Gustavo Corção
Li
nos jornais a notícia da reunião de centenas de
religiosos, sob os auspícios da Conferência dos
Religiosos, e logo me alarmei na previsão dos disparates que
jorrarão para tristeza e vergonha dos que permanecem católicos
e, principalmente, dos religiosos que permanecem verdadeiramente
fiéis a seus votos. Já me chegam recortes e opúsculos
previstos, mas, antes de me espalhar nos comentários dessa
matéria, quero hoje responder a uma questão central que
foi brutalmente lançada pelo conferencista de uma das sessões:
“A vida religiosa” - disse o conferencista - “não tem
apoio nas Sagradas Escrituras”.
Ora,
essa afirmação é inexata e leviana. Em muitos
pontos poderíamos assinalar o apoio negado, mas
contentemo-nos, no momento, com o magno texto em que Santo Tomás
e
seus discípulos tão abundantemente se estribaram.
Respondendo ao moço que lhe perguntou o que deveria fazer para
ser perfeito, Nosso Senhor respondeu: “Se queres ser perfeito, vai,
vende tudo o que possuis, distribui o preço pelos pobres e
terás um tesouro nos céus; depois vem e segue-me.” O
moço recuou e voltou triste, porque era muito rico. Mas não
nos precipitemos a concluir que desta sorte se recusou ao preceito
geral e irrecusável sem recusa mortal de Deus: o de procurar
sempre a maior perfeição do amor de Deus. Santo Tomás
ensina IIª IIªe a. 3 ad primum que o moço se
intimidou diante dos meios aconselhados por Jesus, mas nada no texto
prova que, com a recusa dos meios, tenha recusado os fins. Eis o
texto de Santo Tomás: “Nessas palavras do Senhor é
preciso distinguir o que traça o caminho a seguir para chegar
à perfeição, a saber: “Vai, vende tudo o que
tens e dá aos pobres” e aquilo que concerne a essência
da perfeição: “Segue-me.” A esse propósito
São Jerônimo escreve: “é por não bastar
tudo deixar que Pedro acrescenta aquilo em que consiste a perfeição:
“nós te seguimos”. (...) Vê-se pois nos termos deste
texto que os conselhos têm um caráter de meio.”
No
seu tratado sobre a santificação dos sacerdotes. De
sanctificatione sacerdotum, ed. Marietti, p. 85, Garrigou Lagrange
volta a insistir nessa idéia de que a perfeição
não reside no conselho de pobreza, e cita Santo Tomás
na IIª IIªe a. 6 ad primum: “A perfeição da
vida cristã, como já vimos, não consiste
essencialmente na pobreza voluntária, que é apenas um
meio de atingir a perfeição. Não se deve pois
imaginar que a perfeição cresça à medida
que a pobreza se torne maior. A soberana perfeição é
compatível com a opulência.”
A
prática dos três conselhos evangélicos, pobreza,
castidade e obediência, não é obrigatória
para a procura da perfeição sempre maior, que é
preceptiva. Mas o mesmo Garrigou Lagrange nos ensina em Les Trois
Ages de la Vie Interieure, Tome I, p. 282 e seguintes, que é
difícil a subida da perfeição, sem o “espírito
dos conselhos”, i. é, sem o espírito de
desprendimento. Ora, esse espírito dificilmente se adquire sem
a prática efetiva dos conselhos, coisa que constitui a regra
do estado religioso para o qual Jesus chamou o moço rico e
também para o qual S. Paulo convida quando diz que não
casar é melhor do que casar. É portanto errônea e
leviana a frase eructada na reunião dos religiosos no colégio
São Bento. Pronunciada por um religioso ela se reveste de uma
especial repugnância.
Além
daquelas especulações teológicas que com firmeza
nos levaram a tão clara e sabida conclusão, todos nós
– refiro-me aos católicos – sabemos que, desde os
primeiros anos da vida da Igreja, a vida religiosa, instituída,
procurada para tornar mais seguro o caminho da perfeição,
tornou-se causa exemplar, princípio de animação,
modelo oferecido ao povo de Deus disperso no mundo. Pode-se até
dizer que, ao longo dos vinte séculos percorridos, o maior ou
menor esplendor da Igreja correu sempre paralelo ao maior ou menor
esplendor do monaquismo. Durante 15 anos ensinamos estas coisas
certas e guardadas no coração da Igreja. No Centro Dom
Vital ensinamos que a vida religiosa é a via excelente de
seguir o Cristo, e que as casas religiosas são o sal
purificador que, dentro da comunhão dos santos, compensavam,
completavam nossos pecados e nossas deficiências. As religiosas
dos mosteiros beneditinos e nos carmelos eram vistas por nós
como as melhores servidoras do mundo sendo as melhores servidoras de
Deus. Ajudavam-nos mais com suas orações e seus
silêncios do que pretendem hoje as virgens ou ex-virgens
acometidas de uma loquacidade idiota e de um ativismo demente.
A
última esperança que podemos ter nessa reunião é
a de que venham descobrir o que perderam: o que desprezaram, e a
falsidade da burlesca proposta com que nos tentam enganar depois de
se terem enganado a si mesmos. Por mim confesso que não abrigo
grandes esperanças. Depois do mal que fizeram, o
restabelecimento só virá através de dores
espantosas.
Ao
caro amigo beneditino que sacudia seu escapulário a perguntar
se “aquilo” era então uma pataquada, envio aqui esta
palavra de velho amigo. Agarremos-no àquele “e segue-me”
porque estamos na hora penúltima da ascensão do
Calvário. Imitemos Jesus nos últimos passos de nossa
vida e de sua vida. Sigamos o rastro de Sangue. E imitemos chorando
“Aquela que chora” na Sallete, e em tantos outros pontos deste
mundo tão seu, verte lágrimas diante do medonho
espetáculo que por toda a parte oferecem os sacerdotes, os
bispos e cardeais, e principalmente os “religiosos” que vomitam o
que prometeram num dia, cuja marca no céu parece ter-se
deslocado e caído no abismo.
Mais
de um Padre Religioso nestes dias visitou-me para trazer a boa
notícia de que são muitos os que choram.
Bem-aventurados, porque serão consolados.
Amice,
ploremus et oremus invicem.
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