Statutum est
hominibus semel mori; post hoc autem iudicium — “Está decretado que os homens
morram uma só vez, e que depois venha o juízo” (Hebr. 9, 27).
Sumário. É utilíssimo
para a salvação eterna dizermos muitas vezes conosco: “Hei de morrer um dia”; e
entretanto escolhermos nos negócios da vida o que na hora da morte quiséramos
ter feito. Com efeito, meu irmão: nesta terra um vive mais tempo, outro menos;
mas mais cedo ou mais tarde, para cada um chegará o fim e então nada nos
consolará senão o havermos amado Jesus Cristo e o termos padecido por seu amor
e com paciência as dificuldade da vida presente.
I. É utilíssimo para a salvação eterna
dizermos muitas vezes conosco: Hei de morrer um dia. A Igreja
lembra-o todos os anos aos fiéis no dia de Cinzas: Memento, homo, quia
pulvis es et in pulverem reverteris — “Lembra-te, ó homem, que és
pó e em pó te hás de tornar.” Mas no correr do ano a lembrança da morte nos
é sugerida freqüentíssimas vezes, ora pela vista de um cemitério à beira da
estrada, ora pelas campas que vemos nas igrejas, ora pelos defuntos que são
levados à sepultura. — Os objetos mais preciosos que os anacoretas guardavam
nas suas grutas eram uma cruz e uma caveira: a cruz para se lembrarem do amor
que nos teve Jesus Cristo e a caveira para não se esquecerem do dia da sua
morte. Assim é que perseveraram na sua vida de penitência até ao termo de seus
dias. Morrendo pobres no deserto morreram mais contentes do que morrem os
monarcas em seus palácios régios.
Finis venit, venit
finis (1) — “O fim vem, vem o fim!” Nesta terra uns vivem mais
tempo, outros menos; porém, mais cedo ou mais tarde, para cada um chegará o fim
da vida, e nesse fim, que será a hora da nossa morte, nada nos dará consolo,
senão o termos amado Jesus Cristo e o termos padecido com paciência, por amor
d'Ele, as penalidades desta vida. Então nenhum consolo poderão dar-nos, nem as
riquezas adquiridas, nem as dignidades possuídas, nem os prazeres gozados.
Todas as grandezas terrestres não somente não consolarão os moribundos, antes
lhes causarão aflições. Quanto mais as tiverem procurado, tanto mais lhes
aumentará a aflição. Soror Margarida de Sant´Anna, carmelita descaça e filha do
imperador Rodolfo II dizia: Para que servirão os reinos do mundo na
hora da morte?
Ah! Meu Deus, dai-me luz e dai-me força
para empregar o tempo de vida que me resta em Vos servir e amar! Se tivesse de
morrer neste instante, não morreria contente, morreria com grande inquietação.
Para que, depois, esperar? Esperarei por ventura até que a morte me surpreenda,
com grande perigo para a minha eterna salvação? Se nos tempos passados tenho
sido tão insensato, não o quero ser mais. Dou-me inteiramente a Vós; aceitai-me
e socorrei-me com a vossa graça.
II. Não há que ver; para cada um
chegará o fim da vida, e com este fim o momento que decidirá da nossa
eternidade feliz ou infeliz: O momentum a quo pendet aeternitas! Oxalá,
todos pensassem nesse grande momento e nas contas que então deverão dar ao
divino Juiz acerca de toda a vida! De certo, não se preocupariam tanto com
acumulação de dinheiro, nem se afadigariam para serem grandes nesta vida, que
deve findar; senão pensariam em tornar-se santos e em ser grandes na vida que
nunca mais terá fim.
Se portanto temos fé e cremos que há
uma morte, um juízo e uma eternidade, procuremos viver tão somente para Deus
durante o tempo de vida que ainda nos resta. Por isso, vivamos quais peregrinos
nesta terra. Lembrando-nos de que em breve a teremos de deixar. Vivamos sempre
com o pensamento fito na morte e nos negócios da vida presente, prefiramos
sempre o que na hora da morte quiséramos ter feito. As coisas da terra nos
deixam ou nós havemos de deixá-las. Escutemos o que nos diz Jesus Cristo: Thesaurizate
vobis thesauros in coelo, ubi neque aerugo neque tinea demolitur (2) —
“Ajuntai para vós tesouros no céu, onde não os consome a ferrugem nem a
traça”. Desprezemos os tesouros terrenos, que não conseguem contentar-nos e
em breve perecerão e procuremos ganhar os tesouros celestes, que nos farão
felizes e nunca poderão acabar.
Ó meu Senhor, ai de mim, que por amor
às coisas deste mundo Vos tenho tantas vezes virado às costas, a Vós, ó Bem
infinito! Reconheço que fui insensato procurando ganhar no mundo grande
reputação e fazer grande fortuna. De hoje em diante não quero para mim outra
fortuna senão a de Vos amar e de cumprir em tudo a vossa santa vontade. Ó meu
Jesus, arrancai de meu coração o desejo de fazer figura, fazei que eu ame os
desprezos e a vida oculta. Dai-me força para me negar tudo o que não Vos
agrada. Fazei que aceite com paz as enfermidades, as perseguições e todas as
cruzes que me enviardes. Por vosso amor quisera morrer abandonado de todos,
assim como Vós morrestes por meu amor. Ó Virgem Santa, as vossas orações me
podem fazer achar a verdadeira fortuna, que consiste em amar muito o vosso
divino Filho; por favor, rogai por mim, em vós confio. (II 261.)
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1. Ez. 7, 2.
2. Matth. 6, 20.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações:
Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento
até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 140 - 143)
LINK PARA POSTAGEM: http://www.saopiov.org/2013/01/hei-de-morrer-um-dia.html#ixzz2qO3Om3Dy
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