O tratado
"De Cura pro Mortuis Gerenda" (O Cuidado Devido aos Mortos) foi
escrito por Santo Agostinho em 421, como resposta a uma consulta feita pelo
bispo Paulino de Nola, a respeito da vantagem de se sepultar um cristão junto
ao túmulo de um santo.
Embora
a pergunta fosse, de certa forma, simples, Santo Agostinho aborda uma série de
fatos importantes e interessantes a respeito dos mortos, que até hoje são
conservados e respeitados pela Igreja. Entre outras coisas, fala da utilidade
da oração pelos mortos (antiquíssimo testemunho do Purgatório, ainda que tal
palavra não apareça), a possibilidade da aparição dos mortos aos vivos (através
do ministério dos anjos ou por permissão direta de Deus), a oração dos santos
falecidos a nosso favor, o dia que a Igreja dedica a todos os falecidos (Dia de
Finados), etc.
PARTE I
CAPÍTULO I
Caríssimo Paulino, meu irmão no
Episcopado: há muito devo-te uma resposta... Devo-a desde que me enviaste uma
carta - através dos familiares da nossa piedosíssima irmã, Flora - onde me
perguntavas se o cristão lucra algo para si se for sepultado próximo à
sepultura de algum santo. Essa questão fora-te feita pela própria viúva que
acabo de citar, em razão do seu falecido filho, enterrado em alguma parte da
sua capela. Para a consolar, disseste que tal voto já havia se concretizado
para o seu jovem filho, Cinérgio, em razão do carinho que a mãe nutre para com
seu filho, pois fora ele sepultado na Basílica do bem-aventurado Félix,
confessor da fé.
Tendo os mensageiros trazido a carta de
resposta a Flora, aproveitaste para me interrogar por escrito sobre tal
prática, pedindo o meu parecer sem esconder o que sentes.
Como me dizes, achais que não é coisa
vã o sentimento que leva pessoas fiéis e religiosas a tomarem tal cuidados com
os seus falecidos. Adiantas, ainda, que não é sem motivo que a Igreja universal
mantém o costume de orar pelos mortos. Assim, pode-se concluir que é útil para
o homem, após sua morte, ter uma sepultura desse gênero, providenciada pela
piedade [de seus familiares], onde possa contar a proteção dos santos.
Caro Paulino: consideras que, caso a
opinião que diz ser útil sepultar os entes queridos junto à sepulturas de
santos seja verdadeira, então existe uma controvérsia com relação às palavras
do Apóstolo que diz: "Todos nós certamente nos apresentaremos
diante do tribunal de Cristo, para recebermos a retribuição de acordo com
aquilo que fizemos durante nossa vida corporal, seja para o bem ou para o
mal"1
De fato, a sentença do Apóstolo
exorta-nos que é antes da morte que podemos fazer o que seja útil para depois
dela e não depois que ela ocorre, quando recolhemos os frutos que praticamos
durante a vida.
A questão então é resolvida da seguinte
maneira: enquanto vivemos neste corpo mortal, há uma certa forma de viver que
permite, após a morte, obter certo alívio através das obras pias feitas em seu
sufrágio. Porém, tal ajuda será proporcional ao bem que cada um de nós fizemos
durante a vida.
Para alguns, tais auxílios são
totalmente inúteis, pois a conduta destes durante a vida foi tão má que
simplesmente se tornaram indignos de os aproveitarem. Também existem outros que
viveram de forma tão irrepreensível que não têm necessidade desses socorros.
Assim, é através do modo de vida que cada um levou durante a existência
corpórea, que se determina a utilidade ou inutilidade desses auxílios que lhes
são piedosamente dedicados após a morte. Se o mérito da proveitosidade foi nula
durante a vida, permanecerá estéril também após a morte.
Contudo, isso não significa que a
Igreja e os fiéis perdem seu tempo, ao inspirar, pela religião, o piedoso
cuidado aos defuntos - ainda que seja verdade que cada um receberá de acordo
com o que praticou de bom ou de mau durante a sua vida, já que o Senhor
retribui a cada um conforme as suas obras; logo, para que o cuidado tomado em
relação a um ente querido seja-lhe útil após sua morte, é necessário que essa
pessoa tenha adquirido a faculdade de torná-lo útil ainda durante o tempo em
que viveu no seu corpo.
Esta resposta seria suficiente para a
pergunta que me fizeste, mas creio que ela acaba gerando outras questões que
preciso também abordar. Peço-te, assim, atenção! Lemos, no livro dos Macabeus2,
que foi oferecido um sacrifício pelos mortos. Ainda que não encontremos em
qualquer outra parte do Antigo Testamento uma outra referência a esse respeito,
não podemos substimar a autoridade da Igreja universal, que manifesta esse
costume, pois, nas preces que o sacerdote dirige ao Senhor Deus junto ao altar,
existe espaço especialmente reservado para a encomendação dos falecidos.
CAPÍTULO II
Convém examinar se o lugar onde alguém
foi sepultado exerce alguma influência sobre a alma. Mas, primeiro, vejamos se
existe algum efeito o fato de deixar um corpo sem sepultura, seja para o início
ou para o aumento das penas no além. Julguemos, pois, esta questão
fundamentando-se nas Sagradas Escrituras da nossa religião e não conforme a
crendice popular.
Não devemos crer, como lemos em
Virgílio, que os mortos insepultos não podem navegar nem atravessar na barca do
rio do Hades, confome esta passagem da Eneida: "Não lhes é
permitido passar para além dessas horríveis margens e desse rio de ruído
assustador, até que seus ossos não recebam uma morada tranquila"3.
Que inteligência cristã poderia crer em
tais fábulas e ficções se o próprio Senhor Jesus, ao tranquilizar os cristãos
que viriam a cair nas mãos e poder de seus inimigos, afirmou que nenhum só fio
de cabelo de sua cabeça se perderá4 e os exortou a não temer
aqueles que matam o corpo e nada mais podem fazer [contra a alma]5?
Já falei muito sobre isso no primeiro
livro da minha obra "A Cidade de Deus"6, para calar a boca
dos pagãos que nos acusam, como cristãos que somos, como responsáveis pelas
devastações promovidas pelos bárbaros, especialmente aquelas sofridas por Roma,
e alegam que Cristo não nos socorreu nessa ocasião. Ao explicarmos que Cristo
acolheu as almas dos fiéis conforme o mérito de sua fé, eles nos insultam
dizendo que muitos cadáveres ficaram sem sepultura. Eis o que trato a esse
respeito - quanto ao lugar do sepultamento - na citada obra:
"Naquela espantosa quantidade de
cadáveres, quantos fiéis devem ter ficado sem sepultura? Contudo, tal
infortúnio é pouco temido pela fé viva, que tem por certa que os animais nada
podem fazer contra a ressurreição dos corpos de suas vítimas e delas não
perecerá um só fio de cabelo da cabeça7. A Verdade afirmaria: 'Não
temais aquele que mata o corpo e não pode matar a alma'8, se a
engenhosa crueldade dos assassinos pudesse eliminar nos corpos dos inimigos a
semente da vida futura? Haveria alguém tão insensato que acreditasse que os
inimigos não devem ser temidos antes da morte, mas apenas depois, por privá-lo
de uma sepultura? Se fosse possível fazer tal mal aos cadáveres, então as
palavras de Cristo: 'não temais aquele que mata o corpo e não pode matar a
alma' seriam falsas. O quê? As palavras da Verdade falsas? Que se afaste de nós
tamanha blasfêmia! Está escrito que os assassinos dispõem de tal poder no
momento de matarem porque o corpo é sensível ao golpe da morte, mas, em
seguida, nada mais podem fazer pois o cadáver é desprovido de qualquer
sensibilidade. É verdade que a terra não recebeu o corpo de grande quantidade
de cristãos, mas, mesmo assim, ninguém separou a terra do céu, pois ela está
cheia da presença d'Aquele que sabe de onde chamar à vida para aquilo que
criou. Bem diz certo Salmo: 'Deram os corpos de teus servos como pasto para as
aves do céus e as carnes dos teus santos aos animais da terra. Derramaram o
sangue deles como água à roda de Jerusalém e não havia quem os sepultasse'9.
Mas o Salmista diz isso mais para exagerar a crueldade dos carrascos do que
para lamentar o infortúnio das vítimas. 'É preciosa aos olhos do Senhor a morte
dos seus santos'10. Assim, as providências quanto ao funeral, a
escolha da sepultura, a pompa do enterro, etc., é mais consolo para os vivos do
que alívio para os mortos. O quê? Poderiam os ímpios se aproveitarem das honras
fúnebres? Se sim, realmente seria um infortúnio para o justo possuir uma
sepultura pobre ou até mesmo não a possuir. Se para os olhos dos homens grande
número de escravos realiza magnífico cortejo fúnebre para o rico impiedoso11,
brilham muito mais para os olhos de Deus as exéquias que o ministério de anjos
ofereceram ao pobre Lázaro, todo coberto de úlceras. Para seus restos mortais,
não foi erguido um túmulo de mármore, mesmo assim, foi levado para o seio de
Abraão. Vejo rindo aqueles contra quem defendo a Cidade de Deus... Contudo, até
mesmo seus próprios filósofos menosprezaram a preocupação com o sepultamento e,
muitas vezes, exércitos inteiros pouco se preocuparam com o lugar onde seus
corpos haveriam de jazer - ao morrerem por sua pátria -, mesmo sabendo que os
animais se alimentariam deles. Desta forma, puderam os poetas dizer, com
aplausos: 'A quem faltou o sepulcro, o céu serve de proteção'12.
Portanto, que loucura é essa de ultrajar os cristãos por terem deixado corpos
insepultos, se aos fiéis foi prometido que a carne e os membros - deixados
sobre a terra ou dispersos pelo interior de outros elementos - hão de retornar
à vida, num piscar de olhos, sendo restituídos à anterior integridade, como foi
prometido por Deus?13".
CAPÍTULO III
Mesmo assim, isso não é justificativa
para abandonar sem cuidados os despojos dos falecidos, principalmente dos
justos e fiéis, que são órgãos e instrumentos do espírito para toda boa obra.
Se a roupa, o anel ou qualquer outro objeto pertencente ao pai é precioso para
os filhos, muito mais terna é a piedade filial. Acaso o corpo não merece mais
cuidados por estar muito mais intimamente ligado a nós do que a roupa, seja ela
qual for? Logo, o corpo não é mero ornamento exterior do homem, mas parte de
sua natureza humana. Este é o verdadeiro motivo dos deveres de piedade
solenemente prestados aos antigos justos, a pompa de suas exéquias, os cuidados
com suas sepulturas e as ordens que eles mesmos, quando vivos, davam a seus
filhos, para sepultá-los ou transladá-los uma vez mortos14.
De acordo com o testemunho do anjo,
Tobias atrai sobre si as bênçãos de Deus devido a seu cuidado para com os
mortos15. O próprio Nosso Senhor, que ressuscitará no terceiro dia,
divulga a boa ação da santa mulher que lhe unge com precioso perfume, como que
para sepultá-lo antecipadamente16. Também o Evangelho recorda com
louvores aqueles que receberam piedosamente o Corpo, à descida da cruz,
cobrindo-o com o sudário e depositando-o no sepulcro17.
De forma alguma, tais exemplos não provam
que os cadáveres conservam algum tipo de sensibilidade. Mas provam que a
Providência de Deus vela os despojos dos falecidos e esses deveres de piedade
lhe são agradáveis, por demonstrarem a fé na ressurreição.
Além disso, existe salutar ensinamento
para nós: ainda que Deus retribua abundantemente as nossas esmolas prestadas a
criaturas vivas e dotadas de sensibilidade, também aos olhos de Deus nada se
perde pela nossa caridade prestada aos restos inanimados dos homens.
É certo que os santos patriarcas deixaram,
por inspiração profética do Espírito, outras recomendações sobre o sepultamento
e a transladação de seus corpos, porém, não é oportuno aprofundarmos em tais
mistérios neste momento. Basta, então, o que acabamos de dizer.
Se é verdade que a falta de coisas
necessárias para a manutenção da vida - como o alimento e o vestuário - são
provações cruéis, mas impotentes contra a corajosa paciência do homem virtuoso,
longe de afastar a piedade do seu coração, como poderia, então, que a falta das
solenidades fúnebres costumeiras, perturbasse o repouso de tal alma na santa e
bem-aventurada mansão? "E que os últimos deveres tenham faltado
aos cristãos na desolação de Roma ou de outras cidades, isto pouco importa: não
foi falta dos vivos, que nada puderam fazer; nem infortúnio para os mortos, que
nada puderam sentir"18.
Tal é a minha opinião sobre a causa e a
razão de ser das sepulturas. Se extraí essa passagem de algum dos meus livros
para colocá-la aqui, é porque me pareceu mais simples retomá-la do que exprimir
em outras palavras as mesmas idéias.
CAPÍTULO IV
Como esses princípios acima elencados
são justos, não deixa de ser marca dos bons sentimentos do coração humano
escolher para seus entes queridos que serão sepultados um lugar próximo aos
túmulos dos santos.
Já que o sepultamento é, por si mesmo,
uma obra religiosa, a escolha do local não poderia ser estranha ao ato
religioso. É consolo para os vivos, uma forma de testemunhar sua ternura para
com os familiares desaparecidos. Não enxergo, porém, como os mortos podem
encontrar aí alguma ajuda, a não ser quando o lugar onde descansam é visitado e
são encomendados, pela oração [dos visitantes], à proteção dos santos junto ao
Senhor. Contudo, isso pode ser feito ainda quando não é possível sepultá-los em
tais lugares santos...
Se é verdade que denominam de
"Memorial" ou "Monumento" aos sepulcros vistosamente
construídos, fazem-no, na verdade, para trazer à memória aqueles que, pela
morte, foram subtraídos aos olhos dos vivos. Isto é feito para que as pessoas
continuem a se lembrar deles, para que não aconteça de, tendo sido retirados da
presença dos vivos, também sejam retirados do coração pelo esquecimento. Aliás,
o termo "Memorial" indica claramente esse sentido de recordação, da
mesma forma como "Monumento" significa "o que traz à
mente", ou seja, o que a faz recordar. Eis o motivo pelo qual os gregos
chamam de "mnemeion" ao que chamamos de "memoria" ou
"monumentum". Na língua deles, "mnème" significa
"memória", a faculdade com a qual recordamos.
Assim, quando o pensamento de alguém se
concentra sobre o lugar onde o corpo de um ente querido jaz e esse local esteja
consagrado pelo nome de um mártir venerável, então a afeição amorosa recorda-se
e reza, recomendando o falecido querido a esse mártir.
Não se pode duvidar de que essas
súplicas, feitas pelos fiéis em nome dos seus caros defuntos, são úteis a estes
caso apenas tenham merecido - durante a vida - beneficiar-se após a morte.
Ainda que se suponha que alguma circunstância impediu o sepultamento ou que não
foi dada a autorização para sepultar num desses locais sagrados, não será por
isso que deveremos negligenciar as orações pelos falecidos.
A Igreja tomou para si o encargo de
orar por todos aqueles que morreram dentro da comunhão cristã e católica. Ainda
que não conheça todos os nomes [de seus fiéis defuntos], ela os inclui numa
comemoração geral19. Dessa forma, aqueles que não possuem mais pais,
filhos ou outros parentes e amigos para auxiliá-los, são amparados pelo
sufrágio dessa piedosa Mãe comum.
Julgo, porém, que caso esses sufrágios
pelos mortos sejam feitos sem verdadeira fé e piedade, de nada valeria ao
espírito deles que seus corpos sem vida se encontrassem sepultados nos lugares
mais santos.
CAPÍTULO V
Aquela mãe cristã de que me falaste
desejou que o corpo de seu filho fosse depositado na basílica de um mártir por
ter aquele expirado na fé. É que ela acreditava que a alma do finado poderia
ser ajudada pelos méritos desse mártir. Essa fé, a seu modo, já era uma
súplica; e súplica útil, se admitirmos isso, à medida em que voltar o seu
pensamento frequentemente em direção a esse túmulo e, cada vez mais, recomendar
o filho em suas orações... e é isto o que realmente será útil para a alma do
finado. O que vale não é o lugar onde o corpo está enterrado, mas a viva
afeição da mãe, revivificada pela lembrança desse lugar. A isso, devemos
acrescentar que o objeto de sua afeição e o pensamento do santo protetor
contribuirão bastante para tornar mais fecunda sua oração e piedade.
Ocorre que aqueles que oram impõem a
seus membros uma posição condizente com a oração: ajoelham-se, estendem as
mãos, prostram-se no chão e praticam outros gestos do gênero. É certo que Deus
conhece-lhes a verdade oculta e a intenção do coração, e não tem a necessidade
desses sinais sensíveis para penetrar no íntimo da consciência humana.
Entretanto, é por essas demonstrações que a pessoa estimula-se a si mesma a
orar e gemer com mais humildade e fervor. Ainda que os gestos corporais não se
produzam sem o movimento interior da alma, esses atos externos e invisíveis
aumentam - não sei como - o ato interior e invisível.
Ainda que estivesse impedido ou
impossibilitado de os realizar com seus próprios membros, isso não
imcapacitaria o homem interior de orar. Deus o vê, contrito e arrependido,
prostrar-se no santuário secreto do seu coração.
De forma análoga, podemos dizer que o
local de sepultamento é, por certo, de grande importância para aquele que
encomenda a Deus a alma do morto querido, desde que a oração seja vivificada
pelo espírito interior, já que foi o sentimento interno do coração que escolheu
com antecedência o lugar santificado para o sepultamento. E esse local, após
receber o corpo, renova e aumenta o sentimento interior, que foi o princípio de
tudo, pelas lembranças que suscita.
Contudo, se tão piedosa pessoa não
consegue sepultar aquele que ama no lugar onde desejaria por inspiração cristã,
ela não deve, por isso, suprimir as orações necessárias para a encomendação do
defunto. Pouco interessa se aqui ou ali está um corpo sem vida: o essencial é
que a alma encontre seu repouso. Deixando este mundo, ela leva conscientemente
consigo o tipo de sorte que lhe está reservada, se a felicidade ou o
infortúnio.
Não é da carne que a alma espera ajuda
para a sua vida futura. É ela que lhe comunicava a vida na terra. Ao partir,
ela retirou a vida; ao voltar20, a devolveria. É a alma que prepara
para a carne o que lhe será devido no momento da ressurreição, e o corpo ela o
fará revivificar, seja para o castigo ou para a glória.
CAPÍTULO VI
Lemos na "História
Eclesiástica" de Eusébio, escrita em grego e traduzida para o latim por
Rufino, o seguinte acontecimento: na Gália, os corpos dos mártires de Lião
foram atirados aos cães. A carne e os ossos que restaram foram reduzidos a
cinzas, até a última parcela, e foram jogadas finalmente no rio Ródano, para
que não sobrasse nada de sua memória.
Ora, devemos crer que se Deus permitiu
tal destruição é para demonstrar aos cristãos que, ao confessarem a Cristo,
desprezando esta vida, os mártires devem desprezar ainda mais a sepultura, pois
se a detestável crueldade com que foram tratados os corpos desses mártires
pudesse afastar do bem-aventurado repouso a alma vitoriosa, Deus certamente não
o teria permitido. Está bem claro o que o Senhor afirmou: "Não temais os
que matam o corpo e depois nada mais podem fazer"21. Isso não
significa que os perseguidores perderiam o poder sobre o corpo dos fiéis após a
morte, mas ainda que detivessem tal poder, nada mais podiam fazer para diminuir
a felicidade das suas vítimas, pois já não podiam atingir a vida consciente
delas no além-túmulo e também não podiam danificar mais os próprios corpos, do
ponto de vista da integridade da sua ressurreição.
______________
1cf.
2Cor 5,10.
2cf. 2Mc 12,43.
3Virgílio, "Eneida" VI,327-328: "Nec ripas datur
horrendas, nec rauca fluenta transportare prius quam sedibus ossa
quierunt".
4cf. Mt 10,30.
5cf. Lc 12,4.
6cf. Sto. Agostinho, "A Cidade de Deus" I,12-13.
7cf. Lc 21,18.
8cf. Mt 10,28.
9cf. Sl 78,2-3.
10cf. Sl 115,15.
11v. Lc 16,22.
12Lucano, "Farsália",VIII: "Coelis tegitur, qui non
habet urnam".
13cf. 1Cor 15,52.
14cf. Gn 25,9; 35,29; 47,30; 50,2.13.
15cf. Tb 2,9; 12,12.
16cf. Mt 26,10-13.
17cf. Jo 19,38-42.
18Sto. Agostinho, "A Cidade de Deus" I,12-13.
19Clara menção à Missa de Finados.
20Através da ressurrreição.
21Lc 12,4.
Parte I - Introdução
e Argumentos Religiosos para o Sepultamento Digno - capítulos
I à VI
Parte V - Conclusão eEncaminhamento - capítulo XVIII
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