Ecce ancílla Dómini
Fiat mihi secúndum
verbum tuum.
De todas as virtudes é
a humildade o fundamento e a guarda, lê-se com razão nos sermões sobre a Salve
Rainha. Sem humildade, não há virtude que possa existir numa alma. Possua
embora todas as virtudes, fugiriam todas ao lhe fugir a humildade. Pelo
contrário, Deus tão amante é da humildade, que se apressa em correr onde a vê,
escreve S. Francisco de Sales a S. Joana de Chantal.
No mundo era
desconhecida essa virtude tão bela e necessária. Mas, para ensiná-la, veio à
terra o próprio Filho de Deus, exigindo que, principalmente nesse particular,
lhe procurássemos imitar o exemplo. "Aprendei de mim, porque sou manso e
humilde de coração" (Mt 11,29). E assim como em todas as virtudes foi
Maria a primeira e mais perfeita discípula de Jesus Cristo, o foi também na
humildade. Por ela mereceu ser exaltada sobre todas as criaturas. Essa foi a
virtude em que, desde pequena, se singularizou. Assim nos consta de uma
revelação feita a S. Matilde.
1. O primeiro traço da
humildade é o modesto conceito de si mesmo
Vemo-la em Maria,
conforme fala a supracitada revelação. Embora se visse mais enriquecida de
graças que os outros todos, nunca ela se julgou acima de quem quer que fosse.
Ao contrário, teve sempre modesta opinião de si mesma. Este é o sentido que, no
parecer de Roberto, abade, têm as palavras dos Cânticos: Tu feriste meu
coração, minha irmã, tu feriste meu coração com uma madeixa de teu pescoço
(4,9). O humilde conceito de si mesa foi o encanto com que Maria prendeu o
coração de Deus. Não podia, é claro, a Santíssima Virgem julgar-se uma
pecadora. Pois, na frase de S. Teresa, a humildade é a verdade, e Maria tinha
consciência de nunca haver ofendido a Deus. Não é também que deixasse de
confessar a preferência com que Deus lhe concedera maiores favores do que às
demais criaturas. Para humilhar-se ainda mais, reconhece o coração do humilde
as singulares dádivas do Senhor. A Deus, porém, aprofundava na Virgem o
conhecimento da própria pequenez. Por isso, mais que ninguém, se humilhava,
dizendo com a esposa dos Cânticos: Não olheis para o ser morena, porque o sol
me mudou a cor (1,5). O que, segundo S. Bernadino, significa: Comparando-me com
Deus, me vejo toda escura. Segundo o mesmo Santo, jamais ela perdia de vista a
grandeza de Deus e o seu próprio nada.
Vendo-se uma mendiga
revestida de custosas vestes, que lhe foram dadas, não se envaidece, mas antes
se humilha ao contemplá-las diante de seu benfeitor. Justamente essa presença
fá-la recordar sua pobreza. Assim a Virgem quanto mais enriquecida se via, mais
se humilhava. Lembrava-se, sem cessar, de que tudo aquilo era dom de Deus. Daí
a sua palavra a S. Isabel de Turíngia: Creia-me, filha, sempre me tive pela
última das criaturas e indigna das graças de Deus. Exatamente por isso,
conforme S. Bernadino, nunca houve no mundo criatura tão sublimada como Maria,
porque nunca ninguém a igualou em humildade.
2. Também é efeito da
humildade ocultar os dons celestes
Nem a S. José quis a
Senhora revelar a graça de se haver tornado Mãe de Deus. O pobre esposo viu
como ela ia ser mãe, e necessitava de esclarecimentos que o libertassem de
cruciantes suspeitas da honestidade da esposa, e dele afastassem vexames e
confusões. De um lado, José não podia duvidar da castidade de Maria e de outro
ignorava o mistério da Encarnação. Resolveu por isso deixá-la ocultamente, para
sair de tão embaraçosa situação. Tê-lo-ia feito certamente, se o anjo não lhe
houvesse revelado que sua esposa se tornara Mãe por obra do Espírito Santo.
3. O humilde recusa os
louvores referindo-os todos a Deus
Tal foi o procedimento
de Maria, ao perturbar-se diante dos louvores que lhe dirigia o arcanjo S.
Gabriel. E foi outro talvez seu procedimento, quando Isabel a chamou de bendita
entre todas as mulheres e de Mãe do Senhor? Imediatamente Maria atribuiu toda a
glória a Deus, respondendo no seu humilde cântico: Minha alma engrandece ao
Senhor. Vale como se dissesse: Isabel, tu me louvas, porém eu louvo ao Senhor,
a quem unicamente é devida toda a honra. Tu te admiras de vir eu a ti, mas eu
admiro a bondade divina, na qual, tão somente, meu espírito se alegra.
Louvas-me porque eu acreditei, mas eu louvo a meu Deus que quis exaltar o meu
nada. Na baixeza de sua serva pôs os seus olhos. É esse o motivo por que Maria
disse a S. Brígida: Por que me humilhei
tanto ou por que mereci, minha filha, uma tão extraordinária graça? Só porque
estava plenamente convencida de não valer nada, de não possuir algo de mim mesma.
Procurava por isso o louvor de meu Criador e Benfeitor e nunca o meu próprio. -
Admirado de tanta humildade em Maria, exclamava o Pseudo-Agostinho: Ó realmente
abençoada humildade, que abriu o paraíso e livrou as almas do inferno.
4. É próprio do humilde
prestar serviços
Maria não se negou a
servir Isabel durante três meses. Sobre isto escreve S. Bernardo: Admirou-se
Isabel da vinda de Maria, porém mais admirável era ainda o motivo de sua vinda:
vinha para servir e não para ser servida.
5. O humilde gosta de
uma vida retirada e despercebida
Maria procedeu de modo
semelhante, diz-nos o citado Santo, quando seu Filho pregava numa casa e ela
lhe desejava falar. Não se animou a entrar (Mt 12,46). Ficou de fora e não
confiou no prestígio de mãe, mas evitou de interromper a pregação do Filho; não
entrou por isso na casa onde ele falava, observa o mesmo santo Padre. Pelo
mesmo motivo, quis também tomar o último
lugar, quando estava no cenáculo com os apóstolos. "Todos perseveravam de
comum acordo em oração com as mulheres, e Maria, Mãe de Jesus"(At 1,14).
Bem conhecia S. Lucas qual o mérito da Divina Mãe, devendo por isso nomeá-la
antes de todos. Porém, de fato, Maria tinha tomado o último lugar, depois dos
apóstolos e das santas mulheres. S. Lucas - na opinião de um autor - os nomeou
a todos e por último a Virgem, segundo o lugar que ocupava. Isso motiva a
observação de S. Bernardo: Com razão tornou-se a primeira a que era a última
porque, sendo a primeira, se fizera a última.
6. Os humildes amam
finalmente os desprezos
Eis por que não se lê
que Maria aparecesse em Jerusalém no domingo de Ramos, quando seu Filho foi
recebido com tanta pompa pelo povo. Mas, por ocasião da morte de Jesus, não
receou comparecer em público no Calvário, aceitando assim a desonra de se dar a
conhecer por mãe de um sentenciado, que ia sofrer a morte de um criminoso. Ela
mesmo disse uma vez a S. Brigida: Que há de mais humilde, do que ser chamado de
louco, sofrer privação de tudo e ter a si mesmo por último de todos? Ó filha,
era assim a minha humildade, na qual estava minha alegria e todo desejo de meu
coração; pois minha única preocupação era ser em tudo semelhante a meu Filho.
7. Em um êxtase foi
dado a conhecer à Venerável Paulo de Foligno quanto foi grande a humildade de
Maria
Relatando essa graça a
seu confessor, dizia-lhe atônita: A humildade de Nossa Senhora! Ó meu pai, a
humildade de Nossa Senhora! Não existe no mundo, nem ainda no menor grau,
humildade que se compare à de Maria. - O Senhor também mostrou um dia a S.
Brígida duas mulheres: uma toda luxo e vaidade. Esta - disse Ele - é a Soberba.
Sobre a outra, disse: Contempla essa que tem a cabeça baixa, que é serviçal
para com todos, pensando em Deus unicamente e convencida de seu nada: é a
Humildade e chama-se Maria. Deus assim mostrava que sua bem-aventurada Mãe era
tão humilde, como se fora a própria humildade.
Para nossa natureza
corrompida pelo pecado, não há talvez, como avisa S. Gregório Nisseno, virtude
mais difícil de praticar que a humildade. Entretanto não há remédio: nunca
poderemos ser verdadeiros filhos de Maria, se não formos humildes. De onde
então as palavras de S. Bernardo: "Se não podes imitar a humilde Virgem em
sua pureza, imita ao menos a pura Virgem em sua humildade." Ela aborrece
os soberbos e só chama a si os humildes. Todo o que é simples venha a mim (Pr
9,4). É de Ricardo de S. Lourenço a sentença: Maria protege-nos sob o manto da
humildade. O mesmo queria ela dizer a S. Brígida com as palavras: Vem também
tu, minha filha, e esconde-te debaixo do meu manto, que é a humildade. E
ajuntou que a meditação de sua humildade era um manto bom e aquecedor. Um manto
aquece só quem o traz, não em pensamento, mas em realidade. Assim também minha
humildade aproveita só àqueles que se esforçam por imitá-la". Oh! como são
queridas de Maria as almas humildes! Eis a razão por que diz o autor dos
sermões sobre a Salve Rainha: A Virgem Santíssima conhece e ama todos os que a
amam; está ao lado dos que a invocam, principalmente quando se lhe assemelham
pela pureza e humildade. Martinho d'Alberto, jesuíta, costumava varrer a casa e
ajuntar o lixo por amor da Virgem. Apareceu-lhe um dia a Mãe de Deus, refere o
Padre Nieremberg, agradeceu-lhe esse obséquio, dizendo: Como me é agradável a
humilde ação que praticas por amor de mim!
Assim, pois, ó minha
Rainha, não poderei ser vosso filho, se não for humilde. Não vedes, porém, que
meus pecados, depois de me terem tornado ingrato ao meu Senhor, me tornaram
também soberbo? Ó minha Mãe, remediai a este mal e, pelos merecimentos de vossa
humildade, impetrai-me a graça de ser humilde e tornar-me vosso filho. Amém.
Fonte: Glórias de
Maria - Santo Afonso Maria de Ligório
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