CARTA ENCÍCLICA
OCTOBRI MENSE
DE SUA SANTIDADE
PAPA LEÃO XIII
A TODOS OS NOSSOS VENERÁVEIS
IRMÃOS, OS PATRIARCAS,
PRIMAZES, ARCEBISPOS
E BISPOS DO ORBE CATÓLICO,
EM GRAÇA E COMUNHÃO
COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE O ROSÁRIO DE NOSSA SENHORA
Veneráveis Irmãos,
Saúde e Bênção Apostólica.
Convite ao Rosário
1. Ao aproximar-se o mês de Outubro, já agora consagrado à beatíssima
Virgem, é para Nós coisa sumamente grata relembrar as solícitas recomendações
que, nos anos precedentes, vos dirigimos, ó Veneráveis Irmãos, a fim de que em
toda parte os fiéis, impelidos pelo vosso zelo autorizado, se volvessem, com
reavivada piedade, para a grande Mãe de Deus, para a poderosa auxiliadora do
povo cristão; a ela recorrendo suplicantes, durante o mês inteiro, com o rito
do santo Rosário: Rosário que a Igreja habitualmente usou e divulgou, sobretudo
nos tempos mais tempestuosos; e sempre com o desejado êxito.
2. Temos a peito manifestar-vos, também este ano, o mesmo desejo, e
renovar-vos a mesma exortação. Impele-nos a isto urgentemente, e a isso nos
estimula, o Nosso amor à Igreja, cujas angústias, antes que se aligeirarem,
crescem cada dia mais em número e em aspereza.
Males que afligem a Igreja
3. A todos são conhecidos os males que Nós deploramos: a luta
desapiedada contra os sagrados e intangíveis dogmas, que a Igreja guarda e
transmite; a zombaria da integridade da virtude cristã, que a Igreja defende; a
trama de calúnias de mil modos urdidas; o ódio fomentado contra a sagrada ordem
dos bispos, e principalmente contra o Romano Pontífice; os ataques dirigidos,
com a mais impudente audácia e a criminosa impiedade, contra a própria
divindade de Cristo, no intuito de extirpar pelas raízes e de destruir a obra
divina da Redenção, que força alguma poderá jamais destruir nem cancelar.
4. Estes ataques não são, certamente, uma novidade para a Igreja
militante. Porquanto, depois do aviso dado por Cristo aos Apóstolos, ela sabe
que, para instruir os homens no caminho da verdade e guiá-los à salvação
eterna, ela deve todo dia descer a campo e travar combate. E, na realidade, nos
séculos ela sempre lutou intrepidamente até ao martírio, considerando como sua
precípua alegria e glória o poder unir o seu sangue ao do seu Fundador: no qual
está depositada a segura esperança da prometida vitória.
5. Por outra parte, entretanto, não podemos ocultar nos o profundo senso
de tristeza que penetra os melhores, ante esta contínua tensão de batalha. De
fato, é motivo de imensa tristeza ver o grande número dos que, pela
perversidade dos erros e por esta insolente atitude contra Deus, são arrastados
para longe e impelidos para o abismo; o grande número dos que, pondo num mesmo
plano todas as formas de religião, pode-se dizer que já estão na iminência de
abandonar a fé divina; o número notável dos que são cristãos só de nome, e não
cumprem os deveres da sua fé.
E ainda mais nos aflige e nos atormenta o ânimo o considerarmos que a
causa principal de tais ruinosos tais ruinosos e deploráveis males está na
exclusão completa da Igreja das ordenações sociais, enquanto de propósito se
hostiliza a sua salutar influencia. E nisto é de reconhecer um grande e
merecido castigo de Deus, o qual cega miseravelmente as nações que se afastam
d’Ele.
A necessidade da oração
6. Este estado de coisas mostra, com evidência sempre maior, o quanto é
necessário que os católicos orem e supliquem a Deus com fervor e perseverança
"sem nunca cessar" (1Tim 5, 17); e não somente em
particular, porém ainda mais em público. Reunidos nos sagrados templos,
conjurem Deus a se dignar, na sua infinita bondade, de livrar a sua Igreja
"dos homens insolentes e malvados" (2 Tim 3,
2), e a reconduzir os povos ao caminho da salvação e da razão, na luz e no amor
de Cristo.
7. Espetáculo incrível e maravilhoso! Enquanto o mundo percorre o seu
caminho tormentoso, fiado nas suas riquezas, na sua força, nas suas armas e no
seu engenho, a Igreja, com passo veloz e seguro, atravessa os séculos,
depositando a sua confiança somente em Deus, a quem, de dia e de noite, ergue o
olhar e estende as mãos súplices. Porque, embora na sua prudência não desdenhe
os socorros humanos que, pela bondade divina, os tempos lhe oferecem, todavia
não é nestes meios que ela deposita a sua principal esperança; mas sim na
oração, coletiva e insistente, elevada ao seu Deus. Nesta fonte ela alimenta e
fortifica a sua vida; porque, elevando-se, mediante a oração assídua, acima das
vicissitudes humanas, e mantendo-se constantemente unida a Deus, é-lhe dado
viver, plácida e tranqüila, da própria vida de Cristo. E nisto ela é fiel
imagem de Cristo, a quem o horror dos tormentos, sofridos pelo nosso bem, nada
diminuiu nem tirou da beatíssima luz e da felicidade que lhe são próprias.
Exemplos de oração na Sagrada Escritura
8. Este grande ensinamento do cristianismo sempre foi escrupulosamente
praticado pelos cristãos dignos deste nome. Quando à Igreja ou a quem lhe regia
os supremos destinos estava iminente algum perigo, mercê da perfídia e da
violência de homens perversos, então com maior insistência e freqüência
elevavam os cristãos suas preces a Deus.
9. De tal costume achamos luminoso exemplo nos fiéis da Igreja nascente,
exemplo digno de ser proposto à imitação de todos os pósteros. Pedro, Vigário
de Cristo, Pontífice supremo de toda a Igreja, por ordem do ímpio Herodes fora
lançado no cárcere, e destinado a segura morte. Ninguém estava em condições de
lhe levar auxílio para o subtrair àquele perigo. Mas não faltava esse auxílio
único que a devota oração sabe obter de Deus. Como nos testemunha a Sagrada
Escritura, a .Igreja elevava a Deus fervorosíssimas preces por ele: "Mas a
Igreja fazia a Deus contínuas preces por ele" (At 12, 5). E
tanto mais ardente se tornava o empenho da sua oração, quanto mais grave era a
angústia que eles experimentavam por aquela desventura. Todos sabem que essas
preces foram atendidas. Antes, todos os anos o povo cristão celebra sempre com
agradecida alegria a lembrança da miraculosa libertação de S. Pedro.
10. Outro exemplo, ainda mais luminoso, antes divino, dá-no-lo o próprio
Cristo, que se propusera encaminhar e formar na perfeição a sua Igreja não só
com os novos preceitos, mas também com a sua vida. Durante e curso de toda a
sua vida Ele se dedicara mui freqüente e longamente à oração.
Mas, nas suas horas supremas, quando, no horto de Getsêmani, a sua alma
foi invadida de uma angústia imensa e oprimida por uma tristeza mortal, Ele não
somente orava, porém "orava mais intensamente" (Lc 22,
43). E isto Ele fez não para si mesmo, pois, como Deus, nada podia temer e de
nada precisava; mas fê-lo para nossa vantagem, e para vantagem da sua Igreja,
cujas futuras orações e futuras lágrimas desde então Ele generosamente fazia
suas, tornando fecundas umas e outras com a sua graça.
Maria mediadora de todas as graças
11. Mas, depois que, por virtude do mistério da Cruz, foi realizar a
salvação do gênero humano, e depois que, com o triunfo de Cristo, a Igreja foi
plenamente constituída dispensadora da sua salvação, desde então a Providência
preparou e estabeleceu para este novo povo uma ordem nova.
12. As disposições da divina Sabedoria devem ser olhadas com profunda
veneração. O Filho eterno de Deus, querendo assumir a natureza humana para
redimi-la e nobilitá-la, e portanto para contrair um místico consórcio com o
gênero humano, não deu cumprimento a este seu desígnio senão depois de obter o
livre consentimento daquela que fora designada para sua Mãe, e que, em certo
sentido, representava todo o gênero humano; segundo a célebre e veracíssima
sentença do Aquinate: "Por meio da Anunciação aguardava-se o consentimento
da Virgem, em nome e em representação de toda a natureza humana" (S.
Tomás, 3, q. 30, a. 1).
Por conseqüência, pode-se com toda verdade e rigor afirmar que, por
divina disposição, nada nos pode ser comunicado, do imenso tesouro da graça de
Cristo - sabe-se que "a glória e a verdade vieram de Jesus Cristo" (Jo 1,
17), - senão por meio de Maria. De modo que, assim como ninguém pode achegar-se
ao Pai Supremo senão por meio do Filho, assim também, ordinariamente, ninguém
pode achegar-se a Cristo senão por meio de sua Mãe.
13. Quanta sabedoria e misericórdia resplandece nesta disposição da
Divina Providência! Que compreensão da debilidade e fragilidade humana! De
fato, nós cremos na infinita bondade de Cristo, e por ela lhe rendemos louvor;
mas também cremos na sua infinita justiça, e desta temos temor. Sentimos uma
profunda gratidão pelo amor do Salvador, que por nós deu generosamente o seu
Sangue e a sua vida; mas, ao mesmo tempo, tememo-lo no seu caráter de juiz inexorável.
Apreensivos pela consciência dos nossos pecados, precisamos, por isto, de um
intercessor e de um patrono que, de um lado, goze em alto grau do favor divino,
e, de outro, seja de ânimo tão benévolo que a ninguém recuse o seu patrocínio,
nem mesmo aos mais desesperados, e ao mesmo tempo infunda confiança na divina
clemência àqueles que, abatidos, jazem no desconforto.
Mãe de Deus e Mãe dos homens
14. Pois bem: essa eminentíssima criatura é justamente Maria: certamente
Ela é poderosa, porque é Mãe de Deus onipotente, porém - o que é mais
consolador -é amorosa, de uma extrema benevolência, de uma indulgência sem
limites. Tal no-la deu o próprio Deus, que, havendo-a escolhido para Mãe de seu
Unigênito, infundiu-lhe, por isso mesmo, sentimentos requintadamente maternos,
capazes somente de bondade e de perdão. Tal no-la mostrou Jesus, quer quando
consentiu em ser sujeito e obedecer a Maria, como um filho a sua mãe, quer
quando, do alto da Cruz, confiou às suas amorosas solicitudes todo o gênero
humano, na pessoa do discípulo João. Tal, enfim, se mostrou ela mesma quando,
acolhendo generosamente a pesada herança que lhe deixava seu Filho moribundo,
desde aquele momento começou a cumprir, para com todos, os seus deveres de Mãe.
O recurso a Maria na tradição cristã
15. Este plano de terna misericórdia executado por Deus em Maria e
ratificado por Cristo com a sua última vontade, foi desde o início compreendido
com imensa alegria pelos santos Apóstolos e pelos primeiros fiéis; foi
compreendido e ensinado pelos venerandos Padres da Igreja; foi concordemente
compreendido, em todos os tempos, pelo povo cristão. E mesmo quando a tradição
e a literatura se calassem, esta verdade seria igualmente atestada com
grandíssima eloquência pela voz que irrompe do coração de cada cristão.
Sem uma fé divina não se explicaria o imperioso impulso que nos impele e
docemente nos arrasta para Maria; o vivo desejo, ou, melhor, a necessidade que
sentimos de procurar refúgio na proteção e no auxílio daquela a quem podemos
confiar plenamente os nossos projetos e as nossas ações, a nossa inocência e o
nosso pensamento, os nossos tormentos e as nossas alegrias, as nossas preces e
os nossos votos, em suma todas as nossas coisas; a doce esperança e a
confiança, por nós nutridas, de que aquilo que seria menos aceito a Deus,
porque apresentado por nós, indignos pecadores, poderá tornar-se-lhe
agradabilíssimo se o confiarmos a sua Mãe Santíssima.
Quanto mais a alma se alegra com a verdade e suavidade destes
pensamentos, outro tanto se entristece por causa daqueles que, privados da fé
divina, não honram Maria: antes, não a consideram nem mesmo como Mãe. E ainda
mais se contrista o Nosso coração por causa daqueles que, embora participantes
da santa fé, ousam acusar os bons de excessivo e exagerado culto para com
Maria, ofendendo com isto grandemente a piedade filial.
16. Portanto, no meio da tempestade de males que tão duramente
atormentam a Igreja, todos os devotos filhos desta mesma Igreja vêem claramente
que urgente dever têm de orar insistentemente a Deus onipotente, e, sobretudo,
de que modo devem aplicar-se a isso para que as suas preces tenham máxima
eficácia. Seguindo o exemplo de nossos piedosíssimos pais e antepassados,
recorramos a Maria, nossa santa Rainha; e, concordemente, supliquemos a Maria,
Mãe de Jesus Cristo e Mãe nossa: "Mostra-te nossa Mãe, e por meio de ti
acolha nossas preces Aquele que, nascido para nós, quis ser teu Filho" (Da
sagrada liturgia).
Excelência do Rosário
17. Ora, como quer que, entre a diversas formas e maneiras de honrar a
divina Mãe, são de preferir aquelas que por si mesmas são julgadas mais
excelentes e a ela mais agradáveis, apraz-nos expressamente apontar e vivamente
recomendar o santo Rosário. A este modo de orar foi dado, na linguagem comum, o
nome de "coroa", porque ela também recorda, num feliz enredo, os
grandes mistérios de Jesus e de Maria: as suas alegrias, as suas dores e os
seus triunfos. Se os fiéis meditarem e contemplarem devotamente, na ordem,
devida, estes augustos mistérios, haurirão deles um admirável auxílio, quer em
alimentar a sua fé e em preservá-la da ignorância e do contágio dos erros, quer
em elevar e fortalecer o vigor do seu espírito.
De feito, por esse modo o pensamento e a memória de quem reza são, à luz
da fé, atraídos com suavíssimo ardor para estes mistérios. Neles concentrados e
imersos, nunca se cansarão de admirar a obra inenarrável da Redenção humana,
levada a efeito a tão caro preço e com uma sucessão de tão grandes
acontecimentos. E, diante destas provas da divina caridade, a alma se inflamará
de amor e de gratidão, consolidará e aumentará a sua esperança, e avidamente
visará à recompensa celeste, preparada por Cristo para aqueles que se Lhe
houverem unido pela imitação dos seus exemplos e pela participação das suas
dores. E, enquanto isso, com os lábios se pronunciam as orações ensinadas pelo
próprio Cristo, pelo Arcanjo Gabriel e pela Igreja. Orações tão cheias de
louvores e de salutares aspirações não poderão ser repetidas e continuadas, na
sua vária e determinada ordem, sem produzirem sempre novos e suaves frutos de
piedade.
Origem e glórias do Rosário
18. Que, pois, a própria Rainha do Céu haja ligado a esta oração uma
grande eficácia, demonstra-o o fato de haver ela sido instituída e propagada
pelo ínclito S. Domingos, por impulso e inspiração dela, em tempos
especialmente tristes para a causa católica, e bem pouco diferentes dos nossos,
e instituída como um instrumento de guerra eficacíssimo para combater os
inimigos da fé.
19. Com efeito, a seita herética dos Albigenses, ora sorrateira, ora
abertamente, invadira numerosas regiões; espantosa descendência dos Maniqueus,
repetia ela os monstruosos erros destes, e renovava as suas hostilidades, as
suas violências e o seu ódio profundo contra a Igreja. Contra essa turba tão
perniciosa e arrogante, já agora pouco ou nada se podia contar com os auxílios
humanos, quando o socorro veio manifestamente de Deus, por meio do Rosário de
Maria.
Assim, graças à Virgem, gloriosa e debeladora de todas as heresias, as
forças dos ímpios foram abatidas e quebradas, e a fé de muitíssimos ficou salva
e intacta. E pede-se dizer que semelhantes fatos se verificaram no seio de
todos os povos. Quantos perigos conjurados! Quantos benefícios alcançados! A
história antiga e moderna aí está para o demonstrar com os mais luminosos
testemunhos.
Difusão e vitalidade do Rosário
20. Porém outra prova evidente também nos é fornecida pelo fato de,
apenas instituída a oração do Rosário, haver-se a sua prática em brevíssimo
tempo propagado por toda parte, entre toda classe de pessoas. E, de feito, se é
verdade que o povo cristão tem achado diversas formas e títulos insignes para
honrar a Mãe de Deus, que sozinha se eleva, entre todas as criaturas, por
tantas excelsas prerrogativas, todavia é inegável que os fiéis sempre amaram de
modo todo particular o título do Rosário: isto é, essa maneira de orar que é
considerada como a senha da nossa fé e o compêndio do culto a ela devido.
E têm-na praticado particularmente e em público, no interior das casas e
no seio das famílias; instituindo confrarias, consagrando altares, promovendo
solenes procissões; convencidos de que de nenhum outro modo poderiam melhor
honrar as suas festas e merecer o seu patrocínio e as suas graças.
21. Nem passe em silêncio um fato que focaliza uma particular
providência de Nossa Senhora acerca do Rosário. E é este. Quando, com o correr
do tempo, no seio de algum povo pareceu enfraquecer-se o gosto pela piedade, e
relaxar-se também a prática desta oração, mal se desenhou, pelo lado do Estado,
algum gravíssimo perigo, ou se apresentou qualquer necessidade pública, por
voto unânime foi a prática do Rosário, de preferência a outras manifestações
religiosas, que foi como que por encanto revocada a uso e recolocada no seu
lugar de honra, com geral benefício. E desta asserção não se faz mister ir
buscar as provas no passado, porque temos ao alcance da mão uma insigne nos
nossos dias.
Como dissemos desde o princípio, estes nossos tempos são cheios de
amargura para a Igreja de Deus, e ainda mais para Nós, chamado pela Providência
Divina a governá-la. Ora, justamente nestes tempos é que nos é dado notar e
admirar, em toda parte do orbe católico, um fervoroso despertar na prática e na
devoção do Rosário. E, visto que este fato, antes que à diligência humana, se
deve efetivamente atribuir a Deus, que dirige e conduz os homens, isto consola,
e levanta o Nosso ânimo, enchendo-o de grande confiança em que, pela
intercessão de Maria, a Igreja poderá alcançar novos e mais extensos triunfos.
Como se deve orar
22. Há alguns que crêem as coisas que havemos relembrado; mas, depois,
vendo não haver sido ainda alcançado nada daquilo que se esperava - e em
primeiro lugar a paz e a tranqüilidade da Igreja, antes, vendo a situação
tornar-se sempre mais ameaçadora, como que cansados e desconfiados diminuem a
assiduidade e o ardor da sua oração. Mas estes deveriam, em primeiro lugar,
refletir, e fazer com que as orações por eles dirigidas a Deus sejam dotadas
dos requisitos que, segundo o preceito de Cristo Senhor Nosso, são necessários.
E, depois, se as suas orações fossem realmente tais, deveriam eles além
disso considerar que é coisa indigna e culposa o querer fixar a Deus o momento
e o modo de vir em nosso socorro, a Deus que não nos deve nada; tanto que,
quando Ele atende a quem lhe ora, e quando "coroa os nossos méritos, na
realidade não coroa outra coisa senão os seus próprios dons" (S.
Agostinho,Epistola 194 al. 105 ad Sixtum, c. 5, n. 19); e, quando não
secunda os nossos desejos, comporta-se providencialmente como um bom pai para
com seus filhos, o qual tem piedade da estultícia destes, e olha sempre à sua
verdadeira utilidade.
A oração pela Igreja e a oração da Igreja
23. Mas Deus acolhe benignamente e atende as orações que amparadas pela
intercessão dos Santos, devotamente lhe erguemos para torná-lo propício à sua
Igreja; seja quando para a sua Igreja pedimos os bens mais altos e eternos,
seja quando pedimos bens importantes e temporais, mas, em todo caso, úteis
àqueles. Com efeito, a tais orações adita valor e imensa eficácia, com suas
orações e seus méritos, Nosso Senhor Jesus Cristo, que "amou a Igreja e
deu-se a si mesmo por ela, com o fim de santificá-la... para fazer aparecer
diante de Si mesmo, gloriosa, a Igreja" (Ef5, 25-27); Ele que lhe é
o Pontífice supremo, santo, inocente, "sempre estando vivo, para poder
interceder por nós"; Ele que, nas suas orações e súplicas - cremo-lo por
fé divina - sempre consegue o seu intento.
24. Portanto, no que diz respeito aos interesses da Igreja, é sabido que
as mais das vezes ela deve lutar com adversários formidáveis por ódio e poder;
e sobejas vezes deve ela doer-se de que pelos seus inimigos lhe sejam
arrancados os seus bens, limitada e oprimida a sua liberdade, atacada e
desprezada a sua autoridade, e, em suma, infligidos danos e violências de todo
gênero.
E, se nos perguntarem por que razão a maldade destes não chega ao cúmulo
de injustiça que eles se propõem e se esforçam por atingir, e, de outra parte,
por que razão a Igreja, mesmo no meio de tantas vicissitudes, refulge sempre,
conquanto de modos diversos, da mesma grandeza e da mesma glória, e continua a
progredir, justo é atribuir à verdadeira causa de um e de outro fato ao poder
da oração unânime da Igreja; não podendo humanamente explicar-se como a
iniquidade, mesmo tão descarada, seja contida dentro de limites tão estreitos
ao passo que a Igreja, embora mantida em opressão, alcança sem embargo, tão
esplêndidos triunfos.
E isto aparece ainda mais evidente no campo desses bens de que a Igreja
se serve para conduzir os homens à posse do bem supremo. Visto haver ela
nascido justamente para esta missão, a sua oração deve ter uma grande eficácia
em obter que se cumpra perfeitamente sobre os homens o desígnio da providência
e misericórdia de Deus; de modo que, quando os homens oram com a Igreja e por
meio da Igreja, em definitivo impetram e obtêm aquilo que "desde a
eternidade Deus onipotente dispusera conceder" (S. Tomás, II-II, q. 83, a.
2: de S. Greg. Magno).
Os milagres da oração
25. Neste mundo a mente humana falha em face dos excelsos planos da
Divina Providência; mas dia virá em que o próprio Deus, na sua grande bondade,
nos manifestará as causas e o enredo dos acontecimentos; e então aparecerá
claramente que poderosa eficácia de impetração teve nesta ordem de coisas o
dever da oração.
Então ver-se-á que foi justamente por virtude da oração que muitos,
mesmo em meio à grande corrupção do mundo depravado, se conservaram puros e
isentos "de toda contaminação de carne e de espírito, realizando a
santificação no temor de Deus" (2 Cor, 7, 1); que outros,
quando estavam a ponto de ceder ao mal, não somente se contiveram, mas do
perigo e da tentação tiraram um acréscimo de virtude; que outros, já
derrubados, por um estímulo interior foram impelidos a levantar-se e a lançar-se
no amplexo de Deus misericordioso.
26. Por isto Nós conjuramos todos a quererem meditar atentamente estas
verdades; a não se deixarem seduzir pelos ardis do antigo inimigo; a nunca
abandonarem, por motivo algum, a prática da oração; antes os exortamos a perseverarem
nela, sem nunca se cansarem. E, em primeiro lugar, lembrem-se de implorar o
mais alto de todos os bens: a salvação eterna de todos, e a incolumidade da
Igreja. Depois disto poderão invocar de Deus os outros bens que concernem à
prosperidade temporal; contanto que sejam resignados à sua justíssima vontade,
e que, atendidos ou não nas suas orações, saibam render-Lhe graças como ao mais
benfazejo dos pais.
Por último, recomendamo-lhes orarem com esse espírito de religião e de
piedade que sempre convém quando se trata com Deus: como costumavam fazer os
Santos, e como fazia o nosso próprio Redentor e Mestre, "com fortes gritos
e lágrimas" (Heb 5, 7).
Com a oração, a mortificação
27. A esta altura, a dor e o afeto de Pai impele-nos a implorar de Deus,
dador de todos os bens, para todos os filhos da Igreja, não somente o espírito
da oração, mas também o da mortificação. Isto fazendo de todo coração, Nós
exortamos todos, com a mesma solicitude, a praticarem esta virtude, tão
estreitamente unida à outra.
Porquanto, se a oração conforta a alma, robustece-a e eleva-a às coisas
celestes, a mortificação habitua-nos a dominar-nos a nós mesmos, e
especialmente o corpo, que, por motivo de antiga culpa, é o mais perigoso
inimigo da razão e da lei evangélica. Há entre estas virtudes - como é evidente
um nexo indissolúvel. Elas se ajudam reciprocamente, e juntas tendem ao mesmo
fim, que é o de desapegar o homem, nascido para o Céu, das coisas caducas deste
mundo, para elevá-lo quase a uma celeste intimidade com Deus. Ao contrário,
aquele que tem o ânimo aceso pelas paixões e amolecido pelos prazeres tem
náusea das alegrias celestes, que nunca experimentou. A sua oração não passa de
uma voz fria e lânguida, certamente indigna de ser escutada por Deus.
O exemplo dos santos
28. Temos sob os olhos os exemplos de mortificação a nós deixados pelos
Santos. Pois bem: era justamente esse espírito de mortificação que tornava
aceitas a Deus as suas orações; tanto que, como nos atesta a história sagrada,
eles tiveram até mesmo o poder de operar milagres. Esses Santos eram assíduos
em regular e refrear a mente, o coração e as paixões; submetiam-se sempre com
grande docilidade e humildade à doutrina de Cristo, aos ensinamentos e aos
preceitos da sua Igreja; nada queriam, nada recusavam, sem antes haver sondado
a vontade de Deus; nas suas ações não se propunham outro escopo senão a maior
glória de Deus; continham e reprimiam energicamente os apetites da carne;
tratavam o próprio corpo duramente e sem piedade; e, por amor da virtude, abstinham-se
até mesmo das coisas por si mesmas lícitas. Assim podiam com razão aplicar a si
mesmos as palavras que o Apóstolo Paulo dizia de si: "já que a nossa
cidadania é nos céus" (Filip 3, 20); e, pela mesma razão, as
suas orações eram tão eficazes em lhe tornar Deus propício e benigno.
Necessidades da penitência
29. Certamente, nem a todos é dada a possibilidade, nem todos têm a
obrigação de fazer o mesmo; mas cada um é obrigado, segundo o seu poder, a
mortificar a sua vida e os seus costumes. Exige-o a justiça divina, à qual é
dada estrita satisfação das culpas cometidas; e é preferível dar essa
satisfação enquanto se está em vida, com penitências voluntárias, porque assim
também se tem o mérito da virtude.
Além disto, já que nós todos estamos unidos e vivemos no corpo místico
de Cristo, que é a Igreja, daí se segue, consoante S. Paulo, que, tal como os
gozos, assim também as dores de um membro são comuns a todos os outros membros:
quer dizer que os irmãos cristãos devem vir voluntariamente em auxílio dos
outros irmãos nas suas enfermidades espirituais ou corporais, e, na medida em
que estiver em seu poder, cuidar da cura deles; "os membros tenham a mesma
solicitude uns com os outros; e, se um membro sofre, sofrem com ele todos os
membros; ou, se tem glória um membro, todos os membros se regozijam com ele.
Ora, vós sois corpo de Cristo, e particularmente sois membros
deste" (1 Cor 12,25-27). Nesta prova que a caridade nos
pede, de expiarmos as culpas de outrem, a exemplo de Jesus Cristo, que com
imenso amor deu a sua vida para redimir todos do pecado, está esse grande
vínculo de perfeição que une estreitamente os fiéis entre si, com os Santos e
com Deus.
30. Em suma, o espírito da santa mortificação é tão vário, industrioso e
extenso, que qualquer um desde que animado de piedade e de boa vontade pode
praticá-lo com muita freqüência e sem esforço excessivo.
Exortações e esperanças
31. Depois do que até aqui expusemos, não nos resta, Veneráveis Irmãos,
senão esperar dos Nossos avisos e das Nossas exortações o êxito mais
consolador. E de fato o esperamos da vossa singular e profunda piedade para com
a augusta Mãe de Deus, da vossa solicitude e do vosso zelo pelo rebanho a vós
confiado. E já a nossa alma se alegra em prever frutos felizes e abundantes,
como aqueles que os católicos souberam colher da sua notável piedade para com
Maria. Que, pois, graças aos vossos convites, às vossas recomendações e ao
vosso exemplo, os fiéis, especialmente no próximo mês, acorram e se reúnam em
torno dos altares, solenemente ornados, da augusta Rainha, da benigníssima Mãe;
e com coração filial lhe entreteçam e lhe ofereçam místicas coroas com a
recitação, a ela tão grata, do Rosário.
De Nossa parte, confirmamos e ratificamos não só as prescrições já
outras vezes dadas a propósito, mas também as sagradas Indulgências já
concedidas (Encíclica "Supremi
Apostolatus", 1 Set. 1883. Encíclica "Superiore
Anno", 30 Ag. 1884; Decreto S. R. C. "Inter Plurimos",
20 Ag. 1885; Encíclica "Quanquam
Pluries", 15 Ag. 1889). Oh! como será belo e vantajoso o
espetáculo de milhões de fiéis que, em todo o orbe católico - nas cidades, nas
aldeias, nos campos, em terra e no mar, - fundindo juntos os seus louvores e as
suas preces, os seus pensamentos e as suas vozes, saudarem a todas as horas do
dia Maria, invocarem Maria, e tudo esperarem de Maria! Roguem-lhe todos, com
confiança, queira Ela obter de seu Filho que as nações transviadas voltem às
instituições e aos princípios cristãos, nos quais assenta a base do bem-estar
público, e da qual jorram os benefícios da desejada paz e da verdadeira
felicidade.
Porém ainda mais insistentemente lhe peçam aquilo que deve estar no
ápice dos desejos de todos os bons, ou seja a liberdade da Igreja e a pacífica
posse dessa liberdade, de que ela não se serve senão para proporcionar aos
homens o bem supremo. Desta liberdade, nem indivíduos nem Estados sofreram
jamais dano algum; antes, dela hauriram sempre inúmeros e inestimáveis
benefícios.
32. Finalmente, Veneráveis Irmãos, que pela intercessão da Rainha do
Rosário Deus vos conceda os favores e as graças celestes, das quais possais
haurir, em sempre maior abundância, auxílio e força para cumprirdes santamente
os deveres do vosso ministério pastoral. E delas seja penhor e auspício a
Bênção Apostólica que de coração concedemos a vós, ao vosso clero e ao povo
confiado aos vossos cuidados.
Dado em Roma, junto a S. Pedro, a 22 de Setembro de 1891, décimo quarto
ano do Nosso Pontificado.
LEÃO PP. XIII
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