"Todos os grandes santos, místicos e doutores espirituais observavam e
recomendavam o silêncio como um meio seguro para a santidade. Mas por quê? O
que há de tão especial na prática do silêncio?"
Silêncio. Trata-se de
uma palavra ao mesmo tempo atrativa e aterrorizante, capaz de sugerir, de um
lado, paz e recolhimento, e de outro, medo e solidão.
Ainda que alguns
considerem atrativa a ideia do silêncio, a verdade é que a maioria de nós não
se dá muito bem com o recolhimento absoluto. Você já experimentou sentar-se
sozinho em um cômodo só para ouvir sons nos quais nunca tinha reparado antes? O
tique-taque do relógio. O barulho do ar se movendo pela tubulação. O som da
geladeira ligada. Um cortador de grama trabalhando a distância. Tudo junto
parece formar um quadro até mesmo um pouco irritante.
Mas talvez o que mais
nos amedronte no silêncio é o fato de termos que ficar sozinhos com nossos
próprios pensamentos.Ao nos recolhermos de verdade, passamos a ouvir o movimento agitado de
pensamentos invadindo as nossas mentes. Nossas ansiedades e aspirações mais
profundas, as questões dolorosas e situações difíceis que enfrentamos, tudo
parece vir como que borbulhando para a superfície de nossa consciência,
deixando-nos desconfortados.
Nós temos medo desse
enfrentamento com o mais íntimo de nosso ser, dessa luta com a complexidade de
nossos corações. Por isso, nossa tendência natural é abafar o silêncio com
constante barulho. Quando estamos sozinhos no carro, ligamos o rádio. Em casa,
deixamos a TV sempre ligada, nem tanto para assistirmos ao que está passando,
só para manter uma confortante “trilha sonora” de fundo. Uma pausa no serviço
ou a espera numa fila é sempre preenchida com compulsivas olhadelas no celular.
Queremos tudo, menos o silêncio.
Todavia, apesar de
sua natureza inquietante, são inúmeros os santos que aconselham o silêncio como
uma prática necessária e indispensável para crescer na verdadeira santidade.
“No silêncio e no
recolhimento progride a alma devota, e aprende os segredos das Escrituras”, diz
a Imitação de Cristo. “Guarda-te de falar muito”, adverte São Doroteu de Gaza,
“pois isso faz fugirem os pensamentos devotos e a lembrança de Deus”. São
Maximiliano Kolbe, por sua vez, declarava: “O silêncio é necessário,
absolutamente necessário, na verdade. Onde não há silêncio, falta a graça de
Deus”. E muitos outros exemplos poderiam ser dados.
Ao longo dos séculos,
muitas ordens religiosas colocaram esse conselho em prática, incluindo não
poucas prescrições de silêncio em suas regras de vida. Talvez a mais famosa e
estrita dessas ordens seja a dos Cartuxos, cuja disciplina de recolhimento é
tão famosa que acabou transformada em documentário.
Não resta dúvida,
portanto: todos os grandes santos, místicos e doutores espirituais prescreveram
o silêncio como um meio seguro para a santidade. Mas por quê? O que há de tão
especial no silêncio?
É importante entender
que o silêncio, como todos os outros instrumentos da vida espiritual, não é um
fim em si mesmo. Trata-se de um meio — um método para vir a conhecer Jesus Cristo. O
silêncio é necessário porque nossos intelectos se encontram feridos e
debilitados após a Queda. A comunhão com Deus, nosso Criador, acontecia fácil e
naturalmente, assim como nos é fácil ver e ouvir. Tínhamos constantemente a
consciência da sua presença. Mas o pecado rompeu essa comunhão e prejudicou
nossa habilidade de conhecer a Deus no nível mais profundo de nosso ser.
Nosso intelecto
débil, uma vez no controle da situação, vive agora uma tempestade caótica de
pensamentos, sentimentos e emoções — assim como uma agitada nuvem de mosquitos
em uma noite quente de verão. Acalmar essa tempestade espiritual e emocional é
incrivelmente difícil, e a única forma de conseguir isso é encarando o problema
de frente, coisa que só conseguimos fazer quando nos recolhemos o suficiente
para ouvir quão perturbadas nossas almas realmente são. É verdade, isso pode
ser assustador, e muitos de nós preferiríamos não fazê-lo — mas isso é
absolutamente necessário para nosso progresso espiritual.
Além disso, o
silêncio é necessário para escutarmos as moções do Espírito Santo e para
recebermos e preservamos a graça.Deus não grita. Ele fala calma e
suavemente, como o “murmúrio de uma leve brisa” (cf. 1Rs 19,
12). Os chamados do Espírito Santo jamais serão ouvidos em nossa agitação ou
ativismo, mas tão somente na calmaria e no recolhimento do coração.
O silêncio também nos
ajuda a preservar as graças que Deus nos manda. Assim como os mergulhadores são
cuidadosos e diminuem a velocidade de seus movimentos para não desperdiçarem
suas preciosas reservas de oxigênio, almas santas falam com cuidado e
prudência, a fim de perservarem seu “reservatório” de graça.
Como praticar o silêncio
Agora, você deve
estar se perguntando como é possível para um leigo com trabalho, e talvez até
família, praticar a virtude do silêncio. Certamente sua esposa não iria gostar
se, ao invés de falar com ela, você começasse a gesticular com mímicas, como se
fosse um monge! Mas, ainda que a prática do silêncio para quem vive no mundo
seja diferente do modo como a vive um religioso, mesmo assim ela é possível e
aconselhável. Aqui vão algumas sugestões práticas.
A primeira forma de
praticar o silêncio é fugir de conversas frívolas, já que “no muito
falar não faltará o pecado” (Pr 10, 19). Por isso, nunca fale
simplesmente por falar. As mídias sociais de modo particular encorajam o
desperdício de palavras. Já vi no Facebook pessoas reclamando da cutícula,
discutindo seus problemas digestivos e até postando frases enigmáticas para
implorar por atenção (algo como “Eu não sei se vou aguentar mais” etc). Se você
se sente tentado a começar uma coisa desse tipo, não faça. Use a boca (e os
dedos, no caso) apenas quando tiver alguma coisa útil a dizer.
Segundo, o silêncio
pode ser praticado freando nossas línguas quando sentimos vontade de reclamar. A reclamação é
o oposto da gratidão e da ação de graças, e constitui, na verdade, um pecado. É
tão fácil reclamar de uma comida, de uma pessoa rude, ou do mau tempo. Mas será
que isso contribui com o bem-estar de alguém? Segure sua língua, a menos que
você tenha algo louvável a dizer.
Terceiro, podemos
praticar o silêncio evitando compartilhar nossa opinião sobre qualquer assunto. Sempre que
alguma crise emerge no cenário nacional ou internacional, parece que todo o
mundo, em todo lugar, imediatamente tem de emitir sua opinião infalível sobre o
tema em questão. Mas a verdade é que muitos de nós não entendemos tão a fundo
assim todos esses acontecimentos, e o mundo não tem necessidade de mais
palpites. Seja sábio e guarde sua opinião para si próprio.
Quarto, podemos
resistir à compulsão de preencher todo momento vago que surge com algum
barulho. Se estiver dirigindo, tente deixar o rádio ou a música desligado.
Se está em casa, desligue a TV. Evite ficar inconscientemente conferindo o seu
celular enquanto estiver no elevador ou em alguma fila. A vida é repleta de
momentos em que podemos ficar em silêncio. Abrace-os.
Finalmente, podemos
manter silêncio quando sentimos vontade de criticar os outros. É muito fácil
perceber os erros dos outros! Mais fácil ainda é repassar aos outros essas
coisas, verdadeiras ou não, destruindo as pessoas e manchando suas reputações
só para sentirmos que somos melhores. Manter o silêncio quando temos mania de
criticar é difícil, mas também é muito saudável.
“A língua é um fogo,
um mundo de iniquidade”, diz São Tiago. Ela “está entre os nossos membros e
contamina todo o corpo; e sendo inflamada pelo inferno, incendeia o curso da
nossa vida” (Tg 3, 6). Palavras têm poder, ainda que sejam ditas em
voz baixa, e o que dizemos ecoará para a eternidade. Embora não sejamos monges
enclausurados, podemos aprender a praticar o silêncio cada um no estado para o
qual Deus o chamou, segurando nossas línguas sabiamente a fim de ouvirmos a voz
de Cristo e conhecê-lO melhor.
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