"Era talvez estranho que ele gostasse da bebedeira e de ficar sujo, e mais estranho ainda que ele gostasse de conversar comigo."
Gilbert
Keith Chesterton
De vez em quando eu narro
alguns fatos nos meus textos. Coisas que realmente aconteceram, como a reunião
com o Presidente Kruger ou ser jogado para fora de um táxi. O que vou mencionar
agora realmente ocorreu: embora não haja nenhum evento político ou de perigo
pessoal. Foi apenas uma simples conversa que eu tive com um outro homem. Mas
esta simples conversa foi de longe a coisa mais terrível que ocorreu na minha
vida. Aconteceu há muito tempo atrás, não consigo recordar as exatas palavras
do diálogo, apenas as principais questões e respostas; mas há uma sentença na
conversa que eu recordo palavra por palavra. Foi uma sentença tão desagradável
que eu não consigo esquecer mesmo se quisesse. Foi a última frase falada; e não
foi dirigida a mim.
O
fato me aconteceu na época que eu freqüentava uma escola de arte. Uma
escola de arte é diferente de quase todas as outras escolas ou faculdades:
sendo de criação nova e bruta e de disciplina frouxa, apresenta um grande
contraste entre o trabalhador e o ocioso. As pessoas em uma escola de arte ou
fazem uma quantidade atroz de trabalho ou fazem nada. Eu pertencia, junto com
outras pessoas encantadoras, a esta última classe; e isso me jogou muitas vezes
na sociedade dos homens que eram muito diferentes de mim e que eram ociosos por
razões muito diferentes das minhas. Eu era ocioso porque eu estava muito
ocupado; Eu estava envolvido em descobrir, para meu próprio extremo e duradouro
espanto, que eu não era um ateu. Mas havia outros também como pontas soltas que
estavam envolvidos em descobrir o que Carlyle chamou (acho que com delicadeza
desnecessária) do fato de que o gengibre é quente na boca.
Eu
valorizo aquele período, em suma, porque me fez conhecer um bom número
representativo de pessoas sem qualquer moral. Neste contexto, há duas coisas
muito curiosas que o crítico da vida humana pode observar. O primeiro é o fato
de que existe uma diferença real entre os homens e as mulheres; as mulheres
preferem falar em grupos de dois, enquanto os homens preferem falar em grupos
de três. A segunda é que, quando você encontra (como costumam fazer) três
jovens canalhas e idiotas que andam juntos e se embebedam juntos todos os dias
você geralmente acha que um dos três canalhas e idiotas (por alguma razão
extraordinária) não é um canalha ou idiota. Nestes pequenos grupos dedicados a
encher a cara há quase sempre um homem que parece que está condescendendo com a
companhia; um homem que, ao mesmo tempo pode falar trivialidades com seus
companheiros, mas também pode falar de política com um socialista, ou filosofia
com um católico.
Assim
era o homem a quem eu vim a conhecer muito bem. Era talvez estranho que ele
gostasse da bebedeira e de ficar sujo, e mais estranho ainda que ele gostasse
de conversar comigo. Por horas dos dias ele iria falar comigo sobre Milton ou
arquitetura gótica; por horas da noite ele iria onde eu não tinha nenhum desejo
de acompanhá-lo, mesmo em especulações filosóficas. Ele era um homem com um
rosto comprido e irônico, cabelo curto e vermelho; ele era de alguma forma um
cavalheiro, e poderia caminhar como um, mas preferiu, por alguma razão, andar
como um lacaio levando dois baldes. Ele parecia um tipo Super-jockey; como se
um arcanjo tivesse ido para o Turfe. E eu nunca esquecerei a meia hora em que
ele e eu discutimos sobre coisas reais pela primeira e última vez.
Em
frente ao grande edifício que ficava nossa escola tinha uma grande escadaria de
pedras, mais alta, penso eu, do que aquela que leva até a Catedral de São
Paulo. Em uma noite de inverno escura, ele e eu estávamos andando naquela
escadaria, que parecia tão triste como uma pirâmide sob as estrelas. A única
coisa visível abaixo de nós na escuridão era um fogo que queimava e soprava;
algum jardineiro (suponho) estava queimando alguma coisa no terreno, e de vez
em quando as faíscas vermelhas passavam girando por nós como um enxame de
insetos escarlate no escuro. Acima de nós, havia escuridão; mas se alguém
olhasse por tempo suficiente para a escuridão iria ver listras verticais de
cinza na cor preta e, em seguida, iria tomar consciência da fachada do edifício
colossal dórico, fantasmagórico, mas enchendo o céu, como se o Paraíso fosse
dominado por um fantasma gigantesco do paganismo.
O
homem perguntou-me abruptamente por que eu estava me tornando ortodoxo. Até
aquele momento, eu nunca tinha percebido que eu era um ortodoxo; mas no momento
em que ele perguntou eu percebi que era verdade. E o processo tinha sido tão
longo e cheio que eu respondi-lhe de imediato com os graus de explicação.
“Eu
estou me tornando ortodoxo,” eu disse, “porque eu cheguei, com ou sem razão,
após o alongamento de meu cérebro até que explodisse, à velha crença de que a
heresia é pior até mesmo do que o pecado. Um erro é mais ameaçador do que um
crime, porque o erro gera crimes. Um imperialista é pior do que um pirata pois
um imperialista mantém uma escola para piratas,.. ele ensina pirataria
desinteressadamente e sem um salário adequado. Um “free lover” é pior do que um
libertino. Pois um libertino é grave e irresponsável, mesmo no mais curto
relacionamento, mas um free lover é cauteloso e irresponsável, mesmo nos seus
longos relacionamentos. Eu odeio a dúvida moderna porque ela é perigosa.”
Ele
então falou com voz maravilhosamente mansa:” Você fala perigoso em termos da
moralidade. Eu acho que você pode estar certo, mas por que se importar com
moralidade?
Eu
dei uma olhada rápida para o rosto dele. Ele esticou o pescoço como ele tinha
mania de fazer e sua face se dirigiu abruptamente em direção à luz do fogo
abaixo, como um rosto na ribalta. Seu queixo comprido e suas maçãs do rosto
ficaram iluminadas infernalmente; de modo que ele parecia um demônio olhando
para o poço em chamas. Eu tive a estranha sensação de ter sido tentado no
deserto, e naquele momento faíscas saíram fortemente do fogo.
“Estas
faíscas não são esplêndidas?”, eu disse.
“Sim”,
ele respondeu.
“Isso
é tudo que eu vou lhe pedir para admitir”, eu disse. “Dê-me aquelas poucas
manchas vermelhas e vou deduzir a moral cristã. Uma vez eu pensei como você, o
prazer é como uma faísca voando, vem e vai como aquela centelha. Uma vez eu
pensei que o prazer era tão livre como o fogo. Uma vez eu pensei que a estrela
vermelha que vemos estava sozinha no espaço. Mas agora eu sei que a estrela
vermelha é só o ápice de uma pirâmide invisível de virtudes. Aquele fogo
vermelho é apenas a flor em uma haste de hábitos de vida, que você não pode
ver. Só porque sua mãe fez você dizer “obrigado” ao receber um pão, você é
agora capaz de agradecer a natureza ou o caos pelas estrelas vermelhas por um
instante ou pelas estrelas brancas em todos os tempos Só porque você era
humilde diante dos fogos de artifício sobre o cinco de novembro você agora pode
desfrutar qualquer fogos de artifício que você tenha chance de ver. Você
gosta que eles sejam vermelhos porque lhe falaram do sangue dos mártires;. você
apenas pode ser como eles, sendo brilhante, porque o brilho é uma glória. Essa
chama floresceu de virtudes, e ele vai desaparecer com virtudes. Seduza uma
mulher, e aquela centelha será menos brilhante. Derrame sangue, e aquela
centelha será menos vermelha. Seja realmente uma pessoa ruim e a centelha será
para você apenas pontos em um papel de parede.”
Ele
tinha um raciocínio horrivelmente justo, o que me fez desesperar pela sua alma.
Um ateu comum inofensivo negaria que a religião geraria humildade ou definiria
humildade como simples diversão, mas ele admitia ambas as coisas. Ele apenas
disse: “Mas eu não hei de encontrar no mal uma vida em si mesmo. Admitindo-se
que para cada mulher que eu arruinar uma daquelas faíscas vermelhas vão sair:
não será o prazer de expansão da ruína …”
“Você
vê aquele fogo?” Eu perguntei. “Se tivéssemos uma democracia que combatesse
realmente, alguém iria queimar você naquele fogo, como um adorador do diabo que
você é.”
“Talvez”,
disse ele, à sua maneira meio cansada, justa. “Só que o que você chama de mal
eu chamo bem.”
Ele
desceu a escadaria sozinho, e eu senti como se eu quisesse varrer e limpar os
degraus da escada. Eu segui adiante, e como eu fui procurar o meu chapéu la
embaixo na passagem escura, onde ele estava, de repente eu ouvi a voz dele de
novo, mas as palavras eram inaudíveis. Parei, surpreso: então eu ouvi a voz de
um dos mais vis de seus companheiros, dizendo: “Ninguém pode saber”. E então eu
ouvi essas duas ou três palavras que eu me lembro de cada sílaba e não pude esquecer.
Eu ouvi o adorador do diabo dizer: “Eu digo a você que eu tenho feito de tudo.
Então eu deveria saber a diferença entre o certo e o errado.” Eu andei
apressado sem parar, e quando eu passei pelo fogo eu não pude saber se era o
inferno ou o furioso amor de Deus.
Eu
já ouvi dizer que ele morreu: foi dito, eu acho, que ele cometeu suicídio; e
que ele fez com objetos do prazer, não com ferramentas que provocam dor. Que
Deus o ajude, eu sei a estrada que ele caminhou; mas eu nunca soube, ou mesmo
me atrevi a pensar qual foi o lugar que o fez parar e se conter.
Tradução:
Pedro Erik
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Antes de postar seu comentário sobre a postagem, leia: Todo comentário é moderado e deverá ter o nome do comentador. Comentário que não tenha a identificação do autor (anônimo), ou sua origem via link e ainda que não tenha o nome do emitente no corpo do texto, bem como qualquer tipo de identificação, poderá ser publicado se julgar pertinente o assunto. Como também poderá não ser publicado, mesmo com as identificações acima tratadas, caso o assunto for julga impertinente ou irrelevante ao assunto. Todo e qualquer comentário só será publicado se não ferir nenhuma das diretrizes do blog, o qual reserva o direito de publicar ou não qualquer comentário, bem como de excluí-los futuramente. Comentários ofensivos contra a Santa Madre Igreja não serão aceitos. Comentários de hereges, de pessoas que se dizem ateus, infiéis, de comunistas só serão aceitos se estiverem buscando a conversão e a fuga do erro. De indivíduos que defendem doutrinas contra a Verdade revelada, contra a moral católica, de apoio a grupos ou ideias que contrários aos ensinamentos da Igreja, ao catecismo do Concílio de Trento, ferem, denigrem, agridem, cometem sacrilégios a Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, a Mãe de Deus, seus Anjos, Santos, ao Papa, ao clero, as instituições católicas, a Tradição da Igreja, também não serão aceitos. Apoio a indivíduos contrários a tudo isso, incluindo ao clero modernista, só será publicado se tiver uma coerência e não for qualificado como ofensivo, propagador do modernismo, do sedevacantismo, do protestantismo, das ideologias socialistas, comunistas e modernistas, da maçonaria e do maçonismo, bem como qualquer outro tópico julgado impróprio, inoportuno, imoral, etc. Alguns comentários podem ser respondidos via e-mail, postagem de resposta no blog, resposta do próprio comentário ou simplesmente não respondido. Reservo o direito de publicar, não publicar e excluir os comentários que julgar pertinente. Para mensagens particulares, dúvidas, sugestões, inclusive de publicações, elogios e reclamações, pode ser usado o quadro CONTATO no corpo superior do blog versão web. Obrigado! Adm do blog.