A
maçonaria não é somente uma sociedade que possui adeptos; ela é
também um símbolo de doutrinas, que seus adeptos se esforçam por
fazer prevalecer a todo preço na esfera social. É à essas
doutrinas maçônicas, às mil influências que tentam fazê-las
prevalecer, à aplicação variada que fazem dessas doutrinas na vida
pública, e, em nossos dias, até na vida privada, que damos o nome
de maçonismo.
Qual
é, contudo, e daremos isso agora, o conceito, a ideia fundamental do
maçonismo?
O
Papa responde, em sua magistral encíclica Humanum genus,
nesses termos, que precisam e definem claramente toda a questão: "Os
maçons se propõem, e todos seus
esforços tendem a esse fim,
destruir completamente toda disciplina religiosa e social nascida das
instituições cristãs, e a substituição delas por um novo estado
de coisas de acordo com suas ideias, das quais os princípios e as
leis fundamentais são tiradas do naturalismo".
Nos
termos desta definição, o maçonismo é, portanto, apenas o
naturalismo.
O
que é o naturalismo?
Essa
palavra carrega em si mesma seu significado, e sua etimologia fornece
sua mais clara definição. O naturalismo é a negação, ou, ao
menos, a exclusão da ordem sobrenatural cristã.
O
naturalismo é, assim, um anticristianismo completo e perfeito.
Adentremos
aqui em algumas explicações.
Toda
a ordem cristã está fundamentada sobre o dogma da queda
original do homem e sobre o de sua reabilitação
pela Encarnação do Filho único de Deus. O homem
natural é, portanto, o homem de pecado, que não tem nenhum meio,
nem para ser convenientemente bom sobre a terra, nem para chegar ao
seu fim último ao deixar esta vida. Para ser convenientemente bom e
alcançar seu fim último, o homem deve ser, não o homem natural que
caiu, mas o homem sobrenaturalizado que Jesus Cristo revelou e
sustenta por sua graça. Para falar mais claramente, não basta hoje
ao homem ser o homem da criação, ele deve ser outro, o homem da
redenção. A existência do homem não lhe confere sua completa
perfeição, é preciso ainda que ele seja cristão. É sobre os
princípios da verdade eterna, pressentidos um dia pela própria
filosofia humana, mas iluminados somente pela revelação divina, que
está fundamentado o catolicismo, e é destes mesmos princípios que
ele tira logicamente todas as suas consequências.
O
naturalismo parte de princípios radicalmente opostos. Segundo ele, o
homem não caiu, e, por consequência, não necessita de
reabilitação. Se houve um Deus criador, o naturalismo não está
convencido disso; mas, em troca, ele sabe pertinentemente que não
houve Redentor. Jesus Cristo foi, portanto, um homem puro, e a Igreja
é uma pura ilusão. O ser racional é perfeito, e, para chegar a
todos os seus fins, mesmo ao seu fim último, ele não necessita de
nenhum socorro que esteja fora do conhecimento e do alcance do
naturalismo. O homem tem, portanto, em si mesmo, todos os meios
próprios para obter esses fins, e eles lhe bastam absolutamente; ele
sabe tudo o que lhe é necessário saber, porque sua razão está em
toda sua integridade; ele observa tudo o que lhe convém, porque sua
vontade não foi enfraquecida; ele ultrapassa todas as resistências
que o apetite ou a paixão opõem à lei moral, porque seu livre
arbítrio não sofreu nenhum atentado. E como o homem se basta em
tudo a si mesmo, assim a sociedade se basta da mesma forma, porque,
em sua razão, ela está perfeitamente esclarecida e possui a
onisciência; em sua vontade, ela está perfeitamente sã e não tem
nenhuma tendência ao mal; em seu livre arbítrio, ela não tem de
forma alguma que resistir às más inclinações e aos instintos
perversos. E, portanto, de toda esta ordem sobrenatural que o
cristianismo proclama como auxiliar indispensável da natureza
enferma e decaída, ele não considera Jesus Cristo como o autor, o
conservador e o consumador desta ordem sobrenatural; nem a
organização especial do sobrenatural, que se chama Igreja católica;
e enfim, nem este ser supremo, misterioso, que se chama Deus, que é
a última negação lógica do naturalismo.
Eis,
levemente esboçado, em seus traços principais, esse sistema
anticristão, do qual é fácil agora distinguir, à primeira vista,
os fundamentos absurdos. Mesmo não levando em conta o que a
revelação ensina de Jesus Cristo, apoiada sobre todos os seus
poderosos motivos de credibilidade, a ideia que o naturalismo se faz
do homem e da sociedade, é uma ideia evidentemente falsa. Segundo
ele, o homem é perfeito, a sociedade é perfeita; eles encontram em
si mesmos tudo o que lhes é necessário, e não precisam de nada que
lhes seja superior. Eis aqui um erro grosseiro, contra o qual
protestam a experiência e o bom senso de todos os séculos. O homem
é fraco, cego, miserável; de si mesmo, ele está inclinado ao mal,
seu livre arbítrio está continuamente em luta com os instintos
perversos, aos quais ele não resistiria sem a graça de Deus. Ele
precisa, portanto, de uma luz superior para conhecer, de uma força
superior para agir, de um socorro superior para não ser
continuamente vencido. Ele não é um ser perfeito, ele é uma ruína
miserável de algo que um dia teve sua perfeição, e que, depois,
teve a necessidade de ser restaurada a grandes custos. Ele nasceu
chorando, e ele só pode ser bom lutando e triunfando sobre si mesmo;
mais ainda, mesmo para morrer, ele precisa que alguém o ajude. E a
sociedade? A sociedade, reunião de homens, é, como toda coleção,
de mesma natureza que suas partes: ela é imperfeita, decaída,
pautada ao mal, só conseguindo viver graças à repressão e ao
freio que ela se impõe; o que é, por si, o sinal de uma muito
escassa perfeição.
Eis,
portanto, como, fundamentado sobre essas bases mentirosas, o
naturalismo completo é uma pura mentira. E, contudo, o naturalismo
ou o maçonismo é o grande sistema teórico e prático do mundo
atual!
O
maçonismo não difere do naturalismo; e o naturalismo, como vimos no
parágrafo precedente, é a negação da queda original do homem, de
sua reabilitação por Jesus Cristo, e, consequentemente, dos
direitos individuais e sociais deste sobre a criatura que ele
resgatou. O maçonismo não é, portanto, assim como pensam alguns, o
ateísmo puro, ainda que, por uma consequência lógica, ele conduza
até aí; ele não é da mesma forma nem a demagogia nem o
socialismo, ainda que, por sua tendência natural, ele conduz
infalivelmente a sociedade a estes extremos. Ele não é nada de tudo
isso. O maçonismo se esforça para se manter na esfera habitada
pelos conservadores honestos e sábios ao seu modo: ele quer que a
sociedade repouse sobre seus fundamentos; ele é partidário da
ordem, da equidade, do respeito mútuo entre as classes e os
interesses; só que, ele quer tudo isso sem Jesus Cristo, sem o
cristianismo, completamente fora da atmosfera cristã. Eis um
problema difícil, bem mais, insolúvel, porque, desde que a
revelação cristã se cumpriu, é impossível se subtrair dela sem
cair no abismo da mais horrível anarquia individual e social. As
coisas não são mais hoje o que elas eram antes da vinda de Jesus
Cristo. A sociedade, ou os indivíduos que não têm sido cristãos,
podem muito bem se manter em um certo estado de honestidade natural,
da qual a história nos oferece alguns raros exemplos; mas a
sociedade ou os indivíduos que conheceram Cristo e o negaram em
seguida não podem, por um justo castigo do Céu e em virtude das
leis inflexíveis da lógica, evitar cair nos abismos profundos da
mais abjeta impiedade, do mais repugnante satanismo. É isso o que a
história ensina e o que a experiência de cada dia demonstra. E a
razão disso é fácil de entender. Aquele que não conheceu Jesus
Cristo e que não tem nenhuma ideia de sua revelação, pode não ser
cristão; o que é um mal considerável, mas não o pior de todos os
males. Mas ter conhecido Cristo e sua revelação e apostatar em
seguida, isso não é nada menos do que o anticristianismo deliberado
e voluntário. Há entre estes dois estados a mesma diferença que
entre a simples ignorância de uma verdade e a guerra aberta e
declarada contra esta mesma verdade.
Tal
é a situação hoje da maçonaria, ou melhor, do maçonismo. Seu
objetivo é a organização de uma ordem social sem Cristo; mas, pela
força das circunstâncias, ela se vê na obrigação de organizar
uma ordem social contra Cristo. Ela gostaria simplesmente de uma
sociedade não cristã, ao modo de certos povos da antiguidade; mas
ela alcançou por isso mesmo uma sociedade anticristã ou satânica.
Para falar mais claramente, o naturalismo pôde, um dia, não ser
outra coisa senão a ausência mais ou menos culpável
do sobrenaturalismo; hoje, pela força das coisas, o
naturalismo só pode ser o anticristianismo.
O
Papa, em sua célebre encíclica Humanum genus, percorreu
as diversas esferas da ordem social onde o maçonismo, hoje
dominante, deixa entrever mais claramente sua influência naturalista
ou anticristã. Em sua sequência, e sob a luz de seus doutos
ensinamentos, esperamos colocar estas verdades ao alcance daqueles
que nunca discorreram sobre estes temas, os reduzindo aos seguintes
pontos:
A
religião;
O
Estado;
A
família;
A
propriedade;
A
educação;
O
ensino científico;
A
beneficência;
As
letras e as artes;
Os
divertimentos.
Estes
são os problemas onde hoje se manifesta abertamente a oposição que
existe entre o critério maçônico e o critério cristão, e dos
quais a simples indicação supõe um programa de estudos que
comportaria, não somente alguns curtos capítulos de uma revista
popular, mas volumes e volumes. Independente de como seja, pensamos
todavia que ao sublinharmos como, em cada um destes pontos,
o sim maçônico é aí sempre o não cristão,
e reciprocamente, esclareceremos para um grande número de nossos
leitores as dúvidas que eles poderiam ter relativamente à
universalidade e à preponderância do maçonismo em nossa época; e
eles verão quanto é verdade o que dizíamos a pouco, a saber, que
um grandiosíssimo número de pessoas que acreditam talvez de boa fé
abominar cordialmente o maçonismo e a maçonaria, pensam, falam,
decidem e agem maçonicamente. Eis aqui uma observação que não
deixaremos jamais de repetir, e que a extrema paciência e bondade de
nossos indulgentes leitores nos permitirá recordar ainda algumas
vezes; pois, que eles não duvidem disso, é aí que se encontra o
segredo de nossos males presentes e da formidável opressão que a
tirânica maçonaria exerce sobre nós.
Dom
Sarda Y Salvany. Maçonnisme
et Catholicisme.
P.Lethielleux, Paris, 1890.
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