Um ilustre prelado, considerado da ala
conservadora, disse há poucos dias, a propósito da liberdade religiosa, que os
católicos precisam aprender a viver em uma sociedade que se torna cada vez mais
pluralista. Frisou que a consciência do valor do compromisso de estar juntos é
um elemento decisivo do futuro da Europa e que o fundamentalismo, como uma corrupção
da verdadeira religiosidade que ignora a interculturalidade e a
inter-religiosidade, é incapaz de respeitar as diferenças e só pode
desembocar no terrorismo. Ressaltou ainda sua eminência que tal postura não
pode significar absolutamente uma forma de sincretismo. Certamente, na sua
visão, a luta corajosa dos católicos franceses contra a lei da união civil
homossexual expressa uma postura fundamentalista que não se coaduna com a
sociedade pluralista de hoje.
Não obstante as ressalvas de sua
eminência, creio que as palavras do insigne purpurado merecem uma
respeitosa crítica. Sua declaração, parece-me, não distingue bem entre o
plano dos princípios e o plano da prática, que deve ser sempre guiada pela
virtude da prudência. O fato histórico e sociológico da decadência da
civilização europeia que se desliga de suas raízes católicas pode, com efeito,
impor aos cristãos uma situação constrangedora que os obrigue a tolerar a
presença em sua sociedade de elementos e instituições indesejáveis. Mas tal
situação só poderá ser tolerada enquanto não houver remédio, não poderá
jamais ser considerada uma situação normal ou ideal. Pelo contrário, incumbirá
sempre aos católicos o dever de trabalhar e esforçar-se com heroísmo para que
tal desolação seja superada e a cidade católica possa no futuro ser
reedificada, conforme o exemplo dos nossos maiores que reconquistaram a
Península Ibérica e impediram que o inimigo avançasse em direção ao centro da
Europa.
É uma ilusão pensar que os
grandes problemas se resolvam só com base no pragmatismo. Sem um
projeto, sem um ideal, sem um norte, uma sociedade se dissolve necessariamente
na imoralidade e no materialismo. É o que vem ocorrendo no campo político,
sobretudo após a queda do Muro de Berlim.
Os corações de cristãos e
muçulmanos na Europa nunca se unirão apenas em torno do ideal de poderem gozar
juntos de um bem-estar material assegurado por um Estado laico. Sabe-se, por
exemplo, que na França mais da metade da população carcerária está constituída
por muçulmanos que se tornam nas penitenciárias radicais islâmicos adeptos da
jihad. Como entre nós, aliás, é comum bandidos tornarem-se nas prisões
fanáticos pentecostais que, depois da passagem pela prisão, fundam seitas a
custa da ignorância do nosso povo. Na hipótese, porém, de os muçulmanos
na Europa virem a secularizar-se à maneira dos cristãos, isto não será um
penhor de que haverá paz social no velho continente. Pelo contrário, será sinal
de que a decadência da civilização se aprofundará e a atual crise econômica da
Europa só será um primeiro capítulo do drama. Os homens, em vez de brigar por
princípios morais e religiosos, vão brigar só por dinheiro com muito mais
virulência.
A verdade é que nunca houve nem haverá
uma cultura completamente secular, fundada à margem de uma religião. O que
vivemos hoje é apenas uma fase de transição para uma nova cultura que
terá uma alma profundamente religiosa. O que não se sabe é se será uma heresia,
uma gnose ou se será a religião revelada a plasmar a sociedade futura.
Afirmando que o Estado deve ser
confessional e que as religiões falsas não têm direito ao culto público, a
doutrina católica não desconhece a ordem prática da realidade social. Pode
haver circunstâncias históricas que justifiquem ou mesmo obriguem que, por
prudência, o mal e o erro sejam tolerados. O que não se pode, em hipótese
alguma, é legitimar como um princípio o pragmatismo religioso, o qual se
converteria em critério fundamental da organização social.
Realmente, um católico não pode
pretender fundamentar a paz social, a ordem do Estado, no fato sociológico do
pluralismo. Tal fato sociológico deve ser levado em conta na ordem
prudencial, mas não se pode constituir o princípio fundamental
da organização do Estado. Seria incorrer em indiferentismo
religioso. Seria querer organizar a sociedade sem a verdade e a justiça.
Infelizmente, é esta idéia falsa que está levando à legalização da
união civil contra a natureza. O direito já não é expressão do bem
moral tutelado pelo ordenamento jurídico do Estado, mas apenas uma técnica de
harmonizar os arbítrios a fim de evitar conflitos.
Mas sobre essas falsas premissas não se
construirá uma sociedade justa, não se garantirão as verdadeiras liberdades do
homem. Hoje, o homem esqueceu-se de um grande ensinamento de São João
Crisóstomo: “A paz exterior, muitas vezes, torna-se um mal, e não beneficia de
modo algum aqueles que dela gozam.”
Os católicos liberais querem paz
exterior para que todos os deuses e demônios sejam cultuados no grande panteão
de democracia da ONU e do Vaticano II, querem paz para que os
sodomitas tenham direito de constituir suas “famílias” amparadas
pelas leis do Estado laico, querem paz para que todos vivam juntos
e ninguém seja excluído. Mas Aquele que habita no céu zombará deles,
e o Senhor os escarnecerá (Sl. 2).
Tudo indica que os conflitos bélicos do
século XXI serão muito piores e muito mais imorais do que os do passado, porque
no passado os homens tinham, bem ou mal, algum princípio que os norteava. Hoje
só se luta por um poder que promova a desordem e o fim de todos os valores
morais. Basta analisar o que acontece no Brasil de hoje: o católico conservador
liberal Guilherme Afif Domingos, do PSD, beijando a mão da Madame Rousseff.
Como dizia Tancredo Neves, entre a Bíblia e O
Capital, fico com o Diário Oficial.
Assim as coisas só podem acabar mal.
Pe. João Batista
de A. Prado Ferraz Costa
Anápolis, 18 de
maio de 2013
Vigília de
Pentecostes
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