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Crucifixão - Fra Angélico
Painel central de um antigo tríptico
Fogg Art Museum, Cambridge
(Massachusetts)
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"Redemísti nos, Dómine,
in sánguine tuo, ex omni tribu et lingua et pópulo et natióne: et fecísti nos
Deo nostro regnum"
Plinio Corrêa de Oliveira
Hoje é festa do Preciosíssimo
Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Confesso que, das festas com
que se honra Nosso Senhor Jesus Cristo, talvez nenhuma me diga tanto ao
espírito e me impressione tanto ou tão profundamente, quanto a festa do
Preciosíssimo Sangue. É claro que tais coisas são individuais e dependem do
modo da graça tocar cada pessoa, mas concretamente comigo isso é assim. Esta
festa me impressiona e tenho uma propensão pessoal muito grande para a devoção
ao Precioso Sangue.
A razão disso está no que
segue. Devemos considerar bem o que é o sangue e o que significa o sangue
efundido, para compreendermos bem o que é a efusão do Precioso Sangue de
Cristo.
Todos sabemos que o sangue
faz parte de nosso organismo e que é um elemento, uma parte de nossa pessoa.
Portanto, deve-se ao Sangue de Cristo toda a adoração que se deve ao próprio
Cristo.
O sangue é uma parte de nossa
pessoa, está contido em nosso organismo e é uma condição natural sua o estar
dentro do nosso organismo. De maneira que toda efusão de sangue, tudo aquilo
pelo qual o sangue sai de nosso organismo apresenta um caráter catastrófico.
Por exemplo, são numerosas as doenças que se anunciam por uma perda de sangue.
É uma desordem-desastre dentro do organismo que faz que o sangue saia de dentro
dele. É quase um sinal de alarme e um sinal de alarme violento, dado para que
se preste atenção a condições orgânicas que não estão boas.
O sangue vertido não nos fala
apenas de doenças mas, pela violência dele estar fora de nós, fala-nos da luta
e fala-nos do crime. É impossível, por exemplo, falar em sangue vertido sem
pensar no sangue de Abel, vertido por Caim e que, segundo a Escritura, subia a
Deus clamando por vingança. A idéia do sangue derramado, e derramado pelo
crime, do sangue que se encontra derramado pelo chão, desse sangue que é uma
parte do organismo e que foi arrancada fora dele, numa espécie de dilaceração
profunda do ser, esse sangue derramado nos dá a idéia de algo de injusto, de
algo de violento, de algo de iníquo que é uma perturbação profunda da ordem e
que clama a Deus pelo restabelecimento da ordem.
Quando pensamos no Sangue
infinitamente Precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo, esse Sangue gerado no seio
de Nossa Senhora, esse Sangue que sai desse Corpo, de onde nunca deveria ter
saído, esse Sangue que, como tudo no Corpo de Cristo, está em união hipostática
com Ele e que sai do Seu organismo sagrado como que simbolizando toda a
dignidade desse organismo — mais ou menos como o vinho que sai da uva e que
representa todo o suco da uva, aquilo que a uva tem de melhor —, esse Sangue, que
é o sangue de Davi, que é o sangue de Maria, que é o Sangue do Homem-Deus e
que, por uma série de atos de violência deicida inomináveis, pela flagelação,
pela coroação de espinhos, pela cruz carregada, pelos tormentos de toda
espécie, pior do que isso, pelo tormento da alma quando Nosso Senhor, na
agonia, começou a sofrer e que o sangue transudava de todo o seu Corpo, esse
Sangue que se derrama pelo chão e que fica atestando de modo clamoroso a
injúria feita ao Homem-Deus, esse sangue assim é uma tal manifestação de onde
pode ir a maldade humana, é uma tal manifestação do mistério da iniqüidade, é
uma tal manifestação de quanto Deus tolera, que é um memorial para nós, para
compreendermos que a natureza humana decaída - sobretudo quando dirigida pelo
pecado e dirigida pelo demônio - é capaz de ir até o fim e não recua diante de
nada.
Portanto, diante do mal,
todas as desconfianças são de rigor. Isto está exatamente no preceito: “Vigiai
e orai”. É preciso ter desconfiança, porque o mal é capaz de tudo, é capaz das
piores infâmias e tudo se pode esperar dele e, contra ele, se podem empregar
todas as violências preventivas que se possam empregar segundo a Lei de Deus e
dos homens. Tudo quanto é dormir a respeito dele, tudo quanto é otimismo bobo,
tudo quanto é deixar para depois em seu combate, tudo isso é um verdadeiro
crime, porque até lá o mal foi capaz de ir e, portanto, ele foi capaz de tudo.
O mal quer toda espécie de mal e é capaz de chegar até o fundo na ordem do mal.
Esta consideração é muito
desagradável para a nossa índole bonacheirona, dulçurosa, amiga de pactuar,
inimiga das divisões. Mas, devemos meditar, diante do Precioso Sangue, até onde
a Revolução vai. A Revolução não recua diante de nada. E é bem evidente que já
foi uma manifestação da Revolução - a pior delas - aquela que se voltou contra
o Homem-Deus.
Diante desse sangue
derramado, é importante notar a misericórdia de Deus, que quis que esse sangue
fosse derramado, e fosse derramado numa abundância inaudita. Todo sangue que
havia no Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo foi derramado, como para mostrar
que, de todos os modos, esse sangue foi dado e foi dado sem reserva de uma só
gota, inteiramente, pelo imenso desejo de Nosso Senhor de nos salvar. Uma gota
de Seu Sangue teria servido para tudo, mas Ele derramou todo o sangue que
tinha. E isso a tal ponto que, ainda aquilo que lhe restava, na lança com que
Longino lhe travou, foi vertido juntamente com água. Ele quis que dEle não
restasse nada, para nos remir.
Essa abundância de sangue,
essa abundância de sofrimento, essa entrega completa de si, até onde pode ser
feita, lembra uma palavra de Nosso Senhor: “Ninguém pode provar mais a amizade
do que dando a vida por seu amigo”. Ora, nesta festa do Precioso Sangue, aqui
está o Precioso Sangue diante de nós com essa afirmação: “ninguém pode ser mais
amigo de cada um de nós do que aquele que dá a vida por nós”.
Mas Ele, de algum modo, fez
mais, porque não só deu Sua vida, mas quis sofrer toda a morte das pancadas,
toda a morte da angústia, toda a morte de cada gota de sangue que ia saindo de
seu corpo sagrado e, nesse sentido, cada gota de sangue que cai é como uma
pequena morte, porque é uma gota de vida que se esvai. Ele quis passar por
todas essas pequenas mortes para mostrar até que ponto infinito Ele tinha
amizade a nós.
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Relicário contendo as Sagradas Espécies do Milagre
Eucarístico de Lanciano. Na ampola inferior o Preciosíssimo Sangue de Nosso
Senhor coagulado |
Daí pende uma consideração de
confiança em Sua misericórdia. Se tanto nos quis salvar, devemos compreender
que cobrindo-nos de Seu Sangue e apresentando-nos ao Padre Eterno com a
expressão de que, cobertos com Seu Sangue podemos pedir perdão para nós,
devemos ter confiança de que podemos pedir este perdão. Mas, por outro lado,
mostra o horror do destino eterno do condenado. Para nos evitar esse destino
eterno, Nosso Senhor chegou até esse ponto. Vejam quão grave é o mal de que Ele
nos quis livrar. Então, medimos a profundeza do inferno considerando uma gota
do Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Não é possível falar desse
assunto sem tocar em outro. Em 1º lugar, qualquer consideração sobre o Sangue
de Cristo nos faz lembrar as lágrimas de Maria, vertidas junto com o Sangue de
Cristo. Depois, uma consideração sobre a Eucaristia. Nosso Senhor não quis que
Nossa Senhora vertesse uma gota de Seu sangue. E tendo permitido que se fizesse
tudo contra Ele, não permitiu que as potências do mal tocassem sequer com a
ponta do dedo em Sua Mãe Imaculada.
Portanto, Ela não teve
tormento físico, e de seu sangue nada veio para humanidade, nem teria a força
redentora do Sangue infinitamente Precioso de Cristo. Seria apenas uma espécie
de complemento. Propriamente, a Redenção viria inteira do Sangue de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Mas Nossa Senhora verteu uma forma de sangue: foram Suas
lágrimas. Pode-se dizer que as lágrimas são o sangue da alma e que Ela sofreu
nela toda a dor da morte dEle, e que é impossível pensarmos no Sangue de Cristo
quando não pensamos, ao mesmo tempo, nas lágrimas de Maria que se juntaram a
esse Sangue e que foi o primeiro tributo da Cristandade para completar aquilo
que Deus quis que fosse completado em Sua Paixão, pelo sofrimento dos fiéis,
para que as almas se salvassem em quantidade.
Por fim, é preciso pensar na
Sagrada Eucaristia. Esse sangue de Cristo foi vertido pelas ruas, pelas praças,
no Pretório de Pilatos, no alto do Calvário, e esse Sangue de Cristo está
inteiro na Sagrada Eucaristia. E quantos de nós talvez tenhamos recebido ontem,
hoje, amanhã, depois não sei quantos dias, o Sangue de Cristo dentro de nós.
Então, quando recebermos o
Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, devemos nos lembrar disso. Esse
Precioso Sangue, derramado por nós, é por nós recebido. Ele, dentro de nós,
está como o sangue de Abel, mas não para clamar castigo contra nós, mas para
clamar misericórdia por nós. Então, recebermos a Eucaristia com muita
confiança, com muita alegria, porque recebemos o Sangue de Cristo que sobe ao
céu e brada pedindo por nós.
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