A Declaração "Dignitatis Humanae" é
compatível com a doutrina católica tradicional?
“A doutrina católica nos ensina que o primeiro dever da caridade não
está na tolerância das convicções errôneas, por sinceras que sejam, nem na
indiferença teórica ou prática ao erro ou vício em que vemos mergulhados nossos
irmãos... se Jesus foi bom para os transviados e pecadores, não
respeitou suas convicções errôneas por sinceras que parecessem; amou-os a
todos para os instruir,converter e salvar.. São Pio X, Notre charge apostolique, 25 de
outubro de 1910” (condenação do Sillon).
“Desejo que se desenvolva o respeito pela liberdade de
consciência e de culto para todo ser
humano”. João Paulo II,
encontro com os muçulmanos de Guiné, 25 de fevereiro de 1992. (O.R. em língua francesa
de 17 de março de 1992, pág. 9).
Um certo
número de livros e estudos1 foi publicado nos últimos anos para tentar provar
que a declaração do Concílio Vaticano II sobre a liberdade religiosa pode ser
conciliada com a doutrina tradicional da Igreja católica a esse respeito. Sem
pretender esgotar a questão, pretendemos refutar os principais argumentos
apresentados e mostrar, de modo acessível a todo católico de boa fé, que uma
tal conciliação é impossível sem negar a infalibilidade e a indefectibilidade
da Igreja.
Com o
intuito de apresentar este estudo de modo bastante preciso, utilizaremos a
forma adotada por santo Tomás na resolução das questões que lhe são formuladas.
1.
OBJEÇÕES
Sob este
título, veremos os argumentos dos partidários da conciliação entre a Dignitatis
Humanae e a doutrina tradicional.
1. Antes
de mais nada, parece que o católico não tem o direito de colocar tal questão:
a. Todo
concílio ecumênico é infalível;
b. Como
todos os bispos católicos estavam reunidos, estamos em presença de um ato do
magistério ordinário universal, cuja infalibilidade nos é garantida pelo
Concílio Vaticano I (Dz 1792);
c. É
preciso ao menos reconhecer que se trata de um ato do magistério autêntico da
Igreja e, por conseqüência, um simples fiel não pode julgá-lo e deve acatá-lo
com respeito religioso.
2. Em
seguida, pode-se mostrar que não há contradição aqui, uma vez que a liberdade
religiosa ensinada pelo Vaticano II não é idêntica a que fora condenada pelo
magistério anterior da Igreja:
a. A
liberdade religiosa do Concílio Vaticano II é limitada pelas exigências da
ordem moral objetiva. Os papas precedentes condenaram uma liberdade religiosa
ilimitada ou, ao menos, compreendida sob outros limites.
b. A
liberdade religiosa do Concílio Vaticano II é um direito negativo, isto é, um
direito de não ser impedido de agir. Os papas precedentes condenaram os
liberais que reivindicavam um direito positivo, um direito de agir2.
c. A
liberdade religiosa do Concílio Vaticano II é a liberdade de agir (em matéria
religiosa) segundo a própria consciência. Os papas precedentes condenaram a
liberdade de agir (em matéria religiosa) como quiséssemos3.
3. Enfim,
eis ainda duas objeções decisivas:
a. Em seu
preâmbulo, a declaração conciliar afirma que “em nada afeta a doutrina
católica tradicional acerca do dever moral que os homens e as sociedades têm
para com a verdadeira religião e a única Igreja de Cristo”.
b. O
próprio Mons. Lefebvre teria assinado este famoso decreto...
2. EM
CONTRÁRIO.
A seguir,
alguns argumentos de autoridade que vão em sentido contrário:
1. “É
com este objetivo (abolir a religião católica) que se estabeleceu, como um
direito do homem na sociedade, essa liberdade absoluta, que não só assegura o
direito de não ser impedido sobre as suas opiniões religiosas, mas que dá ao
indivíduo esta licença de pensar, de dizer, de escrever, e mesmo de fazer
injúria impunemente em matéria de religião, tudo o que possa se sugerir à
imaginação mais desregrada: direito monstruoso, mas que parece para a
Assembléia resultar da igualdade e da liberdade naturais a todos os homens. Mas
que poderia aí existir de mais insensato...?"4 Pio VI, Quod aliquantulum, 10 de
março de 1791.
Lembremos
aqui os dois artigos da “Declaração dos direitos humanos” de 1789, os mais
particularmente atingidos por esta condenação:
Art. 10:
"Ninguém deve ser incomodado por suas opiniões, mesmo religiosas,
contanto que a sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela
lei".
Art. 11:
“A livre comunicação de pensamentos e opiniões é um dos direitos mais
preciosos do homem; portanto, todo o homem deve poder falar, escrever, imprimir
livremente, salvo em casos de abuso dessa liberdade determinados pela lei”.
2. “Um
novo motivo de pesar aflige ainda mais vivamente o nosso coração e,
confessamos, causa-nos abatimento, angustia e tormento extremos: trata-se do
22º. artigo da Constituição5... Certamente, não será preciso longos discursos ao
nos dirigirmos a um bispo como vós, para vos fazer reconhecer que este artigo
golpeia a religião católica na França e lhe abre uma chaga mortal. Justamente
por estabelecer a liberdade de todos os cultos de forma indiscriminada,
confunde a verdade com o erro, e nivela às seitas heréticas e até à impiedade
judaica a Esposa santa e imaculada de Cristo, a Igreja fora da qual não pode
haver salvação. Ademais, ao se prometer apoio e favores às seitas heréticas e
aos seus ministros, tolera-se e se favorece não apenas as suas pessoas, mais
ainda os seus erros”. Pio VII Post tam diuturnas, 29 de abril de
1814.
3. “Dessa
fonte lodosa do indiferentismo promana aquela sentença absurda
e errônea, melhor dizer, disparate que afirma e defende a liberdade de
consciência. Este erro corrupto abre alas, escudado na imoderada
liberdade de opiniões que, para confusão das coisas sagradas e civis, se
estende por toda parte, chegando a imprudência de se declarar que nela há
grande proveito para a causa da religião. Que morte pior há para a
alma, do que a liberdade do erro? dizia Santo Agostinho”6. Gregório XVI Mirari vos 15 de agosto
de 1832.
4. “E
contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos Padres, eles não
temem afirmar que "o melhor governo é aquele no qual não se reconhece
ao poder político a obrigação de reprimir com sanções penais os violadores da
religião católica, a não ser quando a tranqüilidade pública o exija".
Desta idéia absolutamente falsa do regime social não receiam passar a fomentar
aquela opinião errônea e mortal para a Igreja Católica e a salvação das almas,
chamada por nosso predecessor de feliz memória, Gregório XVI, loucura,
a saber que "a liberdade de consciência e de cultos é um direito próprio
de cada homem, que deve ser proclamado e garantido em toda sociedade retamente
constituída.... Ora, sustentando tais temeridades, não pensam, não percebem que
pregam uma liberdade de danação...”7. Pio IX Quanta Cura, 8 de
dezembro de 1864.
5. "Na
nossa época não é mais necessário que a religião católica seja considerada como
a única religião do Estado, excluídos os outros cultos”8. Pio XI Syllabus, proposição (condenada) 77, em
referência à alocução Nemo vestrum, 26/07/1855, relativa à situação
na Espanha.
“Por
isso é de louvar que em regiões católicas, se tenha providenciado por lei que
aos imigrantes naquelas regiões se permita o culto público próprio a eles."9. Id. 78, referindo-se à alocução Acerbissimum,
27/09/1852 relativa à situação na Nova-Granada (Colômbia).
6. "A
soberania de Deus é passada em silêncio, exatamente como se Deus não existisse,
ou não se ocupasse em nada com a sociedade do gênero humano; ou então como se
os homens, quer em particular, quer em sociedade, não devessem nada a Deus, ou
como se pudesse imaginar um poder qualquer cuja causa, força, autoridade não
residisse inteira no próprio Deus... segue-se que o Estado não se julga jungido
a nenhuma obrigação para com Deus, não professa oficialmente nenhuma religião,
não é obrigado a perquirir qual é a única verdadeira entre todas, nem a
preferir uma às outras, nem a favorecer uma em particular, mas a todas deve
atribuir a igualdade de direito, com o fim de apenas impedir a perturbação da
ordem pública"10 Leão XIII, Immortale Dei,
1/11/1885.
7. Entre
os princípios maléficos que destruíam a ordem civil e os fundamentos da
sociedade católica, Bento XV citava este: “a liberdade de pensar e divulgar
tudo o que quisermos em matéria religiosa não deve ser limitada, desde que não
faça mal a ninguém”11. Epist. Anno
iam exeunte, ad R. P. Ios Hiss, 7/03/1917 (A.A.S., 9/1917, p. 172).
8. “O
poder civil pode, por si mesmo, refrear as manifestações públicas dos outros
cultos e defender seus cidadãos contra a difusão das falsas doutrinas que, no
julgamento da Igreja, coloquem em perigo sua salvação eterna”. Esquema da
constituição da Igreja preparada para o Concílio Vaticano II (pelo Cardeal
Ottaviani)12.
9. “O
Estado tem o dever de proibir os falsos cultos, a não ser em caso de uma
verdadeira necessidade de tolerância”13. Card. Billot, Tractatus de
Ecclesia, qu. 19, art. 1, §3. O Cardeal ainda conta entre os sofismas dos
liberais a seguinte proposição: “Pertence ao Estado interessar-se em
questões religiosas, não enquanto tais, mas somente na medida em que concernem
a tranqüilidade pública ou política, ou enquanto estejam envolvidas a defesa e
a proteção dos direitos humanos”14.
3.
ARGUMENTAÇÃO.
Vejamos o
que é ensinado na Dignitatis Humanae:
Este
Concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade
religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar
livres de coacção, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou
qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém
seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder
segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro
dos devidos limites. §215
Declara,
além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria
dignidade da pessoa humana, como a palavra revelada de Deus e a própria razão a
dão a conhecer. 16
Este
direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica da sociedade
deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito civil... 17
O direito
a esta imunidade permanece ainda naqueles que não satisfazem à obrigação de
buscar e aderir à verdade; e, desde que se guarde a justa ordem pública, o seu
exercício não pode ser impedido. §218
Por
conseguinte, desde que não se violem as justas exigências da ordem pública,
deve-se em justiça a tais comunidades a imunidade que lhes permita regerem-se
segundo as suas próprias normas, prestarem culto público ao Ser supremo,
ajudarem os seus membros no exercício da vida religiosa e sustentarem-nos com o
ensino e promoverem, enfim, instituições em que os membros cooperem na
orientação da própria vida segundo os seus princípios religiosos. §4 (...)19
Os grupos
religiosos têm ainda o direito de não serem impedidos de ensinar e testemunhar
publicamente, por palavra e por escrito a sua fé. §4 (...)20
Na
natureza social do homem e na própria índole da religião se funda o direito que
os homens têm de, levados pelas suas convicções religiosas, se reunirem
livremente ou estabelecerem associações educativas, culturais, caritativas e
sociais. §4 21
Finalmente,
a autoridade civil deve tomar providências para que a igualdade jurídica dos
cidadãos – a qual também pertence ao bem comum da sociedade nunca seja lesada,
clara ou larvadamente, por motivos religiosos, nem entre eles se faça qualquer
discriminação. §622
Além
disso, uma vez que a sociedade civil tem o direito de se proteger contra os
abusos que, sob pretexto de liberdade religiosa, se poderiam verificar, é
sobretudo ao poder civil que pertence assegurar esta proteção. Isto, porém, não
se deve fazer de modo arbitrário, ou favorecendo injustamente uma parte; mas
segundo as normas jurídicas, conformes à ordem objetiva, postuladas pela tutela
eficaz dos direitos de todos os cidadãos e sua pacífica harmonia, pelo
suficiente cuidado da honesta paz pública que consiste na ordenada convivência
sobre a base duma verdadeira justiça, e ainda pela guarda que se deve ter da
moralidade pública. 23
Todas
estas coisas são parte fundamental do bem comum e pertencem à ordem pública.
De resto,
deve manter-se o princípio de assegurar a liberdade integral na sociedade,
segundo o qual se há-de reconhecer ao homem o maior grau possível de liberdade,
só restringindo esta quando e na medida em que for necessário. §7 24
Poderíamos
completar este ensinamento conciliar com textos mais recentes do magistério,
que lhe são como um comentário autorizado. Citemos entre mil:
“Pois,
quando a liberdade civil reinar e a liberdade religiosa for plenamente
garantida, a fé crescerá em vigor no renovado confronto com a descrença, e o
ateísmo compreenderá suas limitações no confronto com a fé” 25.
“A
toda pessoa deve ser dada a possibilidade, no contexto de nossa vida coletiva,
de
professar sua fé e sua crença, sozinha ou em grupo, em privado e em público”26.
“O
Concílio Vaticano II (...) declara que a pessoa humana “tem o direito à
liberdade religiosa” (Dignitatis Humanae, no. 2). Com este documento o concílio
se sente aliado às milhões de pessoas no mundo que aderem, em todas suas
aplicações práticas, ao artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
das Nações Unidas, que afirma: “Cada um tem o direito à liberdade de
pensamento, de consciência e de religião”27.
“O
direito à liberdade religiosa é a faculdade de corresponder aos imperativos da
própria consciência na procura da verdade e de professar publicamente sua
própria fé na livre associação a uma comunidade religiosa organizada”. Esse
direito constitui a razão de ser de todas as outras liberdades fundamentais do
homem”28.
“Em
certo sentido, a fonte e a síntese destes direitos (os direitos humanos) é a
liberdade religiosa entendida como o direito de viver na verdade de sua fé e em
conformidade com a dignidade transcendente de sua pessoa”29.
Salta aos
olhos que esse ensinamento se opõe aos textos que citamos acima, no item 2 (“Em
contrário”). Diante de uma tão manifesta oposição, os partidários da Dignitatis
Humanae elaboraram toda uma série de argumentos dos quais resumimos os
principais no item 1 (“Objeções”). Podemos responder a estes argumentos, e é o
que faremos no item 4 (“Resposta às objeções”). Mas, antes de nos lançarmos
nesta discussão um pouco árdua, há um meio bem mais simples de mostrar a
absoluta incompatibilidade de Dignitatis Humanae com a Tradição: considerar a
prática constante e multissecular da Igreja. Eis, portanto, nosso raciocínio:
Maior: “O costume da Igreja goza de
enorme autoridade, e deve ser colocado antes de tudo o mais... Deve-se dar mais
importância à autoridade da Igreja do que a de Santo Agostinho ou de São
Jerônimo ou de qualquer outro doutor. (S.T. IIa. IIae., q. 10, a. 12, c).
Podemos hoje acrescentar: ...”ou de qualquer concílio pastoral”.
Menor: Desde Constantino até Vaticano
II, a Igreja sempre exigiu que os príncipes católicos proibissem os falsos
cultos, “nisi vera urgeat tolerantiae necessitas”30. Ela jamais considerou que o fato de
“não perturbar a ordem pública” fosse um motivo necessário de tolerância, ao
menos que se queira dar a esta expressão um sentido diferente daquele do
Vaticano II (Cf. resposta à objeção 2-a, página 16).
*Explicação
da maior: trata-se pura e simplesmente da indefectibilidade da Igreja. Se essa
pudesse se enganar gravemente em sua prática por longos períodos, significaria
que ela não foi assistida pelo Espírito de verdade e por aquele que disse (Mt
28, 20): “Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”.
Também
Santo Tomás utiliza freqüentemente esse argumento. Eis alguns exemplos:
― Ele
defende o costume de oferecer filhos a um mosteiro, por ser o costume
da
Igreja, o qual tem mais autoridade
(quae maximum habet auctoritatis pondus). Em seguida, cita o exemplo dos
santos: São Gregório, São Bento, São João Batista31.
― Para
explicar que os bispos têm direito de possuir bens próprios, dá ainda o exemplo
de santos prelados e conclui: “Não se pode crer que aquilo que varões
santos comumente fizeram seja contrário ao preceito divino”32
― Santo
Tomás defende também a legitimidade dos votos referindo-se à prática da
Igreja que os encoraja. Assim, a posição daqueles que combatem essa
legitimidade é contrária ao que a Igreja comumente sustenta e
pensa: por conseqüência, sua posição tem de ser tida por herética33.
― Ao
comentar 1 Cor 11, 16, santo Tomás retoma esta frase de Santo Agostinho (Ep.
36, al. 86): “Para tudo aquilo que não se encontra definido pelas Sagradas
Escrituras, o costume do povo de Deus e as instituições dos antigos devem
ser tidos como lei”34.
*
Explicação da menor: podemos ler a esse respeito todas as (boas) “Histórias da
Igreja” e as obras de história do direito eclesiástico, em particular, a obra
de Lo Grasso “Ecclesia et Status - fontes selecti”, Roma, 1952 passim.
A
religião mais “tolerada” pela Igreja foi a religião judaica, pelas razões
indicadas por Santo Tomás (IIa IIae, q. 10, a. 11). Não obstante, ela estava
longe de se beneficiar da liberdade reclamada pelo Vaticano II, posto que os
judeus não se beneficiaram, em regiões cristãs, de igualdade jurídica com os
cristãos (estado civil, acesso a todas profissões, direito de possuir
imóveis...). Ora, citamos acima a passagem da Dignitatis Humanae reclamando
esta igualdade jurídica.
É notável
que os santos, longe de combater esta prática da Igreja, fossem os primeiros a
reclamar esta “intolerância” do Estado.
― Assim
fez São Pio V com Maximiliano, ameaçando-o de todas as
execrações e penas eclesiásticas se não rescindisse um decreto de tolerância35.
― Assim
fez igualmente São Francisco de Sales no conselho do duque
Charles-Emmanuel, em Thonon, a 4 de outubro de 1598: vendo que a maior parte
dos conselheiros não o seguiam, ele se levantou e disse à sua Alteza, com
grande zelo e força de espírito: “Ora, Monsenhor, deixar os ministros nessa
região significaria perder vossas terras e o paraíso, do qual um metro quadrado
vale mais que todo o Mundo”. No dia seguinte, ele apresentou ao duque os
artigos de seu programa: o afastamento do mestre-escola protestante e sua
substituição por um católico; o afastamento do ministro Viret; a supressão dos
protestantes dos ofícios e responsabilidades... o duque lhe concedeu tudo e um
pouco mais36.
― Lemos
na vida de São Casimiro que este santo “lançava-se com grande
zelo ao estimulo da fé católica e a extinção do cisma dos Rutenos: para isso,
levou o rei Casimiro, seu pai, a proibir pela lei que os cismáticos
construíssem novas igrejas ou consertassem as antigas, que caiam em ruína”37
― Nas
vésperas da Revolução Francesa, Santo Afonso de Ligório escreveu
a todos os príncipes católicos para lhes advertir de seu dever de lutar contra
os inimigos da Religião. Ele os conjurava, em particular “de não hesitar em
banir de seus reinos todo pregador de coisas ímpias, nem a confiscar nas
fronteiras as obras impregnadas de doutrinas más. É seu imperioso dever...”38. Santo Afonso não se preocupa em saber
se esses pregadores ou essas obras caem ou não dentro de uma ordem
pública justa. Para ele, como para todos os santos de antes do Vaticano II,
desde que se trate de um pregador de coisas ímpias, ou de um livro de má
doutrina, não tem direito à liberdade (mesmo negativa) e, se possível, é dever
detê-los.
Poderíamos
certamente encontrar muitos outros exemplos de santos, mas estes quatro bastam
para este breve estudo, e podemos fazer nossa a frase de Santo Tomás: “nimis
praesumptuosum videretur asserere tantos Ecclesiae doctores a sana doctrina
pietatis deviasse”39 (pareceria presunçoso afirmar
que tantos doutores da Igreja se desviaram da sã doutrina da piedade).
Conclusão: se aceitamos o ensinamento da
Dignitatis Humanae, devemos, por isso mesmo, admitir que a Igreja contradisse
por 16 séculos um dos direitos naturais mais importantes40. Daí, negaríamos a infalibilidade e a
indefectibilidade da Igreja.
― Os mais
ou menos influenciados pelo modernismo não hesitarão em dizer que a Igreja se
enganou sobre este ponto ao longo dos séculos, como se enganou sobre as
Cruzadas, a Inquisição, a pena de morte. É isto o que claramente pensa o
próprio Papa: “Neste ponto, parece-me importante lembrar que é no humus do
cristianismo que a Europa moderna colheu o princípio ― freqüentemente
esquecido nos séculos da “cristandade” ― que mais
fundamentalmente rege sua vida pública: ou seja, o princípio, proclamado pela
primeira vez pelo Cristo, da
distinção
entre “o que é de César” e “o que é de Deus” (cf. Mt 22, 21). Esta distinção
essencial entre a esfera da organização exterior da cidade terrestre e da
autonomia das pessoas se ilumina a partir da respectiva natureza da comunidade
política a qual pertence necessariamente todos os cidadãos e da comunidade
religiosa a qual livremente aderem os crentes.
“Nossa
história mostra de modo abundante a freqüência com que a fronteira entre “o que
é de César” e “o que é de Deus” foi transpassada nos dois sentidos. A
cristandade latina medieval ― para ficarmos só nela ― apesar
de ter elaborado teoricamente a concepção natural do Estado, retomando a grande
tradição de Aristóteles, nem sempre escapou à tentação integralista de
excluir da comunidade temporal os que não professavam a verdadeira fé. O
integralismo religioso, sem distinguir entre a esfera da fé e da vida
civil, é ainda hoje praticada em outras paragens e parece incompatível com o
gênio próprio da Europa, tal como o moldou a mensagem cristã”41.
Dirão
ainda, os mais ou menos influenciados pelo modernismo, que a verdade evolui com
o tempo, que não estamos mais nos tempos do Syllabus, menos ainda nos de
Teodosio ou São Luís. Vide o exemplo do cardeal Ratzinger: “Existem decisões
do magistério que podem não constituir a última palavra sobre uma dada matéria,
mas um encorajamento substancial relativo ao problema e, sobretudo, uma
expressão da prudência pastoral, uma espécie de disposição provisória (...) A
esse respeito, pode-se pensar tanto nas decisões dos Papas do século passado
sobre a liberdade religiosa como nas decisões antimodernistas do início deste
século...”42.
― O padre de Blignières43, que queria aceitar Dignitatis
Humanae e não é modernista, diz que, nos séculos da cristandade, o
Estado podia reprimir as demais religiões, quer em razão de uma concessão do
poder eclesiástico, quer em virtude de seu direito próprio, caso perturbassem a
paz pública. É fácil mostrar que uma tal concessão está
aqui fora de lugar: a Igreja não pode dar ao Estado uma concessão que lhe
dispense de observar a lei natural; ademais, os não-batizados (judeus,
muçulmanos...) não pertencem à Igreja. Logo, ela não poderia dar ao Estado
qualquer poder coercitivo sobre essas pessoas.
Quanto à
repressão em nome da paz pública, isto está longe de explicar
tudo: os judeus, por exemplo, jamais se beneficiaram da liberdade reclamada
pela Dignitatis
Humanae,
mesmo quando não perturbavam a paz pública44.
Deve-se
notar que, assim que as idéias sobre liberdade religiosa começaram a ser
promovidas por Lamennais, a Igreja lhe opôs sua prática milenar. O cardeal
Pacca escreveu a Lamennais: “As doutrinas de l´Avenir sobre
a liberdade de cultos e liberdade de imprensa... são muito repreensíveis e se
opõem ao ensino, às máximas e à prática constante da Igreja”45.
O padre
Rozaven, em visita a Roma, foi consultado por Gregório XVI sobre qual resposta
deveria ser dada a Lamennais, e fez a mesma reflexão: “Diremos que a Igreja
sempre se opôs a um direito que não se poderia subtrair legitimamente de
ninguém?”46
4.
RESPOSTA ÀS OBJEÇÕES.
[N. da P]
O leitor melhor aproveitará o que segue se tiver presente no espírito as
objeções formuladas na primeira parte desse trabalho. Recomendamos, pois, a
releitura das mesmas.
Objeção
1. a) Na audiência de 12/01/1966, Paulo VI declarou que o concílio “evitou
proclamar
de modo extraordinário dogmas dotados da nota de infalibilidade”.
Ademais,
podemos sublinhar o fato de que Dignitatis Humanae é uma
simples declaração, cujo peso teológico é certamente inferior ao de uma constituição
dogmática, como a constituição sobre a Igreja. Ora, quanto à essa última, a
Secretaria Geral do Concílio publicou em 16/11/1964 uma notificação que lembra
a declaração da Comissão Doutrinária em 16/3/1964: “Dado o costume geral dos
concílios e a finalidade pastoral do Concílio atual, este define que somente
tem de ser sustentados pela Igreja em matéria de fé e moral os pontos
declarados como tais.
“Quanto
aos outros pontos propostos pelo Concílio, sendo um ensinamento do Magistério
supremo da Igreja, todos os fiéis devem recebê-los e compreendê-los segundo o
próprio espírito do Concílio, como resulta tanto da matéria tratada quanto da
maneira pela qual ele se exprime, segundo as regras da interpretação
teológica”.
Objeção
1. b) A declaração também não pode gozar de infalibilidade na qualidade de
magistério ordinário universal. Com efeito, não basta que todos os bispos
juntos façam uma declaração para que ela goze de infalibilidade.
A Igreja
não considera infalível aquilo que, num concílio, não faz parte dos ensinamentos
solenes. Como os concílios habitualmente colhem na doutrina tradicional
(Vaticano II é exceção), seria temerário rejeitar seus ensinamentos mesmo
quando não estão assegurados pela infalibilidade. Não obstante, ocorre por
vezes que opiniões opostas a ensinamentos conciliares continuem a ser
licitamente ensinadas na Igreja. Eis alguns exemplos:
― O
quarto Concílio de Latrão47 e o primeiro Concílio do Vaticano48 afirmam que os anjos foram criados
ao mesmo tempo (simul) que a criação corporal. Mas os teólogos discutem sobre o
valor deste texto: alguns dizem que seria temerário negar a simultaneidade no
tempo; outros, dando ao termo simul um sentido um pouco
derivado, dizem que não é senão a opinião mais provável49. Santo Tomás é favorável a esta
interpretação50
― O
Concílio de Florença enumera, ao falar do sacramento da ordem, sete ordens
maiores e menores; a opinião que ensina que as ordens menores não são
sacramentos é defendida por muitos teólogos (Cajetano, Santo Afonso de Ligório,
Bento XIV...)51. Os teólogos pensam normalmente hoje que
o decreto do Concílio de Florença é uma instrução prática: o Papa não define,
mas ensina aos armênios o rito latino52.
― O
Concílio de Florença declarou que a matéria do sacramento da ordem é a
porrecção53 dos instrumentos. Pio XII, definindo
a matéria e a forma54, declarou que o Concílio de Florença não
quis ensinar que a porrecção dos instrumentos fosse necessária por vontade de
Nosso Senhor Jesus Cristo, sem resolver a questão de saber se a porrecção dos
instrumentos podia fazer parte da matéria do sacramento
pelo
poder da Igreja. Certos teólogos o negam55, o que significa que o Concílio de
Florença se equivocou sobre o assunto.
Sobre
esta questão do magistério ordinário universal, pode-se consultar com proveito
os estudos do pde. Marcille (em manuscrito com o autor) e o do padre René-Marie
(bulletin 01/1981 de Una Voce Helvetica).
Objeção
1. c) É verdade que todo fiel deve (em casos normais) assentimento interno e
religioso aos atos do magistério. Mas, digamos logo que esse ato do magistério
não foi recebido em paz na Igreja docente: 70 padres do concílio votaram contra
este texto, o que é considerável, e dois bispos seguiram recusando-o
publicamente.
Ademais,
todo fiel pode facilmente constatar que Dignitatis Humanae está em contradição
com a prática multissecular da Igreja, bem como a dificuldade de se considerar
a declaração como estando em conformidade com os atos autênticos e infalíveis
do magistério precedente.
Se
acrescentarmos a isso os frutos envenenados que a declaração produziu no mundo
católico56, torna-se inteiramente legítimo a um
católico duvidar da possibilidade de conciliar Dignitatis Humanae com
a Tradição.
Objeção
2. a) O magistério não condenou tão-somente a liberdade religiosa ilimitada,
mas também a liberdade religiosa limitada pelas exigências da ordem ou da paz
pública. V. em particular os textos citados na segunda parte: números 1, 3, 6,
7, 9.
Réplica de nossos contraditores: os
limites não são os mesmos nos textos do Vaticano II e nas condenações
precedentes (de um lado a paz pública dos naturalistas, de
outro, aordem pública justa do Vaticano II). Assim, a liberdade
religiosa condenada é formalmente diferente47 da que foi proclamada pelo
concílio.
Resposta à réplica:
―
Dignitatis Humanae utilizou uma expressão ambígua de modo que essa declaração
pudesse ser aceita até por governos naturalistas como, por exemplo, os
comunistas. Portanto, é possível interpretar esses .limites. como os
naturalistas os interpretam, e esta interpretação, desejada pelos padres
conciliares, foi condenada pelo magistério anterior.
― Seria
possível corrigir o texto conciliar acrescenta-lhe uma Nota Praevia,
como se fez para corrigir a constituição sobre a Igreja deste mesmo concílio?
Isto não
nos parece possível. Com efeito, num país católico, o Estado tem o dever de
manter a ordem católica e, num país não-católico, o de manter a ordem natural.
A Nota Praevia deveria então precisar: a ordem pública
justa que as religiões devem respeitar para se beneficiarem da
liberdade religiosa, é a ordem católica (em país católico) ou a ordem natural
(em país não-católico).
Mas quais
são as religiões que respeitam a ordem natural? Quais, por exemplo, são as que
ensinam a unidade e indissolubilidade do casamento57? Ora, esse é um ponto de moral natural
da mais alta importância para a ordem pública, uma vez que a família é a base
da sociedade civil. Nem falemos do Islã, que favorece a poligamia e muitas
outras imoralidades, do hinduísmo com seu sistema de castas e seus párias, ou
de outros casos particulares!
Nos
países católicos, somente a religião católica se beneficiaria da liberdade
religiosa e, nos países não-católicos, não haveria muitas mais... em outras
palavras, a declaração seria esvaziada e, ao invés de redigir uma Nota
Praevia, parece ser mais simples suprimir a Dignitatis Humanae.
Objeção
2. b) Os textos que citamos na parte 2 condenam igualmente um
simples direito negativo aos que praticam as falsas religiões. Veja em
particular os textos 1 (o art. 10 da Declaração dos direitos humanos também o
apresenta como um direito negativo, Dignitatis Humanae não inventou nada!), 4,
6, 7, 9.
Ademais,
Lammenais, o pai do liberalismo católico, reconhecia perfeitamente que o homem
não tem a liberdade moral de escolher sua religião, o que não o impedia de
pregar a liberdade civil, isto é, a liberdade quanto ao poder civil58.
Enfim, a
argumentação que demos mostra bem que, na sua prática, a Igreja nega até a
existência de um direito meramente negativo: ela não se contentou em lembrar o
dever moral de se abraçar a verdadeira Religião, mas exigiu que os Estados
limitassem ou proibissem as falsas religiões.
Objeção
2. c) Para uma discussão mais completa desta nova tentativa de conciliar
Dignitatis Humanae com a Tradição, veja ainda neste número de Le Sel de la
Terre59 a rubrica “Resenhas de livros e
revistas”. Digamos aqui apenas duas coisas:
― O pde.
Lucien nos apresenta aqui um “direito de agir segundo a sua consciência”. Esse
foi o primeiro argumento utilizado por Mons. De Smedt, responsável pela subcomissão
redatora, no seu discurso introdutório60. “A tolice deste raciocínio foi logo
revelada”, nos diz Mons. Lefebvre61: mesmo se a consciência é errônea sem
ser culpada, a ação segue má e não pode ser objeto de um
direito afirmativo (direito de agir). Poderia ser objeto de um direito negativo
(direito à imunidade de coação)? Certamente não no caso da liberdade religiosa
pública, pois o bem comum pode exigir que se impeça alguém de fazer o mal.
―
Independente desta discussão teórica, pode-se ver rapidamente que tal
escapatória não se sustenta melhor que as precedentes quando a confrontamos com
a prática multissecular da Igreja. A Igreja encorajou o Estado a exercer a
coerção quanto às falsas religiões, sem lhe pedir que distinguisse entre os que
erravam de boa fé e os que estavam de má fé.
O pde.
Lucien explica isso dizendo que a Igreja presumiu, nos tempos da cristandade,
que todos os partidários das falsas religiões necessariamente estariam de má
fé! Atualmente, tal não se daria, pois os motivos de credibilidade não seriam
mais suficientemente apresentados aos homens, mesmo nos países católicos!!
Tudo isso
não se mantém de pé. Mesmo antes de Vaticano II era perfeitamente possível que
existissem não-católicos de boa fé!
Ademais,
não se vê porque, em países como a Colômbia ou a Espanha, onde só existiam
católicos até a aplicação de Vaticano II, os motivos de credibilidade da Igreja
teriam subitamente desaparecido com a morte de Pio XII. Em tais países a
apostasia não precedeu a liberdade religiosa: proclamou-se a liberdade
religiosa, e isto conduziu à apostasia. Pe. Lucien confunde causa e efeito!
Enfim, e
sobretudo, a liberdade religiosa não seria um direito senão nos tempos atuais
de apostasia. Não teria sido antes, nos tempos da cristandade, e talvez não
venha a ser amanhã, se é verdade que “No fim, meu Coração Imaculado triunfará”.
No entanto, Dignitatis Humanae coloca a questão em termos de direito natural,
universalmente válido. Assim, seria preciso apresentar essa declaração como uma
espécie de restrição mental: a liberdade religiosa é um direito do homem...
(subentenda-se: “...de geometria variável”, i. é, um direito que pode existir e
desaparecer conforme os tempos). Esta explicação do padre Lucien é
surpreendente, mas duvidamos muito que fosse a intenção dos padres conciliares!
Objeção
3. a) O mínimo que se pode dizer é que esse texto é contraditório: com efeito,
entre os deveres do Estado para com a verdadeira Religião, está o dever de
reprimir as falsas religiões. Ora, esse dever é explicitamente negado na
seqüência do texto, já que se afirma como direito da pessoa humana não sofrer
coação por parte do Estado, desde que não perturbe a ordem pública justa.
Mas,
podemos ainda nos questionar se o termo sociedades (societatum)
não foi escolhido de propósito. Seria muito mais claro se dissesse Sociedade
civil ou Estado. Poder-se-ia hoje dizer que “sociedades”
não se refere senão às sociedades privadas e, de modo algum, ao Estado62, sobretudo — sendo mais exato — pelo
fato do Estado moderno ser um Estado de Direito. Sobre esse ponto,
as explicações do Redator não são inteiramente satisfatórias.
Objeção
3. b) Mons. Lefebvre declarou diversas vezes não ter assinado nem este
documento, nem Gaudium et Spes. Ele sempre protestou, com muita energia, contra
os que diziam que ele teria assinado63. Pode-se aqui consultar o no. 79 de
Fideliter, pág. 7, por exemplo.
Que
pensar então da assinatura fotocopiada pelo padre de Blignières e apresentada
como uma assinatura de aprovação? Duas explicações possíveis:
― ou esta
assinatura é uma falsificação. Hipótese que não se deve excluir quando se
conhece o ódio dos modernistas contra a Tradição e, particularmente, contra
Mons. Lefebvre. Seria, portanto, oportuno considerá-la seriamente.
― ou é
necessário distinguir entre duas assinaturas: uma primeira, dada no momento do
voto final de cada documento separadamente, para significar que se aprova ou
desaprova o documento em questão; e uma segunda, dada no final dos quatro
documentos promulgados pelo Papa neste dia.
Qual das
duas assinaturas comprometem verdadeiramente os que a fazem? Tudo leva a crer
que é a primeira, a que Mons. Lefebvre recusou-se a dar com mais de 70 outros
padres. Eis alguns argumentos:
1.
Durante a audiência que lhe foi concedida em 1976, o Papa Paulo VI repreendeu
Mons. Lefebvre por não ter assinado o documento. O Papa mandara pesquisar os
arquivos antes da audiência! Não poderia evidentemente repreender Mons.
Lefebvre se este tivesse dado uma assinatura em sinal de aprovação ao texto,
como afirma o padre de Blignières.
2. A
segunda assinatura era comum para os quatro textos promulgados naquele dia. Se
um padre quisesse assinalar sua reprovação a um ou outro texto promulgado, diz
o padre de Blignières, seria preciso indicar ao lado de sua assinatura: mas não
vemos nenhum sinal desta menção imaginada pelo padre de Blignière ao lado das
milhares de assinaturas dos padres conciliares! No entanto, Mons. Lefebvre não
foi o único a se opor a este texto: será necessário admitir que todos
subitamente se “traíram” ao mesmo tempo? Não, é muito mais simples julgar que
os padres se contentaram de não ter dado a primeira assinatura: isto bastava
para marcar a sua reprovação.
3. Na
segunda assinatura, era possível ser representado por outrem: vê-se na lista
publicada pelo padre de Blignières que Mons. Lefebvre assinou por um ausente.
Ora, não era possível se fazer representar na primeira assinatura, o que é um
sinal de que ela comprometia principalmente os que a assinavam.
4. A
fórmula da promulgação prevista no art. 49 do regulamento inicial do Concílio
(Acta, periodus II, pág. 40) faz menção dos que se recusaram a assinar: o Papa
promulga os decretos que foram lidos pelos Padres e aprovados por eles, “tot
numero exceptis” (à exceção de tal número). O que parece indicar que os que não
quiseram assinar não se associaram à promulgação feita pelo Papa.
5. Enfim,
parece mais natural confiar quanto à isso em Mons. Lefebvre, que estava
presente no concílio e não tinha o costume de mentir, do que em detetives
amadores, que tentaram reconstruir o ocorrido trinta anos depois com pistas
dadas por inimigos irredutíveis deste prelado que acabavam de excomungar!
É
lastimável que os propagadores deste rumor não levem em conta as explicações de
Mons. Lefebvre. Essa calunia continua a circular.
(Tradução:
Permanência. Originalmente publicado em Le Sel de la Terre, no. 2, pp. 7-25)
1.
1. Por exemplo, o livro do Pe. Brian
W. Harrisson (Le développement de la
doctrine catholique sur la liberte religieuse, Ed. DMM, Bourère, 1988); os
estudos da Fraternidade São Vicente Ferrer (“Le droit à la liberte religieuse
et la liberte de conscience”, suplement no. 22 de Sedes Sapientiae,
Chémeré-le-Roi, 53340 Ballée; “liberte religieuse: Le débat est relance”, no.
25 de Sedes Sapientiae; “la liberte religieuse: continuité ou contradiction?”
no. 351 do boletim CICES); a compilação do pde. Basile, OSB: La liberte
religieuse et la Tradition catholique, vol. 1, Ed. Sainte-Madeleine, Le
Barroux, 1990; o recente estudo do pde. Lucien (“la liberte religieuse:
l´erreur de l´abbé Lucien... et des autres”, pro manuscrito, 14 de março de
1992).
2.
2. Esta objeção e a precedente resumem
na essência as teses do padre Harrison e dos que o seguem (Chémeré, Le
Barroux).
3.
3. É este o argumento recentemente
apresentado pelo pde. Lucien.
4.
4. Eo quippe consilio (ut aboleretur
catholica Religio...) decernitur, in jure positum esse, ut homo in societate
constitutus omnimoda gaudeat libertate, ut turbari scilicet, circa religionem
non debeat, in eiusque arbítrio sit de ipsius religionis argumento, quidquid
velit, opinari, loqui, scribere, AC typis etiam evulgare... Sed quid insanius
excogitari potest...?
5.
5. ”A liberdade de cultos e de
consciência é garantida. Os ministros dos cultos são igualmente tratados e
protegidos”
6.
6. Atque ex hoc putidissimo
indifferentismi fonte absurda illa fluit AC errônea sententia seu potius
deliramentum, asserendam esse AC vindicandam cuilibet libertatem conscientiae.
Cui quidem pestilentissimo errori viam sternit plena illa atque immoderata
libertas opinionum, quae in sacrae et civilis rei labem late grassatur,
dictitantibus per summam impudentiam nonnullis, aliquid ex ea commodi in
religionem promanare. At ´quae peior mors animae quam libertas
erroris?´inquiebat Augustinus...
7.
7. Atque contra sacrarum Litterarum,
Ecclesiae sanctorumque Patrum doctrinam asserere non dubitant, ‘optimam esse
conditionem societatis, in qua império non agnoscitur officium coercendi
sancitis poenis violatores catholicae religionis, nisi quatenus pax publica
postulet’. Ex qua omnino falsa socialis regiminis Idea haud timent erroneam
illam fovere opinionem catholicae Ecclesiae, animarumque saluti máxime
exitialem, a rec. Mem. GREGORIO XVI praedecessore Nostro, deliramentum
appellatam, nimirum ‘libertatem conscientiae et cultuum esse proprium
cuiuscumque hominis ius, quod lege proclamari et asseri debet in omni recte
constituta societate...’.
Dum vero id temere affirmant,
haud cogitant et considerant, quod libertatem perditionis praedicant...”
8.
8. Aetate hac nostra non amplius
expedit religionem catholicam haberi tanquam unicam Status religionem, ceteris
quibuscumque cultibus exclusis.
9.
9. Hinc laudabiliter in quibusdam
catholici nominibus regionibus lege cautum est, ut hominibus illuc
immigrantibus liceat publicum proprii cujusque cultus exercitium habere.
10.
10. Ex pluribus quae vera sola sit,
quaerere, Nec unam quamdam ceteris anteponere, Nec uni máxime favere, sed
singulis generibus aequitabilitatem iuris tribuere ad eum finem, dum disciplina
reipublicae NE quid ab illis detrimenti capiat”
11.
11. ”Libertates máxime sentiendi de
religione, vel vulgandi quidquid quisque voluisset, nullis contineri finibus,
dum noceret nemini” recenset Benedictus XV inter principio perniciosa quibus
civitatum disciplina nititur et quibus Christiane societatis fundamenta
convelluntur” (citato em nota no esquema preparatório do Concílio do Cardeal
Ottaviani).
12.
12. ”Potestas civilis de se aliorum
cultuum publicas manifestationes temperare potest, et contra diffusionem
falsarum doctrinarum quibus, iudicio Ecclesiae, salus aeterna in periculum
vocatur, cives suos defendere”. Schema constitutionis “de Ecclesia” propositum
a Commissione Theologiae (Cardinal Alfredo Ottaviani Relatore) pro Concilio
Vaticano II”
13.
13. ”Status habet officium prohibendi
falsos cultus, nisi vera urgeat tolerantiae necessitas”.
14.
14. Ad Statum pertinere, sollicitum
esse de re religiosa, non inquantum res religiosa est, sed solum in quantum
ratio vel publicae tranquillitatis, vel politici interesse, vel defensiones ac
custodiae iurium hominis in ea involvitur.
15.
15. "Haec Vaticana Synodus
declarat personam humanam ius habere ad libertatem religiosam. Huiusmodi
libertas in eo consistit, quod omnes homines debent immunes esse a coercitione
ex parte sive singulorum sive coetuum socialium et cuiusvis potestatis humanae,
et ita quidem ut in re religiosa neque aliquis cogatur ad agendum contra suam
conscientiam neque impediatur, quominus iuxtasuam conscientiam agat privatim et
publice, vel solus vel aliis consociatus, intra debitos limites. §2
16.
16. "Insuper declarat ius ad libertatem religiosam esse revera
fundatum in ipsa dignitate [931] personae humanae, qualis et verbo Dei revelato
et ipsa ratione cognoscitur.
17.
17. "Hoc ius personae humanae ad libertatem religiosam in iuridica
societatis ordinatione ita est agnoscendum, ut ius civile evadat..."
18.
18. "ius ad hanc immunitatem perseverat etiam in iis qui obligationi
quaerendi veritatem eique adhaerendi non satisfaciunt; eiusque exercitium
impediri nequit dummodo iustus ordo publicus servetur.... §2
19.
19. "His igitur communitatibus, dummodo iustae exigentiae ordinis
publici non violentur, iure debetur immunitas, ut secundum proprias normas sese
regant, Numen supremum cultu publico honorent, membra sua in vita religiosa
exercenda adiuvent et doctrina sustentent atque eas institutiones promoveant,
in quibus membra cooperentur ad vitam propriam secundum sua principia religiosa
ordinandam...
20.
20. "Communitates religiosae ius etiam habent, ne impediantur in sua
fide ore et scripto publice docenda atque testanda...
21.
21. "Tandem in sociali hominis natura atque in ipsa indole religionis
fundatur ius quo homines, suo ipsorum sensu religioso moti, libere possunt
conventus habere vel associationes educativas, culturales, caritativas,
sociales constituere. §4
22.
22. "Denique a potestate civili providendum est, ne civium aequalitas
iuridica, quae ipsa ad commune societatis bonum pertinet, unquam sive aperte
sive occulte laedatur propter rationes religiosas, neve inter eos discriminatio
fiat. §6
23.
23. "Praeterea cum societas civilis ius habet sese protegendi contra
abusus qui haberi possint sub praetextu libertatis religiosae, praecipue ad
potestatem civilem pertinet huiusmodi protectionem praestare; quod tamen fieri
debet non modo arbitrario aut uni parti inique favendo, sed secundum normas
iuridicas, ordini morali obiectivo conformes, quae postulantur ab efficaci
iurium tutela pro omnibus civibus eorumque pacifica compositione, et a
sufficienti cura istius honestae pacis publicae quae est ordinata conviventia
in vera iustitia, et a debita custodia publicae moralitatis
24.
24. "Haec omnia partem boni
communis fundamentalem constituunt et sub ratione ordinis publici veniunt.
"Ceterum servanda est integrae libertatis consuetudo in societate,
secundum quam libertas debet quam maxime homini agnosci, Nec restringenda est nisi
quando et prout est necessarium. §7
25.
25. João Paulo II, discurso ao
parlamento de Estrasburgo, DC 1971, 6 de novembro de 1988, pág. 1045.
26.
26. João Paulo II, mensagem ao
secretariado da ONU, 2 de dezembro de 1978, DC 1755, 7 de janeiro de 1979, pág.
2.
27.
27. João Paulo II, alocução aos bispos
da Índia, em visita “ad limina”, 23 de junho de 1979, O. R., Ed. Francesa, no.
29, pág. 102.
28.
28. João Paulo II, discurso ao corpo
diplomático, 9 de janeiro de 1988, DC 1955 de 7 de fevereiro de 1988, pág. 142.
29.
29. João Paulo II, “Centesimus Annus”,
1º. De maio de 1991, DC 2029, 2 de junho de 1991, pág. 542. O parágrafo citado
remete em nota aos artigos 1 e 2 da declaração conciliar.
30.
30. Salvo verdadeira necessidade de
tolerância. Cf. Billot supra.
31.
31. Opusc. 17, cap. 3.
32.
32. ”Non est credendum id quod a
sanctis viris communiter agitur contra divinum praeceptum esse” (opusc. 18,
cap. 18).
33.
33. ”Patet igitur hujusmodi positionem
repugnare ei quod communiter Ecclesia tenet et sentit: unde et tanquam
haeretica reprobanda est”
34.
34. ”Omnibus in quibus nihil certi
deffinit sacra scriptura, mos populi Dei atque instituta majorum pro lege
habenda sunt.”
35.
35. Cd. Nota 1 da pág. 99 do 2º. Tomo
do De Ecclesia, Card. Billot.
36.
36. S. Francisco de Sales, por
Lajoinie, O. P., 1966, pág. 348 ss. O autor deste livro sente-se visivelmetne
atrapalhado pela atitude de nosso santo: “estamos diante de um dos atos mais
graves de são Francisco de Sales, um dos mais difíceis a serem compreendidos
por um moderno. Guardemos a lógica do tempo e não leiamos a história na
contra-mão: tentemos compreender a mentalidade de um homem para quem o valor
supremo é a fé pura da Igreja única de Deus...” Toda esta passagem é deliciosa,
e mostra como é difícil para um liberal compreender a reação católica de um santo.
37.
37. D. Guéranger, l´année liturgique,
Septuagésime, 4 de março.
38.
38. Santo Afonso de Ligório, pelo P.
Berthe, t. 2, pág. 441.
39.
39. Opusc. 15, cap. 17, D.
40.
40. O Papa João Paulo II não hesita em
fazer da liberdade religiosa “uma pedra angular no edifício dos direitos
humanos... um elemento essencial do convívio pacífico entre os homens”. D. C.
1953 de 3/1/1988.
41.
41. DC 1971, 6 de novembro de 1988,
pág. 1045 (discurso parlamento de Estrasburgo)
42.
42. Osservatore Romano, 10 de julho de
1990, pág. 9.
43.
43. CICES, junho de 1988, pág. 7.
44.
44. Cf. também o que respondemos mais
adiante à objeção 2 – Sobre os justos limites.
45.
45. DTC, artigo Lamennais, col. 2495.
46.
46. Le Guillou (Louis), l´évolution de
la pensée religieuse de Félicité de Lamennais, Armand Colin, 1966, pág.
174-175. Citado na obra do pde. Lucien: Études sur la liberte religieuse dans
la doctrine catholique. Ed. Forts dans la foi, Tours, 1990, pág. 94.
47.
47. Denzinger-Shönmetzer, no. 800.
49.
49. Pesch, De Deo creante et elevante,
n. 360; Zuizarreta, Theologia dogmático-scholastica, II, n. 832.
50.
50. DTC, artigo “ange”, col. 1269.
51.
51. Cf. Sacra Theologiae, Summa, BAC,
Madri, IV, pág. 622; Zubizarreta, op. Cit., IV, n. 647.
52.
52. Cf. Sacra Theologiae Summa, BAC,
Madri, IV, pág. 649; Zubizarreta, op. Cit., IV, n. 655.
53.
53. I. é, o fato de tocar o cálice e a
patena apresentados pelo bispo ao ordinando.
54.
54. Sacramentum ordinis, 30 de
novembro de 1947.
55.
55. Cf. Sacra Theologiae Summa, BAC,
Madri, IV, pág. 639.
56.
56. 46 a 60 milhões apostataram na
América latina e ingressaram nas seitas após o Vaticano II, segundo o cardeal
Thiandoum. A liberdade religiosa introduzida nestes países após o Concílio
Vaticano II tem boa parte da responsabilidade por isso, uma vez que, até então,
muitos desses países protegiam seus povos contra a propaganda das seitas.
57.
57. Os próprios ortodoxos admitem o
divórcio em certos casos.
58.
58. ”A tolerância civil não equivale
absolutamente ao indiferentismo religioso,nem implica a negação de crenças
moralmente obrigatórias”, escrevia Gerbert em L´Avenir, 2 de julho de 1831,
citado pelo pde. Lucien, op. Cit., pág. 85.
59.
59. [N. da P.] Trata-se do no. 2 da
revista publicado no outono de 1994.
60.
60. Doc. Cath. 5 de janeiro de 1964,
col. 74-75.
61.
61. Ils l´ont découronné,
Ed. Fideliter, Sainte-Foyw-Lès-Lyon, 1987, pág. 192.
[N. da P.] Disponível no site da Permanência com o título “Do Liberalismo à
Apostasia”.
62.
62. É o que faz uma brochura publicada
em novembro de 1966 “Pages documentaires: La Liberté Religieuse, Texte
conciliaire, Introduction à as lecture”. Redação: “Unité Chrétienne”, rua
Jean-Carriès 2, Lyon, 5 – nota b) pág. 27: “sociedades”. O documento conciliar,
ao utilizar o termo latino “societas”, compreendia por ele todo grupo ou
associação. Não é a sociedade civil que é visada.
63.
63. Possuímos algumas cartas de Mons.
Lefebvre a esse respeito. Eis alguns trechos: “Que ela (a santíssima Virgem)
confunda aqueles que, por suas mentiras e malicia, tentam por todos os meios
nos humilhar e nos fazer passar por mentirosos ou “gagás”! (...) Se nós dois
tivéssemos morrido, Mons. De Castro Mayer e eu, seria fácil nos fazer passar
por mentirosos, mas enquanto estamos vivos, é um pouco temerário. Eles podem
pensar o que quiserem, jamais poderão convencer que votamos no Concílio
diversos documentos junto com os demais, e não poderão jamais provar que “non
placet” significa “placet”. Os Padres do Concílio não teriam jamais aceitado
que a maneira de votar seja de tal modo ambígua, que se possa depois fazer que
aqueles que disseram “não” pareçam ter dito “sim”. Não se tratava de uma
reunião de imbecis! ... É preciso uma forte dose de desonestidade para se
lançar a tarefa de provar que o ”non placet” dos Padres do Concílio terminou
por se tornar um “placet”. Por que não o contrário? É preciso muita convivência
com espíritos tão desviados como os do Pde. * e do Pde. De *, que provam por
sua própria atitude que o seu ”placet” pode vir a tornar-se um “non placet”, ou
inversamente”. (14 de junho de 1990). --- “A lista e as assinaturas dos Padres
cujos nomes se encontram no volume IV, parte VII, pág. 804 dos documentos do Concílio
indicam apenas os Padres que estavam presentes (ou representados N. de Le Sel
de la Terre) em São Pedro quando foram sucessivamente apresentados os 4
decretos (sobre a Liberdade religiosa, sobre a Atividade missionária, o
Ministério dos padres, a Igreja no mundo). É necessário má-fé para interpretar
essas assinaturas como se fossem aprovações ao conjunto dos 4 decretos. É
absurdo pensar que se possa assinar, aprovar ou recusar 4 decretos a um só
tempo. (...) É evidente, e nós sempre afirmamos, que Mons. de Castro Mayer,
Mons. Sigaud e eu mesmo votamos contra a Liberdade religiosa e a Igreja no
mundo. Ao nos fazer passar por mentirosos, ao falsear os documentos, pode-se
julgar a desonestidade do P. de... e dos que se apressaram em reproduzir estas
mentiras.. (1 de junho de 1990). --- “Deus é testemunha de que sempre recusamos
assinar estes dois decretos. Se alguém pode lembrar-se disso, este alguém sou
eu e não estes jovens que mal haviam nascido nos tempos do Concílio...!. (20 de
abril de 1990).
Fonte:
http://lamentabili.blogspot.com.br
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