A Igreja — diz Santo Agostinho — peregrina no mundo entre as
aflições dos homens e as consolações de Deus. Nos dias que correm tornaram-se
tão graves e cruéis as aflições trazidas pelos homens que mais imperiosa do que
nunca se tornou a procura das consolações de Deus.
São várias as fontes onde
podemos receber o alívio e o conforto para a nossa Fé. O principal é sem dúvida
o Santíssimo Sacramento do Altar onde Jesus está conosco, como prometeu, até a
consumação dos séculos. Aí de nós se, em torno deste calvário de cada dia,
deste Sacrifício incruento, os homens da Igreja trouxerem a atoarda do mundo
que impede nas almas o contato do grande e decisivo mistério de nossa salvação.
Outra fonte
de grandes consolações, sem as quais a alma católica não pode viver, não
consegue perseverar é a do exemplo dos Santos, que são elevados pela Igreja à
glória do altar, não para acrescentar alguma coisa à glória que já tem no Céu,
mas para nos trazerem o esplendor de esperança irradiado por seu exemplo. A
Igreja Católica é a Igreja de Cristo, e, por conseguinte a Igreja dos Santos.
Mais salutar
e vivificante se tornará a fonte de consolação procurada quando nela se
encontram cruzados esses valores excelsos: o mistério da Santa Eucaristia e o
mistério da santidade. Quando, por exemplo, pensamos num São Tarcísio, nossa meditação
encontra um doce exemplo de conúbio dos dois mistérios. Mais forte ainda será o
exemplo trazido por um São Pio V que nos é apresentado como exemplo de
santidade pela obra principal que nos legou, e que precisamente consiste no
resguardo que a codificação litúrgica o seu santo pontificado ergueu em torno
da Santa Missa. Neste caso o exemplo de santidade nos é oferecido na figura de
um Papa. De certo modo seria razoável esperar em tal cargo tal perfeição já que
a boa doutrina nos diz que Deus assiste com especial abundância de graças
aqueles que sobrecarrega com excepcional peso de cuidados.
Seria de
esperar — se os homens respondessem a Deus como Ele deve ser sempre
ouvido — que todos os papas fossem santos ou deixassem sinais de ardente busca
de perfeição. Mas a Igreja de Cristo, neste mundo, milita asperamente contra
três cruéis inimigos: o Demônio, o Mundo-mundo e o Amor próprio. E é por isto
que se vê uma assustadora diminuição de papas canonizadas, isto é, apontados
pela própria Igreja como exemplo de seguidor de Jesus, na proporção em que, ao
longo da história, o humanismo obscurece o cristianismo, o amor próprio é tido
por dignidade humana, e o mundo-inimigo (Jo XV) é recebido como se coubesse à
Igreja a função de se adaptar a ele, contrariando o que tão energicamente disse
o Apóstolo. “Nolite conformari huic sæculo” (Rom 12, 2). Corramos os
olhos pela história da Igreja.
Até o ano 530 todos os papas são santos; até o fim do século XIII
contam-se mais 19 papas canonizados. A partir deste século grandioso, século de
São Tomás e São Luís de França, século que nos aparece hoje envolto numa névoa
como se fora mais sonho do que realidade, em toda a enorme distância que nos
separa somente dois são os
papas elevados aos altares: Pio V († 1572) e Pio X († 1914).
Impõe-se
desde já uma conclusão evidente, sobretudo quando contraposta à sombria
realidade dos espetáculos de impiedade que a tantos arrastam para perdição
eterna: a criteriosa atenção que merecem as vozes desses dois papas na atoarda
que ultimamente se inculca como magistério católico. Se alguém, com fino
escrúpulo, quer atender à virtude da santa obediência em matéria sagrada,
aproxime-se desses exemplos que, embora afastados na cronologia do mundo, estão
mais perto de nós do que a hierarquia atual. Estando colocados no altar, pela
autoridade infalível da própria Igreja, estão perto de Cristo que no sacrário
está perto de nós.
Este número
de PERMANÊNCIA, motivado
pelo que acabamos de dizer, oferece ao leitor matéria de estudo, meditação e
devoção, principalmente em torno de questões que concernem ao Papado, e
especialmente de questões que se referem ao Mistério
do Santíssimo Sacramento do Altar.
Veementemente
exortamos: leitor, procure compreender bem em que consiste o drama de nosso
tempo, procure aguçar a inteligência da Fé, sem a qual corremos o risco de não
ver as mais monumentais pedras de tropeço. Abra os olhos da Fé, alargue o
coração para amar a Deus com a verdadeira Caridade que Ele mesmo nos entregou
como um “talento” de inestimável valor.
Para a melhor
compreensão de teu “Credo”; para maior amor de tua Cruz, aproxima-te
daqueles exemplos magníficos que a Igreja nos oferece. Para isso trabalhamos
com fervor escrevendo, traduzindo e rezando neste número especial que colocamos
aos pés da Virgem Santíssima, pedindo para nossos leitores a graça da lucidez
sobrenatural.
(Editorial da
Revista PERMANÊNCIA, Nov/Dez de 1975, n° 84/85 Ano VIII)
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