“Morra eu, Senhor, pelo amor de teu amor, que te
dignaste morrer pelo amor de meu amor”
Sto.
Afonso Maria de Ligório.
1.
Diz S. Lourenço Justiniano que a morte de Jesus foi
a mais amarga e dolorosa dentre todas as mortes dos homens, porque o Redentor
morreu na cruz sem o mínimo alívio. Nas pessoas que sofrem, a
pena é sempre mitigada por qualquer pensamento ao menos de consolação; mas a dor e a tristeza de Jesus foram inteiramente puras, sem
mistura de consolo, como diz o Angélico (III q. 46 a 6).
Por
isso S. Bernardo, contemplando Jesus agonizando na cruz, exclama: Meu caro Jesus, contemplando-vos sobre esse madeiro, dos pés
até à cabeça não vejo senão dor e tristeza. Ó meu doce Redentor, ó amor de
minha alma, por que quisestes derramar todo o vosso sangue, por que sacrificar
a vossa vida divina por um verme ingrato como eu? Ó meu Jesus, quando será que
eu me ligarei tão estreitamente a vós que não possa mais separar-me e deixar de
vos amar?
Ah,
Senhor, enquanto vivo neste mundo, estou em perigo de negar-vos o meu amor e
perder a vossa amizade, como tenho feito no passado. Ah, meu caríssimo
Salvador, se, continuando a viver, terei de passar por esse grande mal,
suplico-vos por vossa paixão, dai-me a morte agora que eu espero estar em vossa
graça. Eu vos amo e quero amar-vos sempre.
2. Lamentava-se
Jesus pela boca do Profeta que, quando agonizava na cruz, procurava quem o
consolasse e não o encontrava (Sl 68,21).
Os judeus e os romanos, mesmo quando ele estava para expirar, o maldiziam e
blasfemavam.
Maria
Santíssima, sim, estava aos pés da cruz para dar-lhe algum alívio, se pudesse;
mas essa mãe aflita e amorosa, com a dor que suportava pelos sofrimentos de
Jesus, mais afligia a esse Filho que tanto a amava. Diz S. Bernardo
que os sofrimentos de Maria contribuíram mais para atormentar o coração de
Jesus. Quando o Redentor olhava para Maria assim atormentada, sentia sua alma
transpassada mais pelas dores da Mãe que pelas suas próprias, como a
mesma Santíssima Virgem revelou a S. Brígida: “Ele, vendo-me, mais se
doía de mim que de si mesmo”. Do que conclui S.
Bernardo: Ó bom Jesus, vós sofreis grandes dores no corpo, mas
sofreis ainda mais no coração por compaixão com vossa Mãe.
3.
Que sofrimentos, pois, não experimentaram esses corações amorosíssimos de Jesus
e Maria, quando chegou o momento em que o Filho, antes de expirar, teve de se
despedir de sua Mãe. Eis as últimas palavras com que Jesus se despediu neste
mundo de sua Mãe: “Mulher, eis aí teu filho” (Jo
19,26), indicando-lhe João que lhe deixava por filho em seu lugar.
Ó Rainha das dores, as recordações de um filho amado que morre são
muito caras e não saem mais da memória de uma mãe. Recordai-vos que vosso
Filho, que tanto vos amou, vos deixou a mim, pecador, por filho, na pessoa de
João. Pelo amor que tendes a Jesus, tende piedade de mim. Eu não vos peço os bens da
terra: vejo vosso Filho
que morre em tantos tormentos por mim; vejo-vos a vós, minha Mãe inocente,
sofrendo tantas dores por mim e vejo que eu, miserável réu do inferno, nada
padeci pelos meus pecados por vosso amor. Quero sofrer alguma coisa por vós
antes de morrer. Esta é a graça que vos peço e vos digo com S.
Boaventura que, se vos ofendi, é de justiça que eu padeça por castigo, e se eu
vos servi, é justo que eu sofra por recompensa.
Impetrai-me,
ó Maria, uma grande devoção e uma recordação contínua da paixão de vosso Filho.
E por aquele tormento que sofrestes, vendo-o expirar na cruz, obtende-me uma
boa morte; assisti-me, minha Rainha, naquele último momento e fazei que eu
morra amando e proferindo os santíssimos nomes de Jesus e Maria.
4. Vendo
Jesus que não encontrava quem o consolasse neste mundo, levantou os olhos e o
coração para seu Pai, para pedir-lhe alívio. Mas o eterno Pai, vendo seu Filho
coberto com as vestes de pecador: Não, Filho, disse-lhe, não te posso consolar,
já que estás satisfazendo a minha justiça pelos pecados de todos os homens;
convém que agora eu te abandone aos teus sofrimentos e te deixe morrer sem
conforto. E foi então que o
nosso Salvador, elevando a voz, disse: “Deus
meu, por que me abandonais”? (Mt 27,46).
Explicando
esta passagem, o Beato Dionísio Cartusiano diz que Jesus proferiu essas
palavras com grande brado, para fazer todos compreenderem a grande dor
e tristeza em que morria. E quis nosso amantíssimo Redentor morrer
privado de toda consolação, acrescenta S. Cipriano, para nos
demonstrar seu amor e atrair para si todo o nosso amor.
Ah,
meu amado Jesus, queixai-vos injustamente, dizendo: Meu Deus, por que me
abandonastes? Perguntas por quê? E eu pergunto-vos: por que quisestes vos
encarregar de pagar por nós? Não sabíeis que só pelos nossos pecados merecíamos
ser abandonados por Deus? Com razão, pois, vos abandonou o vosso Pai e vos
deixou morrer num mar de dores e de tristezas.
Ah,
meu Redentor, o vosso abandono me aflige e me consola: aflige-me, porque vos
vejo morrer com tantos sofrimentos, mas consola-me dando-me confiança de que,
pelos vossos merecimentos, não serei abandonado pela misericórdia divina, como
eu merecia por vos ter abandonado tantas vezes para seguir os meus caprichos.
Fazei-me compreender que, se para vós foi tão cruel o ser privado por breve
tempo da presença sensível de Deus, qual seria o meu tormento se tivesse de
ficar privado de Deus para todo o sempre.
Por
esse vosso abandono, suportado com tanta dor, não me abandoneis, ó meu Jesus,
especialmente na hora de minha morte. Nesse momento em que todos me
abandonarão, não me abandoneis, vós, meu Salvador. Sede então vós, meu Senhor
desolado, o meu conforto nas minhas desolações. Bem sei que se vos amasse sem
consolação, contentaria o vosso coração; conheceis, porém, a minha fraqueza,
ajudai-me com a vossa graça. infundindo-me então perseverança, paciência e
resignação.
5.
Aproximando-se Jesus da morte, disse: ”Tenho sede”. Dizei-me, Senhor, de que tendes sede? pergunta Leão
de Óstia. Vós não vos queixais dos imensos tormentos que sofrestes na cruze vos
lamentais exclusivamente da sede? “Minha sede é a vossa salvação”, lhe faz dizer S. Agostinho (In ps. 33). Ó almas, diz Jesus, esta minha sede não é outra
coisa que o desejo que tenho de vossa salvação.
O
Redentor amorosíssimo tem um ardente desejo de nossas almas e por isso ardia em
se dar todo a nós por meio de sua morte. Foi essa a sua sede, escreve S.
Lourenço Justiniano. E S. Basílio de Seleucia diz que Jesus Cristo afirma sentir
sede, para dar-nos a entender que, pelo amor que nos tinha, morria com o desejo
de padecer por nós mais ainda do que tinha padecido.
Ó
Deus amabilíssimo, porque nos amais, desejais que nós suspiremos por vós. “Deus
tem sede de que tenhamos sede dele”, diz
S. Gregório Nazianzeno (Tetr. Sent. 34). Ah, meu Senhor, tendes sede de mim,
vilíssimo verme, e eu não sentirei sede de vós, meu Deus infinito? Pelos
merecimentos dessa sede suportada na cruz, dai-me uma grande sede de vos amar e
de comprazer-vos em tudo. Prometestes que nos atenderíeis em tudo o que vos
pedíssemos: Pedi e recebereis. Eu vos peço este dom de vosso
amor.
Eu
não o mereço, mas será essa a glória de vosso sangue, fazer vosso grande amigo
um coração que durante tanto tempo vos desprezou; fazer todo chamas de caridade
um pecador todo cheio de lama e de pecados. Fizestes muito mais do que isto,
morrendo por mim. Ó Senhor infinitamente bom, eu desejaria amar-vos tanto
quanto vós o mereceis. Regozijo-me do amor que vos têm tantas almas abrasadas e
mais ainda do amor que tendes por vós mesmo, ao qual uno o meu, embora
fraquíssimo. Amo-vos, ó Deus eterno, amo-vos, ó amabilidade infinita. Fazei que
eu cresça cada vez mais no vosso amor, repetindo sem cessar atos de amor e
esforçando-se par vos agradar em todas as coisas sem intermitência e sem
reserva. Fazei que, apesar de miserável e pequenino como sou, seja pelo menos
todo vosso.
6.
Nosso Jesus, já estando para expirar, disse com voz moribunda:“Tudo está consumado”. Enquanto
profere essa palavra, rememora em sua mente todo o decorrer de sua vida: viu todas as fadigas que experimentara, a
pobreza, as dores, as ignomínias suportadas, oferecendo-as todas novamente a
seu eterno Pai pela salvação do mundo. Depois, voltando-se para nós, repetiu:
“Tudo está consumado”, como se dissesse: Ó
homens, tudo está consumado tudo está completo: concluída a vossa redenção,
satisfeita a divina justiça, aberto o paraíso. “Eis o teu tempo, e o tempo dos
amantes” (Ez 16,8).
É
tempo, finalmente, ó homens, de começardes a amar-me. Amai-me, pois, amai-me
porque nada mais me resta fazer para ser amado por vós. Vede o que fiz para
conquistar o vosso amor: por vós levei uma vida tão cheia de tribulações; no
fim de meus dias, antes de morrer, consenti em que me tirassem todo o meu
sangue, me escarrassem no rosto, lacerassem as carnes, coroassem de espinhos,
chegando até aos horrores da agonia neste lenho, como estais vendo. Que falta
ainda? Só falta que eu morra por vós; pois bem: quero morrer: Vem, ó morte,
dou-te licença de tirar-me a vida pela salvação de minhas ovelhas.
E
vós, ovelhas minhas, amai-me, porque nada mais posso fazer para me fazer amar.
Tudo está consumado, diz Tauler, tudo o que a justiça exigia, o que requeria a
caridade, tudo o que se podia fazer para patentear o amor (De vita et pass.
Salv. c. 49). Pudesse dizer também eu ao morrer, meu amado Jesus: Senhor,
realizei tudo, fiz tudo que me impusestes, levei com paciência a minha cruz,
tudo vos satisfiz. Ah, meu Deus, se tivesse de morrer agora, morreria descontente,
porque não poderia repetir nenhuma dessas coisas de verdade.
Mas
hei de viver sempre assim, ingrato ao vosso amor? Dai-me a graça de
contentar-vos nos anos que me restam, para que, quando chegar a morte, possa
dizer-vos que ao menos desta data em diante executei a vossa vontade. Se vos
ofendi pelo passado, a vossa morte é minha esperança. Para o futuro não quero
mais atraiçoar-vos, mas é de vós que espero a minha perseverança. Por vossos
merecimentos, ó meu Senhor Jesus Cristo, eu volo peço e espero.
7. Eis
Jesus expirando na cruz. Contempla-o, minha alma, nas dores da agonia, a exalar
o último suspiro. Contempla esses lhos moribundos, a face pálida, o coração que
com lânguido movimento apenas palpita, o corpo que já se entrega à morte e esse
bela alma que em breve deixará o corpo dilacerado. Já o céu se escurece, treme
a terra, abrem-se os sepulcros. Que significam esses terríveis sinais? a morte
do Criador do universo.
8.
Por último, nosso Redentor, depois de haver recomendado sua bendita alma a seu
eterno Pai, tendo primeiramente dado um grande suspiro partido de seu aflito
coração, inclina a cabeça em sinal de obediência, oferece sua morte pela
salvação dos homens e expira pela violência de dor, entregando seu espírito nas
mãos de seu querido Pai. “E clamando com
grande brado, Jesus diz: ‘Pai, em vossas mãos encomendo o meu espírito’. E
dizendo isto, expirou” (Lc 23,46).
Chega-te,
minha alma, aos pés deste santo altar, no qual morreu sacrificado para te
salvar o Cordeiro de Deus. Chega-te e pensa que ele morreu pelo amor que te
consagrou. Pede quanto desejares ao teu Senhor morto e espera tudo. Ó Salvador
do mundo, ó meu Jesus, eis a que estado vos reduziu o amor pelos homens;
agradeço-vos o terdes querido perder a vida para que se não perdessem as nossas
almas: agradeço-vos por todos, mas particularmente por mim mesmo. Quem mais do
que eu se aproveitou do fruto de vossa morte?
Eu, por vossos merecimentos, sem nem sequer o saber, tornei-me filho da
S. Igreja pelo batismo: por vosso amor fui tantas vezes perdoado e recebi
tantas graças especiais; por
vós tenho a esperança de morrer na graça de Deus e de chegar a amar-vos no
paraíso. Meu amado Redentor, quanto vos devo! Entrego minha pobre alma às
vossas mãos traspassadas. Fazei que eu compreenda bem quão grande foi
o amor que levou um Deus a morrer por mim.
Desejaria
morrer também por vós, Senhor, mas que compensação pode dar a morte de um
escravo perverso à de seu Senhor e Deus? Desejaria ao menos amar-vos quanto
estivesse em mim, mas sem o vosso auxílio, ó meu Jesus, eu nada posso.
Ajudai-me e pelos merecimentos de vossa morte fazei que eu morra a todos os
amores da terra para que eu ame somente a vós, que mereceis todo o meu amor. Eu
vos amo, bondade infinita, eu vos amo, meu sumo bem, e vos suplico com S.
Francisco: “Morra eu, Senhor, pelo amor de teu amor, que te dignaste
morrer pelo amor de meu amor”. Morra eu a
tudo, ao menos por gratidão ao grande amor que me mostrastes, dignando-vos
morrer por meu amor e para ser amado por mim.
Maria,
minha Mãe, intercedei por mim. Amém.
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