Dom Manoel Pestana Filho
Discurso
pronunciado pelo bispo emérito de Anápolis em Roma (7-5-2010), na The Fatima
Challenge Conference
Excelências,
irmãos padres, religiosos e religiosas,
Não
esperem muito de mim, pois sou baixinho, mas, em suma, devo falar alguma coisa
e me pediram que, ao menos, eu me comunicasse com vocês.
Algo
que me parece sempre incerto é a questão do Concílio Vaticano II. Na última
sessão, da qual participei, uma comissão foi até a Irmã Lucia, em Coimbra, e eu
lhe encaminhei uma pergunta
por escrito. Minha pergunta foi a seguinte: o
terceiro segredo de Fátima tem alguma relação com o Concílio Vaticano II? A
Irmã Lucia respondeu — não a mim, mas a um padre que fora com a comissão — “não
estou autorizada a responder esta pergunta”. Isso é muito interessante. [...] é
um sinal de alguma reserva no terceiro segredo e esta reserva tinha alguma
relação com o Concílio Vaticano II.
Mas,
como reserva com o Concílio Vaticano II? Estudei aqui em Roma, estudei
Teologia, e isso me impressionava muito. Eu também tinha lido dois livros sobre
Fátima, um do padre Marc, e um outro de um padre português, que tinha sido
diretor espiritual num seminário brasileiro. E uma coisa interessante para mim
era entender esta razão. E nesse meio tempo, soube que o Santo Padre Pio XI
desejava reabrir o Concílio do Vaticano. O Cardeal Billot o advertiu:
“Santidade, me parece que isso é um perigo, porque estamos no tempo dos
modernistas e esses modernistas criaram muita confusão na Igreja. Se o concílio
for aberto agora, todos estarão em condição de participar, porque muitos também
eram hierarcas da Igreja e creio que isso seria uma magnífica confusão entre os
teólogos, sacerdotes, religiosos e até o povo, porque todas estas questões que
já haviam sido esclarecidas e algumas condenadas pela Igreja desde Pio X e
também um pouco por Bento XV, estas questões estariam livres para discussão e
creio que não seria bom para a comunicação e para a opinião católica”. Soube
que o Papa levou em consideração o que havia dito o Cardeal Billot — o Cardeal
Billot foi retirado do cardinalato alguns anos depois, mas esta é outra questão
— mas o Papa teria dito sim, [o Cardeal] tem razão.
Soube
também que Pio XII teve uma idéia [sobre um concílio] — estudei quatro anos em
Roma quando ele era Pontífice — mas estas razões [mesmas] lhe fizeram pensar e
naqueles anos ele havia escrito uma carta encíclica Humani Generis,
onde ele condena aberta e duramente todas as posições modernistas, citando,
inclusive, muitos teólogos de seu tempo. Eu depois fiz [...] um trabalho [...]
sobre esta encíclica e situei muitas de suas citações [de autores] que eram
anônimas, mas eram citações, nesta encíclica. Por exemplo, Padre Congar, por
exemplo, Padre Schillebeecxs, e outros. [...], mas o Santo Padre havia
denunciado muitos teólogos que depois fariam sucesso com os seus escritos.
E
por isso creio que o Papa Bento XVI, com sua prudência e sabedoria, não tenha
citado nas obras do Papa Pio XII esta encíclica. É interessante, pois me
perguntaram uma vez: por que o Papa não cita a Humani Generis? Pensei,
pensei, e disse: creio que se o Papa tivesse citado esta encíclica ele criaria
um ambiente de oposição a Pio XII por parte de teólogos famosos que continuam
tendo muita influência nas questões da Igreja e haviam sido grandes homens
famosos, aplaudidos, no Concílio Vaticano II. Para mim foi uma decisão de muita
prudência e sabedoria [...]. Depois, quando a questão da canonização tivesse
avançado, eles tomariam certamente outra posição.
Mas
retornemos. Seria possível que Nossa Senhora tivesse dito que não era de seu
gosto, que não lhe agradava uma realização do Concílio? Eu não sei, mas se pode
pensar. Com isso eu não quero dizer que o Concílio Vaticano não seja legítimo…
e não seja também uma benção para a Igreja.
Não
sei se vocês conhecem este livro de Brunero Gherardini, Concilio Vaticano II
— Un discorso da fare, publicado pelos Franciscanos da Imaculada,
aquela congregação fundada pelo padre Manelli, que é interessantíssimo…
terrível este livro… mas mantém uma posição muito justa, muito bem
fundamentada. Ele diz que no Concílio foram ditas muitas coisas que não são
boas. Um comentarista francês dizia que era necessário distinguir aquilo que
foi dito no Concílio, e foram ditas tantas coisas tolas, por exemplo, quando se
discutia — e com todo respeito — a maternidade divina de Maria e também Maria
mãe da Igreja; um bispo mexicano, Méndez Arceo, provocou risos, muitos risos,
quando disse: “isso não me agrada, pois, se Maria é mãe da Igreja, e se a
Igreja é nossa mãe, Maria não será nossa mãe, mas nossa avó”. Uma piada fora de
lugar, mas, em suma, tudo era possível, e era uma Excelência que falava. E
outras coisas que foram ditas; evidentemente, num ambiente de discussão,
pode-se dizer tanta coisa tola [...] o delito que o homem usa e abusa de dizer
o que pensa. Portanto, é necessário compreendê-lo.
Mas
é ainda mais interessante que muitos daqueles que foram condenados por Pio XII
— De Lubac, De Le Blond, Danielou, Congar, etc — eram homens do dia, atuais,
durante o Concílio.
Mas,
verdadeiramente, eu soube de uma coisa interessante: um professor da
Universidade Gregoriana, que fora responsável pela comissão para os textos
preliminares para o Concílio — Padre Tromp — um teólogo magnífico… Falei com
ele um pouco antes de sua morte. Ele era meu professor na Gregoriana e eu até
fiz um curso especial com ele. E eu perguntei como ele avaliava esta situação e
ele me respondeu o seguinte: o Concílio foi um concílio bastante difícil, muito
difícil, tanta energia desperdiçada, mas, em suma, uma coisa que se deve dizer
é que o Concílio Vaticano II, com todas estas discussões, declarações,
documentos, etc, etc, e também a indicação dada por João XXIII de ser um
concílio pastoral. Até hoje não se compreende bem este sentido, sentido bem
profundo de concílio pastoral. Mas sabemos que não era um concílio de
definições, que terminava assim: “todos que disserem o contrário sejam
anátemas, etc, etc,” como era praxe. Mas era um concílio que tratava questões
católicas, religiosas e mesmo questões não religiosas, mas não concluía mais como
os outros concílios, com condenações, excomunhões. Não era um concílio
dogmático.
Este
sacerdote, que fora nomeado chefe da comissão de redação dos textos
preliminares por João XXIII, me disse: “É incrível que um Concílio assim,
complexo, heterogêneo, no final das contas tenha contribuído para um dos
documentos mais seguros, fundamentais da Igreja. Sim, e ele aludia ao Capítulo
8º da Lumen Gentium. Para o Padre Tromp, este documento seria um
dos maiores documentos de toda a história da Igreja.
Bem,
nesse Concílio havia um homem que eu admirava muito, muitíssimo, tinha lido
várias vezes um de seus livros: “Teologia do Apostolado”, Cardeal Suenens e
que, em suma, me fez sofrer [...]. Ele tomou a posição de comando, um comando
externo, dos bispos da Alemanha e Holanda. Mas, em suma, ele era um mariólogo,
um devoto de Maria e certamente ele é quem inspirou e acompanhou a redação do
capitulo 8º. Bem, por que digo isso? Porque quando Suenens disse: “Santidade,
não somos crianças [...]”. Recebemos uma carta, para logo ler e assinar. Nós
somos bispos, nós somos sucessores dos apóstolos. Sabemos o que fazemos. [...
]. Temos que ler os esquemas e depois vamos discuti-los.
E
João XXIII, vocês sabem disso, se amedrontou e disse: “sim sim, faremos um Concílio
pastoral” Não há Constituições Dogmáticas num Concílio Pastoral. Faremos um
Concílio para discutir as questões do momento, e não as questões de sempre, e
dar a resposta convencida pela prudência e sabedoria evangélica.
O
estudo feito por Gherardini considera todas essas questões e diz claramente: o
Concílio é uma grande graça para o mundo, e também é este concílio, tantas
coisas são ditas, mas não há nenhum peso dogmático. [..] Há coisas que podemos
chamar de incertas… até alguns teólogos depois do Concílio Vaticano II disseram
que a linguagem da teologia de hoje é uma linguagem de incertezas, não há
nenhuma certeza em suas declarações.
Assim,
me parece que isso explica que tantas coisas tenham chegado a nós com muito
pouco fruto. Pelo contrário. Vejamos. Dentro do Concílio Vaticano II, não nas
reuniões, foram feitos acordos com os representantes da Rússia para que não se
falasse do comunismo, não se falasse de Rússia. Mas isso é o contrário da
mensagem de Fátima. O centro da mensagem [...] era a Rússia, da qual virão
grandes males para a Igreja e para o mundo. Mas fizeram um acordo. Ah sim!
Porque havia bispos ortodoxos [para participar do Concílio]. E nós sabemos hoje
que muitos bispos não só na Rússia, mas na Polônia e outros lugares, para não
terem obstáculos da parte do governo comunista, faziam vistas grossas a certas
coisas. Por exemplo: nós sabemos que este escândalo ocorreu na Polônia de um
arcebispo que fora nomeado e que no momento de tomar posse da diocese ele
simplesmente disse: “não, não posso tomar posse, porque encontraram um
documento assinado por mim que me permitia sair da Polônia para estudar em Roma
com a condição de colaborar com o governo sobre as coisas da Igreja que lhe
interessavam.”. Este é o problema. [...] O arcebispo de Kiev, que era um homem
que se aproximou muito de João Paulo I, na última audiência, morreu lá diante
do Papa. Ele não era ninguém menos que um chefe da KGB e era arcebispo de Kiev.
Coronel da KGB. [...] É um trabalho de muito tempo de infiltração na Igreja
Católica, e se pode dizer que também o fato de Judas fazer parte do colégio
apostólico, não disse nada contra Cristo, e no último momento quis lhe trair:
“amigo, a que viestes?”. [...] Há momentos extremos de traição e por isso o
Senhor tem muitos e muitos caminhos. [...]
Por
outro lado, por exemplo, nós sabemos da influência da maçonaria no último
Concílio não foi pouca, porque o próprio Monsenhor encarregado da liturgia —
Bugnini — tinha escrito uma carta ao chefe da maçonaria italiana, dizendo que
pela liturgia havia feito tudo que era possível; tudo aquilo, conforme recebeu
instruções, mais não poderia ser feito. [...] Um padre polonês que encontrou
este ofício o levou imediatamente a Paulo VI, que o mandou para fora de Roma,
na nunciatura no Irã. Até Monsenhor Benelli, que era o braço direito do Papa,
também foi retirado de Roma e estranhamente ambos morreram pouco depois em
circunstâncias misteriosas. Dizíamos que era uma queima de arquivo. Entendem,
não?
Quero
dizer que mesmo os inimigos estando presente dentro da Igreja, isso não deve
nos atemorizar, pois o próprio Cristo já contou aquela parábola [...] do trigo
e do joio juntos e o Senhor disse “deixai crescer”, depois, na hora da colheita
se separará os dois. Pois os maus, como diz Santo Agostinho, ou existem para se
converter ou para nos santificar. E isso é verdade. [...] O Senhor, no antigo
testamento, deixava os povos bárbaros e desumanos presentes e próximos do povo
eleito para garantir a sua fidelidade e seu espírito de sacrifício. E por isso
não devemos de maneira alguma pensar que estes problemas possam abalar a nossa
fé. Absolutamente!
Uma
vez, quando disse um pouco dessas coisas num encontro de bispos, um deles se
levantou e me disse: “Você não crê no Espírito Santo?”. Eu disse: “Creio sim, e
por isso estou aqui, porque creio no Espírito Santo e sei que as portas do
inferno não prevalecerão”. “Eu estarei convosco até o fim do mundo”, tenhamos
esta certeza absoluta, não podemos duvidar daquilo que Cristo disse. Isso seria
um suicídio religioso. Se não creio em Cristo, em que acreditaria? Em meu pai,
em minha mãe, em meu amigo, no Papa? Se não creio em Cristo… e por isso estou
seguro, seguro com armas, com sofrimentos, com sangue, sim, sim, é verdade.
Quando penso, por exemplo, no Pe. Gruner, vejo nele um mártir da Igreja
moderna, sem dúvida. Não se pode compreender a sua vida sem a palavra de Deus
que diz: “o reino dos céus sofre violência, e são os violentos que o alcançam”.
Creio
que poderia dizer — digo como uma palavra minha — suspeitar que o Concílio
Vaticano II está relacionado [...] com o terceiro segredo de Fátima. Alguns de
vocês me dirão: “mas isso não é atual”. Mas é atual sim, pois se nós publicamos
isso, teremos que enfrentar o temor de nossos fiéis que dirão: “O quê? Vocês
não acreditaram?”… Porque me dirão que eu fui fraco, que eu fui estúpido… essas
não são justificativas para que eu possa dizer: “não sou responsável” ou “não
estava nessas coisas”.
[...] victoria
quae vincit mundum: fides nostra. A nossa fé é a vitória que vence o mundo.
Que vence o mundo! Eu estarei convosco até a consumação dos séculos. As portas
do inferno com ela. Nem a maçonaria que é o corpo místico de Satanás, nem as
heresias são realmente a lepra da nossa Igreja, mas que encontram sempre na
graça de Maria e no amor de Cristo um remédio salutar para todos os males, nada
disso me deve fazer perder a coragem ou deixar de lutar.
Um
dia eu falava na conferência dos bispos do Brasil contra o aborto, porque eu
trabalho muito – poderia e deveria ter trabalhado ainda mais. E um bispo me
disse: “Mas Dom Pestana, o senhor tem que entender que não podemos perder tempo
[...] com uma batalha perdida. O aborto vem! Como veio para quase todas as
nações. Não se pode perder tempo com essas coisas”. E eu disse: “Excelência,
Deus não te julga se ganhamos ou não a batalha, mas se lutamos e se lutamos
bem”. E assim penso que vocês estão fazendo, e por isso estou aqui com a alma
renovada, encorajado [...] mesmo com o meu joelho com duas placas de metal.
Deve-se
pensar nisso: eu devo lutar. [...]. Sempre recordo de uma estória, e gosto de
contar estorinhas [...] para ensinar o catecismo. Um elefante corria na África
e, de repente, uma formiga na sua orelha lhe diz: “Elefante, olhe para trás,
veja quanta poeira estamos fazendo”. Nós estamos fazendo. E pensamos que somos
nós que estamos fazendo. E por isso o personalismo no apostolado é um grande
perigo. É Deus quem faz, e só quando os homens se convencerem que Deus faz
aquilo que nós fazemos é que acreditarão em nós. Em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo. Amém.
_________
Tradução: Fratres in Unum.
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