"Na França, vemos uma vaga iconoclasta na época em que os protestantes tentaram tomar o poder, vemos uma vaga iconoclasta na Revolução Francesa e vemos uma vaga iconoclasta atual em virtude de princípios litúrgicos e teológicos errôneos."
Sermão para o 3º Domingo depois da Páscoa
07.05.2017 – Padre Daniel Pinheiro, IBP
Em nome do Pai, e do Filho e
do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Retomamos, caros católicos, a
nossa breve consideração das heresias ao longo da história da Igreja. Isso nos
serve como ocasião para afirmar a verdade católica em oposição a esses erros e
serve para evitar os mesmos erros nos tempos atuais e futuros. As heresias, em
geral, se repetem ao longo dos séculos, mudando um pouco a roupagem, mudando
alguns fundamentos. É-nos bastante proveitoso, então, conhecer esses erros
contra a fé.
Vamos hoje ao século VIII,
quando surgiu a heresia iconoclasta, que é a oposição às imagens sagradas,
proibindo o uso das imagens e o culto às imagens. Foi o imperador de
Constantinopla, Leão III, Isáurico, que, em 730, publicou um edito geral
proibindo o culto das imagens. Essa data marca o início oficial da heresia e da
campanha contra as imagens. O decreto encontrou oposição firme em São Germano,
patriarca de Constantinopla, em São João Damasceno, o grande defensor das
imagens e também na piedade popular tradicional. Também o Papa Gregório II e
seu sucessor, Gregório III, se opuseram à iconoclastia. O imperador,
enfurecido, com a oposição ao seu decreto herético, começou a campanha de
destruição de imagens de Nosso Senhor e dos santos. Passou a exilar, castigar e
mesmo matar os opositores. O filho e sucessor do imperador Leão III, chamado
Constantino V, Coprônimo, seguiu a mesma linha e intensificou a perseguição.
Passou a destruir mesmo as relíquias dos santos, tão veneradas. Chegou a reunir
um sínodo, no Palácio imperial de Hieria, a que 338 bispos assistiram. O
imperador impôs a sua vontade, proibindo o culto das imagens e condenando os
principais defensores desse culto: São João Damasceno e São Germano. Em Roma, o
Papa Estevão III respondeu com um sínodo afirmando a doutrina católica
constante do culto às imagens. Foi somente com a Imperatriz Irene, regente do
Império, que a heresia foi condenada no II Concílio de Nicéia em 787. O Papa
participou, por meio de seus legados, desse Concílio. Proclamou-se a bondade do
culto às imagens, provada pelos documentos pontifícios e pelos escritos dos
padres da Igreja.
Todavia, a heresia voltou a
surgir na primeira metade do século IX e com violência sob o imperador Leão V.
O que tinha escapado da perseguição anterior foi destruído nessa segunda.
Inúmeros foram os martírios, os desterros e as prisões. Foi novamente uma
Imperatriz regente, Teodora, que conseguiu pacificar as coisas, renovando as
decisões do II Concílio de Nicéia. Os monges tiveram durante toda a crise
iconoclasta um papel determinante na defesa das imagens e da honra prestada a
elas.
As imagens eram usadas pelos
cristãos desde o início praticamente. Basta vermos as catacumbas. O culto às
imagens dos santos vem do fato de o Verbo ter se Encarnado. O Concílio de
Trento, reafirmando a doutrina católica do culto às imagens contra a heresia
protestante, diz as imagens dos santos também podem e devem ser veneradas: “As
imagens de Cristo, da Santíssima Virgem e de outros Santos, se devem ter e
conservar especialmente nos templos e se lhes deve tributar a devida honra e
veneração, não porque se creia que há nelas alguma divindade ou virtude pelas
quais devam ser honradas, nem porque se lhes deva pedir alguma coisa ou
depositar nelas alguma confiança, como outrora os gentios, que punham suas
esperanças nos ídolos (cfr. Sl 134, 15 ss), mas porque a veneração tributada às
Imagens se refere aos protótipos que elas representam, de sorte que nas Imagens
que osculamos, e diante das quais nos descobrimos e ajoelhamos, adoramos a
Cristo e veneremos os Santos, representados nas Imagens.” Assim ensina o
Concílio de Trento. O culto prestado à imagem é um culto prestado não à imagem
em si, mas àquele que a imagem representa. A proibição de fazer imagens
no Antigo Testamento não é mais válida, pois o risco de idolatria que existia
para os judeus, rodeados de pagãos idólatras, adoradores de imagens, já não
existe. E mesmo no Antigo Testamento, vemos Deus abrir algumas exceções para a
proibição das imagens, pois ele ordena que se façam querubins na arca da
aliança e manda que Moisés faça uma serpente de bronze – prefiguração de Cristo
crucificado – para que os judeus não perecem pelas picadas das serpentes no
deserto. Portanto o culto às imagens se dirige ao original.
O culto às imagens é bom pela
nossa natureza, somos corpo e alma. Nós precisamos de coisas sensíveis que
ajudem a nossa inteligência e a nossa vontade a se elevarem às coisas
espirituais. Assim, os sacramentos são sinais sensíveis da graça, as cerimônias
da Igreja são sensíveis, a Igreja é uma sociedade visível com um chefe visível,
etc. As imagens e relíquias nos ajudam muitíssimo a manter a nossa
concentração, a considerar o exemplo e as virtudes de Cristo, de Nossa Senhora,
dos Santos. Dão-nos também esperança de alcançar o céu ao nos fazer lembrar
daqueles que lá já estão. Tirar as imagens das igrejas prejudica a vida de
oração, diminui o apelo aos santos, nos privando de muitas graças. Prejudica a
vida espiritual. Hoje, infelizmente, existe em muitos espíritos, uma
mentalidade de tendência iconoclasta, querendo esvaziar as igrejas católicas
das imagens sagradas, como se isso atrapalhasse a devoção, sendo que é
precisamente o contrário. Na França, por exemplo, vemos uma vaga iconoclasta na
época em que os protestantes tentaram tomar o poder, vemos uma vaga iconoclasta
na Revolução Francesa e vemos uma vaga iconoclasta atual em virtude de
princípios litúrgicos e teológicos errôneos.
Interessante notar as causas
da heresia iconoclasta. Não é um erro isolado, mas que deriva das heresias precedentes
que já vimos. O nestorianismo separava a natureza divina e a natureza humana de
Cristo, o monofisismo negava a humanidade de Cristo. Tudo isso vai contra a
representação de Cristo como homem. E a imagem de Cristo expressa a sua
humanidade, claro. Essas heresias se opunham, então, às imagens de Cristo e,
consequentemente, às outras imagens. É preciso ver também na heresia
iconoclasta a influência do judaísmo e principalmente do islamismo. O
islamismo, recém-fundado por Maomé, se expandia violentamente, como sempre, e
muitos viviam no império romano do oriente e combatiam no exército. Judeus e
maometanos se opõem às imagens.
A heresia iconoclasta terá
como consequência estremecer as relações entre cristãos do ocidente e do
oriente, preparando o terreno para o cisma do oriente em 1054. As mentalidades
começarão a se separar. O imperador romano do oriente começará cada vez mais a
querer governar a igreja, naquilo que é conhecido como cesaropapismo – o
imperador usurpando o poder que pertence ao Papa. É pouco depois da heresia
iconoclasta que surgirá a figura de Fócio, na segunda metade do século IX,
colocando os fundamentos para que a maior parte dos cristãos do oriente se
separem da verdadeira Igreja de Cristo em 1054. As consequências da crise iconoclasta
foram terríveis.
Já no século XI, surge a
heresia eucarística de Berengário de Tours. Ele afirmava, em seus ensinamentos
na escola da catedral de Tours, que na eucaristia não estava o verdadeiro corpo
e sangue de Cristo, mas somente uma imagem ou figura. Como Berengário era muito
ativo e hábil, suas idéias atraíram muitos adeptos e logo se difundiram. A
doutrina chegou ao Papa Leão IX que condenou a heresia de Berengário.
Habilidoso, o herege conseguiu, porém, o apoio de dois bispos e do rei da França,
Henrique II. Foi condenado, porém, em 1051 no sínodo em Paris. Berengário
chegou a jurar a doutrina católica sobre a eucaristia, mas mantendo a heresia
interiormente. Fez a mesma coisa anos mais tarde em Roma. Professou a boa
doutrina diante do Papa para logo depois voltar a professar a heresia. Quantos,
hoje, fazem uma profissão externa de catolicidade, mas professam erros e
heresias de modo velado, para enganar os desatentos. Condenado ainda outras
vezes, parece que, finalmente, se arrependeu de seus erros e morreu penitente,
retirado em uma ilha. Essa heresia eucarística de Berengário foi a ocasião para
se introduzir na Santa Missa a elevação da hóstia no momento da consagração, a
fim de que todos pudessem logo adorar a Nosso Senhor Jesus Cristo real e substancialmente
presente em corpo, sangue, alma e divindade sob as aparências do pão e do
vinho.
Como dissemos no início, as
heresias tendem a se repetir. Os protestantes todos retomarão depois a heresia
eucarística e quase todos retomarão a heresia iconoclasta. A Igreja, porém,
apesar das tempestades, permanece sempre firme na sua doutrina. Sempre com
prudência, com paciência e firmeza. Ao fim, a verdade triunfa. Mais uma vez,
caros, católicos, permaneçamos firmes na doutrina católica íntegra, sem nos deixar
levar por qualquer sopro de doutrina, pelas vãs filosofias, ou pelos
pensamentos da moda. Só Nosso Senhor e sua Igreja têm palavras de vida eterna.
Em nome do Pai, e do Filho e
do Espírito Santo. Amém.
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