"Nossa Senhora, muito jovem ainda, foi assim recebida pela prima, anos mais velha, mulher em situação social de destaque: “A que devo a ventura de que a mãe de meu Senhor venha ter comigo?”"
Péricles Capanema
Cada pessoa ambiciona incansavelmente para a sua vida
certa nota de grandeza. Sempre cobiça algo que a eleve da mediania na qual
patina para um patamar de excelência. Memoráveis, a atitude e conduta seriam
como cerejas em bolo insosso. Tantas vezes aconteceu, um simples ato de
heroísmo ou de abnegação ter sido celebrado por familiares do autor por décadas
a fio. A vida fica então mais elevada, fulgurante, justificada.
Se possível, todos desejam muito mais, óbvio, almejam
a vida mergulhada na grandeza. Quando despretensioso tem grande potencial, é
ideal nobre e civilizatório, embebido do impulso de perfeição. Existem dele
incontáveis formas, a grandeza moral, a política, a militar, artística,
patrimonial, intelectual, familiar, tantas outras, enfim. São avanços na
ladeira da perfeição, dificultam retrocessos sociais.
Tais reflexões flutuavam meio descosturadas, enquanto
ouvia atento o Evangelho da missa de domingo, dia 19 de agosto. Como luva na
mão, o pensamento se encaixava no texto lido. São Lucas relata a visita de
Nossa Senhora a Santa Isabel, sua prima, casada com Zacarias, sacerdote do
Templo de Jerusalém, posição de destaque na sociedade do tempo; ambas esperando
um filho. Tratava de cinco personagens de expressão insuperável na história
humana, em especial na história da salvação: Nosso Senhor, Nossa Senhora, São
João Batista, Santa Isabel, São Zacarias. E das atitudes de dois deles, Nossa
Senhora e Santa Isabel.
Nenhuma ostentação, nenhuma bazófia, total ausência de
fanfarronice na conduta e nos diálogos. E nem poderia ser diferente, cenas a
anos-luz do que estamos acostumados a presenciar da manhã à noite em nossa
sociedade obcecadamente exibicionista. Ali pululavam lições de que a grandeza
(a verdadeira) é irmã da humildade e ambas respiram veracidade.
Nossa Senhora, muito jovem ainda, foi assim recebida
pela prima, anos mais velha, mulher em situação social de destaque: “A que devo
a ventura de que a mãe de meu Senhor venha ter comigo?” Enuncia a razão:
“Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre”. Santa
Isabel, reverente, reconhecia alegre, não estava à altura de receber e ter a
prima em casa. Modelo de conduta para quem aspira à grandeza, o primeiro passo
sempre é reconhecê-la alegre e reverente quando em outro a percebe, não importa
o campo.
A história do mundo toma rumo novo por tal
manifestação de humildade, expressa em frase leve de pessoa educada, respondida
por outra lição de modéstia, que também atravessou os séculos. Maria cantou o
Magnificat iniciando-o no mesmo tom: “A minha alma engrandece o Senhor; e meu
espírito exulta em Deus meu Salvador. Porque pôs os olhos na baixeza de sua
serva”. Ali estava uma escrava.
A seguir, palavras que nenhum homem pode
repetir, senão como prece: “De agora em diante todas as gerações me chamarão
bem-aventurada”. Em cada uma das gerações, até o fim do mundo, a partir do
louvor de Santa Isabel — nesse sentido a primeira devota pública de Nossa
Senhora —, ecoa e ecoará a glorificação prenunciada no Magnificat. Diante
disso, o que é a grandeza de um César, no meio de aclamações, entrando
vitorioso em Roma? Poeira suja.
Maria, como hóspede, despretensiosa, por três meses
ficou na casa de Isabel, anfitriã, ajudando-a. Depois voltou para a sua. Como
disse, cinco pessoas conviviam ali, Nossa Senhora, Santa Isabel e São Zacarias.
Falavam de duas outras, que ainda não tinham visto a luz do dia: Nosso Senhor e
São João Batista. Aquele encontro poderia ser intitulado a estadia das
preparações.
Pela presença, atitude e palavra a Mãe de Deus moldou
o ambiente em que viveria o Preparador do caminho para seu Filho. São João
Batista tinha por missão preparar caminhos. “preparai o caminho do Senhor” (Is
40,3). E o profeta Malaquias disse dele, haveria de preparar “o caminho diante”
de Cristo. É a voz que clama no deserto: “Preparai o caminho do Senhor” (Is 40,
3). Sua missão, nas palavras de são Lucas, era “habilitar para o Senhor um povo
preparado”.
João Batista seguiu o exemplo da mãe, reconheceu
sempre seu lugar de preparador, precursor: “Eu não sou o Cristo” (Jo., 1, 20).
E quando viu Cristo de longe, apontou-o para que seus discípulos o deixassem e
seguissem ao Mestre divino: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do
mundo” (Jo 1, 29). “Estava João outra vez na companhia de dois dos seus
discípulos e, vendo Jesus passar, disse: Eis o Cordeiro de Deus! Os dois
discípulos, ouvindo-o dizer isto, seguiram Jesus” (Jo 1, 35-37). Que ficasse
sem discípulos, pouco lhe importava, só desejava preparar as vias para Quem anunciava.
Continuo falando em grandezas naturais
e sobrenaturais. Faltam palavras para qualificar São João Batista, apontado por Jesus Cristo como o maior homem que até então existira:
“Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Mas, que fostes ver?
Um homem vestido de roupas finas? Mas os que vestem roupas finas vivem nos
palácios dos reis. Então, que fostes ver? Um profeta? Eu vos afirmo que sim, e
ainda mais do que profeta. É dele que está escrito: eis que envio o meu
mensageiro à tua frente; ele preparará o teu caminho diante de ti. Entre os
nascidos de mulher, não apareceu nenhum maior do que João, o Batista” (Mt 11 8-
11).
Acabou minha labuta. Cogitava em formas várias da
grandeza, a leitura do Evangelho atraiu minha atenção para textos bíblicos a
ela relativos, dali retirei extratos, neles cintilam condições para caminhar
até ela. Achei útil compartilhar o trajeto com leitores. É caminho também para
a perfeição, qualquer delas, até contêm conselhos para a santidade. Lições para
cada um de nós.
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