Um leitor amigo
telefonou-me hoje com palavras de compreensão e encorajamento. Graças a Deus
não são poucos os telefonemas desta espécie. Mas hoje, creio que pela primeira
vez senti a necessidade de assinalar a presença de uma posição prévia que
freqüentemente marca essas manifestações sobre os conflitos em questão. Sim,
hoje, numa espécie de retrospecção multiplicada, como se tivesse em mim
acionado às avessas um computador, observo uma constante nessas comunicações de
meus leitores amigos e correligionários. Muitos se queixam do público
dilaceramento da Igreja, dos debates entre irmãos da mesma Fé que, no calor da
controvérsia, podem chegar a ferir a Caridade e apresentar a triste figura da
Igreja ferida em sua unidade. Não, caro leitor amigo e correligionário, os
artigos de luta que venho mantendo em público, abertamente, sem nenhum disfarce
e sem nenhuma precaução especial no arredondamento das frases, não tem por
objeto as divergências dos Irmãos na Fé e sim as injúrias feitas à Igreja pelos
seus INIMIGOS. Não sou eu quem pretende sondar o foro íntimo para dizer quem
pertence à Igreja e quem está fora dela como inimigo a destruí-la; são eles
mesmos que fazem questão de assim se caracterizarem, sem nenhum equívoco e de
quase nos forçar a dar-lhes crédito. Escrevo sobre o que escrevem e falam, ou o
que deles alardeiam os seus vastos meios de comunicação, e não hesito um
segundo em dizer que aceito o combate e que me considero INIMIGO e não apenas
um irmão na Fé, com amenas divergências.
Bem quisera, bem quisera freqüentemente entreter-me aqui da
grandeza e da beleza das coisas de Deus; ou até
entreter-me em discussões vivas, mas realmente amistosas, sobre reais e
dolorosas divergências que me separa de
alguns irmãos na Fé. Preferiria o debate elevado e sempre inspirado pela santa
Caridade, que tem como primeira exigência o amor da verdade. Muitas vezes me
entretenho com amigos sobre todos os assuntos que tocam a sagrada doutrina, e
não tenho hoje mais feliz passatempo. Mas a sinistra realidade é a do combate
público, escandaloso, que o inimigo faz à Igreja, e que, portanto, nos impõe.
Volvo quase um século, para
lembrar a primeira lição de catecismo recebida de minha mãe. Creia-me o leitor
ou não, mas o fato é que realmente me lembro. Suspendendo a esferográfica um
instante, revi esse momento que peço a Deus rever na hora de minha morte: eu
pequenino, nos joelhos de minha mãe, aprendia o Pelo Sinal. Segurava-me ela a
mão e, com meu pequenino polegar, fazia o sinal iniciador da vida católica,
repetindo as palavras: PELO SINAL DA SANTA CRUZ, LIVRAI-NOS DEUS NOSSO SENHOR,
DE NOSSOS INIMIGOS, EM NOME DO PAI, DO FILHO, E DOS ESPÍRITO SANTO.
Hoje, depois de um século
de empulhamentos e do triunfal aggiornamento trazido por uma apoteose de equívocos,
querem nos inculcar a amolecida idéia de um cristianismo sem combate, sem
inimigos e, por via de conseqüência, sem necessidade do Sinal da Cruz. Ouso
dizer que a paz mundial, a paz terrestre, a paz feita de bem-estar e do
comodismo, etc...constitui uma das principais preocupações do Demônio. Muito
melhor do que nós, ele sabe que a obsessão desse cuidado nos leva ao abandono
de qualquer ideal de Bem e de Verdade, e diverte-se em saber também que esse é
o caminho da mais espantosa explosão de inimizades que o mundo conhecerá. Por
mim, confesso que me apavoro, quando sinto o horror que esta simples palavra
provoca nesta atualidade costurada de ecumenismos, cursilhos, diálogos e demais
retalhos da fantasia dopada. Uma vez, conversando com um general, usei
inadvertidamente este vocábulo: “os nossos INIMIGOS”, e
ouvi esta afetuosa observação: Professor, eu prefiro o termo
adversário...Calei-me aterrado. Se os padres e os militares não sabem mais o
que é o “inimigo”, quem o saberá? Porque, na verdade, as duas instituições que
devem ter a viva noção desta entidade, são realmente a Igreja e o Exército.
Aqui no Brasil, as desavenças acaso ocorridas entre essas duas instituições se
explicam umas vezes pelo fato de não serem “da Igreja” aqueles que em nome dela
pretendem falar, outras vezes pelo fato de não saberem, os homens da Igreja,
que o Exército, de 64 até hoje luta a seu lado contra o inimigo comum.
Imagino que nesta altura meu leitor esteja a revolver as idéias
que aprendeu sobre a Caridade, Evangelho, Perdão e outras grandes noções que
auriu no regaço da Igreja. Sendo estudioso, lembra-se que o Concílio de Trento
trouxe esta definição lapidar: A Igreja Militante é aquela parte de seus
membros (ainda na Terra) que luta contra três cruéis Inimigos: o Diabo, o Mundo
e a Carne.
Mas meu leitor também se
lembrará de uma palavra de Cristo: Mas eu vos digo amareis vossos inimigos...
“Meu Deus, como conciliar tantas idéias aparentemente opostas?! Como poderei
amar se devo combater? Respondeu dizendo: combatendo! Porque esta é a melhor
forma de Caridade a que ele tem direito. Por incrível que pareça são os
pacifistas que pecam contra a Caridade quando querem que todos se unam e se
misturem na mesma indiferença em relação à Verdade e ao Bem. Sim, não há mais
odioso pecado contra a Caridade do que a amável condescendência com que
permitimos e colaboramos com a permanência no erro e no mal. Não fazer questão
de incomodá-lo, de combatê-lo, de tirá-lo da sua tranqüilidade no erro e no
mal, é fazer uma das obras prediletas do Demônio.
O Globo, 25-7-74
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