“Assim era sua fé, tu não tinhas outra quando recebeste a unção do bispo; e, todos aqueles que dão a unção, como aqueles que a recebem, pensam assim, e não de outro modo, sobre Jesus Cristo”.
Publicamos aqui a tradução francesa da conferência entre
Lutero e o diabo, tal como foi publicada, em 1875, por Isidore Lisieux (Paris),
publicado na revista "Sei de la Terre", n°4.
Trata-se de uma reedição da obra publicada, no final do
século XVII, pelo padre de Cordemoy (Paris, 1681, 1684, 1701, in - 12) e
reimpressa por Lenglet-Dufresnoy, em 1715, no seu “Recueil de Dissertations sur
les Apparitions, les Visions et les Songes”. (Paris, 4 vol. in - 12). Esta
última edição foi acompanhada de notas de Lenglet-Dufresnoy e comentários do
padre de Cordemoy que confirmaram a veracidade deste relato e responderam à
argumentação que os luteranos tentaram opor a fim de refutar o texto.
Pareceu-nos que nesta época de ecumenismo e “Missa Nova”, extensamente
inspirada nas idéias de Lutero,esta peça deva ser juntada ao respectivo dossiê.
A Conferência entre Lutero e o Diabo
Narrada pelo próprio Lutero, no seu livro “Da missa privada
e da piedade dos padres.
Aconteceu-me certa vez, acordar-me em sobressalto no meio da
noite: Satanás ali estava e, sem perder tempo, abriu uma discussão.
“Escute-me Lutero, doutor sapientíssimo, disse-me ele. Tu
sabes que, durante quinze anos, celebraste missas privadas; que dirias, se
soubesses que essas missas privadas eram uma horrível idolatria? Que dirias, se
o corpo e o sangue de Cristo não estivessem ali presentes, e, que, não tivesses
adorado, e feito adorar, nada mais do que pão e vinho?”
Eu lhe respondi “Fui ordenado padre, recebi a unção e a
consagração das mãos do bispo, e fiz tudo isso em obediência às ordens dos meus
superiores. Por que não teria consagrado, posto que pronunciei seriamente as
palavras de Cristo, e, tenho celebrado essas missas com grande seriedade? Tu
bem o sabes”.
“Tudo isso é verdade, disse-me, porém os turcos, e os
pagãos, também fazem essas coisas nos seus templos, por obediência; eles
realizam com muita seriedade suas cerimônias. Os padres de Jereboão também
fizeram todas as coisas com um grande zelo e conscienciosamente, ao contrário
dos verdadeiros padres de Jerusalém. Que dirias, se tua ordenação e consagração
fossem tão falsas quanto as dos padres turcos e samaritanos, por ser seu culto
falso e ímpio?”
“Primeiramente, deves saber – prossegue - que não tinhas,
então, nem conhecimento de Cristo, nem fé verdadeira, e, naquilo que se refere
à fé, não valias mais que um turco. Porque o turco, e até mesmo todos os
diabos, crêem em aquilo que se conta sobre Cristo: que ele nasceu, foi
crucificado, morreu, etc. Mas, nem o turco, nem nós outros espíritos
reprovados, temos confiança na sua misericórdia, não o reconhecemos como nosso
Mediador ou Salvador; ao contrário, temos horror dele, como de um juiz cruel”.
“Assim era sua fé, tu não tinhas outra quando recebeste a
unção do bispo; e, todos aqueles que dão a unção, como aqueles que a recebem,
pensam assim, e não de outro modo, sobre Jesus Cristo”.
“É porque, vos afastando de Cristo, como de um juiz cruel,
tendes recorrido à Virgem Maria e aos Santos; estes eram vossos mediadores
entre Cristo e vós. Eis como arrancaram a glória de Jesus Cristo. É isto que
nem tu, nem qualquer outro papista poderá negar. Então, vós fostesungidos,
consagrados e tonsurados, e sacrificastes na missa como pagãos, e não como
cristãos. Como. portanto, pudestes consagrar numa tal missa, ou celebrar
verdadeiramente a missa? Não havia ali nenhuma pessoa com poder consecratório,
e isto não é, segundo vossa própria doutrina, um vício essencial?”
“Em segundo lugar, foste ordenado padre, e abusaste da missa
contra sua instituição, contra o pensamento e o desejo do Cristo que a
instituiu. Porque Cristo quis que o sacramento fosse distribuído entre os fiéis
que comungam, e, que ele fosse dado à Igreja para ser comido e bebido. O verdadeiro
padre, de fato, é constituído ministro da Igreja para pregar o verbo e conferir
sacramentos, como disseram Cristo na ceia, e, São Paulo, na sua primeira
Epístola aos coríntios (cap. II), onde trata da ceia do senhor. Vem daí que os
antigos a chamaram comunhão, porque, de acordo com a instituição de Cristo, não
é somente o padre que deve usar o sacramento, mas todos os outros cristãos seus
irmãos, com ele. E tu, durante quinze longos anos, sempre, ao dizer a
missa,guardaste o sacramento para ti somente, não o comunicaste aos outros.
Ainda mais, era-te proibido dá-lo completo. Que sacerdócio havia então? Que
missa e qual consagração? Que tipo de padre és, que não foste ordenado pela
Igreja, mas por ti mesmo? Eis, na verdade, uma unção da qual Cristo nada sabe,
e que ele não reconhece”.
“Em terceiro lugar, o pensamento e o desejo de Cristo, suas
palavras os indicam suficientemente, são no sentido de que se fazendo uso do
sacramento, anunciamos sua morte. “Fazei isto”, disse, em memória de mim, e,
como acrescenta São Paulo, até que ele venha. E tu, dizedor de missas privadas,
em todas as tuas missas, tu não pregaste ou confessaste, uma só vez, o Cristo;
reservaste só para ti o sacramento, e, as palavras da ceia, as resmungaste só
para ti, entre dentes, como se as assobiasse. Foi isto que Cristo instituiu?
Seriam estes os atos que fariam ver em ti o padre de Cristo? E isto se
comportar como um padre cristão e piedoso?
Foi para isto que foste ordenado?”
“Em quarto lugar, está claro que o pensamento e o desejo, a
instituição, de Cristo, consistem na participação dos demais cristãos no
sacramento. Mas tu, tu recebeste a unção, não para distribuir o sacramento, mas
para sacrificar, e, contra a instituição de Cristo, fizeste da missa um
sacrifício. É isto mesmo, aliás, o que significam, claramente, as palavras do
ordenador, visto que, segundo o rito tradicional, quando ele põe o cálice entre
as mãos do novo padre, declara: “Recebe, diz ele, o poder de consagrar e
sacrificar para os vivos e mortos'. Que perversidade, ó infelicidade! Quanta
infâmia nessa unção, nessa ordenação! Eis uma carne, eis uma bebida que Cristo
instituiu para toda a Igreja, para todos aqueles que o comungam com o padre, e
tu realizas, tu, um sacrifício propiciatório diante de Deus? Ó abominação que
ultrapassa todas asabominações!”
“Em quinto lugar, o pensamento e o desejo de Cristo, já o
dissemos, são que o sacramento seja distribuído na Igreja, e aos comungantes,
para levantar e reforçar sua fé contra as diversas tentações do pecado, do
diabo, etc, e, também, para renovar e pregar os benefícios de Cristo. Mas tu o
consideraste como uma coisa muito pessoal, que poderias fazer sem os outros, ou
comunicar-lhes tua fantasia, seja gratuitamente, seja por dinheiro. Eu te
pergunto, o que podes negar de tudo isto? Assim, aí está o padre que foste, sem
Cristo, não a fim de conferir o sacramento aos outros, mas a fim de sacrificar
para os vivos e para os mortos! Não, tu não pregaste o Cristo na tua missa, não
fizeste, em suma, aquilo que Cristo instituiu. Ora! Não vês que foste ungido e
ordenado pelo bispo contra Cristo, não te é evidente que tua unção e tua
ordenação são ímpias, falsas e anticristãs? Eu sustento, pois, que tu,
simplesmente, ofereceu, adorou, e fez adorar pelos outros, pão e vinho.
“Vês agora que, na tua missa falta, primeiro que tudo, uma
pessoa que tenha poder de consagrar, isto é, um homem cristão. Em segundo
lugar, que falta uma pessoa para quem se consagre e a quem se deva conferir o
sacramento, isto é, a Igreja, o resto dos fiéis e o povo. Porém, tu, ímpio, tu,
ignorante do Cristo, estás lá de pé, sozinho, e imaginas que é por ti que o
Cristo instituiu o sacramento e que te basta dizer uma palavra na missa para
produzir, incontinente, o corpo e o sangue do Senhor; quando em lugar de seres
um membro de Cristo, és seu inimigo. Em terceiro lugar, falta nela o espírito,
a intenção, o fruto e a prática do sacramento, todas as coisas em vista das
quais Cristo a instituiu. Porque Cristo instituiu o sacramento em proveito da
Igreja para ser comido e bebido, para fortalecer a fé dos fiéis, para pregar e
exaltar, na missa, os benefícios de Cristo. Agora, dá tua missa para ti.
ninguém, no resto da Igreja, nada conhece; tu não dizes nada, não dás nada a
ninguém]; sozinho no teu canto, silencioso e mudo, tu comes só, bebes só,
ignorante da palavra de Cristo, incrédulo, indigno, não fazes comungar ninguém
contigo, e, segundo o costume que vos é caro, a vendes por dinheiro, como se
fosse um bom trabalho.
“Portanto, se não és a pessoa que pode e deve consagrar; se,
do mesmo modo, não há ninguém em tua missa, para receber o sacramento; se,
ainda mais, confundes, destróis ou desnaturas completamente a instituição de
Cristo, o que são, então, a tua unção, tua missa e tua consagração, senão
blasfêmias e tentações a Deus? Donde se deduz que não és padre de verdade, nem
o pão é verdadeiramente o corpo de Cristo”.
“Farei uma comparação: suponhamos que se administre lá onde
não haja ninguém parabatizar; que um bispo, por exemplo (segundo o costume
ridículo que ocorre entre os papistas), ache por bem batizar um sino ou uma
campainha, isto é, coisas que não podem e nem devem serbatizadas: dize-me, te
peço, seria isso um batismo verdadeiro? Forçosamente hás de convir que não.
Porque, quem poderia batizar aquele que não existe, ou quando não existe alguma
pessoa apta a ser batizada? Que espécie de batismo seria se, vertendo a água,
eu pronunciasse aos ares estas palavras: Eu te batizo em nome do Pai, do Filho
e do Espírito Santo? Quem, pois, neste caso, receberia a remissão dos pecados,
ou o Espírito Santo? O ar ou o sino? Não há, pois, batismo, é evidente, ainda
que as palavras do batismo sejam pronunciadas, ou a água seja vertida, porque
faltou uma pessoa que pudesse receber o batismo. Pois bem, que dirias se na missa
ocorresse o mesmo, se pronunciasses palavras, crendo receber o sacramento, e
que, no entanto, não recebesses senão pão e vinho? Porque, a pessoa que deve
receber, a Igreja, está ausente; e tu, ímpio, tu, incrédulo, não és mais capaz
de receber o sacramento quanto o sino o é de receber o batismo;enfim, tu não és
nada quanto ao sacramento".
“Dirás, provavelmente: é verdade, não confiro o sacramento
aos outros membros da Igreja, mas eu próprio o tomo, eu mesmo me confiro. E há
muitos entre os outros que, quão incrédulos que sejam, recebem o sacramento ou
o batismo; e, no entanto, é um verdadeiro batismo, um verdadeiro sacramento que
eles recebem. Por que, então, não haveria na minha missa um verdadeiro
sacramento? Mas, isto não é a mesma coisa: no batismo, de fato (mesmo quando é
conferido em caso de urgência), há, pelo menos duas pessoas: a que batiza e a
que deve serbatizada, e, freqüentemente, muitos outros membros da Igreja. E a
função daquela que batiza é tal que ela comunica algo às outras pessoas da
Igreja, em vez de tomá-la por ela somente, em detrimento das demais, como tu
fazes, tu, na tua missa. Enfim, todos os acessórios da obra principal estão
aqui, segundo a ordem e a regra da instituição de Cristo; tua missa, ao
contrário, é oposta à instituição de Cristo"
“Em segundo lugar, por que não ensinais que se pode batizar
a si mesmo? Por que condenais um batismo dessa espécie? Por que rejeitais a
confirmação que, segundo vossos ritos, não se daria a si mesmo? Por que a
ordenação não valeria nada, se qualquer um se ordenasse padre ele próprio? Por
que não haveria absolvição, se se absolvesse a si mesmo? Por que não haveria
unção, se um doente terminal se desse a si mesmo, de acordo com as formas
utilizadas por vós? Por que não haveria matrimônio, se alguém se desposasse a
si mesmo, ou quisesse forçar uma moça, e pretendesse que isso seria um
casamento, apesar da moça? Porque, eis aí, com a eucaristia estão os vossos
sete sacramentos. Ora, se ninguém pode produzir nenhum dos vossos sacramentos,
nem usá-los para si mesmo, como explicas que queiras fazer por si só esse
sacramento supremo, a eucaristia?”
“É verdade, sem dúvida, que o Cristo se encontra, ele
próprio, no sacramento, e, que, qualquer ministro que seja, ao conferi-lo aos
outros, se toma por ele. Mas, não o consagra por ele só: toma-o em comunhão com
os assistentes e com a Igreja, e tudo se passa conforme o verbo de Deus,
segundo a ordem e o mandamento de Cristo. Quando falo de consagração, é para
perguntar se um padre pode consagrar e realizar o sacramento por si só, porque
sei muito bem que, uma vez a consagração feita, ele pode usá-la com os demais:
é uma comunhão, e a mesa do Senhor está aberta a todos. Do mesmo modo, quando
perguntei se se poderia dar a unção e chamar-se a si mesmo, eu sabia, de resto,
que uma vez ungido e chamado, poderia, em seguida, usar da sua vocação. Do mesmo
modo, falando de alguém que violasse uma moça, perguntei se bastava ao ímpio
chamar de casamento essa conjunção; mas, sei muito bem que se a moça consentir
antes em casar-se, a conjunção que se seguir é um casamento”.
Nessa angústia, nesse debate contra o diabo, eu queria
resistir ao inimigo com as armas que me eram familiares sob o papado; eu lhe
objetei com a intenção e a fé da Igreja, fé e intenção às quais eu me tinha
conformado, celebrando missas privadas. Admitindo, disse, que eu estivesse
enganado na minha fé, e no meu pensamento, assim ele estaria certo de que a fé
da Igreja, o pensamento da Igreja têm sido o que deveriam ser.
Porém, Satanás, com mais força e veemência:
“Ah, é isto, disse-me, faça-me, então, ver onde está escrito
que um ímpio, um incrédulo, pudesse oficiar no altar de Cristo e consagrar,
realizar o sacramento na fé da Igreja? Onde foi que Deus prescreveu ou ordenou
isso? Como provarás que a Igreja te comunica sua intenção para que digas tua
missa privada? E se, agora, não possuis o verbo de Deus, se tua doutrina toda
não passa de mentira. Que impudência a vossa! Fizestes tudo isto nas trevas,
abusastes do nome da Igreja; e, depois, quereis defender todas essas
abominações pretextando a intenção da Igreja: a Igreja não crê nada, não pensa
nada fora do verbo e da instituição de Cristo, com muito mais razão ainda
contra seu espírito e sua instituição; é o que tenho dito, e São Paulo disse
antes de mim, na sua primeira Epístola aos Coríntios (cap. II), comovendo a
Igreja e a assembléia dos fiéis: “Nós possuímos o espírito de Cristo”.
“Ora, de quem aprenderás que tal ou qual coisa é segundo o
espírito e a intenção de Cristo e da Igreja, senão do verbo de Jesus Cristo, da
doutrina e da confissão da Igreja? Como sabes que, segundo a intenção, e o
espírito da Igreja, o homicídio, o adultério, a incredulidade, são pecados
mortais, como sabes isto e outras coisas do mesmo gênero, senão pelo verbo de
Deus?”
“Agora, se para conhecer a intenção da Igreja, a respeito
das boas ou das más ações, é preciso referir-se ao verbo e ao mandamento de
Deus, quanto maior não será a necessidade de perguntar ao verbo de Deus o que
ele pensa da doutrina! Por que, então, tua missa privada, ó blasfemador!
Contrarias as ordens e as palavras precisas de Cristo? Por que buscar, em
seguida, cobrir tua mentira, tua impiedade, com o nome e a intenção da Igreja?
É com essas miseráveis cores que enfeitas tuas ficções, como se a intenção da
Igreja pudessem ser contrárias às palavras precisas e à instituição de Cristo?
Donde te vem essa prodigiosa audácia de profanar o nome da Igreja com uma
mentira tão impudente?”
“Em suma, és dizedor de missas, e tu não fostes consagrado
assim, pelo bispo, senão para agir na missa privada contra as palavras precisas
e a instituição de Cristo, contra o espírito, a fé e a confissão da Igreja:
então, tua unção é tudo o que existe de mais profano; nada tem de santa nem de
sagrada. Além do mais, ela é mais vã, mais inútil, e também mais ridícula do
que seria obatismo de uma pedra, de um sino, etc.”.
E, para terminar, acrescentou Satanás:
“Fica provado que tu não consagraste, mas somente ofereceste
pão e vinho, como os pagãos; e, que, num tráfico infame, insultante para a
divindade, vendeste tua obra aos cristãos, não servindo, assim, nem Deus, nem
Cristo, mas teu ventre”.
“Qual é, pois, essa abominação, inaudita no Céu e na terra?”
Este é, mais ou menos, o resumo dessa discussão.
Diálogo Ecumênico
entre Martinho
Lutero,
Doutor do Pecado
Triunfante,
e Satanás,
Príncipe das Trevas
e Pai da Mentira
Texto editado
originalmente pela
Revista Sel de La
Terre
Avrillé/França
Tradução: Euro
Barbosa de Barros
Ia. Edição - Novembro
2005 - 3000 exemplares
Editor: Francisco
Almeida Araújo
Obs: O título para
este livro foi dado pelo editor.
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