Em
1970, em Prólogo redigido para a edição argentina de seu livro
“Revolução e Contra-Revolução”, o Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira mostrava a relação existente entre a devoção a Nossa
Senhora e a temática de seu estudo. Em nossa edição de agosto/1989
(n" 464) reproduzimos o mencionado tema. O mesmo Prólogo,
entretanto, contém alguns rasgos importantes da tenda e obra do
grande apóstolo mariano do século XVIII, São Luís Maria Grignion
de Montfort, cuja festa se comem
ora neste mês. Sendo a presente
matéria ainda medita no Brasil, aproveitamos esta ocasião para
levá-la ao conhecimento de nossos leitores. Os subtítulos são
nossos.
Plinio Corrêa de Oliveira
MUITOS
SÃO HOJE - fora dos meios progressistas, é claro - os católicos
que conhecem e admiram a obra do grande e fogoso missionário popular
do século XVIII, São Luís Maria Grignion de Montfort.
Nasceu
ele em Montfort-La-Cane (Bretanha, França) no ano de 1673. Ordenado
sacerdote em 1700, dedicou-se até sua morte, no ano de 1716, à
pregação de missões para as populações rurais e urbanas da
Bretanha, Normandia, Poitou, Vendéia, Aunis, Saintonge, Anjou,
Maine. As cidades em que pregou, inclusive as mais importantes,
viviam em grande medida da agricultura, e estavam profundamente
marcadas pela vida rural. De maneira que São Luís Maria, se bem que
não tenha pregado exclusivamente para camponeses, ainda pode ser
considerado essencialmente um apóstolo das populações rurais.
Em
suas pregações, que em termos modernos poderiam chamar-se sumamente
aggiornate, ele não se limitava a ensinar a Doutrina Católica em
termos que servissem para qualquer época e qualquer lugar, mas sabia
dar realce aos pontos mais necessários para os fiéis que o ouviam.
O
gênero de seu aggiornamento deixaria provavelmente desconcertados a
muitos dos prosélitos do aggiornamento moderno. Os erros de seu
tempo, ele não os via como meros frutos de equívocos intelectuais
oriundos de homens de boa fé insuspeitável: erros que por isso
mesmo um diálogo destro e ameno sempre dissiparia. Capaz do diálogo
afável e atraente, ele não perdia de vista, entretanto, toda a
influência do pecado original e dos pecados atuais, bem como a ação
do príncipe das trevas, na gênese e no desenvolvimento da imensa
luta movida pela impiedade contra a Igreja e a Civilização Cristã.
A célebre trilogia demônio, mundo e carne, presente nas reflexões
dos teólogos e missionários de boa lei em todos os tempos, tinha-as
ele em vista como um dos elementos básicos para o diagnóstico dos
problemas de seu século. E assim, conforme as circunstâncias o
pediam, ele sabia ser ora suave e doce como um anjo mensageiro da
dileção ou do perdão de Deus, ora batalhador invicto, como um anjo
incumbido de anunciar as ameaças da Justiça Divina contra os
pecadores rebeldes e endurecidos. Esse grande apóstolo soube,
alternadamente, dialogar e polemizar, e nele o polemista não impedia
a efusão das doçuras do Bom Pastor, nem a mansidão pastoral diluía
os santos rigores do polemista.
Estamos,
com este exemplo, bem longe de certos progressistas, para os quais
todos os nossos irmãos separados, heréticos ou cismáticos, estão
necessariamente de boa-fé, enganados por meros equívocos, de modo
que polemizar com eles é sempre um erro e um pecado contra a
caridade.
Mundanismo
e jansenismo coligados
A
sociedade francesa dos séculos XVII e XVIII (nosso Santo viveu, como
dissemos, no ocaso de um e nas primeiras décadas do outro) estava
gravemente enferma. Tudo a preparava para receber passivamente a
inoculação dos germens do Enciclopedismo e em seguida desabar na
catástrofe da Revolução Francesa.
Apresentando
aqui um quadro circunscrito dessa época e portanto forçosamente
muito simplificado -- indispensável, não obstante, para compreender
a pregação de nosso Santo -- pode dizer-se que nas três classes
sociais, clero, nobreza e povo, preponderavam dois tipos de alma: os
laxos e os rigoristas. Os laxos, tendentes a uma vida de prazeres que
conduzia à dissolução e ao ceticismo. Os rigoristas, propensos a
um moralismo hirto, formal e sombrio, que conduzia ao desespero,
quando não à revolta. Mundanismo e jansenismo eram os dois polos
que exerciam uma nefasta atração, inclusive em meios reputados dos
mais piedosos e moralizados da sociedade de então.
Um
e outro -- como tantas vezes acontece com os extremos do erro
--conduziam a um mesmo resultado. Com efeito, cada qual por seu
caminho afastava as almas do são equilíbrio espiritual da Igreja.
Esta, efetivamente, nos prega, em admirável harmonia, a doçura e o
rigor, a justiça e a misericórdia. Ela nos afirma, por um lado, a
grandeza natural autêntica do homem -- sublimada por sua elevação
à ordem sobrenatural e sua inserção no Corpo Místico de Cristo --
e por outro lado nos faz ver a miséria em que nos lançou o pecado
original, com toda a sua sequela de nefastas consequências.
Nestas
condições, nada é mais normal do que a coligação dos erros
extremos e contrários contra o apóstolo que pregava a Doutrina
Católica autêntica: o verdadeiro contrário de um desequilíbrio
não é o desequilíbrio oposto, mas o próprio equilíbrio. E assim,
o ódio que anima os sequazes nos erros opostos não os lança uns
contra os outros, mas lança-os contra os apóstolos da Verdade. Isto
máxime quando essa Verdade é proclamada com uma vigorosa franqueza
e põe em realce os pontos que discrepam mais agudamente dos erros em
voga.
Austeridade
e ternura na pregação de um santo
Exatamente
assim foi a pregação de São Luís Maria Grignion de Montfort. Seus
sermões, pronunciados em geral ante grandes auditórios populares,
culminavam não raras vezes com verdadeiras apoteoses de contrição,
de penitência e de entusiasmo. Sua palavra clara, flamejante,
profunda, coerente, sacudia as almas amolecidas pelos mil graus de
frouxidão e sensualidade que naquela época se difundiam a partir
das classes mais altas para as demais camadas da população. No fim
de seus sermões, os ouvintes frequentemente reuniam na praça
pública pirâmides de objetos frívolos ou sensuais e de livros
ímpios, aos quais punham fogo. Enquanto ardiam as chamas, nosso
infatigável missionário fazia novamente uso da palavra, incitando o
povo à austeridade.
Esta
obra de regeneração moral tinha um sentido fundamentalmente
sobrenatural e piedoso. Jesus Cristo crucificado, seu Sangue
precioso, suas Chagas sacratíssimas, as Dores de Maria, eram o ponto
de partida e o término de sua pregação. Por isto mesmo promoveu em
Pontchâteau a construção de um grande Calvário, o qual deveria
ser o centro de convergência de todo o movimento espiritual por ele
suscitado.
Na
Cruz via nosso Santo a fonte de uma superior sabedoria, a Sabedoria
cristã, que ensina o homem a ver e a amar nas coisas criadas
manifestações e símbolos de Deus; a sobrepor a Fé à razão
orgulhosa, a Fé e a reta razão aos sentidos rebelados, a Moral à
vontade desregrada, o espiritual ao material, o eterno ao contingente
e transitório.
Porém,
este ardoroso pregador da austeridade cristã genuína nada tinha da
austeridade taciturna, biliosa e estreita de um Savonarola ou de um
Calvino. Ela era suavizada por uma terníssima devoção a Nossa
Senhora.
Pode-se
dizer que ninguém levou mais alto do que ele a devoção à Mãe de
Misericórdia. Nossa Senhora, enquanto Mediadora necessária - por
eleição divina - entre Jesus Cristo e os homens, foi o objeto de
seu contínuo enlevo, o tema que suscitou suas meditações mais
profundas, mais originais. Nenhum crítico sério pode negarlhes a
qualificação de inesperadamente geniais. Em torno da Mediação
Universal de Maria - hoje verdade de Fé - São Luís Maria Grignion
de Montfort construiu toda uma mariologia que é o maior monumento de
todos os séculos à Virgem Mãe de Deus.
São
estes os principais rasgos de sua admirável pregação.
Toda
esta pregação está condensada nos três trabalhos principais
escritos pelo Santo: "O Amor da Sabedoria Eterna", o
"Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem", a
"Carta Circular aos Amigos da Cruz", uma espécie de
trilogia admirável, toda de ouro e de fogo, da qual se destaca, como
obra prima entre as obras primas, o "Tratado da Verdadeira
Devoção à Santíssima Virgem".
Por
estas obras, podemos dar-nos conta do que foi a substância da
pregação de São Luís Maria Grignion de Montfort.
Preparou
a reação contra a Revolução Francesa
Nosso
Santo foi um grande perseguidor. Este traço de sua existência é
assinalado por todos os seus biógrafos.
Um
vendaval furioso se ergueu contra sua pregação, movido pelos
monda-nos, pelos céticos enfurecidos ante tanta Fé e tanta
austeridade, e pelos jansenistas, indignados ante uma devoção
insigne a Nossa Senhora, da qual dimanava uma suavidade inexprimível.
Daí o torvelinho que levantou contra ele, por assim dizer, toda a
França.
Não
raras vezes, como sucedeu um 1705, na cidade de Poitiers, seus
magníficos "autos-de-fé" contra a imoralidade foram
interrompidos por ordem de autoridades eclesiásticas, que evitavam
assim a destruição desses objetos de perdição. Em quase todas as
dioceses da França foi-lhe negado o uso de ordens. Depois de 1711,
só os Bispos de La RocheIle e de Luçon permitiram-lhe a atividade
missionária. E, em 1710, Luís XIV ordenou a destruição do
Calvário de Pontchâteau.
Ante
esse imenso poder do mal, nosso Santo revelou-se profeta. Com
palavras de fogo, denunciou os germens que minavam a França de
então, e vaticinou uma catastrófica subversão que deles haveria de
derivar. O século em que são Luís Maria morreu não terminou sem
que a Revolução Francesa confirmasse, de modo sinistro, suas
previsões.
Fato
ao mesmo tempo sintomático e que entusiasma: as regiões em que
nosso Santo teve liberdade de pregar sua doutrina e em que as massas
humildes o seguiram, foram aquelas em que os "chouans" se
levantaram, com armas na mão, contra a impiedade e a subversão.
Eram os descendentes dos camponeses que haviam sido missionados pelo
grande Santo, e preservados assim dos germens da Revolução.
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