“Cân. IX - Se alguém disser que deve ser condenado o ritual da
Igreja Romana devido ao fato que algumas palavras do Cânon, e as palavras da
consagração são ditas em voz baixa, ou que a Missa deve ser dita sempre em
língua vulgar, ou que não se deve misturar água ao vinho do cálice que será
oferecido, porque isto é contra a instituição de Cristo, seja excomungado.”
- CONCÍLIO ECUMÊNICO DE TRENTO Sessão XXII
1) A
Santa Missa é um sacrifício latrêutico
No Antigo Testamento procuravam os homens honrar a
Deus por toda a espécie de sacrifícios; no Novo Testamento, porém,
presta-se maior a honra a Deus com um só sacrifício da Missa do que com
todos os sacrifícios do Antigo Testamento, que eram só figuras e sombras
da sagrada Eucaristia. Pela Santa Missa se presta a Deus a honra que lhe é
devida, porque, por meio dela, recebe ele a mesma honra infinita que Jesus Cristo
lhe prestara sacrificando-se na cruz. Uma só Missa presta a Deus maior honra que
todas as orações e penitências dos santos, todos os trabalhos dos apóstolos,
todos os sofrimentos dos mártires, todo o amor dos serafins e mesmo da Mãe
de Deus, porque todas as honras dos homens são de natureza finita,
enquanto a honra que Deus recebe pelo santo sacrifício da Missa é
infinita, visto que lhe é prestada por uma pessoa divina.
Devemos por isso reconhecer, com o santo Concílio
de Trento, que a Santa Missa é a mais santa e divina de todas as obras
(Sess. 22). Nosso Senhor morreu especialmente para esse fim, para poder
criar sacerdotes do Novo Testamento. Não era necessário que o Salvador
morresse para remir o mundo; uma só gota de seu sangue, uma lágrima, uma só
oração teria bastado para operar a salvação de todos, porque, sendo essa
oração de valor infinito, seria suficiente para remir não só o mundo, mas
também mil mundos. Para criar, porém, um sacerdote, devia Jesus Cristo
morrer, pois, do contrário, donde se tiraria esse sacrifício que agora
oferecem a Deus os sacerdotes do Novo Testamento, esse santo e imaculado
sacrifício que, por si só, basta para dar a Deus a honra que lhe é devida?
Ainda que se sacrificasse a vida de todos os anjos e santos, mesmo assim
esse sacrifício não prestaria a Deus essa honra infinita que lhe dá uma única
Santa Missa.
2) A Santa Missa é um sacrifício propiciatório
Que a Santa Missa é verdadeiramente um sacrifício propiciatório, que inclina
Deus a nos perdoar não só a pena mas também a culpa dos pecados, pode-se
deduzir já da instituição da sagrada Eucaristia, que foi feita
especialmente para a remissão dos pecados: “Este é o meu sangue, que será
derramado por muitos, para a remissão dos pecados”, disse Jesus Cristo (Mt 26,
28). A Santa Missa perdoa até os maiores pecados, não imediatamente, mas
só mediatamente, como afirmam os teólogos, isto é, Deus, em consideração
ao sacrifício do altar, concede a graça que leva o homem a detestar seus
pecados e a purificar-se deles no sacramento da Penitência. Quanto às penas
temporais, que devem ser expiadas depois da destruição da culpa, são elas perdoadas
por virtude da Santa Missa, ao menos parcialmente, quando não de todo. Numa
palavra, a Santa Missa abre os tesouros da divina misericórdia em favor dos pecadores.
Desgraçados de nós se não houvesse esse grande
sacrifício, que impede à justiça divina que nos envie os castigos que
merecemos por nossos pecados: é certo que todos os sacrifícios do Antigo
Testamento não podiam aplacar a ira de Deus contra os pecadores. Se se
sacrificasse a vida de todos os homens e anjos, a justiça divina não seria satisfeita
devidamente nem sequer por uma única falta que a criatura tivesse cometido
contra seu Criador. Só Jesus Cristo podia satisfazer por nossos pecados: “Ele é
a propiciação pelos nossos pecados” (1 Jo 2, 2). Por isso o Padre Eterno enviou
seu Filho ao mundo, para que se fizesse homem mortal e, pelo sacrifício de
sua vida, O reconciliasse com os pecadores. Esse sacrifício é renovado em
cada Missa. Não há dúvida: o sangue inocente do Redentor clama muito mais
fortemente por misericórdia em nosso favor que o sangue de Abel por
vingança contra Caim.
Mas também pelos defuntos pode ser oferecido este
sacrifício. Por isso o sacerdote, na Santa Missa, pede ao Senhor que se
recorde de seus servos que partiram para a outra vida e dormem o sono da
paz, e que lhes conceda, pelos merecimentos de Jesus Cristo, o lugar de
repouso, da luz e da paz. Se o amor de Deus que possuem as almas ao sair
desta vida não basta para purificá-las, essa falta fica reparada pelo fogo do purgatório;
muito melhor, porém, a repara o amor de Jesus Cristo por meio do sacrifício eucarístico,
que traz às almas grande alívio e, muitas vezes, até a libertação completa de
seus sofrimentos. O Concílio de Trento declara que as almas que sofrem no purgatório,
pela intercessão dos fiéis, mas em especial pelo santo sacrifício da Missa, podem
ser muito auxiliadas. E acrescenta (Sess. 22, c. 2) que isso é uma tradição apostólica.
Santo Agostinho exorta-nos a oferecer o sacrifício da Santa Missa por todos os
defuntos, para o caso de que não possa aproveitar às almas por que pedimos.
3) A Santa Missa é um sacrifício eucarístico
É justo e razoável que agradeçamos a Deus os benefícios que nos fez em sua
infinita bondade. Mas que digno agradecimento podemos dar-lhe nós,
miseráveis? Se Deus nos tivesse dado uma única vez um sinal de sua
afeição, estaríamos obrigados a um agradecimento infinito, porque esse
sinal de amor seria o favor e dom de um Deus infinito. Mas eis que o Senhor nos
deu esse meio de cumprir com nossa obrigação e de agradecer-lhe na Santa
Missa a Jesus Cristo. Dessa maneira dá-se a Deus o mais perfeito
agradecimento e satisfação; pois, quando o sacerdote celebra a Santa Missa, dá-lhe
um digno agradecimento por todas as graças, mesmo por aquelas que foram concedidas
aos santos no céu; tal ação de graças, porém, não podem prestar a Deus todos
os santos juntos, de maneira que também nesse respeito a dignidade sacerdotal sobrepuja
todas as dignidades, não excetuadas as do céu.
A vítima que é oferecida ao Eterno Pai na Santa Missa
é seu próprio Filho, em quem pôs toda a sua complacência. Por isso dirigia
Davi suas vistas a este sacrifício, quando excogitava um meio de agradecer
a Nosso Senhor pelas graças recebidas: “Que darei ao Senhor por tudo o que
ele me tem feito?” pergunta ele, e responde: “Tomarei o cálice da salvação
e invocarei o nome do Senhor” (Sl 115, 12). O próprio Jesus Cristo agradeceu
a seu Pai celeste todos os benefícios que tinha feito aos homens, por meio deste
sacrifício: “E, tomando o cálice, deu graças e disse: Tomai-o e distribuí-o
entre vós” (Lc 22, 17).
4) A Santa Missa é um sacrifício impetratório
Se já temos a segura promessa de alcançar tudo que pedimos a Deus em nome de Jesus
Cristo (cf. Jo 16, 23), muito maior deve ser a nossa confiança se oferecemos a Deus
seu próprio Filho. Este nosso amante Salvador roga por nós sem cessar lá no céu (cf.
Rom 8, 34), mas, de modo todo especial, durante a Santa Missa, em que se sacrifica
a seu Eterno Pai, pelas mãos do sacerdote, para nos alcançar suas graças. Se soubéssemos
que todos os santos e a Santíssima Virgem estão rezando por nós, com que
confiança não esperaríamos de Deus os maiores favores e graças. Está, porém, fora
de dúvida que um só rogo de Jesus Cristo pode infinitamente mais que todas as súplicas
dos santos.
No Antigo Testamento era permitido unicamente ao
sumo sacerdote, e isso uma só vez no ano, entrar no santo dos santos;
hoje, porém, todos os sacerdotes podem sacrificar todos os dias ao Eterno
Pai o cordeiro divino, para alcançar de Deus graças para si e para todo o
povo.
O sacerdote sobe ao altar para ser o intercessor de
todos os pecadores. “Ele exerce o oficio de um medianeiro”, diz S.
Lourenço Justiniano (Sermo de Euchar.), “e por isso deve ser um
intercessor para todos os que pecam”. “Dessa maneira”, diz S. João Crisóstomo,
“está o Padre no altar, no meio, entre Deus e o homem; oferece a Deus as súplicas
dos homens e alcança-lhes as graças de que precisam” (Hom. 5 in Jo). Deus distribui
a todo o tempo, sempre que é rogado em nome de Jesus Cristo, suas graças, mas
ele as distribui com mais largueza durante a Santa Missa, atendendo às súplicas do
sacerdote, diz S. Crisóstomo; pois essas súplicas são então acompanhadas e secundadas
pela oração de Jesus Cristo, que é o sacerdote principal, visto que é ele mesmo
que se oferece neste sacrifício para nos alcançar graças de seu Eterno Pai. Segundo
o Concílio de Trento (Sess. 22, c.2), é especialmente durante a Santa Missa que
o Senhor “está sentado naquele trono de graças”, ao qual devemos nos chegar,
diz o Apóstolo, “para alcançar misericórdia e encontrar graças no momento
oportuno” (Heb 4, 16). Até os anjos esperam o tempo da Santa Missa, diz S.
João Crisóstomo (Hom. 13. De incomp. Dei nat.), para pedir com mais
resultado por nós, e ele acrescenta que dificilmente se alcançará aquilo
que não se consegue durante a Santa Missa.
A Santíssima Virgem, depondo uma vez o Menino Jesus
nos braços de Santa Francisca Farnese, disse-lhe: Eis aqui o meu Filho;
aprende a torná-lo favorável a ti, oferecendo-o muitas vezes a Deus. Dize,
por isso, a Deus, quando vires presente no altar o divino Cordeiro: Ó Pai
Eterno, ofereço vos hoje todas as virtudes, todos os atos e todos os afetos de
vosso mui amado Filho. Recebei-os por mim, e por seus merecimentos, que Ele
nos deu e, por isso, são meus, dai-me as graças que Jesus Cristo pedir por mim. Ofereço-vos
esses merecimentos para vos agradecer por todas as misericórdias que tendes
usado comigo e para satisfazer por meus pecados. Pelos merecimentos de Jesus
Cristo espero alcançar de vós todas as graças, o perdão, a perseverança, o céu, mas
especialmente o mais precioso de todos os dons, o vosso puro e santo amor.
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