Dom Lourenço Fleichman OSB
O
que me leva a escrever hoje é a constatação, cada dia mais
evidente, da dificuldade que as famílias católicas têm para viver
neste mundo enlouquecido e transviado. O espetáculo que estamos
assistindo, e que não se limita ao carnaval, mas ao ano todo, e a
todos os anos, é de meter medo. Nossas famílias, nossas melhores
famílias, não conseguem se isentar deste mundo. Todos pactuam
com práticas diversas de destruição do que resta de decência e de
família. Digo "família" porque já não há mais nada de
sociedade a ser preservado, já não temos mais o que defender! Tudo
está destruído. Mas talvez ainda possamos lutar dentro de nossas
famílias, ou dentro de nossos corações.
Ora,
é justamente esta constatação da destruição de todas as
realidades sadias da antiga sociedade que explica a dificuldade
das pessoas em não se contaminar. Explico.
Dentro de uma
sociedade em vias de corrupção, as pessoas teriam de sair de casa
tomando certos cuidados para não serem contaminadas: cuidados com os
outdoors, com as bancas de jornal, com o convívio no trabalho, e até
mesmo com os assaltos na rua. Dentro de suas casas, haveria
necessidade de lutar constantemente contra os programas de televisão,
tomar cuidado com o tipo de gibi ou de video-game que compra para os
filhos. Dentro de uma sociedade assim, indiferente a Deus e apóstata
da Santa Religião Católica, os pais de família teriam de trazer
para seus filhos um bom catecismo, uma Capela onde se celebre a Santa
Missa Tridentina, onde o catecismo fosse ensinado segundo a doutrina
de sempre da Igreja.
Mas
não é numa sociedade em vias de decadência, que nós vivemos. E é
nesse ponto que se encontra o erro de tantos pais. Ao achar que a
questão é de grau de corrupção, eles procuram defender suas
famílias sem no entanto tirá-las do ambiente em que estão sendo
corrompidas.
Vejam bem o que quero dizer: nossa sociedade já não
tem mais nada que mereça a nossa atenção. Os valores em voga nessa
sociedade formam um esgoto nojento e fedorento que emporcalha tudo e
todos. Não há como escapar! Você sai na rua, você vai ao médico,
você compra um jornal, você é engenheiro, ou advogado, ou
motorista de ônibus, o que seja, o que se faça, na rua ou dentro de
casa, o esgoto se espalha, contamina, agarra-se em nossas peles,
transmite o seu cheiro insuportável. E é tal a realidade disso que
estou dizendo, que, estando todos contaminados, estando todos sujos e
fedorentos nas entranhas de nossos costumes e de nossos interesses,
os homens não sentem mais o fedor de si mesmos! Todos agem,
pensam, falam, com os critérios da lama e da cloaca.
A
tendência que nós teríamos, seria a de querer comparar todas essas
realidades com os critérios da nossa antiga formação. Falaríamos
do funk comparando com outros tipos de música: – Ah!, na minha
época não era assim! Falaríamos das pichações, e do
homossexualismo, e do nudismo nas ruas, e do sexo desenfreado e
vagabundo, do aborto e das clonagens, sempre comparando,
comparando...com o quê? Até quando?
Não,
não podemos nos enganar. Não é mais possível esse tipo de
sem-vergonhice. É preciso ter a coragem de dizer, de pensar, de
saber: acabou! O mundo como nossos pais nos ensinaram já não existe
mais. E se os homens ainda votam (meu Deus, ainda se acredita na
mentira da "democracia"!!), se os políticos ainda nos
governam, é por simples reflexo dos nervos da defunta sociedade
liberal e apóstata.
Outro
dia me contaram mais uma vez o caso de um professor de universidade,
casado, bom pai de família. As mulheres da faculdade avançam sobre
os homens, sem querer saber se é casado, se não é;
umas dez para cada um, que falam com os homens já se encostando, já
se entregando. E a pessoa que me contava isso, dizia: "elas já
perderam tudo". Eu procurei mostrar ao meu interlocutor que, ao
contrário, essas mulheres não perderam nada, porque não há nada
mais a ser perdido. Perder, para um católico, é considerar que as
mulheres, dentro de uma sociedade com critérios de bem e de mal, de
virtudes e de vícios, abandonaram completamente os primeiros e vivem
pelos segundos. Mas não é esse o fenômeno que assistimos. O que
existe, de fato, é uma sociedade onde o bem e o mal não se opõem,
onde não há virtudes e vícios, onde tudo é permitido, onde tudo é
"bom". De modo que essas mulheres não agem assim por
perversão delas. Não são maus elementos da boa sociedade. É a
própria sociedade que é má, que é perversa. Elas nada mais fazem
do que viver segundo os critérios desse mundo. Eis um exemplo que
vem reforçar o que dizia acima, sobre o esgoto que está pelos ares,
no ar que respiramos, nas conversas que temos, na casas como na rua.
E mais
uma vez, espantados e agradecidos, é em São Paulo que vamos
encontrar a explicação desse tremendo mal, desta horrível provação
que é hoje pedida aos que querem se salvar:
«Porque
nós não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas sim contra
os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo
tenebroso, contra os espíritos malignos espalhados pelos ares».
Vejam
bem, o Apóstolo desdenha quase dos pecados pessoais, da carne e do
sangue, para nos advertir sobre um tempo em que o mal estaria
espalhado pelos ares. Que coisa impressionante! Que revelação
tremenda recebeu de Deus São Paulo.
E o que é que ele nos
recomenda para uma situação tão tenebrosa? O combate, a
guerra, a espada. Mas não podemos combater simplesmente com as armas
comuns que usamos contra a tentação:
«Portanto
tomai a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau, e
ficar de pé, depois de ter vencido tudo».
É,
portanto, uma armadura, que nos cubra dos pés à cabeça, que nos
leve à vitória total, sobre tudo, ou seja, sobre a própria
sociedade erigida pelo demônio, pelo Anticristo, para a perda e
condenação dos justos. Porque os maus, meus filhos, já estão
condenados há muito tempo. O que o diabo não suporta é que haja
ainda alguns loucos resistindo e querendo o Reino de Deus.
Que
haja, ainda, alguns doidos excomungados pela nova Religião de
Vaticano II, conivente e "aberta para o mundo", que preguem
o verdadeiro Evangelho de Cristo. Isso ele não suporta. Seu ódio
mortal distila sobre esse esgoto do mundo uma saliva fétida e
corruptora, que só o torna pior; porém, cheio de astúcias, o torna
também mais enganador. E é assim que, insistindo em dizer que o
mundo ainda é o mesmo, que as mulheres "perderam tudo",
que em outras épocas "não se ouvia funk", e coisas
desse tipo, Satanás vai enganando os bons. E quem são os bons? São
vocês. São vocês, que querem permanecer católicos, mas querem
conviver com o mundo; que querem agradar a Deus, mas não rechaçam
os prazeres mundanos. Que assistem à Missa verdadeira, mas acham que
os protestantes são piedosos! Que lutam contra os pecados da carne,
mas deixam seus filhos nas boates e na televisão.
E
essa gente enganadora, esses cúmplices do demônio, Anticristos
dessa nova sociedade má, declaram para quem quer ouvir isso que
estou aqui denunciando.
Estando
eu, numa sala de família onde alguém assistia a uma entrevista na
televisão, o entrevistado, creio que falando em francês, espécie
de artista já de idade, com uns cabelos brancos compridos, virou-se
para a câmara e deu seu recado final, sua saudação alegre,
sorridente, para os estúpidos que o admiram. Abriu os braços como
quem mostra o mundo, e num sorriso simpático repetiu três vezes,
lentamente, e com um gesto cada vez mais abrangente: Merde, merde,
merde!
Que
me desculpem os ouvidos pudicos. Mas diante de certas realidades, só
o palavrão pode exprimir a realidade. E ele deve ser dito, para
evitar que uma palavra mais amena nos engane sobre a gravidade
da coisa. Foi isso que ele disse, e disse bem, pois é esse o mundo
que ele prega, é essa a cultura que ele produz, é esse o fedor e a
cloaca de que eu falava acima.
E é por isso que os nossos, que os
bons pais de família, não conseguem vencer os atrativos do mundo. É
por isso que eles abrem as portas de suas casas e deixam entrar este
ar tenebroso e fedorento. É porque está já tudo coberto por esta
substância, de modo que nem os bons conseguem mais distinguir os
perfumes da alma santa, da Igreja santa, da família católica.
Mas
eis o que Deus nos revela como sendo nossa atitude diante
desse quadro:
«E ouvi outra voz do céu que dizia: Saí dela,
povo meu, para não serdes participantes dos seus delitos e
para não serdes compreendidos nas suas pragas» (Apoc. 18, 4)
No
início do ano, em conversa com as famílias da Capela Nossa Senhora
da Conceição, mostrei a elas que para manter-se fiel à Fé e
perseverar na busca da salvação, diante do quadro avassalador em
que se encontram nossos filhos, era necessária uma cumplicidade
voluntária entre os pais e o padre. É preciso hoje, que os
pais trabalhem em conjunto com o sacerdote, querendo ouvir as
orientações a que a moral católica nos obriga. Querendo estudar a
doutrina, querendo que seus filhos sejam orientados, que tenham
contato constante com o padre e com a Capela. Essa cumplicidade
precisa ser vivida de modo prático e eficaz, na busca da oração,
do Santo Terço dentro de casa, da fuga desse mundo corrompido e
contagiante que está carregando de roldão o que vocês têm de mais
amado, que são seus filhos. E vocês não estão conseguindo conter
a avalanche, e estão se inclinando a achar que é assim mesmo, que
todo mundo faz... e o mundo vai tendo cada dia maior presença em
suas casas.
Cumplicidade
significa renunciar a certas facilidades, a certos confortos, a muita
televisão, a um comportamento indecente e imoral que se manifesta
nas roupas, nas atitudes, nos gestos, no sexo precoce e pecaminoso.
Cumplicidade é impedir, sim!, impedir que seus filhos ouçam esses
funks e coisas semelhantes que só fazem arrebentar todas as forças
espirituais da alma, movendo a carne para a sensualidade e para o
pecado.
Cumplicidade
significa organizar o lar de modo a que as atividades sejam
orientadas; mas para isso, é preciso perder tempo, perder muito
tempo, num esforço difícil mas necessário, organizando biblioteca
e videoteca capazes de entreter seus filhos no bem. Vejam! O que eu
entendo ser uma guerra para salvar seus filhos, é a presença da mãe
junto deles, cada dia mais necessária, justamente no momento em que
elas são cada dia mais empurradas para fora de casa, abandonando
seus filhos, que vão ser criados numa creche ou por uma empregada. A
mãe é chamada hoje, não é ao fogão e ao tanque, não
senhoras! É a um trabalho estafante, na rua, indo de livraria em
livraria, de sebo em sebo, recolhendo livros bons, que sejam
formadores de valores morais; comprando filmes que tragam algum
proveito de vida e de moral para os próprios pais e para seus
filhos. O que as mães precisam fazer é formar-se na Universidade da
Família, aprendendo a contar histórias, a brincar de roda, a
inventar atividades e passeios, a ensinar música para seus filhos.
Se fosse para fazer isso como educadoras, como diretoras de uma
firma, como vendedoras de uma loja, aí elas ficariam encantadas...
mas como é dentro de casa, ou pelo menos, como é para ser aplicado
dentro de casa, elas reclamam, e querem a rua, querem o mundo....
Coisa estranha! Estranha contradição. Dizem que amam seus filhos,
mas não querem estar a seu lado, na educação, à serviço de suas
alminhas inocentes ameaçadas de morte prematura.
Creio
que este papel reservado às mães, traria outras vantagens para seus
filhos. Pois é evidente que duas ou três mães poderiam
perfeitamente se juntar e trabalhar em conjunto, revezando-se talvez
nas tardes ou manhãs livres, para juntar seus filhos em passeios e
atividades. Logo apareceria uma que sabe tocar um instrumento, e eis
que começa umas aulas de música, nessa idade delicada dos cinco ou
seis anos, em que começa a formação musical e artística.
Parece
ilusório o que lhes proponho? Talvez pareça ilusório porque as
mães já não estão habituadas a esse esforço. Afinal, como é
simples apertar um botão de televisão ou computador, e eis o
silêncio das ovelhinhas instalado no lar ... indo para
o matadouro!
Não me parece ilusório porque são atividades
próprias aos educadores, e os pais são educadores por obrigação e
por graça de estado.
E
se a objeção é o orçamento do lar, que a mãe precisa trabalhar
senão não fecham as contas no fim do mês, respondo que são poucos
os casos em que há verdadeira necessidade. O que se vê, em geral, é
a busca cada vez maior de ter, de possuir, de gastar, num vício
desenfreado que vai contra a virtude da pobreza. Diminuam as
necessidades, e que os maridos sejam mais eficazes nos seus
trabalhos, pois cabe a eles a cumplicidade de fazer o possível para
que a mãe possa criar seus filhos.
Lembrem-se
que os filhos não são bonecos bonitinhos que só servem para
satisfazer o orgulho e o amor-próprio dos pais, bonecos que se
encostam numa creche ou numa televisão para que não atrapalhem o
resto do dia. Ter filhos é obrigação de todo casal, e educar é
carregar a Cruz de Nosso Senhor, abandonando a vontade própria para
transmitir a Fé verdadeira, a verdade natural e sobrenatural, a
moral de Deus e o amor ao próximo.
E
para completar este combate onde as mães devem ser leoas rugindo
contra o mundo devorador, onde os pais devem ser leões fortes e
trabalhadores no sustento do lar, onde a família se encontra em
todas as atividades, do ritual das refeições em comum, passando
pela oração em comum para chegar à Santa Missa, venho exortá-los,
agora, a que recebam a bênção do Sagrado Coração sobre as
famílias, a Entronização no Lar do Sagrado Coração, como sendo a
retaguarda espiritual dessa guerra tremenda e constante, onde
as forças espirituais devem ser preservadas, para que a vida natural
não se perca seguindo os passos do demônio e do Anticristo. Façam
a Entronização, façam a Renovação anual, e venham para a Capela,
venham na 1ª Sexta, no 1º Sábado, receber de Nosso Senhor o
Alimento Sacramental que nos dá a força sempre viva da Fé, da
Esperança Teologal no sucesso e na Vitória, e a Caridade que é o
próprio Deus vindo dentro de nós num dom de Si mesmo, como Amor
Substancial. Que a Virgem Maria, Nossa Senhora da Conceição lhes dê
forças para combater. É preciso desejar a vida eterna
apaixonadamente, sem descanso. Não esmoreçam, pois o Senhor bate,
já está às portas; Ele colhe, e queimará a erva daninha que não
servir para o seu Celeiro.
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