Com o aumento da devoção ao “Patrono dos
monges do Ocidente”, foi construído no século VIII, no local de seu nascimento,
um oratório para acolher os peregrinos. Dois séculos depois, os monges
beneditinos lá se instalaram, mas seu mosteiro definitivo só foi edificado no
século XIII. Na Idade Média, Núrsia pertencia aos Estados Pontifícios.
Em 1810, Napoleão, tornando-se senhor da
Europa, suprimiu as ordens religiosas contemplativas. Por isso, esse mosteiro
beneditino ficou abandonado por quase 200 anos.
Com efeito, somente no ano 2000, um abade
beneditino norte-americano do estado de Indiana, Dom Cassiano Folson, foi
convidado a fundar um mosteiro de sua Ordem em Roma. Como este não vingou, dois
anos depois, por instâncias do bispo de Núrsia — que desejava que o antigo
mosteiro da cidade natal de seu Fundador fosse novamente ocupado por monges
beneditinos —, Dom Folson lá se estabeleceu com mais dois monges também
americanos, dando assim vida ao velho mosteiro.
Apesar de não estar filiada a nenhuma das
20 congregações beneditinas existentes, a nova fundação prosperou, recebendo
novos candidatos à vida religiosa. Atualmente ela conta com 16 monges, entre
professos, noviços e postulantes.
Os beneditinos do ramo masculino são hoje
pouco mais de sete mil em todo o mundo. Entretanto, com a decadência geral da
fé e do espírito religioso, esse número vai caindo inexoravelmente com a morte
dos monges antigos e a falta de novas vocações.
Isso, entretanto, não acontece em Núrsia,
onde a média da idade dos monges é de apenas 34 anos, não faltando vocações, o
que torna a comunidade desse mosteiro provavelmente a mais jovem do mundo.
A maioria de seus monges é de
nacionalidade americana, como seu fundador. Mas há também dois indonésios, um alemão,
um canadense e, para grata surpresa nossa, um brasileiro.
O esplendor da liturgia antiga
O que atrai tantos
candidatos a esse mosteiro, quando em outros escasseiam as vocações?
Uma resposta pode estar no fato de que
nele todas as orações e atos são realizados segundo a liturgia tradicional da
Igreja, inclusive a Missa conventual, celebrada diariamente de acordo com o
rito denominado de “São Pio V”. Dizem os monges que “esta
forma é mais adequada ao estilo contemplativo de nossa oração. Não a
conservamos como uma peça de museu, mas como uma tradição viva. É necessário
que haja lugares, como o nosso, em que este patrimônio viva e se transmita”.
Essas orações seguem o ritual antigo,
sendo todas elas cantadas em latim, segundo tradição da Igreja. A única oração
que não é cantada é a “lectio divina”, que cada monge
recita em sua cela.
Desse modo — incluindo as oito partes do
Ofício Divino (Matinas, Laudes, Terça, Sexta, Noa, Vésperas e
Completas) —, essas orações ocupam quatro a cinco horas do dia dos
monges. “Quem ama, canta”, explica Dom Cassiano. “É a manifestação de nosso afeto pelo Senhor. E [isso] de uma
maneira árdua, porque o repertório requer de dois a três anos de aprendizado”.
Como todas as orações na igreja do
mosteiro são públicas, atraem muitas pessoas da cidade e visitantes, que se
maravilham com a beleza do canto gregoriano em sua pureza.
A vida dos monges nesse mosteiro não é
nada fácil, pois eles observam um silêncio quase perpétuo, só podendo conversar
na meia hora de recreação diária. O silêncio é só interrompido pela oração nos
horários prescritos.
Mesmo durante o trabalho — no mosteiro há
uma fábrica de cerveja, alfaiataria, biblioteca, e uma incipiente empresa
agrícola — a comunicação dos monges entre si realiza-se mediante gestos e
sinais convencionados, segundo um código tradicional.
Também no refeitório o silêncio é
observado, pois durante a refeição um leitor lê passagens da Sagrada Escritura.
Até mesmo os hóspedes que visitam com frequência o mosteiro devem observar o
silêncio. “O silêncio e a solidão são necessários para se aprender a habitar
em si mesmo” — dizem os monges. “Se primeiro não aprendo a
habitar em mim mesmo, se estou confundido e enfermo interiormente, não posso
relacionar-me com os demais. O silêncio cura”.
A par do silêncio rigoroso, outro ponto
importante na vida dos monges é o jejum quase contínuo. Desde meados de
setembro até o domingo de Páscoa, só há uma refeição diária, além do café da
manhã. No resto do ano há duas refeições, excetuando-se as quartas e sextas
feiras, quando volta a haver uma só, pois são dias de jejum.
Além disso, aceita-se com júbilo essa
austeridade. Ela se torna ainda maior pelo regime estritamente vegetariano. Não
se deve ver nisto nada do ecologismo moderno, mas o espírito de penitência dos
antigos monges.
Muitos dos candidatos à vida monástica são
atraídos a Núrsia pelo site do mosteiro na Internet, pois esses
monges tradicionais utilizam também a técnica a serviço da Religião. “As pessoas nos descobrem através de nossa página de internet,
põem-se em contato conosco, e alguns vêm para um período de prova. Uns voltam a
seus países, outros ficam”.
É o caso de Dom Inácio, responsável pela
hospedaria. Ele conheceu o mosteiro pela Internet em sua
longínqua ilha de Java, na Indonésia: “Minha mãe me dizia: ‘Por que
tens que ir à Itália? Se queres ser monge, podes sê-lo aqui’. Eu lhe respondia:
‘A oração e o jejum segundo a regra de São Bento estão ali, e é isso que
desejo’”.
O Pe. Martim, de 32 anos, era vice-pároco
no Texas. “Diziam-me: por que queres conduzir mal tua vida assim? O que
podes fazer pela Igreja se te encerras num mosteiro?”. Ao que ele
respondia: “Ao contrário, a verdade é que, como monge, sirvo a Igreja com
mais força. Esta obediência a Deus é mais radical do que a que vivia como
sacerdote diocesano. Para nós, vale o que valia para Santa Teresa de Lisieux:
converteu-se em patrona das missões sem nunca sair do convento, porque a graça
não permanece encerrada dentro dos muros do mosteiro”.
“Nada antepor ao amor de Cristo”
Falando sobre a
situação atual, sobretudo a da Europa, mas que se aplica a todo o mundo, diz
Dom Cassiano: “Quando os políticos europeus falam de São Bento, referem-se a ele
como patrimônio cultural, como legado medieval. Mas a contribuição do Santo e
do que dele nasceu é outra: é a conversão, é o ‘nihil amori Christi
praeponere’, não antepor nada ao amor de Cristo. São Bento é
Cristocêntrico: para ele o mais importante é colocar a própria vida em Deus,
pôr a Deus em primeiro lugar. Isto, a Europa não quer ouvir. Ela está chamada à
fé e à conversão, mas não está interessada nisso. Esta é a causa de sua
desagregação. A economia não basta para determinar uma integração. Carlos Magno
utilizou politicamente a fé comum e a liturgia comum da rede dos mosteiros da
Europa de seu tempo para dar unidade a seu Império. A união política e a união
econômica vêm depois da unidade na fé.”
Diz a Sagrada Escritura que a vida do
homem sobre a Terra é uma luta. Não podia ser diferente para quem resolveu
servir tão radicalmente a Deus: “Combatemos contra nós mesmos,
contra o homem velho. Combatemos contra os vícios […]. Quem não entende o
carisma monástico nos acusa de sermos uns egoístas, que se separam do mundo
para encontrar o próprio equilíbrio psicológico na solidão. Para o monge é
necessário retirar-se do mundo e, no entanto, o mundo o segue e chama à sua
porta. Somos assediados com pedidos de ajuda, de assistência e de guia
espiritual superiores às nossas forças. Mas as pessoas agradecem o que damos. O
paradoxo da vida monástica é este: precisamente o fato de estarmos separados do
mundo, torna possível amar o mundo de um modo justo, dando uma contribuição que
responde à necessidade de quem vive no mundo. Hoje conseguimos fazer o bem às
pessoas de um modo que não teríamos conseguido se tivéssemos permanecido no
mundo”.
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