Curavimus Babylonem,
et non est sanata; derelinquamus eam — “Medicamos a Babilônia, e ela
não sarou; deixemo-la” (Jer. 51, 9).
Sumário. Não há maior
castigo do que Deus fingir que não vê a iniquidade. Permite que os pecadores
prosperem e amontoem pecados sobre pecados. É sinal de que Deus os reserva para
os entregar à sua justiça na vida eterna, onde terão tantos infernos a padecer,
quantos foram os pecados cometidos. Desgraçados dos pecadores que prosperam
nesta vida. Tal misericórdia é mais terrível do qualquer castigo.
I. Deus espera o pecador, a fim de que
se corrija. Quando vê, porém, que o tempo que lhe é dado para chorar os pecados,
só serve para os multiplicar, esse mesmo tempo será chamado a depor contra ele
(1): isso é, o tempo concedido e as misericórdias recebidas servirão para fazer
castigar o pecador com mais rigor e para o entregar mais cedo ao
abandono. Curavimus Babyloniam, et non est sanata; derelinquamus eam —
“Medicamos a Babilônia, e ela não sarou; deixemo-la”. — E como é que
Deus o abandona? Ou lhe envia a morte e o faz morrer no pecado, ou o priva das
graças abundantes e só lhe deixa a graça suficiente, com que o pecador se
poderia salvar, mas não se salvará. O espírito obcecado, o coração endurecido,
o mau hábito contraído, tornar-lhe-ão a salvação moralmente impossível, e assim
ficará, senão absolutamente, ao menos moralmente abandonado.
Auferam sepem eius,
et erit in direptionem (2) — “Arrancar-lhe-ei a sebe e ficará
exposta a ser roubada”. Que castigo! Quando o dono de uma vinha arranca a
sebe e deixa entrar nela a todos os homens e animais, que significa isto?
Significa que a abandona. Pois, é o que faz Deus quando abandona uma alma:
tira-lhe a sebe do temor de Deus, dos remorsos da consciência e deixa-a nas
trevas. Então entram na alma todos os monstros dos vícios. E o pecador,
entregue a esta escuridão, desprezará tudo, graça de Deus, paraíso, exortações,
censuras, e até escarnecerá da sua própria condenação. Impius, cum in
profundum venerit peccatorum, contemnet (3) — “O ímpio, depois de
haver chegado ao profundo dos pecados, desprezará tudo”.
Numa palavra, Deus deixá-lo-á nesta
vida sem castigo; mas esta condescendência será para ele o maior dos
castigos: Misereamur impio, et non discet iustitiam (4) — “Compadeçamo-nos
do ímpio, e ele não aprenderá a justiça”. — Ah! Senhor, assim Vos
direi com São Bernardo, não quero semelhante misericórdia, porque é mais
terrível do que qualquer castigo.
II. Desgraçados dos pecadores que
prosperam nesta vida! É sinal de que Deus os reserva para os entregar como
vítimas à sua justiça na vida eterna. Pergunta o profeta Jeremias: Quare
via impiorum prosperatur? (5) — “Porque é prosperado o caminho dos
ímpios?” E responde: Congregas eos quasi gregem ad victimam —
“Ajunta-os como rebanho para o matadouro”. Não há maior castigo do que
deixar Deus ao pecador amontoar pecados sobre pecados. Fora melhor para o
desgraçado que o Senhor o tivesse feito morrer em seguida ao primeiro pecado;
porque, morrendo mais tarde, terá tantos infernos a padecer, quantos foram os
pecados cometidos.
Meu Deus, no miserável estado em que me
acho, reconheço que mereci ser privado da vossa graça e da vossa luz; mas vendo
as luzes que agora me concedeis e ouvindo que me chamais à penitência, estou
certo que não me abandonastes ainda. Já que não me haveis abandonado, Senhor,
multiplicai as vossas misericórdias sobre a minha alma, aumentai a luz e
aumentai em mim o desejo de Vos servir e amar. Transformai-me, ó Deus
onipotente, e de traidor e rebelde, como tenho sido, fazei de mim um verdadeiro
amante da vossa bondade, a fim de que chegue um dia ao céu a louvar eternamente
as vossas misericórdias. Vós quereis perdoar-me e eu nada mais desejo senão o
perdão e o vosso amor.
Arrependo-me, ó Bondade infinita, de
Vos ter causado tantos desgostos. Amo-Vos, soberano Bem, porque mo ordenais;
amo-Vos, porque sois digno de todo o amor. Suplico-Vos, meu Redentor, pelos
méritos do vosso Sangue, que Vos façais amar por um pecador, que tanto tendes
amado e que tantos anos sofrestes com paciência. Tudo espero da vossa
misericórdia. Espero amar-vos sempre no futuro, até à morte e por toda a
eternidade: Misericordias Domini in aeternum cantabo (6).
Eternamente louvarei a vossa bondade, ó Jesus meu. Eternamente louvarei também
a vossa misericórdia, ó Maria, que tantas graças me haveis alcançado; reconheço
que as devo todas à vossa intercessão. Continuai a assistir-me, ó Senhora minha,
e obtende-me a santa perseverança. (II 78.)
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1. Thren. 1, 15.
2. Is. 5, 5.
3. Prov. 18, 3.
4. Is. 26, 10.
5. Ier. 12, 1.
6. Ps. 88, 2.
(Santo Afonso Maria
de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro:
Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo:
Herder & Cia, 1921, p. 216-218.)
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