Parece que a Mãe de Deus não foi virgem ao conceber Cristo:
1. Com efeito, nenhum filho que tem pai
e mãe é concebido de mãe virgem. Ora, de Cristo se diz não só que teve mãe, mas
também pai: “Seu pai e sua mãe estavam admirados do que se dizia do menino”,
está no Evangelho de Lucas (2, 33). E mais adiante: “Eis que teu pai e eu
te buscávamos angustiados” (v. 48). Logo, Cristo não foi concebido de mãe
virgem.
2. Além disso, o início do evangelho de
Mateus prova que Cristo foi filho de Abraão e de David porque José era
descendente de David. Tal prova ficaria sem valor se José não
fosse pai de Cristo. Parece, pois, que a mãe de Cristo o concebeu pela união
com
José. Não parece, portanto, que tenha sido virgem ao conceber.
3. Ademais, a Carta aos Gálatas diz: “Deus
enviou seu Filho, nascido de uma mulher” (4, 4). Ora, na linguagem
corrente, o termo mulher designa aquela que tem relações com um homem. Logo,
Cristo não foi concebido de mãe virgem.
4. Ademais, os que são da mesma espécie
são gerados da mesma forma, porque a geração, como qualquer outro movimento,
recebe a sua especificação pelo término. Ora, Cristo foi da mesma espécie que
os outros homens, como diz a Carta aos Filipenses: “Tornou-se semelhante
aos homens e foi reconhecido como homem pelo seu comportamento” (2, 7).
Logo, dado que os outros homens são gerados pela união do homem e da mulher,
parece que também Cristo teve de ser gerado de modo semelhante. E, portanto,
não foi concebido de mãe virgem.
5. Ademais, qualquer forma natural tem
uma matéria determinada para ela, fora da qual não pode existir. Ora, a matéria
da forma humana parece ser a semente do homem e da mulher. Logo, se o corpo de
Cristo não tivesse sido concebido da semente do homem e da mulher, não teria
sido um verdadeiro corpo humano, o que não é conveniente. Parece, pois, que não
foi concebido por mãe virgem.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, está o que diz Isaías: “Eis que a
Virgem conceberá” (7, 14).
RESPONDO. É absolutamente necessário confessar que
a mãe de Cristo concebeu virgem. O contrário é a heresia dos ebionitas e de
Cerinto, que julgavam Cristo um homem ordinário e pensavam ter ele nascido da
união dos sexos. Quatro são as razões que mostram a conveniência da concepção
virginal de Cristo.
Primeiro, para salvaguardar a dignidade do Pai
que o envia. Pois dado que Cristo é verdadeiro Filho de Deus por natureza, não
convinha que tivesse outro Pai fora de Deus, para não transferir a outrem a
dignidade de Deus.
Segundo, isso convinha ao que é próprio do
Filho enviado. Pois ele é o Verbo de Deus. Ora, o Verbo é concebido sem nenhuma
corrupção do coração; mais ainda, a corrupção do coração é incompatível com a
concepção de um verbo perfeito. Dado, pois, que a carne foi assumida pelo Verbo
de Deus para ser carne do Verbo de Deus, convinha também que ela mesma fosse
concebida sem a corrupção da mãe.
Terceiro, isso convinha à dignidade da
humanidade de Cristo, na qual não podia haver lugar para o pecado, pois por ela
seria tirado o pecado do mundo, como diz o Evangelho de João: “Eis o
Cordeiro de Deus”, ou seja, o inocente, “que tira o pecado do mundo”
(1, 29). Mas, numa natureza já corrompida pela união do homem e da mulher, a
carne não poderia nascer sem a contaminação do pecado original*. Por isso
afirma Agostinho: “Só não houve aí, a saber, no matrimônio de Maria e José,
a relação conjugal, porque não poderia dar-se tal relação na carne de pecado
sem a concupiscência da carne, que provém do pecado, e sem a qual quis ser
concebido aquele que não deveria ter pecado”.
* O ato conjugal não é “corrompido”, e
apesar de certas concessões a uma linguagem agostiniana, Sto. Tomás não pensa
nem ensina que a transmissão do pecado original proviria do que a sexualidade
teria de desordenado, mas só do fato de que ela transmite a natureza
“corrompida” (o que significa: privada da graça original). Ele não diz tampouco
que, se Jesus tivesse nascido de uma união conjugal teria necessariamente
contraído o pecado original, coisa que a união hipostática torna impensável.
Independente da maneira como Cristo foi concebido, a “carne” que ele faz sua
está toda ela e desde sua origem mais profunda submetida ao espírito, a Deus.
Quarto, pela finalidade mesma da encarnação de
Cristo, que se destinava a fazer renascer os homens como filhos de Deus, “não
pela vontade da carne, nem pela vontade do varão, mas de Deus” (Jo 1, 13),
isto é, pelo poder de Deus. O modelo deste renascimento tinha de manifestar-se
na própria concepção de Cristo. Por isso escreve Agostinho: “Era necessário
que a nossa cabeça nascesse, segundo a carne, de uma virgem, por um milagre
extraordinário, para significar que seus membros deveriam nascer, segundo o
espírito, da virgem que é a Igreja”.
Quanto às objeções iniciais, portanto,
deve-se dizer que:
1. Segundo Beda: “José era chamado
pai do Salvador, não porque o fosse verdadeiramente, como afirmam os
focinianos, mas foi como tal considerado pelos homens para salvaguardar a
reputação de Maria”. É por isso que diz o Evangelho de Lucas: “E,
segundo se pensava, filho de José” (3, 23).
Ou, como diz Agostinho, José é chamado
pai de Cristo da mesma maneira que “é tido por esposo de Maria, sem
comércio carnal, mas pelo vínculo do matrimônio; e assim esteve unido muito
mais estreitamente a Cristo do que se o tivesse adotado de outra forma. E o
fato de não o ter gerado por meio da união carnal não era motivo para deixar de
chamá-lo pai de Cristo, pois também seria pai de alguém que tivesse sido
adotado, mesmo que não tivesse sido gerado pela sua esposa”.
2. Segundo Jerônimo: “Mesmo que José
não fosse o pai de Senhor e Salvador, a genealogia de Jesus se prolonga até
José porque, em primeiro lugar, as Escrituras não costumam estabelecer uma
genealogia seguindo a ordem das mulheres. E, em segundo lugar, porque Maria e
José eram da mesma tribo, e por isso era obrigado pela lei a tomá-la por esposa”.
E, como diz Agostinho: “era preciso prolongar a série das gerações até José
para que não se fizesse afronta, neste matrimônio, ao sexo masculino que é
superior; dessa forma em nada sofria a verdade, uma vez que José e Maria eram
da linhagem de David’.
3. Como afirma a Glosa, na passagem
referida: “Utilizou a palavra mulher em vez de fêmea, seguindo a maneira de
falar dos hebreus. A palavra mulher, no uso dos hebreus, não designa aquelas
que perderam sua virgindade, mas se refere ao sexo feminino em geral”.
4. Este argumento é válido para os que
vêm à existência por vias naturais. Pois assim como a natureza está determinada
a produzir um só efeito, assim também está determinada a produzi-lo de uma
única maneira. Mas o poder sobrenatural de Deus, sendo infinito, não está
determinado a produzir um único efeito, nem a produzi-lo de uma maneira
determinada. Por isso, da mesma forma que o poder de Deus pôde formar o
primeiro homem do pó da terra,
assim também pôde formar o corpo de Cristo de uma virgem sem a intervenção do
homem.
5. Segundo o Filósofo, no livro da Geração dos Animais, o sêmen
do macho não desempenha o papel da matéria na concepção do animal, mas age só
como princípio ativo. Só a fêmea fornece a matéria na concepção. Daí que, pelo
fato de ter faltado o sêmen do macho na concepção do corpo de Cristo, não se
segue que lhe faltasse a matéria devida.
Mas, mesmo na hipótese de que, nos
animais, o sêmen do macho fosse a matéria do feto concebido, é evidente que não
se trata de uma matéria que permaneça sob a mesma forma, mas de uma matéria
transformada. E, embora o poder natural só possa transformar uma certa matéria
em determinada forma, o poder de Deus, que é infinito, pode transformar
qualquer matéria em qualquer forma. E assim como transformou o pó da terra no
corpo de Adão, assim também pôde transformar no corpo de Cristo a matéria
proporcionada pela mãe, ainda que não fosse matéria suficiente para uma
concepção natural.
Fonte: ST III, 28, 1
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Antes de postar seu comentário sobre a postagem, leia: Todo comentário é moderado e deverá ter o nome do comentador. Comentário que não tenha a identificação do autor (anônimo), ou sua origem via link e ainda que não tenha o nome do emitente no corpo do texto, bem como qualquer tipo de identificação, poderá ser publicado se julgar pertinente o assunto. Como também poderá não ser publicado, mesmo com as identificações acima tratadas, caso o assunto for julga impertinente ou irrelevante ao assunto. Todo e qualquer comentário só será publicado se não ferir nenhuma das diretrizes do blog, o qual reserva o direito de publicar ou não qualquer comentário, bem como de excluí-los futuramente. Comentários ofensivos contra a Santa Madre Igreja não serão aceitos. Comentários de hereges, de pessoas que se dizem ateus, infiéis, de comunistas só serão aceitos se estiverem buscando a conversão e a fuga do erro. De indivíduos que defendem doutrinas contra a Verdade revelada, contra a moral católica, de apoio a grupos ou ideias que contrários aos ensinamentos da Igreja, ao catecismo do Concílio de Trento, ferem, denigrem, agridem, cometem sacrilégios a Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, a Mãe de Deus, seus Anjos, Santos, ao Papa, ao clero, as instituições católicas, a Tradição da Igreja, também não serão aceitos. Apoio a indivíduos contrários a tudo isso, incluindo ao clero modernista, só será publicado se tiver uma coerência e não for qualificado como ofensivo, propagador do modernismo, do sedevacantismo, do protestantismo, das ideologias socialistas, comunistas e modernistas, da maçonaria e do maçonismo, bem como qualquer outro tópico julgado impróprio, inoportuno, imoral, etc. Alguns comentários podem ser respondidos via e-mail, postagem de resposta no blog, resposta do próprio comentário ou simplesmente não respondido. Reservo o direito de publicar, não publicar e excluir os comentários que julgar pertinente. Para mensagens particulares, dúvidas, sugestões, inclusive de publicações, elogios e reclamações, pode ser usado o quadro CONTATO no corpo superior do blog versão web. Obrigado! Adm do blog.