János Hunyadi, comandante dos cruzados libertou Belgrado do assédio turco |
Esse extraordinário herói húngaro e São João de Capistrano, derrotando o sultão Maomé II em Belgrado, sustaram avassaladora investida muçulmana na Europa
No ano de 1453, a cidade de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, caiu sob o domínio dos turcos otomanos. Os vencedores submeteram os sobreviventes muitos deles monges e religiosas — a um cruel e bárbaro tratamento.
A famosa igreja de Santa Sofia tornou-se cenário de uma sangrenta orgia, depois da qual o local sagrado passou a servir de estábulo para os cavalos dos turcos. Ficava claro para a Cristandade que os seguidores de Maomé não descansariam enquanto não estendessem seu domínio sobre a Europa.
Mas a Divina Providência, que permitira tal derrota para castigo da Cristandade decadente, suscitaria, no momento e no lugar certos, os homens certos para obstar os planos dos infiéis.
János (João, em português) nasceu provavelmente no ano 1387. Seu pai, Serba Vojk, leal servidor do rei húngaro Sigismundo, recebera como prêmio o castelo de Hunyadvár, na Transilvânia, tendo desde então mudado seu nome, Serba Vojk, para Hunyadi.
Desde a infância, János Hunyadi, a quem trataremos apenas pelo sobrenome, mostrou-se sempre muito piedoso. Seus companheiros de Corte o viam frequentemente levantar-se durante a noite e passar horas de joelhos na capela real, em oração.
Ele cresceu como um soldado. Inicialmente lutando como mercenário na Itália, dedicou-se depois a enfrentar o Império Otomano, o maior inimigo de seu país e da Santa Igreja, na época.
Até 1441, suas campanhas militares foram apenas um prelúdio de sua longa guerra contra os otomanos, o que lhe valeu a fama de “Flagelo dos Turcos”. Em uma dessas campanhas, tentou unir forças com o grande herói albanês Skanderbeg,(1) só não o fazendo por intrigas de um príncipe sérvio.(2)
Em 1437, o rei Sigismundo nomeou-o defensor do sul da Hungria, desde a Transilvânia do Leste até o mar Adriático. O rei seguinte, Ladislau V, tornou-o capitão de Nandorfehervár (atual Belgrado, capital da Sérvia) e voivode (príncipe) da Transilvânia.
Batalla de Belgrado (Nandorfehervar) |
Nomeado comandante, Hunyadi decidiu que já era tempo de pôr um fim às invasões turcas.
Guerreiro incansável, aparecia de improviso nas regiões ocupadas, surpreendia o inimigo com táticas inusitadas, infundia temor mesmo nos grandes exércitos, acompanhado por tropas seletas mas reduzidas.
Certa feita, deparou-se com a quase totalidade dos contingentes turcos da Europa, sob o comando do terrível Sehabeddin, súdito do mesmo Maomé II que depois conquistaria Constantinopla. A ordem deste era conquistar a Moldávia, a Valáquia e a Transilvânia.
Hunyadi posicionou suas tropas em formação retangular, tendo os flancos e a retaguarda bem protegidos por vagõesblindados. Inovação utilizada por um líder da Boêmia anos antes, os vagões eram preenchidos por soldados, e ligados por correntes para evitar a penetração pelo inimigo.
No auge da refrega, os vagões foram subitamente empurrados sobre o adversário, causando, com seu movimento, grande pânico entre as tropas turcas. Os soldados desembarcaram e cumpriram sua missão. Mais uma grande vitória obtida pelo herói húngaro.
A notícia das conquistas de Hunyadi espalhou-se por toda a Europa, trazendo esperança para os reinos que ainda sofriam sob a dominação otomana. No ano seguinte, o general húngaro venceu mais seis batalhas, livrando a Sérvia da presença turca.
Janos Hunyadi, monumento em Pecs, Hungria |
Considerou como obrigação enfrentar os turcos, fazendo o propósito de expulsá-los de Constantinopla, e até, se possível fosse, da própria Terra Santa.
“O mundo tinha mudado desde os velhos tempos de Urbano II, mas no peito do Papa ancião batia o coração de um verdadeiro cruzado. Em carta ao novo rei húngaro Ladislau, o Papa declarou sua resolução, mesmo ao preço de seu próprio sangue se necessário, de que ‘estes inimigos insidiosos do nome Cristão sejam inteiramente expulsos não só da cidade de Constantinopla, recentemente ocupada, mas também de todos os confins da Europa’”.(3)
Após tomar Constantinopla, o jovem Maomé II decidiu, em 1455, que era tempo de esmagar definitivamente a Hungria. E o ponto nevrálgico era a fortaleza de Nandorfehervár. “Em dois meses, estarei jantando tranquilamente na capital húngara”, teria dito o sultão.
São João de Capistrano: pregador de Cruzada
São João de Capistrano na batalha de Belgrado. Igreja dos Bernardinos, Cracóvia. |
Septuagenário como o Papa, homem de baixa estatura, fraco, exausto, mas movido por um ardor juvenil, o santo contagiava com seu entusiasmo os corações de seus ouvintes, embora — coisa notável — falasse apenas latim e italiano.
Conseguiu reunir por volta de 40 mil camponeses húngaros e alguns voluntários de outras nações, partindo com Hunyadi, que conduzia sua tropa de 10 mil cavaleiros.
Com a guarnição de Belgrado e outros reforços, o exército cristão chegou a congregar 75 mil homens, a maioria fracamente armada, mas animados de santo zelo pela defesa da Cristandade.
Os turcos chegaram a Belgrado semanas antes do esperado. Eram entre 100 e 200 mil homens, trazendo consigo 300 canhões, 22 dos quais de grande envergadura. Uma frota de 200 embarcações balouçava nas águas do Danúbio.
Testemunhas da época narram seu espanto por toda a parafernália presente no acampamento turco, tanto de material bélico quanto para outros fins. Matilhas inteiras de cães foram trazidas para consumir os corpos dos cristãos, que se previam muito numerosos.
Os infiéis pareciam dispostos não apenas a ocupar Belgrado, mas toda a Hungria e outros reinos vizinhos.(5)
Quando o exército católico chegou à cidade, no início de julho de 1456, encontrou-a já sitiada pelos otomanos, e ameaçada pela frota estacionada no Danúbio.
A primeira tarefa de Hunyadi foi quebrar o bloqueio naval, o que ele conseguiu em 14 de julho, afundando três grandes galés otomanas e capturando duas dezenas de navios. Franqueou ele assim a entrada de tropas e de suprimentos na cidade.
São João de Capistrano na batalha de Belgrado (detalhe). Igreja dos Bernardinos, Cracóvia. |
No dia 21 de julho, Maomé II ordenou um assalto total, que começou no ocaso e continuou por toda a noite.
Os janízaros(6) lideraram o ataque, e a ferocidade de seu avanço conduziu-os para dentro das muralhas. Hunyadi, entretanto, dirigiu a defesa com grande habilidade.
Ordenou aos defensores que jogassem lenha, cobertores saturados de enxofre, pedaços de gordura animal e outros materiais inflamáveis dentro do fosso, e ateassem fogo.
Logo uma parede de chamas separou os janízaros que lutavam dentro das muralhas de seus companheiros que ainda estavam no exterior.
Os que ocupavam o fosso morreram queimados, ou ficaram seriamente feridos; e os janízaros foram massacrados pelas tropas de Hunyadi. Com a calmaria da manhã seguinte, mais reforços cristãos puderam chegar à cidade.
No dia seguinte, enquanto os turcos enterravam seus mortos, algo de inesperado aconteceu.
Contrariando as ordens de Hunyadi para não deixarem o interior da fortaleza, alguns grupos de cruzados escaparam pelos rombos das muralhas, tomaram posição diante da linha turca e começaram a provocar os soldados inimigos, gritando e atirando flechas sobre eles.
Cavaleiros turcos tentaram, sem sucesso, dispersar os cristãos. Então, mais cruzados se uniram aos que já estavam fora das muralhas.
São João de Capistrano na batalha de Belgrado (detalhe). Igreja dos Bernardinos, Cracóvia. |
São João de Capistrano, que de início tentara trazer seus homens de volta ao interior das muralhas, logo se viu cercado por dois mil cruzados.
Então, começou a liderá-los em direção às linhas otomanas, gritando: “O Senhor que fez o início cuidará do desfecho!”.
Os turcos logo se viram diante de uma furiosa avalanche humana. Apanhados de surpresa nessa estranha mudança dos acontecimentos e paralisados por um medo inexplicável, fugiram.
A guarda pessoal do sultão, formada por cinco mil janízaros, tentou conter o pânico e recapturar o acampamento; mas o exército de Hunyadi já tinha se unido à inesperada batalha, e os esforços turcos tornaram-se vãos.
O próprio sultão foi gravemente ferido, ficando inconsciente. Protegidos pela escuridão, os turcos retiraram-se às pressas, carregando seus feridos.
As baixas turcas em Belgrado foram inéditas. Eles perderam 50 mil homens na batalha, e outros 25 mil abatidos pelos sérvios durante a fuga. As perdas entre os defensores de Belgrado totalizaram menos de 10 mil.
A derrota do sultão foi saudada como gloriosa vitória pela Cristandade. O Te Deum foi entoado nas igrejas, os sinos tocaram e grandes fogueiras foram acesas em comemoração.
O Papa Calixto III, quando soube do sucesso do comandante húngaro, descreveu Hunyadi como “o mais impressionante homem que o mundo tem visto em 300 anos”.
Depois de mais um triunfo, chegou o dia da partida para a eternidade daquele homem providencial. Contagiado pelo tifo que grassava no acampamento, János Hunyadi entregou sua alma a Deus em 4 de agosto de 1456.
O túmulo do heroico Janos Hunyadi continua rodeado pelo reconhecimento do povo húngaro |
“Vivi e lutei para achar meu lugar de descanso, como campeão emérito na tenda de meu Senhor”. O sultão derrotado, sabendo da morte do herói católico, depois de alguns momentos de silêncio exclamou: “Éramos inimigos, mas sua morte é para mim dolorosa; pois nunca o mundo viu um homem como ele!”. Naqueles tempos o valor e a honra eram reconhecidos mesmos nos inimigos, quando neles existentes.
“Defendei, caros amigos, a Cristandade e a Hungria de todos os inimigos. Não vos deixeis levar por intrigas internas. Se gastardes vossas energias em altercações, selareis vosso próprio destino e cavareis a cova de nossa própria nação”.(7) Foi esse o último conselho de Hunyadi a seus compatriotas.
Notas:
1. Vide Catolicismo, abril/2004.
2. WEISS, Juan Bautista. Historia Universal – Vol. VIII. Barcelona: Tipografia La Educación, 1929, p. 31.
3. SETTON, Kenneth Meyer. The Papacy and the Levant, Vol. II. Philadelphia: The American Philosophical Society, 1978. p. 164.
4. Vide Catolicismo, outubro de 2007.
5. SETTON, Kenneth Meyer. The Papacy and the Levant, Vol. II. Philadelphia: The American Philosophical Society, 1978. p. 176.
6. Elite guerreira formada por cristãos pervertidos, muitas vezes raptados ainda jovens do seio de suas famílias.
7. KOVACH, Tom R. Ottoman-Hungarian Wars: Siege of Belgrade in 1456. Military History Magazine, 1996. Disponível em http://www.historynet.com/ottoman-hungarian-wars-siege-of-belgrade-in-1456.htm.
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