"E a consequência não pode ser outra senão a nossa triste e inegável realidade: a imensa maioria dos católicos hoje vive só para a vida terrena sem nenhuma esperança sobrenatural, sem pensar nos novíssimos"
Pe. João Batista de A.
Prado Ferraz Costa
Muito se tem escrito (em tom de crítica e indignação) sobre a
mudança da doutrina da Igreja sobre a pena capital introduzida por Francisco I
no catecismo moderno publicado por João Paulo II, mas quase nada se tem dito
sobre a coerência de tal reforma com o espírito que norteou a redação do novo
catecismo.
Devo dizer que nada mais vindo do Vaticano me surpreende. Acho
que a dita mudança condiz perfeitamente com todo o espírito do novo catecismo
de João Paulo II, que se distingue justamente pela influência do modernismo,
sobretudo em matéria de ecumenismo, diálogo inter-religioso, moral conjugal
etc. Em uma palavra, a reforma feita por Francisco condiz com o novo catecismo
que está embebido de antropocentrismo e da exaltação do homem em sua vida
terrena e não ensina com firmeza ao homem o grave dever de servir a Deus
por meio da confissão da religião verdadeira, a fim de alcançar a salvação
eterna. Basta ver como são entusiásticas suas referências às chamadas
religiões monoteístas e anódinas suas referências às penas eternas do
inferno, hoje postas em dúvida por Francisco I.
O que me causa
espécie é que Francisco se preocupe com a abolição da pena capital, quando são
pouquíssimos os países que a preveem e a aplicam efetivamente. O que, diga-se,
é lamentável. De maneira que, assim me parece, a razão que leva o bispo de Roma
a tomar essa iniciativa só pode ser uma: induzir os católicos a pensar que, de
fato, a Igreja pode reformar sua doutrina nos mais diversos capítulos de toda a
dogmática e de toda a moral.
Com efeito, se sobre
uma questão gravíssima como a licitude da pena de morte a Igreja pode mudar sua
doutrina, não se limitando a dizer que hoje, em razão de circunstâncias
diversas, a pena capital não se verifica mais oportuna ( juízo que em si é da
competência da autoridade civil e não da autoridade eclesiástica) mas afirmando
que, hoje, em face de uma consciência mais viva da dignidade humana, a Igreja
ensina que a pena de morte é moralmente inaceitável, nada impedirá que
Francisco diga amanhã aos católicos que compreendam que, tendo chegado a
Igreja à consciência mais profunda da dignidade da mulher, não pode negar-lhe o
sacramento da ordem. O mesmo critério vale para todas as questões mais
controvertidas da atualidade com que se tem defrontado a Igreja.
Deixando de lado
objetivo de Francisco ao reformar o catecismo moderno, o que me parece
importante sublinhar é que o abolicionismo da pena de morte e a legalização
quase universal do aborto são duas faces de um mesmo problema: houve, após o
Vaticano II, uma exaltação da vida terrena do homem, o esquecimento do
seu destino sobrenatural (o esquecimento dos novíssimos), a negação prática do
inferno, enfim, a redução do cristianismo a humanismo; houve, também, uma
abertura da Igreja à cultura laica ou secular moderna, e tudo isto levou os
católicos a perder a consciência do sagrado não só na liturgia, mas em todos os
setores da vida. E a consequência não pode ser outra senão a nossa triste e
inegável realidade: a imensa maioria dos católicos hoje vive só para a vida
terrena sem nenhuma esperança sobrenatural, sem pensar nos novíssimos.
Realmente, se a vida
terrena não é um simples meio para merecer a verdadeira vida, mas é a única
vida, não se justifica racionalmente a pena de morte. Esta parecerá uma
crueldade, e o aborto, pelo contrário, parecerá justificável em muitos casos na
medida em que o exigir a vida feliz da gestante neste mundo.
Depois de décadas de
um otimismo estúpido com o mundo moderno, com a avanço das ciências e da
tecnologia (recorde-se o ditirambo de Paulo VI à ida do homem à lua!),
depois da adesão da hierarquia à cultura laica (incompatível com a visão
católica sobre o destino sobrenatural do homem), depois de a Igreja
pós-conciliar ter condenado o homem a uma vida totalmente profana sem nenhum
sentido do sagrado e do mistério (o que está patente na nova liturgia), depois
de ter ensinado na Dignitatis Humanae a
liberdade dos cultos, será muito difícil, senão impossível, um combate eficaz
dos católicos contra o crime do aborto e uma apologia da necessária e justa
pena de morte. O erro é contagioso e corrompe as inteligências.
E o pior é que muitos
se contentam com um combate ao aborto apontando apenas causa pro causa, isto é, dizendo que a
causa da legalização do aborto é a usurpação da função legislativa pelo
Judiciário ou o desrespeito à consciência da maioria da população. Tudo isso é
falso. Recorde-se o ocorrido na Irlanda e em outros países. A verdadeira causa,
a causa última, é a apostasia resultante da abertura da Igreja à cultura moderna,
especialmente ao direito político moderno que diz que o poder emana do povo e
não de Deus. No estado laico, ou melhor no estado ateu (que invoca Deus no
preâmbulo das suas constituições só para enganar os tolos) não há lugar para a
sacralidade da vida humana. Há lugar para a idolatria do homem. Por isso, o
Vaticano combate a pena de morte porque atenta contra o culto ao homem,
enquanto o mundo inteiro promove o aborto. Nesta confusão toda a fé católica é
a única condenada à pena de morte.
Anápolis, 15 de agosto de 2018.
Festa da Assunção de Nossa Senhora.
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