"Mas como explicar que, a despeito da meridiana clareza sobre essa matéria, ainda assim se pretenda seja “estudada”, na verdade, posta em discussão?"
Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa
Foi anunciada pelo Vaticano há poucos dias a constituição de
uma comissão de teólogos e teólogas encarregada de estudar o diaconato feminino
na Igreja primitiva. A referida comissão é fruto de um pedido de um grupo de religiosas ao papa Francisco I,
que a instituiu após “muita oração e reflexão” – assim diz a nota da Santa Sé.
De acordo com os melhores estudiosos do assunto, não há
nenhuma dúvida de que as diaconisas dos primeiros tempos da Igreja eram
mulheres piedosas que se encarregavam de obras de caridade, recebiam uma bênção
(com imposição das mãos do bispo) e tal bênção não era absolutamente um
sacramento, mas apenas um sacramental.
À luz da tradição constante da Igreja e do magistério dos
papas, não procede nenhuma discussão sobre a admissibilidade do sacerdócio
feminino na Igreja Católica. Se por desgraça amanhã houver o abuso de uma
ordenação de diaconisas, o sacramento da ordem a elas conferido, sobre ser um
sacrilégio, será inválido, mas poderá originar uma enorme confusão na Igreja
porque já não serão vistas essas reverendas diaconisas como leigas mas como
membros do clero e pertencentes à hierarquia eclesiástica. E certamente não se
contentarão em ser diaconisas permanentes mas vão pretender galgar os graus
mais altos da hierarquia.
Mas como explicar que, a despeito da meridiana clareza sobre
essa matéria, ainda assim se pretenda seja “estudada”, na verdade, posta em
discussão?
No século passado, quando, sobretudo, entre os heréticos, a
reboque do feminismo mundano neopagão, se começou falar em sacerdotisas, Paulo
VI disse que a Igreja, com base na sagrada tradição, não se sentia autorizada a
instituir o sacerdócio feminino e, em 1994, João Paulo II, por meio da carta
apostólica Ordinatio sacerdotalis, concebida em termos muito mais firmes que
seu predecessor Paulo VI, parecia encerrar completamente o assunto.
Entretanto, a questão não foi sepultada. Pelo contrário
recrudesceu. Por isso, esforço-me por buscar algumas e dar um depoimento que
reputo muito esclarecedor.
Se por um lado o papa João Paulo II no referido documento
encerrou a questão no plano teológico e afirmou na Familiaris Consortio que o
lugar da mulher é em casa cuidando da sua família, por outro lado não favoreceu
o surgimento das condições culturais necessárias para que um princípio
teológico não ficasse letra morta mas vigorasse efetivamente na Igreja e em
todos os ambientes católicos. Explico-me. O papa João Paulo II disse que
lamentava ver como a mulher ao longo dos séculos foi humilhada e maltratada.
Ora, na sociedade cristã isso jamais ocorreu. Até parece Francisco I pedindo perdão
às mulheres e aos gays. Sem dúvida, esse discurso só pode alimentar a erva
daninha do feminismo.
Ademais, o papa João Paulo II, promovendo um ecumenismo e um
diálogo inter-religioso sem fronteiras, foi um precursor da “cultura do
encontro”, tão cara a Francisco I. Esta cultura do encontro tem sérias
consequências e implicações. Em primeiro lugar, a meu juízo, opõe-se às
ordenanças divinas do Livro Sagrado. Com efeito, diz o Levítico que Deus
ordenou ao povo eleito que vivesse isolado, separado dos povos pagãos para que
conservasse íntegra a verdadeira religião, não corrompesse a pureza das suas
crenças divinas.
Com todas as adaptações que se possam e se devam fazer aos
nossos tempos, a prescrição do Levítico é de um valor perene. É realmente
impossível querer guardar íntegra a fé cantando, por exemplo, vésperas solenes
ecumênicas nas basílicas e catedrais juntamente com diaconisas e sacerdotisas
protestantes. Esse ambiente empestado de ecumenismo, irenismo e sincretismo com
o tempo levará certissimamente os católicos a sacrificar sua teologia no altar
da unidade religiosa universal. A Igreja, ao contrário da “cultura do encontro”, devia ver isolada
como os hebreus viveram isolados na terra de Canaã, para proteger os seus
filhos da contaminação dos erros e perigos. Sem essa cautela, a Igreja corre o
risco de ser incorporada à República Universal do Grande Arquiteto.
Trata-se de uma observação justíssima de bons historiadores e
filósofos da cultura e da religião que nos ensinam que as questões teológicas
controvertidas sempre tiveram o seu desenvolvimento e sua solução sob a
influência das instituições políticas e dos valores culturais do seu tempo. De
modo que nos dias de hoje em que reinam de norte a sul as Hilarys Clinton, as
Teresas May, as Ângelas Merkel (para não falar das infames Rousseff e Cristina
Kirchner) e a toque de caixa de todo o movimento feminista mundial, será
realmente muito difícil a Igreja barrar o sacerdócio feminino se não for capaz
de criar as condições culturais que venham a ser uma muralha, uma cidadela em
defesa do dogma. Infelizmente, Ratzinger dizia que era necessário abater as
muralhas da Igreja! E Francisco I diz que é pontífice para erguer pontes dentro
da sua cultura do encontro, que todos já bem conhecemos.
A outra causa do ressurgimento da questão do sacerdócio
feminino é desgraçadamente a timidez dos bons, o espírito de capitulação diante
de qualquer obstáculo. Posso ilustrar este ponto com uma história verídica.
Disse-me um padre (da minha inteira confiança) que por volta
de 1998 um dos melhores bispos do mundo, tido como um dos mais conservadores,
adoeceu e pediu-lhe que o substituísse em um congresso teológico dando uma
palestra sobre os sacramentos e família. No congresso havia leigos, religiosos
e religiosas de várias partes do País. Terminada a palestra, no final da tarde,
o padre foi visitar o bispo e informá-lo de como se tinham passado as coisas. E
disse-lhe: “Sr. bispo, tive oportunidade de explanar a carta Ordinatio
sacerdotalis”. Para surpresa e decepção do padre, o bispo recebeu a informação
com um amargo dissabor. E o padre perguntou-lhe porque não lhe agradava a
referência à carta apostólica de João Paulo II. E o bispo disse: “Acontece que
há muita gente de outras dioceses onde se contesta o ensinamento do papa e podia
surgir uma discussão inoportuna no congresso.”
Desde então – disse-me o padre – fiquei convencido de que,
contando com as atitudes ambíguas e omissões da hierarquia, a heresia avançava
em surdina em todos os setores da Igreja.
De maneira que não ficarei surpreso se amanhã vir nas missas
solenes da Ecclesia Dei diaconisas cantando o Evangelho, pregando ou batizando
seus netinhos. Muitos padres birritualistas certamente vão participar de
cerimônias servidas pelas reverendas.
De capitulação em capitulação chegamos às diaconisas e
bispas. Que vão, quem sabe, tomar chá com a papisa rainha Eilsabeth na sede da
seita anglicana.
Anápolis, 4 de agosto de 2016.
Festa de São Domingos Gusmão, fundador da Ordem dos
Pregadores, apóstolo do Santo Rosário de Nossa Senhora.
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