“Lembra-te pois do que
recebeste e ouviste, e guarda-o, e faze penitência. Porque se tu não vigiares,
virei a ti como um ladrão, e tu não saberás a que hora eu virei a ti.”
Autor
–
A crítica apurou e demonstrou cabalmente ser S. João o autor do Apocalipse.
Veja-se no quinto século todas as Igrejas assinalarem unanimemente a sua crença
sobre o assunto, acordo este que só se podia explicar por uma antiga tradição
constantemente aceita.
É certo que alguns o quiseram atribuir a
Cerinto, e como tal o rejeitaram, porém não houve jamais argumentos sérios em
favor de tal opinião, e são tão poucos os que assim pensaram que o seu
testemunho é completamente refutado por Papias. S. Irineu, S. Justino, Meliton,
Clemente de Alexandria, S. Hipólito, Orígenes, Tertuliano, Eusébio de Cesareia,
S. Jerônimo e S. Epifânio, etc., que todos o atribuem a São João.
Data
e local da composição do Apocalipse – S. João escreveu o Apocalipse durante o
seu exílio em Patmos, ou imediatamente depois. Ora, S. João foi enviado para
esta ilha no fim do reinado de Domiciano, pelo décimo-quarto ano de seu
governo, ai por 95.
Cum
jam semianimum laceraret Flavius orbem Ultimus, et calvo serviret Roma Neroni.
Jevenal, Sat.
Esta opinião tem pelo seu lado os melhores
autores sagrados, principalmente S. Irineu, que foi elucidado por Policarpo,
discípulo de S. João, e que portanto conhecia perfeitamente a vida do Discípulo
Amado.
De resto o reinado de Domiciano parece
estar iniciado e descrito com precisão nas páginas do Apocalipse. O estado
rudimentar das Igrejas, a influência dos Judeus e dos Judaizantes, as Igrejas
da Ásia, etc., tudo isto está perfeitamente descrito no Apocalipse, e coincide
com a época assinalada.
O martírio de Antipas, referido no cap. 2,
3, indica uma época de perseguição, não somente em Roma, mas nas províncias, e
em particular na Ásia Menor; ora estas perseguições não tinham tido lugar antes
do reinado de Domiciano, Eusébio H. Eccl.
3, 17. Foi a este imperador que Juvenal e Tertuliano chamaram segundo Nero,
Portio Neronis de crudelitate. É
também sabido que foi este imperador quem a plicou a pena de deportação aos
padres e aos fiéis. Nerva, que lhe sucedeu em 96, revogou os seus editos e
chamou os exilados. Suetônio In Domit. 10.
Caráter
do Apocalipse – Da
mesma sorte que o Testamento Velho continha uma parte profética, o Novo
igualmente devia possuir.
Dir-se-ia que faltava alguma coisa às
Sagradas Escrituras se não fossem encerradas por um livro tão original como o
presente. Ao quadro da fundação da Igreja, à organização da nova doutrina, era
justo que o Espírito Santo juntasse algumas revelações sobre o futuro, com o
fim manifesto de alentar os fiéis na hora difícil das perseguições.
Convinha que a Bíblia abrisse pelo Gênesis, onde Moisés desvendou o enigma
da criação e acabasse pelo Apocalipse, onde a agudíssima águia de Patmos
projetasse luz sobre incertos dias do fim do tempo, e algo dissesse sobre o
Reino Eterno do Salvador. S. João coloca uma cúpula condigna neste edifício
suja primeira pedra foi lançada pelo grande legislador do povo de Deus. Moyses divinae sapientiae inchoator, Joannes
divinae sapientiae terminator. S. Boavent. Illan. ecc. Pela grandeza de seu objeto, pela singularidade de sua
linguagem, este livro sobressai dentre os precedentes, como a copa de altiva
árvore, ou a fachada de opulento edifício, Libe
riste, in fine positus, quase cacumen et finalis summita esse videtur arboris abi
mis ad alta consurgentis. Ricardo de S. Vitor. In Apocal. 8, 1.
Dificuldades
– É
inegável que o Apocalipse tem passagens de muito difícil interpretação, mas
também é certo que se exageram muito as obscuridades deste livro.
As dificuldades que lhe são próprias encontram-se
nas predições. O prólogo, os avisos às Igrejas e aos seus pastores, as
descrições do Céu, doas Anjos e dos Mártires, não tem por objeto o futuro, e
por isso não tão claros como precisos. Encontram-se ao alcance de todas as
inteligências advertências mortais, admoestações piedosas, atos de ação de
graças e de adoração para com Deus e Jesus Cristo que elevam a nossa alma. É o
insigne Bossuet que o diz. Les
avertissements moraux et les sentiments de pitié, d’adoration, d’actions de
grâces envers Dieu et envers Jesus Chist sont admirables dans ce livre.
Tem, bem se sabe, passagens difíceis, mas
deve notar-se que o Apocalipse não é uma história como os Evangelhos, nem um
livro didático como as Epístolas; é um livro profético, cheio de predições e de
símbolos, o que é um escolho para os menos versados nas figuras da Bíblia, e
para os menos lidos em História Eclesiástica.
As predições são um esboço, uma resenha
sumaríssima de futuros acontecimentos; enquanto estes se não realizarem
subsistirão as hipóteses, mais ou menos fundamentadas, mas sempre hipóteses.
A linguagem simbólica oferece, principalmente
aos menos habituados à leitura dos livros santos, dificuldades doutra ordem. Às
coisas espirituais dá forma corpórea, imprime vida aos seres inanimados, são frequentes
as imagens emblemáticas: os ministros de Deus são os anjos, ativos seres
fantásticos. O império é uma cidade, a Igreja um templo, os decretos do
Altíssimo uma espada. Mil anos representam um largo período, dez dias um curto
espaço de tempo. Este modo de dizer tem o seu mérito: é uma linguagem viva,
rápida e impressionante; tem contudo os seus defeitos, os obstáculos que surgem
na interpretação.
Para entender o Apocalipse é indispensável
o estudo da História da Igreja, o conhecimento das perseguições dos primeiros
séculos, das invasões bárbaras, e da decadência do império romano.
Advirta-se desde já que os números, tão
frequentemente empregados, na parte simbólica deste livro, participam da
natureza dos símbolos. Daqui se deduz: 1º que se lhes não deve atribuir uma
significação muito precisa; 2º que cada um deles tem uma significação
acessória, que os torna aptos para entrar na composição de tais ou tais
símbolos. Assim por exemplo ao número
dois, que é das testemunhas indispensáveis para legitimar uma sentença
judiciária, está vinculada a ideia acessória do acordo, da confirmação; é por
isso que os Apóstolos devem ser sempre dois a pregar, há duas testemunhas ou
dois mártires que dão testemunho de sua fé em Jesus Cristo no dia da
perseguição. O número três é o da
Trindade, e por isso prende-se à ideia da Divindade. O número quatro é figurado por um quadrado que
por sua vez simboliza a extensão limitada do mundo físico; daí a divisão da
terra em quatro partes, ou quatro pontos cardeais. Quatro e três são sete; a religião unindo as três pessoas
divinas às quatro partes do globo, e daí, deduzem os exegetas, que o número sete convém particularmente aos objetos
religiosos considerados como tais. Daí o emprego frequente deste número nas
enumerações referentes ao culto, etc., etc.
Canonicidade
– De
todos os livros do Novo Testamento, foi o Apocalipse o que ofereceu maior
dificuldade a ser enumerado no Cânon Eclesiástico, embora possua em seu favor
os mais antigos e venerandos testemunhos.
O cânon da Igreja Romana compreendeu
sempre este livro sob o nome do Apóstolo S. João. Temos a prova-lo a versão
Ítala (150), o cânon de Muratori (170), Tertuliano, S. Cipriano, e ainda os
seguintes Padres de origem grega, como S. Irineu, S. Justino, que conhecia a
Igreja da Ásia, e S. Jerônimo que resume a tradição latina. O mesmo aconteceu
no patriarcado de Alexandria e no exarcado de Éfeso, onde S. João tinha vivido.
Aqui encontramos os testemunhos a que já atrás nos referimos de Papias 1º,
Hierápolis de Meliton, e de Apolônio, o adversário dos Montanistas.
Enquanto que por este lado a autoridade da
Igreja patrocinaria o Apocalipse, os Sírios obstavam a sua entrada no Cânon, e
contudo entre esses mesmos se encontram testemunhos em favor da canonicidade do
Apocalipse: Teófilo, sexto bispo de Antioquia e S. Efrém e outros a sustentam.
Como Cerinto tivesse composto um plagiato
do Apocalipse para espalhar as suas heterodoxas fantasias, puseram muitos em
prudente dúvida a autenticidade e a canonicidade do livro atribuído a S. João.
Por sua vez os Nepotianos quiseram haurir no Apocalipse textos em favor de seus
erros, e justificar as hesitações de S. Dionísio da Alexandria.
Estudando bem o texto, confrontando-o com
os outros escritos de S. João, interrogando cuidadosamente a tradição, depois
de tudo isso fixaram os Padres no 5º século a canonicidade do Apocalipse,
definida posteriormente em vários concílios até ao de Trento.
Divisão
– Contém
três partes:
1ª – 1-3 contém o prólogo com avisos às sete Igrejas
da Província da Ásia, todos atinentes a fortificar a fé dos cristãos.
2ª – 4-19, a mais extensa, compreende as revelações
proféticas relativas às provas difíceis por que há de passar a Igreja e o
triunfo do Salvador, e os castigos reservados aos prisioneiros.
3ª – 20-22, apresenta o quadro dos acontecimentos que
hão de preceder a ressurreição final, e o triunfo para os Santos.
Bíblia Sagrada reedição do Padre Antônio
Pereira de Figueiredo – Volume XII – Editora das Américas 1950
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