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São Bernardo, em 1146, pregando a
2ª Cruzada em Vézelay
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“Este vosso servo vos suplica, pelas entranhas
misericordiosíssimas do Senhor, que se ainda arde em vossas almas algum zelo
pela glória divina, tomeis em consideração os males que afligem a Santa Igreja.”
“São Bernardo de Claraval (1090–1153) foi o fundador
da Abadia de Claraval, na Diocese de Langres (França). A fogosa carta abaixo
foi enviada por ele a toda a Cúria Romana de seu tempo, increpando-a por dar
apoio a autoridade eclesiástica indigna e sacrílega. O que escreveria ele em
nossos dias, diante da grave crise que assola a Santa Igreja? Não usaria
veemência ainda maior contra os eclesiásticos que ensinam e agem em aberta
oposição ao ensinamento tradicional dela? Examine atentamente o documento* (publicado
na revista Catolicismo, Nº 241, Janeiro/1971), caro leitor, e escreva-nos
emitindo a sua opinião.”
A
meus reverendos Padres, aos senhores Bispos e Cardeais da Cúria Romana, o Irmão
Bernardo, Abade de Claraval, saudações e orações
Todos nós temos o direito de
escrever sobre os negócios que dizem respeito a todos, de modo que não receio
incorrer em censura por presunção ou excessiva ousadia ao fazê-lo, como agora
faço. Pois, embora seja o mais miserável de todos os fiéis, não deixo de ter
muito presente no coração a honra da Cúria Romana. O pesar me consome, e de tal
maneira me aflige a tristeza, que até a vida me pesa, porque vi a abominação na
Casa de Deus. Sinto-me sem poder suficiente para remediar a tantos e tantos
males, e não me resta outro recurso senão apontá-los aos que têm poder para
tal, a fim de que os corrijam. Se o fizerdes, tanto melhor. Caso contrário,
terei descarregado a minha consciência, e vós não podereis ter nenhuma escusa
justa.
Não ignorais que o Papa Inocêncio
II, de gloriosa e feliz memória, havia proferido sentença, de comum acordo
convosco e com toda a Cúria Romana, dispondo que se tivesse por ilícita a
eleição de Guilherme [para Arcebispo de York]; e que esta fosse considerada
como sacrílega e real intrusão, caso o outro Guilherme, Deão da Igreja [de
York], não declarasse sob juramento que seu homônimo era inocente de tudo
quanto lhe imputavam. Também sabeis que esta disposição tinha muito mais de
indulgência que de rigor. Guilherme mesmo, o acusado, havia rogado que lhe
fosse concedida essa graça.
Prouvera a Deus se cumprisse o
que havia sido disposto por mútuo acordo! Oxalá tudo quanto se fez contra isso
fosse declarado nulo! O que aconteceu? O Deão não jurou, de modo algum, e
apesar disto o outro se sentou na cátedra da pestilência.
Quem nos dera ver outro Fineias
(Números 25, 7) se levantar e investir de espada na mão contra esse fornicador!
Quem nos dera poder ver, vivo em
sua cátedra, o próprio São Pedro exterminando os ímpios com uma palavra de sua
boca! Muitos são os que vos clamam do fundo da alma, e vos pedem de todo o
coração o castigo exemplar de tamanho sacrilégio.
Se não intervierdes prontamente,
de modo a incutir medo aos demais e impedi-los de seguir tão nefando exemplo,
eu vos afianço que, quanto mais tardar o remédio, mais grave será o escândalo
de todos os fiéis. Receio que a própria Sé Apostólica perca grande parte de seu
prestígio e se desautorize, caso não faça pesar sua mão sobre esse rebelde que
calcou aos pés os seus decretos.
Mas que direi das cartas secretas
e verdadeiramente tenebrosas que Guilherme se jacta de ter recebido, não do
príncipe das trevas — oxalá assim o fosse —, mas dos próprios Príncipes
Sucessores dos Apóstolos? Por isso, tão logo esta notícia chegou aos ouvidos
dos ímpios, estes se puseram a fazer chacota das disposições da Sé Apostólica e
a rir da Cúria Romana, a qual, após ter dado uma sentença pública,
contradizia-se a si mesma, enviando às ocultas cartas que mandavam o contrário.
Que mais acrescentarei? Depois de
tudo isso, se não perturba os fortes e perfeitos a visão do escândalo
gravíssimo que é dado, eu a confio aos débeis e simples; se não sentis
compaixão alguma pelos pobres Abades que foram chamados a Roma dos lugares mais
longínquos da Terra; se não vos comove a ruína de tantas Casas religiosas que
inevitavelmente perecerão sob a jurisdição desse opressor; e finalmente — para
terminar por onde deveria ter começado — se não vos sentis animados sequer pelo
zelo da glória de Deus, sereis indiferentes à vossa própria desonra, derivada
diretamente da vergonha que cairá sobre toda a Igreja?
Terá a malícia desse homem tanto
poder que consiga impor-se a vós? Dir-me-eis talvez: o que faremos, se ele já
recebeu a sagração, ainda que de modo sacrílego? A isto respondo que tenho por
mais glorioso derrubar Simão Mago do alto do espaço do que impedir-lhe o voo.
Por outro lado, em que situação vós deixareis todos os religiosos que creem não
dever receber, em consciência, nenhum Sacramento de mãos tão manchadas de
lepra? Inclino-me a crer que todos eles preferirão o desterro a entregar-se à
morte; preferirão vida errante fora da pátria a permanecer nesta, tendo que
comer os alimentos oferecidos aos ídolos.
Sendo assim, se a Cúria Romana
vos forçar a ir contra a consciência e a dobrar os joelhos diante de Baal, que
o Deus justo peça contas disso; quanto a mim, cito-vos ao juízo d’Ele perante
aquela outra Cúria Celestial, que nenhum suborno pode corromper.
Para terminar, este vosso servo
vos suplica, pelas entranhas misericordiosíssimas do Senhor, que se ainda arde
em vossas almas algum zelo pela glória divina, tomeis em consideração os males
que afligem a Santa Igreja. Ao menos de vós, que sois seus amigos, espero que
ponhais todo o vosso empenho em impedir que se confirme coisa tão detestável e
digna de execração.
(*) Obras Completas del Doctor
Melifluo, San Bernardo, Abad de Claraval, trad. do Pe. Jaime Pons, S.J. — Ed.
Rafael Casulleras, Barcelona, 1929 — vol. V, Epistolario, pp. 488-490, carta
236.
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