"Não é mais senhor de seu bom-senso, eleva-se a si próprio e rebaixa os outros, impacienta-se e exalta-se"
Seria uma singular desordem ver
claramente, pela razão, nossa absoluta nulidade e não querer reconhecê-la
perante os homens; saber, por raciocínio e por experiência pessoal, que nada
somos e nada podemos e ficarmos contristados por nos vermos tratados em
conformidade.
Ora, a vida da maioria dos homens se passa
nesta contradição perpétua, nesta mentira confessada, neste antagonismo aceito
entre a verdade e o erro, a realidade e a aparência, a sinceridade e a
hipocrisia.
Quão bela, em outra parte, aparece a
existência de um homem humilde, no qual há harmonia perfeita entre o pensamento
e a conduta, entre a convicção interior e a vida exterior.
Esta alma sabe que nada é, e a vontade deduz:
desde que nada sou, aceito meu estado de nada; ainda mais, amo-o e não quereria
parecer outra coisa. Isto chama-se, na Santa Escritura, andar na verdade: Oportet in veritate ambulare (Jo 3,4).
Eis aí a humildade perfeita, a humildade
de ação que supõe a coroa a humildade de espírito e a humildade de coração.
Mas como é difícil praticar esta virtude com
todas as suas conquistas! O homem caído parece ter perdido o juízo, quando se
trata de sua própria excelência.
O Espírito Santo ao orgulhoso chama insensato: Pugnabit cum illo orbis terrarum contra insensatos (Sab.
5,21). O universo combaterá com Ele contra os insensatos, isto é, os orgulhosos
que se opõe a Deus.
E verdadeiramente a respeito de seu próprio
mérito, o homem perdeu a justa apreciação das coisas. Geralmente, é razoável,
sociável, inclinado a prestar serviço, judicioso. Mas tocai o ponto de sua
excelência, de seu mérito, de sua superioridade, imediatamente uma espécie de
loucura se manifesta. Não é mais senhor de seu bom-senso, eleva-se a si próprio
e rebaixa os outros, impacienta-se e exalta-se.
Em alguns esta loucura é “benigna”.
Percebemo-la apenas. Mas em outros toma vastas proporções e às vezes
manifestações assustadoras. Quem ousaria crer-se inteiramente ao abrigo desta
universal doença? Examinai-vos. Quando alguém vos deprecia, dirige-vos uma
palavra descortês, fere vossa honra, que sentimentos experimenta?
Sentis uma impressão desagradável, os traços
de vossa fisionomia alteram-se num momento, uma pequena chama de indignação
brilha em vossos olhos, projetos de represá-lia desenham-se na vossa mente,
palavras de desforra queimam-vos os lábios.
O que é tudo isto?
É uma leve manifestação de tolo orgulho, uma
loucura em estado “benigno”. Credes que vos diminuíram, que feriram vossa
dignidade, atentam contra vossa reputação. Estáveis habituado a vos considerar
superior aos outros, a vos crer “rei” e disseram que não o sois… e a loucura
aparece.
Tendo, pois, reconhecido nosso ponto fraco,
devemos esforçar-nos em remediá-lo. Não aumentemos a idéia que fazemos de nós
mesmos pela reflexão e pelo rodeio sobre nossa própria excelência.
Quando um pensamento de orgulho se apresenta,
digamos: Eis aí uma onda de loucura que passa. Apequemo-nos ao conhecimento do
nosso nada, para não sermos levados e arremessados à praia. Depois, esperemos
tranquilamente que a calma e o bom-senso voltem.
O louco pensa que é rei, o orgulhoso também o
pensa. É um julgamento espontâneo. Mas o primeiro não possui meios para julgar
suas idéias e seus atos. Falta-lhe o que denominamos a consciência psicológica,
isto é, esta propriedade de inteligência que lhe permite refletir sobre suas
próprias idéias, sobre as afeições do coração, sobre os atos da vida para ver
se estão conformes à reta razão.
O orgulhoso em sua loucura, poderia curá-la.
Porém, não reflete nela, ou o faz rara e superficialmente e isto por causa do
hábito adquirido, pela leviandade e quase sempre por uma conivência secreta da
vontade. Esta sufoca a razão porque lhe apraz ser grande, digna de respeito,
virtuosa, não obstante a reclamação da inteligência.
Como é necessário, pois, temer a loucura
do orgulhoso, sobretudo quando já fomos dominados por ela! Como é necessário
esforçar-mos em tomar os remédios preventivos, administrar-nos os calmantes da
humilhação, absorver-nos na consideração de nosso nada e repetir a nós mesmos
que não somos reis, que não temos nenhum mérito, que não somos superiores que
somos uma vil poeira.
Mas notemos que, para ser humilde, não
basta pronunciar palavras de humildade. Muitos enganam-se nisto e crêem ter
feito o suficiente ao proclamarem-se os mais miseráveis de todos. Não! a
humildade não é isto. Não é necessário humilhar-nos excessivamente em palavras,
depreciar-nos e vilipendiar-nos.
Muitas vezes sob estas humildes frases
esconde-se uma preocupação de orgulho. Esperamos, por tanta humildade, excitar
admiração ou protestos contra o mal de nós dito. Como é preferível,
conforme ensina São Francisco de Sales, não dizer de si nem bem nem mal.
Se bastam poucas palavras humildes, são
necessários, ao contrário, muitos atos de humildade. Somente estes atos
não devem possuir nada de rígido, de afetado ou de descortês para os outros. A
alma humilde tem uma maneira muito simples de ser boa, condescendente, caridosa.
Reconhece seu nada. Não tem, pois, pretensão.
Não devemos pensar nela, não devemos poupá-la. Não vê mesmo as faltas
de atenções, porque não merece atenção alguma. Não vive para si, está sempre à
disposição de outrem. Presta serviço a todo mundo, toma sobre si os deveres
enfadonhos e não exige em paga reconhecimento. Os ofícios mais baixos,
rejeitados por outros, toma-os para si e não imagina que disto lhe possa vir a
desonra.
Assim se torna agradável aos homens e a Deus.
Quanto mais se esquece de si, mais somos inclinados a elevá-la. O melhor
tempo, sem dúvida, para progredir rapidamente neste esquecimento próprio, é o
das humilhações, das contrariedades, das perseguições. Diante de uma afronta, o
primeiro movimento será certamente um gesto de recuo ou revolta. Este movimento
é involuntário. É a manifestação deste estado latente de loucura, em nós
dissimulado a respeito de nossa própria excelência.
Mas a reflexão intervém no mesmo
instante e faz recuperar o bom-senso. Não precisamos, pois, assustar-nos
quando, ante uma humilhação, experimentamos, no primeiro momento, uma impressão
desagrável. É necessário resistir, recomendar-nos a Nosso Senhor humilhado
e refletir em nossa miséria.
Graças a esta prática, a alma, sempre apoiada
na oração, pode chegar, com o tempo, a acolher seja qual for a contradição ou
injúria, sem perder a paz interior.
Esta tranquila aceitação do desprezo ou da
contradição é a prova mais certa de que a alma é verdadeiramente humilde. Não
nos fiemos nos belos pensamentos criados em nós mesmos a respeito de nossa
pequenez. O demônio conhece melhor do que ninguém sua própria degradação,
contudo é um monstro de orgulho.
Nem nos tranquilizemos mais quando sentimentos
de humildade ocuparem nosso coração. A imaginação e o demônio podem produzir em
nós admiráveis impressões de humildade.
A única coisa impossível ao demônio e ao homem
é a habitual aceitação e alegre das contradições, das afrontas ou simplesmente
do esquecimento.
Ó Jesus, ó Maria! tende piedade de nós!
Quem de nós ousaria dizer que se compraz nas
afrontas?
Almas confiantes – Pe. José Schrijvers
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