Há duas pústulas que corroem o
organismo da Igreja em nossos dias: o biblismo pentecostal e o legalismo
farisaico.
Sem nenhuma formação doutrinária,
um grande número de católicos se põe hoje a ler a Sagrada Escritura livremente,
reduzindo-a a livro de auto-ajuda, a instrumento de falso profetismo e
pseudomisticismo. Quantos católicos hoje tomam decisões imprudentes dizendo-se
inspirados por passagens bíblicas? Além disso – o que é pior – julgam e
interpretam a Bíblia pela própria Bíblia e por suas preferências pessoais. Não
sabem que a Sagrada Escritura tem de ser lida conforme a tradição. Que a Bíblia
não se explica sem a tradição. Não sabem que a regra da fé é a tradição e que,
mesmo se não houvesse Bíblia, haveria a verdadeira Igreja de Deus ensinando a
doutrina sagrada e oferecendo o verdadeiro sacrifício.
Para aumentar todo esse caos
eclesiástico, para graduar toda essa ignorância e dar-lhe um ar de ciência,
estão ai diversos cursinhos bíblicos. O resultado disso tudo é a ignorância
presunçosa com fumos de erudição. Com um certificado nas mãos, com alguns
conceitos confusos na mente, um jaleco com as insígnias de algum ministério,
muitos se sentem doutores cobertos das honras e galas da oficialidade. E
começam a pontificar citando documentos e cânones. São cegos e guias de cegos.
Vêem mas não vêem. Vêem aparências mas não vêem a realidade. Vêem a letra da
lei mas não vêem o espírito da lei. E caem todos no precipício do legalismo
farisaico. Em conseqüência disso, a lei da Igreja, como qualquer lei emanada da
reta razão, promulgada pela autoridade legitima com vista ao bem comum –
conforme ensinam os melhores tratadistas –, se torna uma coisa odiosa por
servir de instrumento para a injustiça.
Conta-se que o picaresco Jânio
Quadros, logo que assumiu a Presidência da Republica, deu um passeio pela
cidade de Brasília e quando chegou ao Setor de Embaixadas viu algumas tabuletas
indicando alguns terrenos vagos reservados às futuras embaixadas dos Paises
Bálticos então ocupados pela União Soviética. Ficou frenético, teve um
surto e decretou de imediato: “Arranquem essas placas. Esses paises não existem
mais.”
Louco, como dizem, é aquele que
perdeu tudo menos o uso da razão. Jânio era coerente em suas maluquices e
manias. Condecorou Che Guevara. Os modernistas condecoram Obama com o título de
doutor horroris causa e nomeiam o abortista Jacques Chirrac
cônego da Basílica de São Pedro, revelando assim o que pensam mas não têm
coragem de dizer abertamente.
Jânio era famoso também por seus
preciosismos gramaticais. Sabia na ponta da língua os arcanos da morfologia, os
cânones da sintaxe, as minuciosas regras da colocação pronominal e
concordância. Mas os melhores críticos são unânimes em afirmar que Jânio estava
longe de ser um bom escritor. Cultivava a gramática pela gramática. Era incapaz
de julgar a qualidade de um texto literário à luz de um critério superior. Não
havia assimilado o gosto da boa literatura. Ou melhor, não a conhecia de fato.
Não era um homem da tradição.
De maneira que podemos dizer que
Jânio merece a honra de ser chamado patrono do biblismo pentecostal e do
legalismo farisaico. Aqueles que lêem a Bíblia sem o critério da tradição, sem
a luz do magistério perene da Igreja, podem invocá-lo como seu protetor. Jânio
dizia: “Fi-lo porque qui-lo”. Os adeptos do biblismo pentecostal podem
imitá-lo: “Li a Bíblia como qui-lo”. Jânio era um homem de imaginação
fértil. Falava e agia precipitadamente mais movido pela imaginação que pelo
entendimento. Renunciou à Presidência da República alegando forças ocultas que
só existiam na sua imaginação. Assim também os adeptos do biblismo pentecostal
agem e afirmam coisas que atribuem à Bíblia mas só existem na sua imaginação.
Vêem o demônio e a maçonaria por toda parte. São incapazes de combater o
erro com objetividade. São incapazes de estudar a sério a doutrina sagrada,
viver guiados pela verdade. Sem nenhum critério, sem nenhum reparo, advertência
ou consideração de ordem superior, vão da fantasia à língua, sem passar
pela razão, dizendo todo tipo bobagem e injustiça em assunto que exige suma
gravidade. São incapazes de formular um juízo de valor sobre os acontecimentos.
Mas os méritos de Jânio Quadros
não param aí. Ele pode ser nomeado patrono do legalismo farisaico. Ele que
recordou com prazer o fim oficial das Repúblicas Bálticas pode ajudar os
legalistas farisaicos a recordar o fim oficial (não legitimo) da Fraternidade
Sacerdotal São Pio X ao tempo do terror pos-conciliar.
Confesso que só consigo escrever
com indignação. Quase que me falta a paciência. Mas é que, recordando o tratado
da lei na Suma Teológica e a obra do cardeal Billot sobre a imutabilidade da
tradição, vejo como estamos longe da racionalidade e da doutrina católica
autêntica. A palavra de Deus sem a tradição, além de perder sua credibilidade,
produz a anarquia. A lei e o direito desvinculados da justiça e da verdade só
servem de armas para a prepotência. Que o Sagrado Coração de Jesus tenha
piedade de nós.
Anápolis, 19 de junho de 2009
Festa do Sagrado Coração de Jesus
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