Queima do Talmud |
A cruzada começou em 1236 quando Nicholas Donin, um judeu apóstata, tornou-se cristão e dominicano. Donin pediu uma audiência com o Papa Gregório IX. Ao recebê-lo, Donin chamou a atenção do papa para as blasfêmias na coleção de escritos hebraicos conhecida como Talmud. As sinceras opiniões de Donin causaram sua expulsão da sinagoga 11 anos mais cedo. Assim, a vingança pode ter sido um motivo, mas Donin tinha consigo uma aguda compreensão do papel do Talmud na vida Judaica. Era, como Graetz alegava, “o suporte principal da civilização Judaica”; era também cheio de blasfêmias – alegando, entre outras coisas, que Cristo estava sendo cozido em excrementos ferventes no inferno e que era o filho ilegítimo de um soldado romano e uma prostituta chamada Maria.
A Enciclopédia Judaica, por exemplo, discutindo a dívida de Celso ao Judaísmo, observa que “ele afirma que Jesus era o filho ilegítimo de um certo Panthera, e novamente que ele havia sido um criado no Egito, não enquanto criança conforme o Novo Testamento, mas quando ele já era crescido, e que havia aprendida a arte secreta. Esses relatos são freqüentemente idênticos àqueles do Talmud.” De acordo com uma outra fonte, os Judeus “chamam Cristo o filho ilegítimo de uma prostituta, e a Santíssima Virgem Maria, uma coisa abominável dizer ou pensar, uma mulher fogosa ou luxuriosa, e que eles os amaldiçoam conjuntamente, e a fé Romana, e todos seus membros e crentes.”
Antes de Donin, o Talmud era virtualmente desconhecido entre os Cristãos, que, como o Papa Gregório IX, laboravam sob a ilusão que os Judeus meramente seguiam a Torah, livros que os Católicos também consideravam canônicos. Como resultado dessas descobertas, “o Talmud repentinamente se tornou o alvo principal do anti-Judaísmo Cristão.” A campanha contra o Talmud é o início da mudança na atitude da Igreja em direção aos Judeus. Sicut Judaeis non nunca mudou desde o tempo de São Gregório o Grande até o tempo dos Mendicantes. O que mudou foi a compreensão da Igreja dos Judeus. Eles foram, nos olhos da Igreja, transformados de essencialmente cegos seguidores de uma compreensão perversa da Torah em revolucionários sociais grandemente como resultado da descoberta do Talmud e suas blasfêmias.
Gregório IX foi o primeiro papa a descobrir o Talmud. Ele ficou chocado pelo que descobriu, mas não ab-rogouSicut Judaeis non e sua proibição de não prejudicar os Judeus. O mudou foi sua compreensão do que os Judeus acreditavam e como eles agiam sob aquelas crenças.
Em 9 de junho de 1239, o Papa Gregório respondeu às 35 petições de Donin, despachando-lhe uma carta ao bispo de Paris, William de Auvergne. Os Judeus, escreveu Gregório, “assim escutamos, não estão satisfeitos com a Lei Antiga que Deus deu a Moisés na escrita: eles até ignoram-na completamente e afirmam que Deus deu-lhes uma outra Lei que é chamada ‘Talmud’, isto é, ‘Ensinamento’, passado de geração em geração oralmente para Moisés... Nisto está contido assuntos tão abusivos e tão impronunciáveis que estimulam a vergonha naqueles que mencionam-nos e horror naqueles que escutam-nos.” As ofensas são tão grandes que Gregório usa a palavra “crime” para descrevê-las.
Angustiado com o prejuízo que ele criava, São Luis IX, Rei da França, convocou uma conferência sobre o Talmud. Em junho de 1240, Nicholas Donin teve um prolongado debate com o Rabino Yehiel bem Joseph de Paris, sob os auspícios reais e presidido pela Rainha-Mãe, Blanche de Castile.
Com defensores com o Rabino Yehiel, o Talmud não precisava de inimigos. O debate resultou na queima pública do Talmud in Paris. A religião Judaica era agora claramente vista não como Judaísmo bíblico, mas particularmente como um desvio herético do Antigo Testamento. Por um período de 36 horas em junho de 1242, mais de 10.000 volumes foram atirados às chamas. Como se determinava provar o que os Cristãos haviam dito era correto, um grupo de Judeus apelou a Roma, “reclamando que eles não podiam praticar sua religião sem o Talmud”. “Mais uma vez”, escreve um comentarista Judeu, “foi o papa a quem os Judeus viraram-se em sua situação difícil”. Em maio de 1244, Inocêncio IV apiedou-se: “obrigado como nós somos pelo mandamento divino a tolerá-los em sua Lei, pensamos ser adequado dar-lhes como resposta que não queremos privá-los de seus livros se como resultado devêssemos estar-lhes privando de sua lei.” A decisão de retornar o Talmud aos judeus causou escândalo. Um bispo concluiu que os Judeus haviam mentido ao papa, e seria “mais desgraçado e uma causa de vergonha para o Trono Apostólico se os livros que haviam sido tão solenemente e tão justamente queimados na presença de todos os estudiosos e do clero, e da populaça de Paris fossem devolvidos aos mestres dos Judeus na ordem do papa – pois tal tolerância pareceria aprovação.” Em 1254, Luís IX renovou a lei ordenando a queima do Talmud, como fizeram seus sucessores. Quando Luís X readmitiu os Judeus na França, ele barrou-os de trazer consigo o Talmud.
Uma vez que o Judaísmo cessou de ser a religião do Antigo Testamento na mente da Igreja, ficou interpretado em seu lugar como uma heresia que inclui-se na jurisdição de guarda doutrinária da Igreja. O Talmud era uma ofensa não somente contra os Cristãos, mas contra a vida religiosa dos Judeus também, que permitia ao papa intervir em seus assuntos “se violassem a lei do Evangelho em matéria moral e seus próprios prelados não os detivessem” ou “se eles inventassem heresias contra sua própria lei.” “A linha de pensamento de Inocêncio rapidamente se tornou a opinião comum dos canonistas do século XIII e XIV.” A Igreja, de acordo com o inquisidor Dominicano Nicholas Eymeric, agora tinha o direito e dever de “defender o Judaísmo genuíno contra a heresia interna e, através disso, trazer os Judeus mais perto de uma aceitação do Cristianismo.”
Os Judeus eram heréticos de sua própria religião, e na medida em que a Torah era parte do cânone da Escritura Cristã, eles eram heréticos no sentido Cristão, igualmente. Na medida em que heresia não era uma matéria de indiferença às autoridades civis, os Judeus Talmúdicos perderam a tolerância que as figuras cega e carnal do Antigo Testamento experimentavam e se tornarampersonae extra legem, isto é, foras-da-lei.
A descoberta do Talmud mudou a questão Judaica fundamentalmente. O que costumava ser uma questão de tolerância religiosa se tornou um assunto de ordem civil. O rei Cristão podia tolerar intrusos que baseavam sua religião em uma defeituosa, porém sincera compreensão do Antigo Testamento; ele não poderia tolerar foras-da-lei e subversivos usando a religião como máscara para a revolução social. Os Judeus foram categorizados como criminosos; como pessoas que promoviam “violência ilegal”. Eles eram, diz Cohen, “não mais Judeus da Bíblia, a quem o direito de existência na Cristandade havia sido garantido.”
Em 1267, Clemente IV publicou a bula Turbato Corde. O decreto de Clemente era consistente com a interpretação dos Judeus Talmúdicos como subversivos. Na medida em que os Judeus eram heréticos em sua própria religião e induziram Cristãos insuspeitos a abraçar sua heresia, eles seriam atraídos para a Inquisição, o mecanismo construído para combater heresia. O assunto da conversão também desempenhava um papel. Se os Judeus aceitassem o batismo, era presumido que eles aceitaram-no livremente, e não era permitido ao Judeu decair à vida anterior, como um cachorro retornando ao seu vômito. Se ele recaísse na mesma falta, ele era pra ser tratado como um herético, não um infiel tolerado por causa da ignorância. Porque a teologia do sacramento do batismo alegava que aquele sacramento deixava uma marca indelével na alma, “é necessário que ele seja forçado a sustentar a fé que aceitaram sob coação ou por necessidade, para que o nome do Senhor não caia em má reputação, e a fé que eles aceitaram seja sustentada vil e desprezível.”
Como nós vimos, o Judaísmo, de acordo com a nova percepção Católica, não era uma religião; era uma ideologia revolucionária. Expondo o Talmud, os Judeus privaram-se de qualquer entendimento correto da Bíblia; sua lealdade, de acordo com Martini, repousa na Anticristo. Como resultado, “o redentor a quem eles agora esperam no fim do Império Romano é realmente o Anticristo.”
Em 6 de novembro de 2002, porém, o Cardeal Walter Kasper, presidente da Comissão do Vaticano pelas Relações Religiosas com os Judeus, anunciou na Faculdade de Boston que os Judeus “no intuito de se salvarem” não “devem se tornar Cristãos; se eles seguem sua própria consciência e acreditam nas promessas de Deus como eles compreendem-nas em sua tradição religiosa estão alinhados ao plano de Deus, que para nós vem até sua plenitude histórica em Jesus Cristo”.
Fonte: The Jewish Revolutionary Spirit”, Fidelity Press, South Bend, Indiana, 2008, pp. 118-131
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