Escutemos
o Papa Pio XII, num passo da encíclica “Humani
Generis”, de
12 de Agosto de 1950:
«É
pois altamente deplorável que hoje em dia desprezem alguns a
filosofia que a Igreja aceitou e aprovou, e que imprudentemente a
tachem de antiquada em suas formas e racionalística, como dizem, em
seus processos. Pois afirmam que essa nossa filosofia defende
erròneamente a possibilidade de uma metafísica absolutamente
verdadeira, ao passo que eles sustentam, contràriamente, que as
verdades, especialmente as transcendentes, só podem ser expressas
por Doutrinas divergentes que mùtuamente se completam, embora
pareçam opor-se entre si. Pelo que concedem que a filosofia ensinada
nas nossas escolas, com a lúcida exposição e solução dos
problemas, com a exacta precisão de conceitos, e com as claras
distinções, pode ser conveniente preparação ao estudo da
Teologia, como de facto o foi adaptando-se perfeitamente à
mentalidade Medieval; crêem porém que não é o método que
corresponde à cultura e às necessidades modernas. Acrescentam ainda
que A FILOSOFIA PERENE É SÓ A FILOSOFIA DAS ESSÊNCIAS IMUTÁVEIS,
ENQUANTO A MENTE MODERNA DEVE CONSIDERAR A “EXISTÊNCIA” DE CADA
UM DOS SERES, BEM COMO A VIDA NA SUA FLUÊNCIA CONTÍNUA. E ao
desprezarem esta filosofia, enaltecem outras, antigas ou modernas,
orientais ou ocidentais, de forma tal a parecer insinuar de que toda
a filosofia, ou Doutrina opinável, com o acréscimo de algumas
correcções ou complementos, se for necessário, harmonizar-se-á
com o Dogma Católico; o que nenhum fiel pode duvidar seja de todo
falso, principalmente quando se trata dos erróneos sistemas chamados
imanentismo ou idealismo, ou materialismo, seja histórico, seja
dialéctico, ou também o existencialismo, tanto no caso de defender
o ateísmo, quanto no de impugnar o valor do raciocínio metafísico.»
Uma
das grandes falsidades que circula nos meios cultos desta pobre
Civilização Ocidental, mas que foi gerada e nutrida, em grande
parte, na falsa Igreja conciliar, traduz-se pela interpretação
evolutiva da filosofia política ocidental, segundo a qual as
concepções democráticas e liberais dos últimos duzentos e
cinquenta anos constituiriam parte integrante de um só princípio
humanista cujas origens residiriam em São Tomás de Aquino; neste
quadro conceptual, a Reforma, a Revolução de 1789, e revoluções
suas derivadas, BEM COMO TODO O CALDO CULTURAL EM QUE SE INSERIRAM,
pertenceriam à MESMA ESPÉCIE da Escolástica Tomista, a qual, neste
caso, teria feito frutificar, ao longo dos séculos, todas as suas
potencialidades filosóficas, morais, e até teológicas.
A ser
assim, então o maldito concílio Vaticano 2, teria operado sòmente
uma ratificação de um processo histórico-filosófico, cuja
responsabilidade e vitalidade essencial irradiaria do Tomismo.
Na
realidade não é assim; o TOMISMO É INCOMENSURÁVEL COM QUALQUER
FILOSOFIA MODERNA. Em tudo.
Em primeiro lugar NA SUA
OBJECTIVIDADE. São Tomás evita dizer: eu penso assim, eu não penso
assim; São Tomás diz: isto é, isto não é. SÃO TOMÁS AFIRMA-SE,
PEREMPTÒRIAMENTE, MEDIDO PELA REALIDADE, A QUAL, NA SUA TOTALIDADE,
É MEDIDA POR DEUS UNO E TRINO; ao passo que os modernos procedem
como se medissem, não apenas a realidade, mas o próprio Deus, e o
primeiro a fazê-lo foi Lutero com a tese do livre-exame.
O
Tomismo é TEOCÊNTRICO; Aquele que É, É por Si mesmo, na Sua
Asseidade Infinita, na Sua Santidade Infinita, na Sua Vida Infinita,
na Infinita fecundidade das Suas Três Pessoas. Pelo contrário, o
Homem e o Anjo NÃO SÃO O SEU SER, NÃO POSSUEM EM SI MESMOS A RAZÃO
DA SUA EXISTÊNCIA. Já para os modernos tudo gira à volta de uma
dignidade do Homem concebida em si mesma e por si mesma, quando
afinal qualquer virtude humana, natural e Sobrenatural, encontra todo
o seu fundamento em Deus Uno e Trino.
As
chamadas filosofias modernas são todas antropocêntricas, não
apenas entronizando a Humanidade, mas de alguma forma divinizando-a,
considerando-a emanação evolutiva de “deus” o qual nela
tomaria plena consciência de si próprio. O Tomismo afirma,
terminantemente, que a liberdade humana deve ser, essencialmente,
MEDIDA PELA VERDADE E PELO BEM OBJECTIVOS, e que tudo o mais não é
ser, mas privação qualificada de ser; contraditòriamente, os
modernos consideram a liberdade como expressão ontológica da
criatividade de cada ente, ou do seu ponto de vista sobre o Universo,
ou ainda como edificação da própria essência. Consideram ainda
que a expressão numérica do fruto das liberdades individuais deve
constituir a norma de governo em cada unidade política. O Tomismo
considera ainda que a Fé Teologal é constitutiva da adesão
cognitiva e Sobrenatural da inteligência, A VERDADES RAZOÁVEIS
OBJECTIVAMENTE REVELADAS POR DEUS, não pela sua evidência
intrínseca, mas sob a acção da Graça, e por imposição soberana
da vontade, também iluminada pela Graça; muitas dessas Verdades
Reveladas constituem verdadeiros Mistérios Sobrenaturais, os quais
são ontològicamente superiores, mas não contrários, à razão; ao
invés, os modernos consideram, tendencialmente, a fé, COMO CRIANDO,
NATURALÌSTICAMENTE O SEU PRÓPRIO OBJECTO.
Neste enquadramento,
entre o Tomismo e as filosofias modernas existe, não uma
continuidade, mas UMA TOTAL ROTURA REVOLUCIONÁRIA. É falso que São
Tomás tenha colocado no povo a fonte formal do poder; poderá, em
certos casos, a fina-flor de uma unidade política designar aquele
que, por exemplo, fundará uma nova dinastia, MAS NÃO CONSTITUI, DE
MODO NENHUM, A FUNÇÃO.
Não deixa de ser verdade, infelizmente,
desgraçadamente, que certos representantes da Escolástica
decadente, como Vitória (1492-1546) e Suarez (1548-1617),
hipertrofiaram desordenadamente a autonomia dos factores
Histórico-Naturais, sem compreenderem aquilo que para São Tomás
era evidente, QUE A ORDEM NATURAL, SEM PERDER A SUA AUTONOMIA, ESTÁ
VERDADEIRAMENTE, ESSENCIALMENTE, SUBMETIDA À ORDEM SOBRENATURAL.
Apresentando
como exemplo as civilizações pré-colombianas das Américas,
Vitória conferia-lhes, quase herèticamente, um estatuto de
independência religiosa face ao Império Espanhol, portador que era
da Civilização Cristã. É evidente que o domínio espanhol não
deveria servir interesses políticos comerciais e materialistas, mas
sòmente os interesses da Soberania de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Neste quadro conceptual, o domínio político inerente a essas
civilizações, mesmo que fosse legítimo na esfera natural, deveria
ceder em tudo o que fosse necessário à imposição da civilização
cristã. Todavia não constituía um domínio legítimo na Ordem
Natural, porque esses povos pecavam, institucionalmente, contra a
própria Lei Natural, pelos sacrifícios humanos, por exemplo.
Perante o argumento, utilizado por Vitória, de que também os povos
de tradição cristã-católica pecavam muitas vezes contra a Lei
Natural, pode-se perfeitamente retorquir que pecavam, sim, MAS NÃO
INSTITUCIONALMENTE, pois viviam em regimes CONSTITUTIVAMENTE
cristãos, mesmo que frequentemente as Leis não fossem
cumpridas.
Perante o que fica dito, é notória uma rotura de
Vitória e Suarez com São Tomás. E também se não afirme que São
Tomás colheu elementos no pagão Aristóteles, legitimando assim o
carácter laico da filosofia moderna; São Tomás tomou MATERIALMENTE
certos elementos filosóficos pagãos, mas de um paganismo
PRÉ-CRISTÃO, NÃO PÓS-CRISTÃO E ANTI-CRISTÃO. Como dizia o
filósofo Etienne Gilson (1884-1978): São Tomás de Aquino refutou
(formalmente) Aristóteles, com os mesmos elementos que dele tomou
(materialmente) de empréstimo. Além disso, São Tomás tomou de
Aristóteles elementos FILOSÓFICOS, NÃO RELIGIOSOS – ISTO É
ABSOLUTAMENTE FUNDAMENTAL.
Donde se infere: o pensamento moderno
não constitui uma evolução homogénea do pensamento medieval –
MAS UMA REVOLUÇÃO TOTALMENTE HETEROGÉNEA. Note-se que só estamos
a considerar o pensamento liberal-democrático, não o pensamento
marxista, se bem que este constitua um corolário lógico do
primeiro, e possua a particularidade de não ter logrado tantos
êxitos na sua luta contra a religião como o pensamento liberal –
é que este actua PELA SEDUÇÃO, SECANDO TUDO À SUA VOLTA, AO PASSO
QUE O MARXISMO, AO PROVOCAR MÁRTIRES, SEMEIA NOVOS CRISTÃOS.
A
grande tragédia do marxismo é o seu finitismo, o seu inevitável
eterno retorno; efectivamente, se o finito individual exprime
dialècticamente a verdade da Ideia, como da História, uma tal
expressão constituirá sempre um círculo fechado sobre si mesmo,
uma espécie de eternidade contingente, mas cíclica, pois é uma
incoerência profunda do sistema marxista supor uma descontinuidade
essencial no processo, então como podem os marxistas explanar o seu
“Paraíso escatológico” a sua sociedade comunista? É o que
acontece à razão humana quando opera CONTRA A RAZÃO DIVINA.
Na
Teologia Católica não existe nenhum círculo temporal fechado, o
tempo é linear e teve um início com a Criação – terá também
um fim com a Consumação. Não devemos conceber o nosso tempo de
prova, neste pobre mundo, como um passado em relação à Eternidade,
esta não se mede ou avalia pelo tempo, que constitui uma forma
degradada de duração, avalia-se pelo Ser. Nós já possuímos a
Eternidade em nós, na essência da nossa alma, mesmo no plano
natural, pois que a nossa duração é uma síntese qualificada entre
o tempo físico e corruptível, próprio da matéria, e a
eviternidade da nossa alma; porque Eterno, em sentido estrito, só
Deus, que não tem princípio, nem fim; eviternos, são os espíritos
criados, Anjo e Homem, pois chamados a ser, nunca poderão ser
aniquilados, pois mesmo os condenados conservam a sua dignidade
ontológica de entes criados por Deus, é aliás essa mesma dignidade
ontológica que exige a conservação do condenado e o seu castigo,
para punir a sua maldade operativa – a aniquilação procederia
contra a Glória extrínseca de Deus.
LOUVADO
SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO
Lisboa,
8 de Julho de 2014
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