ser outra senão que a Igreja, desfigurada pelo liberalismo e
um falso ecumenismo, sofre um processo de protestantização radical. Um livre
exame se instala nos ambientes católicos. Pude testemunhar o que disse uma
distinta senhora, antiga aluna do Colégio Sion dos anos trinta, ao comparar o
que diz a Igreja hoje com o que dizia antigamente: cada papa disse o que quis!
As consequências de tal percepção de uma perda de estabilidade e continuidade
doutrinária da Igreja são desastrosas para a guarda da fé.
Vê-se hoje que as pessoas se consideram
completamente autônomas, não querem mais dar satisfação a ninguém. Cada homem
se considera um César! Tudo isto em grande medida por causa da abertura da
Igreja ao mundo moderno.
Roguemos, pois, neste tempo do Advento,
em que não só preparamos para a Solenidade do Natal, a graça de meditar sobre a
morte, sobre o juizo e sobre a infelicidade do homem sem Deus.
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