Gustavo Corção
Foi
num dos anos 40 . A pedido de Alceu Amoroso Lima formulado em abril
de 1941, no Mosteiro de São Bento, no dia do Batismo de minha
filha Maria Luisa - já assumira eu a vice-presidência do
centro Dom Vital e a direção da revista A Ordem, com o
apoio de Fábio Alves Ribeiro. Poucos anos depois tive a sorte
de adoecer, creio que uma inflamação de vesícula
biliar, que me obrigou a ficar meio acamado, e forçado a
interromper por alguns dias a cadeia tirânica de aulas e aulas.
Benditas
cólicas, naquele tempo já nos abríramos, Fábio
e eu, sobre o mal-estar que nos causavam certas singularidades do
movimento litúrgico, que não nos soavam como de bom
quilate católico . Nessa semana de resguardo, Fábio
trouxe-me diversos livros, entre os quais dois volumes de Garrigou
Lagrange: Perfection Chrétiene et Contemplation, que
me
abriram as portas da luminosa síntese do tomismo e do carmelo,
colunas místicas católicas erguidas por tão
grandes santos: Santo Tomás, Santa Catarina de Sena, São
João da Cruz, Santa Teresa d'Ávila, Santa Teresinha do
Menino Jesus, lado a lado, e com o mesmo embasamento da grande
tradição beneditina que está na base de todo
arcabouço místico que se diferenciou naquelas correntes
que deram à Igreja o grande esplendor de santidade que até
hoje orienta as almas que se gloriam na Cruz de Nosso Senhor.
Aprendi
e passei a ensinar durante vinte anos no Centro Dom Vital, que a vida
de mais amorosa procura da perfeição é a
contemplação, pela qual a alma se deixa conduzir "pela
modo dos dons, mais do que pelo trabalho e esforço, no modo
das virtudes". E é nas casa religiosas fechadas em torno
do único Necessário, que se realizou melhor esta
entrega total que Cristo mesmo define: 'Maria escolheu a melhor parte
".
E
hoje retomando o velho livro do mestre querido, que durante vinte
anos ensinou no grande movimento de Meudon, animado por Jacques e
Raíssa Maritain, leio a belíssima epígrafe que,
deste a primeira página, ilumina a obra inteira: "Optavi
et datus est mihi sensus; et invocavi et venit in me spiritus
sapientiae" Sab. VIII, 7). "Optei (escolhi, quis) e foi-me
dado o senso, o gosto ; invoquei, pedi, e sobre mim desceu o espírito
de sabedoria".
Onde
se vê que o dom da sabedoria, que pareceria diretamente e antes
de tudo ligado à inteligência das coisa mais altas,
aparece-me aqui, antes de tudo e diretamente ligado a um ato de
vontade, ato de amor, opção primeira e decisiva da
alma. Daí, desse vértice supremo, o dom do dons
comandará todos os outros que harpejam as cordas da alma
agraciada: dom da inteligência para a mais espontânea e
fulmíneo entendimento da palavra de Deus, o dom da esperança,
para avivar o gosto das promessas e adestrar a alma no desapego das
coisas deste mundo, e lembrar vivamente que "o meu Reino não
é deste mundo", o dom da ciência ligado à Fé
e à Esperança que realça o tudo de Deus contra o
nada da criatura; e os demais que contemplam a obra do Espírito
que em nós opera. O dom dos dons que o termo do livro santo,
optavi, prende diretamente à vontade, é aquele mesmo a
que se refere Jesus, quando disse que Maria escolheu a melhor parte.
Se no frontão de todos os conventos ou na porta de todos os
religiosos devêssemos escrever uma só palavra, creio que
nenhuma mais seria mais própria do que esta: OPTAVI.
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