Pelo Administrador: “ Nestes dias, pude ler o livro de um Cardeal – o Cardeal
Kasper, um teólogo estupendo, um bom teólogo – sobre a misericórdia. Aquele
livro fez-me muito bem. (Não julgueis que estou a fazer publicidade dos livros
dos meus Cardeais, porque não é isso…!) É que [o livro] me fez mesmo bem, muito
bem... O Cardeal Kasper dizia que a melhor sensação que podemos ter é sentir
misericórdia: esta palavra muda tudo, muda o mundo”. – Papa Francisco I, Angelus 17 de março 2013.
Julho 26, 2009 escrito
por admin
“Ponto
luminoso” ou “nuvem tenebrosa”
O Osservatore
Romano de 13 de setembro de 2001, em um artigo assinado pelo
dominicano suíço Georges Cottier (“neoteólogo” e, apesar disso, “teólogo da
Casa Pontificia”, quer dizer, “teólogo do Papa”), o Osservatore Romano,
dizíamos, nos informa sobre a publicação de “estudos em honra do [neo] cardeal
Walter Kasper” (cf. Sim Sim Não Não nº 104, dez. 2001: Cardeais sem fé). Ao
mesmo tempo, nos cai entre as mãos o discurso pronunciado em Barcelona pelo
próprio Kasper, no dia 4 de setembro de 2001, por ocasião da habitual reunião “ecumênica”
da não menos ecumênica Comunidade de Santo Egídio.
Kasper
vê brilhar (feliz ele!) um “ponto luminoso” na “obscuridade” do século recém
transcorrido: o nascimento do ecumenismo. A dizer a verdade, os Pontífices
romanos, até Pio XII inclusive, julgaram o fenômeno ecumenista de maneira muito
distinta. Equivocaram-se todos esses Papas, ou é o cardeal Kasper quem toma e
faz passar as trevas por luz?
Não
só “desejada”, mas também realizada
Kasper
não deixa de recordar que “Jesus Cristo desejava [sic] uma Igreja” e que, por
isso, “as divisões são contrárias à vontade de Jesus; constituem um pecado, e
um escândalo aos olhos do mundo”; por isso, diz, “é um sinal da ação do
Espírito Santo em nosso tempo o fato de que se haja difundido em todas as Igrejas
[sic] um novo sentimento de arrependimento [?] pelas divisões”.
O
“arrependimento” comporta, como se sabe, uma mudança de conduta, ao passo que o
“pecado” e o “escândalo” exigem reparação. A mudança de conduta e a reparação
pelo pecado e o escândalo das divisões se patenteiam, ao dizer de Walter
Kasper, justamente no fato de que “todas as Igrejas [sic] tomaram o caminho do
ecumenismo”. “Não há outra opção”, conclui peremptoriamente.
Kasper,
no entanto, parece esquecer que Nosso Senhor Jesus Cristo não se limitou a
desejar a unidade da Igreja, mas que a realizou de fato. De maneira alguma
reservou aos ecumenistas e a seu presumido “Espírito” a função de realizar em
nossos dias a unidade da Igreja.
“A
Igreja foi fundada e constituída por Jesus Cristo Nosso Senhor; portanto,
quando inquirirmos a natureza da Igreja, o essencial está em saber o que Jesus
Cristo quis fazer e o que fez em realidade. [...] Por isso, quando
Jesus Cristo fala desse edifício místico, só menciona uma Igreja, que chama
sua: ‘Eu edificarei minha Igreja’. Qualquer outra que se possa imaginar fora
dela, não pode ser a verdadeira Igreja de Jesus Cristo” (Leão XIII, Satis
Cognitum).
Não
só foi feita una, mas também conservada na unidade
Nosso
Senhor Jesus Cristo também não deixou aos modernistas atuais e a seu presumido
“Espírito” a função de devolver à Igreja aquela unidade que, segundo eles, seu
divino fundador e cabeça, a despeito de suas promessas, foi incapaz de
garantir-lhe.
“A
Igreja Católica é una: não está rota nem dividida” (Leão XII, Pastoris
Aeterni, 2 de julho de 1826). Qualquer divisão, com efeito, se dá fora da
Igreja, e aí permanece: o herege e o cismático se separam da Igreja, mas não
quebram sua unidade! São Cipriano se pasmava de que alguém pudesse pensar que a
unidade da Igreja podia dissolver-se e perder-se pelo desacordo de vontades
discordantes” (De cath. Eccl. unitate, 6).
A
heresia da “Igreja dividida” é própria do ecumenismo protestante. Os
acatólicos, fautores do pancristianismo ou reunião das diversas “confissões
cristãs”, escreve Pio XI, “têm sempre na boca as palavras de Cristo: ‘Que todos
sejam um... haverá um só rebanho e um só pastor’ (Jn. 17, 21; 10, 16); mas,
segundo eles, as supracitadas palavras exprimem um desejo e uma prece de Jesus
Cristo ainda não realizados” (Mortalium animos). Essa
“opinião falsa” constitui o fundamento do ecumenismo acatólico, mas, como faz
notar o Papa, está em contradição com todo o evangelho, que afirma a
indefectibilidade da Igreja. Esta, “após a morte de seu fundador e dos
Apóstolos... não podia certamente nem deter-se nem desaparecer, já que lhe
cabia o dever de levar todos os homens à salvação eterna, em todo tempo e
lugar: “ide, pois; ensinai a todos os povos...” (Mt 28, 19); nem tampouco podia
a Igreja desfalecer de maneira alguma no cumprimento de sua função, pois é
“assistida continuamente pelo próprio Cristo segundo sua solene promessa: ‘Eu
estarei convosco sempre até a consumação do mundo’ (Mt 28, 20)”.
Assim,
pois, o postulado fundamental do ecumenismo, segundo o qual a unidade da Igreja
de Cristo está por se fazer ou por se refazer, é intrinsecamente herético. “A
menos que se queira dizer (conclui Pio XI), o qual é absurdo, que Jesus Cristo
não alcançou o que se propunha ou que se equivocou ao afirmar que as portas do
inferno não prevaleceriam nunca contra sua Igreja (Mt 16, 18)”.
Tamanho
absurdo, no entanto, que comporta mais negações heréticas, encontramo-lo hoje
nos lábios de um cardeal da Igreja romana! E não é o único absurdo, nem
tampouco o mais grave.
Não
“opção”, mas caminho obrigatório
Posto
que Nosso Senhor Jesus Cristo não só quis a unidade de sua Igreja, mas a
realizou de fato, e posto que não se limitou a realizá-la, mas a guardou até o
dia de hoje, bem podemos dizer como Kasper que “não há outra opção”; não há
mais que um só caminho. Esta senda única, no entanto, não é a ecumenista, como
ele diz aos católicos, mas a que os Romanos Pontífices não se cansaram de
mostrar aos acatólicos, a quem o cisma e/ou a heresia dispersaram e debandaram
fora do redil único de Cristo:
“Os
filhos abandonaram a casa paterna, infelizmente, mas nem por isso esta caiu,
sustentada como estava pelo auxílio ininterrupto de Deus”; daí que “a única
maneira de fomentar a unidade dos cristãos é procurar
o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo, da qual, num dia
funesto, se afastaram” (Pio XI, Mortalium animos).
Assim,
o ecumenismo não é a única “opção”, há outra, ainda que de fato, na verdade,
não se trata absolutamente de uma opção, mas de um caminho obrigatório,
mostrado, como sempre, pela fé e pela razão (desterradas ambas do espírito dos
neomodernistas), e mostrado também pelo ensinamento constante da Igreja, da
qual se aparta o presidente do Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos.
O que é gravíssimo, porque dizer ensinamento constante da Igreja é o mesmo que
dizer magistério ordinário infalível.
O
repúdio descarado do “dogma mais firme de nossa religião”
“A
mudança de rumo, prossegue Kasper, trouxe-o consigo o concílio Vaticano II [como
duvidar disso?]. [...] O ponto decisivo [sic] estava em que o Concílio já não
dizia [sic]: a Igreja Católica é a Igreja de Jesus Cristo [...] O concílio
afirmava, com mais prudência [sic], que a Igreja de Jesus Cristo subsiste
(subsistit) na Igreja Católica, quer dizer, que a Igreja de Jesus Cristo se
acha realizada e presente na Igreja Católica de maneira concreta; mas que fora
de sua realidade invisível se acham também elementos da Igreja de Jesus Cristo,
e, no caso das Igrejas orientais e ortodoxas, igrejas [sic] autênticas, sem
dúvida”. E eis aqui a conclusão, brutal a mais não poder: “Também fora da
Igreja há salvação”. E assim, pela senda do ecumenismo, chegamos ao repúdio
descarado do dogma “mais firme de nossa religião” (Pio VIII), dogma de fé divina
e católica, definido infalivelmente: “Fora da Igreja não há salvação”.
Para
afiançar sua heresia, o neocardeal Kasper apela ao Concílio: “o Concílio já não
dizia: a Igreja Católica é a Igreja de Jesus Cristo”. Mas era esta realmente a
“mente” dos Padres conciliares? E pode um concílio (que se autoproclamou não
dogmático) “já” não dizer o que a Igreja disse durante dois mil anos? Pode a
Igreja repudiar seu magistério infalível ordinário e extraordinário? Certamente
que não. Podem dar-se sim, homens da Igreja que contradigam o magistério
infalível da Igreja, tanto ordinário como extraordinário. Mas então não são “a
Igreja”, e segui-los não é já seguir a Igreja, mas seguir a homens da Igreja em
seus erros (cf. São Vicente de Lérins, Commonitorio).
Uma
heresia “mais prudente”
“O
Concílio afirmava, com mais prudência [sic], que a Igreja de Jesus Cristo
subsiste (subsistit) na Igreja Católica”. E essa terminologia “mais prudente”,
acrescentamos nós, permite hoje ao ecumenismo inventar “autênticas” Igrejas fora
da Igreja Católica, que é a única verdadeira Igreja de Cristo, multiplicando a
Igreja “una” a título de... “penitência” pelo escândalo das divisões!
Mas,
perguntamos, acaso é “mais prudente” favorecer a heresia, ou o atalhar-lhe o
passo, como o fez sempre a Igreja? E como se realizará a unidade, que se funda
na verdade, se se começa por sacrificar esta? Estranha “prudência”, em verdade!
Nós,
entretanto, perseveremos no que a Igreja ensinou sempre (isso sim, que é
prudência), isto é, que “a verdadeira Igreja é una, santa, católica, apostólica
e romana; una, a cátedra fundada sobre Pedro em virtude das palavras do Senhor
(cf. Mt. 16, 18); fora dela não se dão nem a verdadeira fé nem a salvação
eterna, porque não se pode ter a Deus por pai se não se tem a Igreja por mãe, e
em vão se forja alguém a ilusão de formar parte da Igreja quando se acha
separado da cátedra de Pedro, sobre a qual está fundada a Igreja” (Pio IX, Singulari
quidem). Daí que “a condição em que se encontram as distintas sociedades
religiosas discordes entre si e separadas da Igreja Católica” haja sido sempre
inequivocamente clara: “nenhuma dessas sociedades em particular, nem todas
juntas unidas, constituem de modo algum ou são aquela única e católica Igreja
que Jesus Cristo edificou, constituiu e quis que existisse; nem tampouco se
pode dizer de nenhuma maneira que sejam membros ou partes da própria Igreja,
pois estão visivelmente separadas da unidade católica” (Pio IX, Iam vos
omnes).
Essa
é a doutrina proposta constantemente pela Igreja. Ora, se nem sequer um
concílio pode contradizer o ensinamento constante da Igreja, porque este não é
mais que a transmissão infalível da revelação divina, não vemos com que
autoridade um Walter Kasper pode contradizer o ensinamento constante da Igreja.
A fé
não é já questão de integridade, mas de... quantidade!
Segundo
se vê, as primeiras condenações pontifícias golpearam o ecumenismo desde que
nasceu, quando se fundou em Londres a primeira sociedade para promover a
“unidade dos cristãos” (Pio IX, Apostolicae Sedis, 16 de setembro
de 1864). Walter Kasper, no entanto, encontra as origens do ecumenismo na
Alemanha, “nas trincheiras da segunda guerra mundial e nos campos de
concentração do Terceiro Reich”, quando, segundo ele, “cristãos católicos e
evangélicos [dá no mesmo?] descobriram, na resistência comum a um regime
desumano e criminal, que o que os unia era mais que o que os dividia”.
E
daí? Por grande que possa ser o que une, nas coisas de fé sempre é mais
importante o que separa. Dizia Santo Agostinho dos hereges de seu tempo:
“Concordam comigo em muitas coisas, mas não em todas: mas por causa das poucas
em que não estamos de acordo, de nada serve que coincidamos em muitas outras [e
em verdade que eram muitas se as comparamos com as que unem aos ‘evangélicos’
de hoje]” (Enarr. in Psalm. 54, nº 19). E explica Leão XIII na Satis
Cognitum, consagrada precisamente à unidade da Igreja: “quem em um só ponto
recusa seu assentimento às verdades divinamente reveladas realmente abdica de
toda a fé”: acaso não foi Deus o autor de toda a revelação? E não “repugna à
razão negar-se a crer (ainda que só fosse em um ponto) em Deus quando fala”?
(Ivi e Pio XI, Mortalium animos).
Leão
XIII recorda também a praxe constante da Igreja, que “considerou como rebeldes
declarados e expulsou de seu seio a todos os que não pensam como ela sobre
qualquer ponto de sua doutrina”. E o exemplifica assim: “Os arianos, os
montanistas, os novacianos, os quartodecimanos, os eutiquianos não abandonaram,
certamente, toda a doutrina católica, mas somente tal ou qual parte, e, no
entanto, quem ignora que foram declarados hereges e expulsos do seio da
Igreja?”.
E
não passou pela mente de ninguém, durante dois mil anos, que o “muito” em que
se concordava com os dissidentes autorizaria a considerar uma ninharia o pouco
em que se discordava. Mas eis que, contrariamente à doutrina e à praxe
constante da Igreja (praxe que, como se sabe, goza também de valor
magisterial), Walter Kasper parece que nos quer fazer crer exatamente o
contrário: que “por causa daquele pouco” em que concordam conosco, não importa,
absolutamente, que os hereges dissintam de nós em “muito”.
Estamos
diante da perda da noção católica de fé, que ou é íntegra, ou não existe, unida
a um espantoso vazio de lógica, com o deslize conseguinte para a concepção
latitudinarista do racionalismo protestante, para o qual não faz nenhuma falta
a unidade da fé, mas que basta e sobra com uma unidade “qualquer”.
Em
realidade, “católicos” e “evangélicos” não descobriram absolutamente nada nas
trincheiras e nos campos de concentração do Terceiro Reich. Os maus
“católicos”, os “católicos liberais”, já há muito que haviam desertado, às
claras ou às escondidas, nas trincheiras dos protestantes racionalistas, donde,
em companhia de seus “irmãos separados”, disparavam contra sua santa mãe a
Igreja, como já demonstramos ao falar de Pio IX e nos propomos provar
ulteriormente (cf. Sim Sim Não Não nos 103 e 104, nov. e dez. 2001).
Um
“buraco” negro
Depois
de haver igualado dessa maneira a Igreja com as seitas, Kasper nos assegura que
“nenhuma Igreja pode renegar sua tradição própria”. Devagar! Há Tradição, com
maiúscula, e tradição, com minúscula; ou seja: por um lado, temos a Tradição
divino-apostólica, que é “própria” da Igreja Católica; por outro lado,
tradições humanas heréticas. A tradição “própria” dos ortodoxos, luteranos, calvinistas,
anglicanos, etc., não se remonta a nosso Senhor Jesus Cristo e aos Apóstolos,
mas a Fócio, a Miguel Cerulário, a Lutero, a Calvino, etc. O que nestas seitas
se remonta ainda a Jesus Cristo e aos Apóstolos não é “próprio” delas, mas o
tomaram da Igreja Católica e o detêm por usurpação. Só a Igreja Católica tem
como “própria” a Tradição divino-apostólica, da qual é guardiã, assistida
infalivelmente por Deus; e tomando por patrona a dita Tradição, mede,
aprovando-as ou rechaçando-as, quaisquer outras tradições humanas, porque a
todos os homens incumbe a obrigação de aderir à revelação divina. Por isso Pio
IX esclareceu, a propósito de “certas doutrinas” divulgadas porum dignitário
eclesiástico conceituadas como “tradições das Igrejas de seu país”, mas com a
intenção de reduzir os direitos da Sé Apostólica: “Sim, apreciamos sem dúvida
as tradições particulares, mas só as que não se apartam da mente da Igreja
Católica” (Discurso ao Consistório Ubi primum, 17 de dezembro de
1847).
Kasper,
ao contrário, ainda que sabendo que a tradição “própria” das seitas é
precisamente o que nelas se aparta da “mente” da Igreja Católica, afirma que
“nenhuma Igreja pode renegar sua tradição própria”. Kasper continua crendo na
Tradição divino-apostólica, ou seja, na revelação divina? Tememos que não. Com
efeito, por que, segundo ele, não devem as seitas, melhor dizendo, não podem
como tampouco pode a Igreja Católica, renegar sua tradição “própria”? Porque,
diz, “na fé a pessoa se acha diante de convicções da consciência, que não podem
mudar-se como se muda de camisa ou como se compra um carro novo”.(!) Mas será
que já não existe para Kasper uma verdade objetiva, uma verdade revelada por
Deus neste caso, à qual a consciência deve conformar suas convicções e que ele,
cardeal (ai!) da Igreja romana, está obrigado a defender “usque ad effusionem
sanguinis”?
É
certo que a fé não se muda com a mesma desenvoltura com que se muda de camisa
ou como se compra um carro novo, mas como quem se dá conta de que pôs uma
camisa rasgada corre a mudá-la, e como quem adverte que seu carro funciona mal
e não pode conduzi-lo com segurança se apressa em procurar outro, assim também,
quem vê que sua “fé” não é a fé revelada por Nosso Senhor Jesus Cristo e, por
isso, não serve para salvá-lo, tem o dever e deveria sentir a necessidade, se
não é soberbo ou estulto (no fundo, são a mesma coisa), de abandonar suas
errôneas convicções para aderir à verdade revelada por Deus. Ou deveríamos ser
menos realistas para nossa salvação eterna do que sabemos sê-lo para nossa
salvação temporal? E assim como ninguém deixaria um homem despido só porque ele
estivesse convencido de achar-se vestido, assim tampouco ninguém que tenha um
mínimo de caridade (e se, ademais, é Pastor, que tenha também a
responsabilidade própria de seu cargo) assim ninguém, dizíamos, pode renunciar
a iluminar um herege e/ou cismático, cuja salvação eterna estiver em perigo por
essa sua condição, só porque ele se ache convencido erroneamente de professar a
fé verdadeira.
A
Igreja, cuja doutrina Kasper deveria expor, a Igreja, dizemos, ensina o primado
da verdade, não o da consciência. Tanto é assim, que até nos obriga a formarmos
em nós uma consciência verdadeira, quer dizer, conforme com a verdade ou norma
objetiva, corrigindo-a em caso de que nossa consciência seja errônea, e
tirando-lhe as dúvidas se se achar nelas.
O
primado da consciência sobre a verdade é um erro daquele subjetivismo em cujas
névoas se extraviou a pseudo-filosofia moderna e parece extraviarem-se hoje
muitos prelados católicos também, em cuja mente, em lugar da “noção eterna da
verdade”, a única coisa que encontramos é um buraco negro, muito mais
preocupante que o “buraco” da camada de ozônio.
O
engano do “só o batismo basta”
Chegado
a este ponto, Kasper ratifica a unidade no menor denominador comum: “Já existe
hoje – diz ele - uma autêntica comunhão eclesial, apesar de que, infelizmente, não
é plena ainda. [...] Não se funda em um humanismo genérico, mas na fé em
Jesus Cristo e no batismo comum, pelo qual somos membros do corpo único de
Cristo”.
Deixemos
de lado a fé em Jesus Cristo, porque é evidente que não pode dar-se uma “fé em
Jesus Cristo” que não aceite toda a verdade revelada por Ele, e perguntemos:
Basta o batismo para sermos membros do corpo único de Cristo e continuarmos
como tais? Walter Kasper nos diz hoje que sim, mas a Igreja, com sua tradição
constante, nos disse sempre que não: para pertencer à Igreja não basta fazer-se
membros dela em virtude do batismo, mas precisa-se, ademais, permanecer na
unidade de fé e de governo (cf. Pio XII, Mystici Corporis). Quem se
obstina em rechaçar ainda que seja uma só verdade revelada, ou se nega a
obedecer aos pastores legítimos (Papa e bispos em comunhão com ele), postos por
Cristo para governar sua Igreja, torna-se a si mesmo estranho ao corpo único de
Cristo: “Em vão alguns dos que não estão unidos à cátedra de Pedro se
lisonjeiam de estar onde devem, dizendo que também eles se acham regenerados na
água da salvação” (Gregório XVI, Mirari Vos).
Em
poucas palavras, “os que aceitam a Cristo é mister que O aceitem todo inteiro:
‘Tomado em sua integridade, Cristo é cabeça e corpo: o Filho unigênito de Deus
é cabeça, a Igreja constitui Seu corpo” (Santo Agostinho, citado por Leão XIII
em Satis Cognitum). Em que autoridade se funda o modernismo atual
para aprovar, contra o magistério constante e infalível da Igreja, o elogio do
“só o batismo basta”? “Elogio” nos acatólicos, mas engano gravíssimo por parte
dos membros da hierarquia católica.
Unidade
plena = deformidade plena
Chega-se
ao cúmulo quando Walter Kasper nos explica em que consistirá a “unidade plena”
em questão (a unidade “não plena ainda” já a teríamos graças ao batismo):
“Em
que consiste a unidade plena? Estamos de acordo em que o ponto final não pode
consistir em uma Igreja uniforme, mas que há de ser a unidade na diversidade. A
unidade não deve confundir-se com a uniformidade. Necessita-se da unidade
substancialmente [?] em uma fé única, nos sacramentos e nos ministérios
reconhecidos reciprocamente [sic!; não nos instituídos por Nosso Senhor Jesus
Cristo?]. Com isso, podem dar-se formas diversas de expressão da mesma fé
única, distintos acentos, diferentes tradições humanas e costumes. Tal
diversidade não significa um empobrecimento, mas riqueza e plenitude. É
católica no sentido autêntico do termo”.
Assim,
pois, Kasper vem dizer-nos, ao cabo de dois mil anos, que a Igreja Católica não
possui, ou para dizer melhor, jamais possuiu, a “catolicidade em sentido
autêntico do termo”, visto que sempre se deu pressa em expulsar de seu seio
heresias e cismas, negando-se a converter-se naquela “cloaca de todas as
heresias” (São Pio X) em que querem transformá-la hoje os neomodernistas,
segundo parece. Com efeito, que a Igreja haja aceitado sempre em seu seio
“formas diversas de expressão da mesma fé única, distintos acentos, diferentes
tradições humanas e costumes”, tanto a própria Igreja como toda sua história o
demonstram sem necessidade de recorrer a probas ulteriores.
Mas
ao neocardeal Kasper, ao contrário, lhe incumbe a obrigação de demonstrar que
podem denominar-se “formas diversas de expressão da mesma fé única” o fato de
afirmar, por exemplo, que a sagrada Tradição é uma fonte da fé e o fato de o
negar; o fato de afirmar que o Papa goza do primado em toda a Igreja, não de
mera honra, mas de jurisdição efetiva, e o fato de o negar; o fato de afirmar
que Cristo está presente real e permanentemente na Eucaristia em virtude da transubstanciação
e o fato de o negar; o fato de afirmar que a Santa Missa é um sacrifício
propiciatório verdadeiro e próprio e o fato de o negar; o fato de afirmar que à
Santíssima Mãe de Deus é devido o culto de hiperdulia e o fato de o negar; o
fato de afirmar que o matrimônio é indissolúvel e o fato de o negar; etc., etc.
“A
unidade não deve confundir-se com a uniformidade”, nos diz Kasper. Mas,
replicamos, tampouco a “diversidade” pode confundir-se com a “contradição”, nem
a “ortodoxia” com a “heresia”; porque aqui não se trata da “unidade na
diversidade”, mas da unidade na contradição, como o mais elementar senso comum
não pode deixar de ver. Só quem perdeu o “medo da contradição” (R. Amério, Iota
Unum) pode forjar-se a ilusão de fazer passar as verdades de fé e sua
negação por “formas diversas de expressão da mesma fé única”.
Um
cardeal ambicioso
Depois
disso, bem se vê que efeito nos faz o ver Kasper elogiar o “passo corajoso,
diria que revolucionário” (sic!; e issonão lhe dá que pensar?), que deu o Papa
Wojtyla ao convidar as seitas heréticas e/ou cismáticas “a um diálogo fraternal
sobre o exercício futuro [sic] do ministério de Pedro” (exercício que não pode
deixar de ser substancialmente idêntico ao do passado).
“Infelizmente
– prossegue Kasper -, as Igrejas ortodoxas não participaram oficialmente, até
agora, em tal diálogo”. Diante disso, a nós, que esperamos da misericórdia de
Deus um Papa que corrija o rumo da barca de Pedro, fazendo-a voltar à santa
Tradição, não nos resta outra coisa que dar graças à Providência Divina por
servir-se também da obstinação dos ortodoxos para salvar sua Igreja do abismo
em que parece querer precipitá-la o delirante ecumenismo de alguns de seus
pastores atuais.
Entretanto,
enquanto em Roma, com o aplauso do “teólogo da Casa Pontifícia”, se publicam
estudos “em honra” do neocardeal Kasper (o qual, a dizer verdade, até agora não
se fez digno de nenhuma honra), em outras partes (verbi gratia, na diocese de
Avolino), ele é proposto como “papável”.
São
Paulo exigia do bispo o requisito de que fosse “guardador da palavra fiel; que
se ajuste à doutrina de maneira que possa exortar com sã doutrina e refutar os
contraditores” (Tit. 1, 9). Hoje parece exigir-se dos bispos e cardeais
exatamente o contrário: a aversão à doutrina verdadeira, que é a conforme com a
Tradição, e a abertura às “novidades” dos “contraditores”. E de tais bispos e
cardeais haverá de sair um Papa segundo a mente de Deus? Mas sursum corda! O
Senhor salvará sua Igreja da cegueira dos homens da Igreja. Não nos resta outra
esperança; mas se trata de uma esperança fundada na palavra de Deus.
Simeón
(Revista
Sim Sim Não Não, no. 111)
Fonte: http://permanencia.org.br/drupal/node/563
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